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HUIDOBRO

ALTAZOR
Basta senhora arpa das belas imagens
Dos furtivos comos iluminados
Outra coisa outra coisa buscamos
Sabemos pousar um beijo como um olhar
Plantar olhares como árvores
Enjaular árvores como pássaros
Regar pássaros como heliotrópios
Tocar um heliotrópio como uma música
Esvaziar uma música como um saco
Degolar um saco como um pingüim
Cultivar pingüins como vinhedos
Ordenhar um vinhedo como uma vaca
Desarvorar vacas como veleiros
Pentear um veleiro como um cometa
Desembarcar cometas como turistas
Enfeitiçar turistas como serpentes
Colher serpentes como amêndoas
Despir uma amêndoa como um atleta
Lenhar atletas como ciprestes
Iluminar ciprestes como faróis
Aninhar faróis como calhandras
Exalar calhandras como suspiros
Bordar suspiros como sedas
Derramar sedas como rios
Tremular um rio como uma bandeira
Desplumar uma bandeira como um galo
Apagar um galo como um incêndio
Vogar em incêndios como em mares
Segar mares como trigais
Repicar trigais como campanas
Dessangrar campanas como cordeiros
Desenhar cordeiros como sorrisos
Engarrafar sorrisos como licores
Engastar licores como jóias
Eletrizar joias como crepúsculos
Tripular crepúsculos como navios
Descalçar um navio como um rei
Pendurar um rei como auroras
Crucificar auroras como profetas
Etc, etc, etc.
Basta senhor violino afundado num ola ola
Cotidiana onda de religião miséria
De sonho em sonho possessão de pedrarias
……
A POESIA É UM ATENTADO CELESTIAL

Eu estou ausente mas no fundo desta ausência


Há uma espera de mim mesmo
E essa espera é um outro modo de presença
A espera do meu retorno
Eu estou em outros objetos
Ando de viagem a dar um pouco de minha vida
A certas árvores e a certas pedras
Que me esperaram por muitos anos

Cansaram de me esperar e se sentaram

Eu não estou e estou


Estou ausente e estou presente em estado de espera
Eles quereriam minha linguagem para se expressar
E eu quereria a deles para expressá-los
Eis o equívoco o atroz equívoco

Aflitivo lamentável
Vou adentrando nessas plantas
Vou deixando minhas roupas
Vão caindo as minhas carnes
E meu esqueleto vai se revestindo de cascas
Estou me tornando árvore Quantas vezes tenho me convertido em

[outras coisas…

É doloroso e cheio de ternura

Poderia dar um grito mas afugentaria a transubstanciação


É preciso manter silêncio Esperar em silêncio

…..

ARTE POÉTICA

Que o verso seja como uma chave

Que abra mil portas.


Cai uma folha; alguma coisa passa voando;
Que tudo quanto veem os olhos criado seja,
E a alma do ouvinte fique tremendo.
Invente mundos novos e cuide da sua palavra;
O adjetivo, quando não dá vida, mata.
Estamos em um ciclo de nervos.
O músculo pende,
Como lembrança, nos museus;
Mas nem por isso temos menos força:
O verdadeiro vigor
Reside na cabeça.
Por que cantar a rosa, ó, Poetas!
Façam-na florescer no poema;

Somente para nós


Vivem todas as coisas sob o Sol.
O Poeta é um pequeno Deus.

…..

NICANOR PARRA

Advertência ao leitor
O autor não responde pelos incômodos que possam causar seus
escritos.
Apesar dos pesares
o leitor deverá dar-se sempre por satisfeito.
Salebius, que além de teólogo foi um humorista consumado,
depois de ter reduzido a pó o dogma da Santíssima Trindade
será que respondeu por sua heresia?
E se chegou a responder, como é que fez!
Em que forma desbaratada!
Apoiando-se em que cúmulo de contradições!
Segundo os doutores da lei este livro não deveria publicar-se:
a palavra arco-íris não aparece nele em parte alguma,
menos ainda a palavra dor,
a palavra torquato.
Cadeiras e mesas é que aparecem a granel,
Ataúdes!, utensílios de escritório!
o que me enche de orgulho
porque, no meu modo de ver, o céu está caindo aos pedaços.
Os mortais que leram o Tractus de Wittgenstein
podem bater com uma pedra no peito
porque é uma obra difícil de encontrar-se:
mas o Círculo de Viena foi dissolvido faz tempo,
seus membros dispersaram sem deixar rastro
e eu decidi declarar guerra aos cavalieri della luna.
Minha poesia pode perfeitamente não levar a parte alguma:
“os risos deste livro são falsos!”, argumentam meus detratores,
“suas lágrimas, artificiais!”
“Em vez de suspirar, nestas páginas a gente boceja”.
“Dá patadas como criança de colo”.
“O autor faz-se entender pelos espirros.”
De acordo: convido-os a queimar vossas naves,
como os fenícios pretendo criar meu próprio alfabeto.
Então, por que molestar o público?, perguntarão os amigos leitores:
“Se o próprio autor começa desprestigiando seus escritos,
que se pode esperar deles!”
Cuidado, eu não desprestigio nada
ou, melhor dizendo, exalto meu ponto de vista,
vanglorio as minhas limitações
ponho nas nuvens minhas criações.
Os pássaros de Aristófanes
enterravam suas próprias cabeças
os cadáveres de seus pais
(cada pássaro era um verdadeiro cemitério voador).
No meu modo de ver
chegou a hora de modernizar esta cerimônia
e eu enterro minhas plumas na cabeça dos senhores leitores!

….
Solo de Piano

Já que a vida do homem não é mais que uma ação a


distância
Um pouco de espuma que brilha no interior de um
copo;
Já que as árvores não são senão móveis que se agitam.
Não mais que cadeira e mesas em movimento
perpétuo;
Já que nós mesmos não somos mais que seres
(Como o próprio deus não é outra coisa senão deus);
Já que não falamos para ser escutados
Senão para que os outros falem
E o eco é anterior às vozes que o produzem;
Já que nem sequer temos o consolo do caos
No jardim que boceja e se enche de ar,
Um quebra-cabeças que é preciso resolver antes de
morrer
Para poder ressuscitar depois tranquilamente
Quando usamos a mulher em excesso;
Já que também existe um céu no inferno,
Deixei que também eu faça algumas coisas:

Eu quero fazer um ruído com os pés


E quero que minha alma encontre seu corpo.

…..

A MONTANHA RUSSA

Durante meio século


A poesia foi
O paraíso do tonto solene
Até que vim eu
E me instalei com minha montanha russa.
Subam, se lhes parece.
Claro que não respondo se descerem
Vertendo sangue pela boca e nariz.

…..

Gabriela Mistral

A TERRA

Tradução de José Jeronymo Rivera

Indiozinho, se estás cansado


Tu te recostas sobre a Terra,
fazes igual se estás alegre,
vai, filho meu, brinca com ela...

Que de coisas maravilhosas


soa o tambor índio da Terra:
se ouve o fogo que sobe e desce
buscando o céu, e não sossega.
Roda e roda, se ouvem os rios
em cascatas que não se contam.
Se ouve mugir os animais;
comer o machado a selva.
Ouve-se soar teares índios.
Se ouvem trilhos e se ouvem festas.

Aonde o índio está chamando,


o tambor índio lhe contesta,
e tange perto e tange longe,
como o que foge e que regressa...

Tudo toma, tudo carrega


o corpo sagrado da Terra:
o que caminha, o que adormece,
o que se diverte e o que pena;
os vivos e também os mortos
leva o tambor índio da Terra.

Quando eu morrer, não chores, filho:


peito a peito junta-te a ela
e se dominas o teu fôlego
como quem tudo ou nada seja,
tu ouvirás subir seu braço
que me jungia e que me entrega
e a mãe que estava quebrantada
tu a verás tornar inteira.

….
A CHUVA LENTA

Trad. de Ruth Sylvia de Miranda Salles

Esta água medrosa e triste,


como criança que padece,
antes de tocar a tierra,
desfalece.

Quietos a árvore e o vento,


e no silêncio estupendo,
este fino pranto amargo,
vertendo!

Todo o céu é um coração


aberto em agro tormento.
Não chove: é um sangrar longo
e lento.

Dentro das casas, os homens


não sentem esta amargura,
este envio de água triste
da altura;

este longo e fatigante


descer de água vencida,
por sobre a terra que jaz
transida.

Em baixando a água inerte,


calada como eu suponho
que sejam os vultos leves
de um sonho.

Chove... e como chacal lento


a noite espreita na serra.
Que irá surgir na sombra
da Terra?

Dormireis, quando lá foram


sofrendo, esta água inerte
e letal, irmã da Morte
se verte?

….

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