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J U L I A N O MOREIRA
A Psycchiatria e a Guerra
Conferencia realizada no Club Militar
CAPITAL FEDERAL
1918
/ \ PSYCHIATRIA E A GUERRA
Exmas. senhoras. - ^^
Eximo. Sr. Marechal Ministro Guerra,
Exmos. Sns. Generales, Srs. officiaes, meus senhores.
Por excessiva gentileza dos. meus collegas da So-
ciedade Medico-Cirúrgica Militar, aqui estou, desagei-
tado e pacifico paizano, para falar-vos de algumas das
relações da neuropathologia com a guerra.
Se se tratasse de desculpar os meus amigos pela
imprudência de trazer-mle até aqui, eu vos referiria que
em 1889 quando foi da proclamação da Republica, ao
primeiro surto de decidida inclinação da juventude bra-
sileira para a generalisação do serviço militar, lá fui
eu em minha terra, ao velho quartel do 16, cujos fos-
sos embellezavamos nós, do alto do ntíâsó , espirito ju-
venil, com as mais heróicas e complicadas lendas, lá
fui eu também iniciar-me nos segredos do..g'eit:o de mar-
char em boa linha.
Não foram grandes nossos progressos em arte mi-
litar, porque essencial para quasi todos nós era mar-
char. Para que o resto, se logo verificamos que a nação
quasi em peso mesmo sem marchas nem oontramar-
chas, adherira ao movimento revolucionário? Por um
triz escapamos de crear o titulo de republicano histo-
rico, como depois o novO Portugal creara o de revolu-
cionário civil. E escapamos porque só a poucos faltára
a coragem de se não brazonar com aquelle qualifica-
tivo. Já então me impressionada a facilidade com que
nos acceitavam a todos nós no interior da caserna.
Passaram-se os annos. Veio a revolta contra o Ma-
rechal Floriano. Depois veio a campanha de Canudos,
para não falar senão nos tremores sociaes maiores de
nossa terra.
Foram essas opportuniuades que me fizeram co-
meçar a pensar nos ensinamentos que delias a psychia-
tría poderia tirar e dos conselhos que poderia tomar a
liberdade de lembrar aos chefes do nosso exercito.
Das tres vezes vi sossobrarem cerebros, cujo equi-
librio instável apenas aguardava o momento de rotura.
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Meus Senhores:
Cada vez mais, a melhor definição do soldado deve
ser a antiga do homem completo e harmonioo: mens
sana m corpor,e sano.
De ordinário, infelizmente, os regulamentos milita-
res se preoccupam com o corpo são, olvidando a mente
sari, como se o soldado moderno continuasse «a ser mais
um conjuncto dócil de alavancas do que uma intelligen-
cia vigilante servida por orgãos, mais um instrumento
do que um artifice de victoria, um guerreiro como o de-
finira Lycurgo, do que um homem como o exigira So-
lon». jL .
Nos tempos do soldado automato somente se lhe
exigia no dizer de Nimier que «physiologicamente fosse
sobretudo um medullar cuja cerebralidade somnolenta
apenas se despertasse sob a excitação aecidental dos aza-
res da guerra ou de alguns incidentes do tempo de paz.»
A exemplo, porém, da vida social nos povos civili-
sados, vós bem o sabeis, a vida militar tornou-se bem
mais complexa e se tem evidentemente espiritualisado.
Ao instructor militar não basta desenvolver pelo me-
thodo monotono da repetição, mais alguns centros re-
flexos na medulla. O dominio do «catatonismo e da es-
tereotypia» vae sendo relegado a um segundo plano e
de todo não desappareceu, porque é preciso transigir
com o passado e não tirar ao panorama militar os en-
cantos das exterioridades que por certo ainda atraem
50 por cento dos jovens alistados.
O exercito moderno só está a altura de seus .fins
quando é o producto filtrado a custa de intelligente te-
nacidade, de toda a massa da nacionalidade fluidificada
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Meus Senhores:
Em 1879 escreveu o velho Moltke que: «uma me-
lhora do presente estado de cousas não se produzirá
senão no dia em que todos os povos vierem a reconhecer
que toda a guerra, mesmo uma guerra victoriosa, é uma
desgraça nacional».
Um brilhante official francez, o tenente coronel Man-
ceau, disse não ha muito que: «II n'est pas douteuJÇ que
la guerre actuelle augmenterá le nombre des ennemies
de la guerre».
Bem convicto estou dessas verdades incontestáveis.
Seja, porém, como fôr, não chegará infelizmente tão
cedo o momento de desarmar o' mundo. Seja, pois, o exer-
cito, por uma rigorosa selecção de seus membros, uma
projecção sadia e integra* do resto da nação, encarre-
gada de velar pela saúde physica e mental desse resto,
ao qual transmittirá as qualidades adquiridas com as
voltas annuaes, ao seio do povo, dos que tiverem pas-
sado por esse crivo de disciplina mental que deve ser o
serviço da patria. E assim ha de ser até que todas as'
patrias se convençam definitivamente de que se devem
contentai' em serem apenas modestas parcellas de uma
só humanidade.