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EIXO TEMÁTICO: PESQUISA CONCLUÍDA OU EM

ANDAMENTO

UM ESTUDO SOBRE A CONDIÇÃO DE PRODUÇÃO

Anais doVI Encontro Internacional de Alfabetização eEducação de Jovens e Adultos. Anais. Salvador (BA), 2019.
DE LEITURA DE ESTUDANTES DA EJA

Rosirene Bento da Rocha Formatted: Right, Line spacing: single


UFMT/PPPGE mestrado em Educação
Formatted: Font: Times New Roman, 10 pt, Not Bold,
rosirenerocha28@hotmail.com
Not Small caps, Not All caps
Formatted: Line spacing: single
Resumo Formatted: Font: Times New Roman, Font color: Auto

Objetiva-se, neste trabalho, apresentar a perspectiva da formação leitora dos Formatted: Right: 0", Space After: 0 pt
sujeitos- alunos de EJA e como esses se presentificam na produção da escrita e no
seu discurso. Deste modo, discutir as reais condições de produção do sujeito-
leitor e as formações discursivas e imaginárias nas quais ele se inscreve e de que
forma se apresenta nas suas opiniões e ideologias. E, também, refletir as
competências interpretativas e de cada sujeito-leitor sobre temas sociais,
analisando as respostas dialogando com a teórica da Análise do Discurso. A partir
disto, problematizar o nível de leitura dos alunos do 2º ano do EJA, da Escola
Estadual Professor João Rezende de Azevedo, e como esses interagem na
produção da leitura, levando em consideração suas condições de produção. A
análise teve como eixo central dois textos: Rosa de Hiroshima, de Vinicius de
Morais, e O Bicho, de Manuel Bandeira, que foram analisados pelos alunos,
caracterizados como informantes “A, B, C, D, E e F”, que responderam perguntas
relacionadas a temas históricos, críticos no que tangem à sociedade e ao homem.
Os textos selecionados e as respostas dadas às questões pelos informantes foram
examinados com o auxílio do material teórico coletado. Apresentamos as
conclusões a que chegamos para garantir os objetivos de nossas propostas à luz
da Análise do Discurso.

Palavras chave: Condição de produção, Educação de Jovens e Adultos, Leitura,


Formação imaginária, Formação discursiva e discurso.

Introdução

Partindo da Análise do Discurso (o dispositivo teórico eleito), o foco do trabalho se


centra na discussão da condição de produção de leituras dos alunos do 2° ano EJA da Escola
Estadual Professor João Rezende de Azevedo, em Alto Boa Vista - MT. Seis alunos fazem
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parte da pesquisa. Com os alunos A, B, C, D e F foram trabalhados, em sala de aula, dois
textos: 1) Rosa de Hiroshima, com o auxílio da professora de História, que contextualizou de
forma ampla os acontecimentos. Realizou-se pesquisa na internet e seminário na sala de aula;
2) O Bicho, de Manuel Bandeira, sob as mesmas condições dadas ao texto 1. Já para os
alunos caracterizados como D, E e F, essas condições foram negadas, o que levou a
constatação de que tiveram maior dificuldade na interpretação dos textos.
Assim, a discussão dos temas abordados nos levou a compreender a perspectiva da
formação contínua da produção da leitura; problematizando o baixo interesse dos estudantes
em produzir leitura, é que nos surgiram as seguintes indagações: será que isso é decorrente
de metodologias na formação? Quais as concepções de leituras que os professores têm na
formação contínua? E quais práticas são desenvolvidas em sala de aula?
Diante disso, faz-se necessário que a formação contínua da leitura seja pensada nas
proposições da Análise do Discurso, e que, diante dessa proposição formativa se deve

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repensar que, conforme Orlandi (2002), a condição da produção de conhecimento para
Análise de Discurso não é vista como desvinculada das condições materiais de existência
do sujeito, ao contrário, passa a ser entendida como uma função vital da linguagem e
produção de significado, e que vem se emergindo no crescimento da tecnologia; nesse
pressuposto a linguagem da/na EJA é afetada por vários fatores, que chegam a apagar o
efeito histórico de seu surgimento, precisando ser considerada a condição de produção de
leitura dos professores de uma Escola Estadual em Mato Grosso.
Trabalhar com o intuito de pensar a Educação de Jovens e Adultos requer,
primeiramente, colocar em perspectiva que esse processo de instrução se constitui em uma
modalidade de ensino que, além de não possuir uma política consolidada, está condicionada
à inadequação da formação oferecida aos profissionais do magistério das redes públicas,
dado que a modalidade não é parte integrante dos currículos de formação na maioria das
universidades públicas do Brasil.
Geralmente, os professores se aperfeiçoam na formação continuada. As populações
que não obtiveram acesso à educação em idade própria, destinadas ao EJA, compõem o que
algumas pesquisas trazem à tona como “analfabetos”, um número considerável. Assim, ao
contextualizarmos a EJA, é preciso refletir que estas pessoas estão inseridas no interior de
uma cultura letrada, no entanto não obtiveram acesso a ela de maneira sistemática,
diferentemente daquelas populações que possuem ingresso a uma cultura não letrada, mas
capaz de produzir igualmente formação. Uma formação que, por ser compreendida como
uma forma de status, lhes garante pertencimento, aceitação e reconhecimento (indígenas,
quilombolas, povos do campo, das águas e das florestas). Assim, de igual maneira, os saberes
e a cultura popular devem ser a medida que assegure aos estudantes do EJA o mesmo
pertencimento e reconhecimento e, por isso, os principais pontos de trabalho para o
currículo.
Assim, na perspectiva da produção de sentido, faz-se necessário pensar na
constituição do sujeito e pontuá-lo a partir da visão da Análise do Discurso. Aqui, esse
sujeito é pensado não apenas como sujeito psicológico, mas como materializado em si e fora
de si mesmo. Condicionado pela história e pela língua, a ele só é dado o direito de parte no
que expressa verbalmente. Parte desse sujeito é constituída da seguinte forma: ora é sujeito
da sua condição, ora é sujeitado a sua condição. Isso significa que dizer, para Orlandi (2002),
está sujeito à língua e à história, pois, para se constituir e produzir sentidos, ele é afetado por
ambas.
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Uma das marcas relevantes do sujeito discursivo da EJA, no viés da Análise do
Discurso, é que ele é determinado pela posição que ocupa, ou seja, o lugar de sua fala, que
efetivamente o prende como sujeito do que diz. O que interessa, nesse recorte, não é a
subjetividade do sujeito, mas, a posição que ocupa na constituição do seu dizer, que não se
desprende do contexto sócio-histórico no qual está inserido. Ele é interpelado pela ideologia,
uma vez que a linguagem não lhe é transparente e sua significação também não é unívoca,
pois cada sujeito se inscreve numa posição, em um lugar historicamente determinado. Assim
caracterizado, não se pode pensar o sujeito individualmente constituído, livre, já que lhe é
negada a condição de ser o dono de seu próprio dizer, pois são afetados por suas marcas
discursivas, posto que não há mais recuperação do que se fala.
Sendo assim, é de suma importância ressaltar que, na Análise do Discurso, os sujeitos
são plurissignificativos; isto quer dizer que podem ocupar diferentes posições e, a partir
disso, seus discursos serão de acordo com cada posição ocupada; por exemplo, um mesmo

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indivíduo fala do lugar de pai, de professor, de aluno, e a ele são dadas diferentes condições
de produção de sentido, marcadas de acordo com essas determinadas posições ocupadas.

As possibilidades de produção de leitura na EJA

Os alunos da EJA são jovens adultos, trabalhadores que sonham em viver, lutar,
morar, interagir no mundo em que estão inseridos, e não apenas sujeitos que não se
presentificam no mundo da leitura. A realidade do analfabetismo possui outro sentido.
Eles fazem parte de uma história e demarcam uma interação com seus afins,
naturalmente, com o mundo, criando saberes, produzindo um mundo de modo diferenciado.
Assim, consideramos que o ensino-aprendizagem processa uma atividade nos jovens e
adultos proveniente da palavra contextualizada com o mundo, repleta de uma historicidade
que (re)significa a produção de sentido.
Essa produção não se esgota na margem da palavra escrita, pois lemos o mundo,
pontuamos suas significações, o aprendizado de leitura vem antes de produzirmos o primeiro
sinal gráfico, lemos gestos, fotografias, pinturas, olhares etc. Somos leitores até mesmo do
silêncio, em determinado momento das nossas vidas, “ou seja, a leitura é uma prática social
que se remete a outros textos, e outras leituras” (KLEIMAN, 1998, p.10). Portanto, ao
produzirmos leitura, reportamo-nos a memórias de outras leituras, lugares, tempos sociais ou
atitudes que delimitam uma passagem sociocultural, à qual nos sujeitamos ideologicamente,
partindo de saberes /vivências acumuladas e mobilizadas em determinadas culturas da
história.

Desenvolvimento

Para a realização do trabalho têm-se como suportes teóricos os compêndios do


desenvolvimento das habilidades e leitura de PCNs; as discussões dentro da proposta da
Análise do Discurso se sustentam na estudiosa Eni Orlandi, mesclando-as com as teorias
críticas a respeito do assunto. Tivemos como corpus as possibilidades interpretativas
recolhidas dos/nos textos e das/nas interpretações feitas pelos alunos; assim constituímos
nossa análise da condição de produção do II ano EJA da Escola Estadual Prof. João Rezende
de Azevedo, de Alto Boa Vista - MT.

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Os termos trabalhados foram polêmicos e se tratavam de fatos históricos e políticos,
pois se pretendia elencar opiniões sobre a interpretação e produção de leitura dos
participantes da pesquisa.
Para a escolha do corpus, trabalharemos com dois textos: o texto 1 é O Bicho, de
Manuel Bandeira, e o texto 2, a Rosa de Hiroshima, de Vinicius de Moraes. Ambos
trabalhados em sala de aula, com o intuito de refletir a produção de leitura dos alunos, para
que, a partir disso, saibamos considerar a condição de produção de leitura de cada um e
discutir a formação imaginária e discursiva nas quais estão inseridos.
Para as análises propusemos um corpus composto por entrevistas, textos e leituras.
Em um primeiro momento o trabalho foi realizado com toda a turma, mas foram
selecionados apenas seis textos. Essa escolha se deu de acordo com a idade, sexo e o nível
discursivo, e é importante enfatizar que todos alunos são da mesma turma do período
noturno. Aos estudantes propusemos uma entrevista, com a qual caracterizamos a formação

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imaginária de cada um, norteando o posicionamento diante da produção das respostas, já que
elas foram dadas de acordo com a formação discursiva e imaginária de cada sujeito-aluno,
correspondendo ao que já havíamos discutido nos capítulos anteriores.
Vejamos as marcas caracterizadoras de cada sujeito-aluno participante da pesquisa, e
adiante como essas marcas se presentificam na sua produção de leitura e escrita. Para situar a
participação de cada sujeito, iremos tratá-los por sujeitos A, B, C, D, E e F, com suas
respectivas informações, para melhor relacioná-los aos recortes que serão caracterizados,
realizados nessa produção.
Informante “A”: 26 anos, católico, filho de analfabeto funcional. Diz não ter hábito
de leitura, trabalha e, quando tem tempo, prefere assistir filmes; comenta não estar
preocupado com a desigualdade social.
Informante “B”: 23 anos, filho de um militar e de uma professora, faz diversos tipos
de leitura em casa, não trabalha, frequenta a igreja evangélica, demonstra grande preocupação
com o desequilíbrio social. Nas horas de folga, vê filmes e consulta a internet.
Informante “C”: seu pai possui curso superior, é político, pratica leitura em casa. O
informante afirma que assistem jornais e que, com o incentivo da escola, já está iniciando
leitura de obras literárias, é um leitor assíduo da bíblia, canta no coral da sua igreja, já
gravou até um CD evangélico; revela, ainda, gostar de viajar e sair para bater papo com os
colegas.
Informante “D”: 19 anos, seus pais possuem o Ensino Fundamental completo, mesmo
assim, pratica algum tipo de leitura em casa, como jornais e revistas do Globo Rural. Diz que
nas horas de folga ajuda seu pai na lavoura. Quando lê, prefere livros de autoajuda; também
gosta de pescar e frequenta a igreja católica.
Informante “E”: 29 anos, seus pais não possuem o Ensino Médio completo, praticam
leitura em casa, assistem jornais e noticiários sobre o mundo. Ambos são funcionários
públicos. A informante conta que, nas horas de folga, gosta de descansar, pois trabalha num
supermercado. Às vezes joga futebol. Aos domingos, vai à missa e depois passeia com seus
colegas.
Informante “F”: 34 anos, seus pais possuem Ensino Fundamental e Médio completo,
são evangélicos. Além da leitura bíblica, só faz leitura sobre enfermagem, curso do qual é
aluna. Diz que não gosta de romance e que não assiste TV, pois a religião de seus pais não
permite que tenham TV em casa. Nas horas de folga, além de ir à igreja, dorme e, às vezes, lê

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um pouco. De vez em quando passeia com os amigos. A informante fez uma inferência sobre
a igreja, dizendo achar normal não ter TV em casa e que até gosta disso.
Todos possuem entre 18 e 34 anos. Responderam os questionamentos por escrito,
pois alegaram se sentir mais à vontade para demonstrar seus perfis. Esses questionários
foram distribuídos em sala de aula e recolhidos para comparação dos dados fornecidos e
relacionados às respostas dadas às questões sobre os temas trabalhados. Alguns desses
alunos afirmam que não tinham contato com nenhum tipo de leitura e, por já possuírem mais
de 18 anos, preferem rodas de conversa e ouvir músicas, que algumas vezes dão importância
para a letra, pois, em muitas ocasiões, não conseguem atribuir nenhum sentido a ela. Outros,
preferem dançar, ver TV, menos programas educativos, valorizam as novelas e apreciam o
Big Brother Brasil. Foi possível constatar que os entrevistados que declaram trabalhar,
demonstram menos acesso à cultura leitura, pois lhes falta tempo para pesquisa e até mesmo
para o lazer.

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Feito o esboço dos nossos entrevistados, nos reportaremos ao nosso recorte teórico
para elencar algumas noções mais relevantes dos nossos entrevistados, buscando confirmar
as informações nos compêndios teóricos da Análise do Discurso (ORLANDI, 1999, 2001 e
PÊCHEUX, 1996, 1997), para melhor embasamento e para nos auxiliar na compreensão da
produção que deriva de cada enunciado, ligando seu sujeito à posição ideológica do seu
discurso na produção de sentido.

Procedimento e perguntas relevantes

A grande dificuldade de produção de leitura, apresentada pelos alunos do Ensino


Adulto, reside na decodificação, o que, para Sírio Possenti (1999) significa ler, mas não
conseguir atribuir sentido ao texto lido. E isso se perpetua de acordo com a historicidade de
cada um e está relacionado à identidade sócio-histórico-cultural de cada aluno.
Decorrente disso, a interpretação de um texto variará de aluno para aluno. Em outras
palavras, há uma diversificada interpretação textual atrelada ao ponto de vista e à formação
imaginária e discursiva, que, por sua vez, nunca será a mesma.
É necessário lembrar que a condição de produção dada aos alunos também é
diferenciada. Em nosso caso, optamos por amparar pedagógica e tecnologicamente o grupo
com os alunos A, B e C e negligenciar esses aparatos ao grupo com os estudantes D, E e F.
Nessa perspectiva, temos uma condição de produção e os procedimentos que se
atrelam a ela. Daí algumas perguntas são suscitadas: qual a condição de produção que a
escola dá aos
seus alunos do ensino adulto, para que esses possam ler e escrever com legitimidade? Que
significado possui o ato da leitura para cada aluno? O que poderia significar o ato da
produção de sentido para alunos com uma vasta vivência de mundo? No que isso pode
contribuir para uma melhor significação? Essa interação gera um processo cíclico, pois, ao
mesmo tempo em que recebemos informações de nossos sentidos, os alunos de EJA se
apresentam noutro patamar, com sua carga de memória e lembranças, símbolos e
significados.

A relação dos alunos com os textos: envolvimento e interpretações


O aluno, ao ler pode ser interpretado, e gera outros significados. Porém, é necessário
refletir também a condição do professor como o sujeito-leitor que, nesse contexto, se
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apresenta como mediador do processo: que possivelmente ainda não possui uma formação
específica para trabalhar com esse público, então é preciso considerar suas expectativas e sua
história. Orlandi (1998) afirma “que leitura é uma questão de tudo ou nada. É uma questão de
natureza, de condições, de modos, de relação, de trabalho, de produção e de sentidos, em
outras palavras, de historicidade”.
Ainda de acordo com a autora, é possível entendermos melhor a discussão que nos é
apresentada: por que tamanha variação na produção de leitura? Cada aluno dialoga com o
texto dentro das suas possibilidades, estabelece com as palavras a relação que lhe permite a
leitura de mundo. Nesse contexto, podemos vivenciar a experiência de que possuem
capacidades interpretativas diferenciadas: uns saem do texto escrito; outros apenas
conseguem pronunciar as palavras, como se estivessem decifrando um código, obedecendo
tão somente o sistema estruturalista, no qual a língua é vista como uma reunião de códigos
arbitrários a serem decifrados.

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Para confirmar essa linha de raciocínio, com o objetivo de obter uma produção de
leitura, dois textos que tratavam especificamente de temas polêmicos foram selecionados,
ambos relacionados ao homem num contexto sócio-histórico-político: Rosa de Hiroshima
(texto 1), de Vinicius de Morais, e O Bicho (texto 2), de Manuel Bandeira. Em um primeiro
momento, alguns alunos olhavam para os textos sem atribuir o menor sentido a eles. Até
porque o texto 1 se trata de assunto relacionado à Segunda Guerra Mundial e nem todos
possuíam informações suficientes a respeito. Já o texto 2 versa sobre a desigualdade social, e,
para alguns alunos, esse assunto está fora de sua percepção, seja por falta de informação, seja
por desinteresse, segundo os depoimentos colhidos.
Vale ressaltar, ainda, que as respostas estavam de fato relacionadas ao ponto de vista
de cada um, pois, para fazerem outras leituras, eles teriam que ter um conhecimento um
pouco mais profundo sobre a desigualdade social, História Geral ou, até mesmo, de
Literatura, visto que, para se fazer uma boa leitura, necessitamos de outras. Enfim, serem
sujeitos-leitores com leituras diversas e inseridos em outro contexto histórico-social.
O texto obedece a regras que provêm não somente da coerência textual interna, mas
também das condições extra textuais de enunciação. O fato é que, de qualquer maneira, é
extremamente difícil perceber o sentido de uma obra sem o mínimo de conhecimento
histórico sobre as condições de sua existência (POSSENTI, 1993, p. 170). Por isso
afirmamos que a descoberta de um texto se deve à prática de mais leitura.
Outros princípios ainda têm que ser considerados. Ensinar a produzir leitura, não a
reduzir a uma questão de técnicas, mas significar no conjunto das demais ações sociais, e
que isso nos coloca o problema da leitura nas suas relações com o aluno e não somente com o
texto.

Leitura e significados das produções /Análises dos textos


Analisamos e comparamos opiniões e as marcas discursivas de cada sujeito-leitor, e
de que forma cada entrevistado atribui sentido e dialoga com o texto.
No texto 1, “O Bicho”, de Manuel Bandeira, perguntamos o posicionamento em
relação às atitudes da personagem e a reflexão que esses fazem das autoridades
governamentais e a sociedade civil; já no texto 2, “Rosa de Hiroshima”, qual a opinião sobre
o acontecimento catastrófico na poesia de Vinicius de Moraes. Ambos os textos, citados no
livro didático Português: Linguagem, Literatura do Ensino Médio, de William Roberto
Cereja e Thereza Cochar Magalhães. Por meio da produção textual, constituiu-se para os
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entrevistados A, B, C, D, E e F, ao longo do processo vivido, uma proporção de efeito
argumentativos, referentes às situações atuais e históricas, perpassado pela margem do não-
dito, que fez (re)significar aquilo que imaginam significativo, argumentativo, referente às
situações atuais e históricas, perpassado pela margem do não-dito.
Os recortes analisados foram referentes às seguintes indagações a respeito do poema
“O Bicho” (BANDEIRA, Manuel. In: MORAES, Emanuel de (Org.). Seleta em prosa e
verso. Rio de Janeiro: J. Olympio/MEC, 1971. p. 145).
Recorte “A”: depois de ter lido o poema, comente o ato humano de comer, degustar,
com a atitude da degradação humana, que coloca o homem na zoomorfização.
Recorte “B”: a metáfora tem propriedade de ressaltar um aspecto do ser por ela
designado. Porque o autor enfatizou O Bicho? Explique.
Recorte “C”: em sua opinião, a sociedade está preocupada com o menos favorecido?
Ou está cada vez mais individualizada? Comente e aponte soluções.

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Sujeito “E”, recorte “E”: “Naquela época, era a Segunda Guerra Mundial (1939-
1945). Depois dos Estados Unidos ter entrado para a Guerra, o primeiro ataque foi o
lançamento da bomba atômica na cidade de Hiroshima”.
Neste recorte, percebemos que o sujeito-leitor possui conhecimento sobre o fato
histórico, mas ainda não consegue fazer uma discussão aprofundada do assunto fora da
oralidade. Coloca-se na expectativa de falante bem informado, porém sem tantas
argumentações na escrita. Sua argumentação é pouco esclarecedora, salvo se o diálogo fosse
feito com interlocutores já avisados do assunto.
Apesar de ser um sujeito-leitor que possui acesso a outros tipos de leituras, limitou-se
a apenas contextualizar os fatos de maneira superficial. Isso não significa dizer que houve
uma interpretação sem muita eficácia, é que, às vezes, sujeitos apresentam diferenças da
oralidade à escrita. Nas explorações orais demonstram grande facilidade interpretativa,
fazendo-nos lembrar que a oralidade é diferente da escrita, mas que também é de grande
importância.
Nesta perspectiva, Foucault (1972) afirma que a relação do sujeito com o que diz, ou
seja, com o seu discurso, é complexa, por isso não podemos abordá-la de maneira
mecanicista e automática. Desta forma, não podemos avaliar a discursividade do sujeito-leitor
pela produção escrita.
Entre a oralidade discursiva e a escrita, persiste a condição dos leitores/escritores,
que são oriundos de sociedades mais antigas, em que não havia comunicação escrita, apenas
a oral. E suas histórias eram contadas e recontadas de geração a geração. E isso reaparece
nos leitores na/da EJA, esse imaginário de que alunos dão conta de discutir temas apenas
oralmente e, quando partem para a escrita, demonstram dificuldades, tais como ortografia,
sintaxe e, principalmente, em ordenar as ideias. E se tratando de aluno do ensino adulto, é
pertinente um maior uso da oralidade, pelo fato dos anos afastados do cotidiano escolar. Esse
afastamento e, ainda, a formação imaginária de alguns sujeitos-leitores, que não conseguem
argumentar na produção escrita.
Sujeito “F”, recorte “F”: “Não sei bem, mas acho que os outros países se juntaram
e ajudaram as pessoas que estavam precisando”.
Neste recorte, desejo fazer algumas inferências das condições de produção da
entrevistada. Essa afirma ser evangélica e que não tem acesso a informações provenientes de
jornais, revistas etc., pois sua religião não permite que tenham TV em casa.

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Na sua resposta, ela não demonstra clareza sobre os fatos e não consegue atribuir
grandes significados ao enunciado, já que diz “não saber bem...” e “acha que os outros países
se juntaram...”. A entrevistada constrói um discurso que não condiz com sua série/idade,
deixando implícito que suas condições de produção são bem diferenciadas.
Percebe-se que há uma falta de outras leituras, que se fazem necessárias para a
construção da produção de leitura. As explicações para esse quadro são muitas e se situam
nos campos cultural, social, psicológico etc. Sobre essa constatação, para focalizar minha
discussão, preciso optar pelo social.
As perguntas apresentadas para a entrevistada deveriam ter constituído mais
produção de sentido, mas, ao contrário, não lhe causaram grandes significações. Aqui, é
necessário dizer que, para um enunciado dialogar com o seu leitor, este leitor precisa,
minimamente, possuir uma história de leitura, pois a trilha marcada pela subjetividade do
texto vai sendo devassada por ele, pois que “a formação discursiva é, enfim, o lugar da

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constituição de sentido e da identificação do sujeito, é nela que o sujeito se reconhece em
relação consigo mesmo e com os outros sujeitos” (ORLANDI, 2001, p. 58).
Pensando assim, podemos perguntar como produzir sentido em relação a outros
textos sem outras leituras, se não é dada uma condição de produção suficiente para isso. No
caso específico da entrevistada, está bem explicitado, visto que as palavras possuem o
sentido da formação discursiva em que são produzidas, já que sujeito do discurso é
constituído pela interpelação ideológica e representa uma forma-sujeito, historicamente
determinada (ORLANDI, 2002, p. 115).
Portanto, cada sujeito fala do lugar que ocupa na sociedade; suas capacidades
argumentativas também são historicamente determinadas, e não há como produzir sentido
em determinado texto sem conhecer o mínimo de sua produção, ou sem consideráveis
condições de produção, pois essa determina a forma do diálogo com a leitura.

Considerações Finais
Propomos neste trabalho refletir a condição de produção de leitura dos alunos do IIº
ano EJA da Escola Estadual Professor João Rezende de Azevedo, pensando na posição do
sujeito e nas formações imaginária e discursiva as quais se filiam.
Neste sentido, podemos dizer que, nos textos analisados, cada sujeito se presentificou
usando mecanismo de antecipação de imagem do seu interlocutor, as respostas eram dadas de
acordo com a história de leitura de cada um. O sujeito-leitorse relaciona com o texto num
processo de significação, colocando-se nessa produção e deixando as marcas de sua posição,
da sua formação imaginária e discursiva.
Ficou visto que a produção de leitura se constitui na história do leitor, que,ao produzir
sentido, não se distancia do seu contexto socio-histórico, portanto, o ato de produzir sentido
significa e (re)significa, pois busca o tempo, o espaço e a realidade, e suas produções de
leituras estão ideologicamente perpassado por esse processo.
Nossa análise nos levaram à guisa das considerações que o sujeito-leitor se constrói no
interior de uma contradição que o sustenta e dentro da qual ele se posiciona. Esse leitor, por
sua vez, afirma-se dentro dessa perspectiva, demonstrando uma memória discursiva.
Percebemos que, para produzir leitura, é necessário pensarmos nas condições de produção do
sujeito-leitor,visto que a linguagem o perpassa com sua arena conflituosa, constituída
ideologicamente, mas que não se desloca da sociedade, portanto, não pode ser estudada
separadamente. Faz-se necessário saber que o locutor, ao escrever um texto, deve refletir não
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só seus objetivos na produção do discurso, mas pensar que os sentidos também podem ser
outros,já que a leitura não é um ato individual, mas sim um fato especificamente histórico,que
não se desprende jamais dessa conjuntura, pois uma leitura remete a diferentes fontes de
conhecimento e significam e (re)significam, dependendo dos seus respectivos leitores. .
As observações e análises apontam que as maiores dificuldades na produção de leitura
dos jovens e adultos, incluídos nessa pesquisa, ainda está nas proposições de leitura, pois
estão no nível da decodificação, e isso demonstra que os alunos fazem parte de uma
população que vive à margem do letramento escolarizado.Neste processo de produção de
leitura estão aprendendo a decodificar, mas não compreendem o que leem, são meros
decodificadores, não são leitores.Essa condição os coloca extremamente em exclusão.
Dito isso, comungo com o pensamento de que ler não é apenas a decodificação das
palavras, ler é mais, é compreender, mesmo que essa compreensão seja apontada por outras
leitura e carregada de outros significados.

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Assim, fica pressuposto, para nós, que essa diferença, no que tange à construção da
leitura (ler ou apenas decodificar), num trabalho pedagógico proposto em uma turma de EJA,
carece de outras motivações,que dão as reais condições de produção aos alunos, – neste caso,
a escola ainda não consegue visualizar as necessidades formativas desses sujeitos– e ao
mesmo tempo nos leva a perceber que os alunos envolvidos na pesquisa precisam ser
estimulados para a construção de sentido nas atividades com o ensino da leitura,
considerando produção de sentido como algo não é estanque, e que essa produção um
processo de reelaborações reflexivos e construídos a partir de outras leituras dialogadas com
outras informações.
Ao produzirmos leitura, reportamo-nos a memórias de outras leituras, lugares, tempos
sociais e atitudes que delimitam uma passagem sociocultural, ao qual nos sujeitamos
ideologicamente, então só se produz leitura partindo de saberes e vivências acumuladas e
mobilizadas em determinadas culturas, em determinada época da história humana.
Com base nas análises dos recortes trabalhados nesta pesquisa, enfatizamos que a
produção de leitura dos alunos do II Ano EJA/Ensino Médio da Escola Estadual João
Rezende de Azevedo, no ano de 2018,sinalizam as condições de produção e marcam a
posição de sujeitos-leitores com condições interpretativas diferenciadas daquelas
preconizadas pelas políticas educacionais da modalidade em estudo, visto que, em 2012,
iniciamos um trabalho avaliativo do ensino da leitura na abordagem discursiva com os alunos
dessa modalidade .
Em 2018, ao retomarmos para materializar o nosso recorte em uma turma do II EJA,
¨U, no intuito de comparar a perspectiva discursiva, percebemos que as marcas desses
sujeitos-leitores ainda sinalizam um aspecto de silenciamento na produção de leitura,
prevalecendo a pouca familiaridade com as competências interpretativas.
Esses recortes colhidos em 2018 demonstram que se faz necessário a efetivação de um
trabalho voltado para as necessidades formativas dos alunos, e que é, de suma importância,
um novo olhar para a formação dos professores em exercício com os sujeitos-alunos de EJA.
Enfim, compreender a prática de leitura da forma que proporcione uma tomada de
consciência, uma atribuição de significado a partir daquilo que o conhecimento do aluno
adulto possibilita,é repensar a produção de leitura na EJA, quando entendida como atividade
social, descobrir as significações,os seus sentidos e inferir a importância da leitura durante o
processo de ensino-aprendizagem dos jovens/adultos, como reconhecimento de um sujeito-

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aluno, possível de uma reflexão, legitimando seu conhecimento de mundo a partir de uma
dada condição de produção

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Linguagens, Códigos


e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEB, 2006, 239 p. (Orientações Curriculares para a
EJA).

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Autora: ROCHA, Rosirene Bento da: Professora Efetiva da Rede Pública de Ensino do Estado
de Mato Grosso, Licenciada em Letras - Português e Literatura pela Universidade do Estado
de Mato Grosso - Unemat (2007). Tem experiência como professora da Educação Básica na

Anais doVI Encontro Internacional de Alfabetização eEducação de Jovens e Adultos. Anais. Salvador (BA), 2019.
Disciplina de Língua Portuguesa e como Professora Formadora de área de Linguagem e
Códigos no Centro de Formação de Profissionais da Educação de Mato Grosso. Atualmente é
estudante no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMT pesquisando sobre a
formação leitora dos professores na Educação Básica, e é integrante do GRUPO DE
ESTUDO E PESQUISA LINGUAGEM ORAL, LEITURA E ESCRITA NA INFÂNCIA
(GEPLOLEI), da Universidade Federal de Mato Grosso.
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