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Era uma (outra) vez: o design do livro digital infantil no Brasil

SILVINA RUTH CRENZEL


____________________________________________

Considerações iniciais

Estamos chegando ao final da primeira década do século XXI e, portanto, já se passaram mais de 20
anos da data para a qual, em XXXX, George Orwell descrevera, na sua obra intitulada 1984, um
pesadelo de ficção científica cujas previsões incluíam o controle total da humanidade por um sistema
de computadores que vigiariam e controlariam a humanidade. Se é um fato que o “Big Brother” de
Orwell não se concretizou, é fato, também,que a presença de telas de computadores é cada vez mais
uma realidade na vida de uma grande parte da população mundial.

No início da “revolução digital” (Nicollacci da Costa , 1998), a existência de computadores pessoais


ou domésticos nos lares foi privilégio das famílias mais abastadas e de classe média. Não foram
poucos os trabalhos escritos a respeito do abismo cultural que a falta de acesso a computadores
poderia provocar entre os cidadãos mais e os menos privilegiados do mundo e, em nosso caso
específico, na América Latina (Ferreiro, 2002) e ainda, mais precisamente, no Brasil ( Spitz 1991;
1998 ( netizens ), Embora a existência de computadores nos lares ainda esteja muito vinculada ao
poder aquisitivo das famílias, atualmente no Brasil, graças a iniciativas de ongs e governamentais, o
acesso de crianças ao mundo digital dos computadores já é consideravelmente abrangente e as
perspectivas para os próximos anos, animadoras.

Podemos, então, dizer que o computador já é uma realidade para muitas crianças e aprender a tirar
proveito de seu uso não mais um privilégio, mas uma necessidade.

A tela do computador é um espaço fascinante para crianças pequenas

Antes de escrever sobre o design do livro digital infantil no Brasil é importante que se estabeleça uma
definição para o que aqui se entende, livro infantil, depois, o que é um livro digital, o que se entende
por livro digital infantil e, por último, quais e como são aqueles que correspondem à categoria (de
livro digital infantil) como produto de design do Brasil. Serão delimitados, a seguir, cada um dos
conceitos relacionados.

O Livro Infantil(Cardoso, 2005 p.160)

Segundo alguns dos mais respeitados autores e pesquisadores de literatura infantil, a história do livro
infantil no Brasil é relativamente recente: nasce no final do século XIX e se configura como sistema
literário nos pouco mais de cem anos de sua existência (Camargo, 1995; Zilberman & Lajolo, 1986).
2
“Ainda assim, é preciso esclarecer de que livro se está falando, pois nessa categoria se incluem os
livros de aprender a ler e a as séries de leituras graduadas que os completam (...) escolares (...)e os
que se caracterizam como de recreação ” (Meireles, 1979 p.23). É o livro que traz em seu conteúdo
fatos ao alcance da criança e dos quais decorram “ensinamentos que o adulto julga interessantes para
ela” (Meireles, 1979 p. 27). Trata-se, portanto, do livro escrito por adultos para crianças, com
linguagem e pontos de vista que este considera mais adequados a seus leitores e com estilos que,
também, acredita serem ao gosto do seu público (Meireles, 1979). “Costuma-se classificar como
Literatura Infantil o que para elas se escreve”, embora defenda que “seria mais acertado, talvez, assim
classificar o que elas lêem com utilidade e prazer” e vê como um problema que se tenha estabelecido
“uma literatura infantil“1 como “uma especialização literária visando particularmente os pequenos
leitores” (p. 20). Para ela, no lugar dessa, uma classificação mais apropriada seria a de “Livros para
Crianças” (p. 20). (incluir algo do Guto Lins)

Ainda parafraseando Meireles, o que foi feito ate aqui foi, apenas, “remover o obstáculo do
‘livro infantil’ 2” (Meireles, 1979 p.20) de forma que a sua classificação, assim, não “perturba
a dissertação” (ibid) sobre o tema em questão.

No que diz respeito ao projeto de design para o livro infantil, esse requer especial atenção quanto à
ilustração que, nele, assume especial importância. Embora à ilustração sejam usualmente atribuídas
funções estéticas ou complementares do texto junto ao qual ela aparece, ela pode ter várias outras
funções (Camargo, 1995).

Muito mais do que apenas ornar ou elucidar o texto, a ilustração pode, assim, representar, descrever,
narrar, simbolizar, expressar, brincar, persuadir, normatizar, pontuar, além de enfatizar sua própria
configuração, chamar atenção para o seu suporte ou para a linguagem visual (Camargo, 1995).

Particularmente no livro infantil o conceito de texto ultrapassa os limites do código verbal pela
associação entre a linguagem textual e a ilustração. As duas linguagens compartilham o mesmo
suporte e, para crianças, é a ilustração que geralmente funciona como a linguagem de acesso mais
imediato (Ramos & Panozzo, 2004). “Para os pequeninos leitores, a boa lei parece ser a de grandes
ilustrações e pequenos textos. Grandes ilustrações, - pois à criança só se devia dar o ótimo” (Meireles,
1979 p. 112).

Não por acaso o clássico de Lewis Caroll 3 (2000), Alice no país das maravilhas, considerado o caso
mais interessante da literatura infantil do século XIX (Meireles, 1979), começa com essa menina
reclamando de tédio por não ver graça no livro sem ilustrações que a irmã lia:

Alice estava começando a se cansar de ficar sentada ao lado da irmã à beira do rio, sem ter nada para fazer:
uma ou duas vezes ela tinha espiado no livro que a irmã estava lendo, mas o livro não tinha desenhos, nem
diálogos: ‘‘E de que serve um livro’’, pensou Alice, ‘‘sem desenhos ou diálogos?” (Caroll, 2000 p.19).

Quando se considera que a ilustração é uma imagem que acompanha um texto deve-se reconhecer
que a sua função não é isolada, mas tem relação com o texto. Essa relação “pode ser denominada
coerência intersemiótica, denominação essa que toma de empréstimo e amplia o conceito de
coerência textual” (Camargo, 1995), entendendo-se como essa relação de coerência:

1
Posto entre aspas e minúsculas pela autora no original.
2
Posto entre aspas e minúsculas pela autora no original.
3
Pseudônimo de Charles L. Dogson.
3
“(...) a convergência ou não-contradição entre os significados denotativos e conotativos da ilustração e do
texto. Como essa convergência só ocorre nos casos ideais, pode-se falar em três graus de coerência: a
convergência, o desvio e a contradição”. Avaliar, portanto, a coerência entre uma determinada ilustração e
um determinado texto significa avaliar em que medida a ilustração converge para os significados do texto,
deles se desvia ou os contradiz (Camargo, 1995).

O Livro Digital

Encontra-se sob o rótulo de livro digital qualquer texto disponibilizado em suporte eletrônico, como a
Internet ou CD-ROM. Na Internet, principalmente, é comum encontrar títulos que foram
digitalizados, ou, melhor seria dizer, cujas páginas impressas foram copiadas 4 e disponibilizadas
como imagens, sob a classificação de livro digital. Há, também, livros transcritos, ou mesmo
originalmente gravados em formatos compatíveis com o computador, como PDFs (Adobe acrobat) 5,
SWF (Macromedia Flash) (Rocha, 2007), ou como páginas de texto comuns da Web (em HTML)
(Bilac, 2007). Nesses últimos, há os que contêm, também, algumas imagens ilustrativas (ICDL,
2005).

Não se pode deixar de mencionar, também, os livros com versões faladas disponíveis na Internet e em
CD-ROM nos formatos MP3, WAV ou Real Player, como os que foram gravados para a biblioteca
virtual para cegos da Fundação Dorina Nowill (2006), as fábulas Projeto DOSVOX do Núcleo
de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro e as obras cedidas pela
Audioteca Kaete Heyman da Comunidade Shalom - Liga Israelita do Brasil, para a Biblioteca
Virtual Do Estudante De Lingua Portuguesa (http://www.bibvirt.futuro.usp.br/).

Em “A aventura do livro: do leitor ao navegador; conversações com Jean Lebrun” (1998), o


historiador Roger Chartier inclui o meio eletrônico quando fala sobre as diferentes formas existentes
que, tendo o texto como pressuposto, são atualmente utilizadas na comunicação. Para ele, cada
suporte de leitura do texto deve configurá-lo, para que as peculiaridades de cada meio sejam
aproveitadas, caracterizando, assim, para um mesmo texto, diferentes versões e formas de interação
(entre o texto) e o leitor (Chartier, 1998). “A obra não é jamais a mesma quando inscrita em formas
distintas, ela carrega a cada vez, um outro significado'” (p.71).

Nessa mesma obra, Chartier também faz alusão à biblioteca Universal sobre a qual Jorge Luis Borges
escrevera em 1941, em seu conto “La Biblioteca de Babel” (Borges, 1999 p. 86). Seria essa uma
biblioteca onde estaria reunido tudo o que fosse possível escrever pela combinação dos “vinte e tantos
símbolos ortográficos” (p. 92), em todos os idiomas, mesmo do passado e do futuro.

Deixando de lado o exagero que resulta do aspecto fantástico da literatura borgesiana, diversos
projetos reais que tentam abrir as possibilidades de acesso ao conhecimento escrito a toda a
população vêm sendo implementados por meio de recursos digitais. Entre todos, provavelmente, os
maiores e mais ambiciosos sejam o do Projeto Gutenberg (www.gutenberg.org) e o Google Books
Library Project (Degtyareva, 2005). Os textos que vêm sendo disponibilizados por iniciativas deste
tipo são digitalizações publicadas como imagens, com capa e páginas de texto, uma após a outra, tal
como nas suas versões originais impressas. Também nessa linha se inclui o ICDL - International
Children's Digital Library, da Universidade de Maryland (http://www.childrenslibrary.org/) que,
4
“Scanned”, em inglês, é a palavra adequada, mas não parece possuir tradução exata para o português.
5
A exemplo de: http://www.estudantes.com.br/bib_virt.asp#
4
6
desde 2005, conta com a colaboração da PUC-Rio para adaptar, expandir e localizar os conteúdos
visando o público infantil brasileiro.

Sem entrar no mérito da questão, ou do valor sócio-cultural e educacional que tem a possibilidade de
existirem livros acessíveis para todos, principalmente os gratuitos ou a custos muito baixos, esses não
cabem, aqui, como livros digitais. Se houver necessidade de atribuir-lhes alguma nomenclatura,
deverão ser referidos como “livros digitalizados”.

O que será considerado como livro digital propriamente dito é aquele que contém uma história
contada lançando mão de recursos que permitem o aproveitamento das peculiaridades dos meios
multimidiáticos e interativos (Chartier, 1998). Em outras palavras: narrativas apresentadas em
suportes eletrônicos com animações, música, som e/ou narração, e (pelo menos) algum recurso
interativo (De Jong & Bus, 2003).

Uma diferença conceitual importante entre o design do livro impresso e do digital reside na questão
autoral. Se, no primeiro, o capista e o ilustrador assinam as suas obras e por elas recebem
reconhecimento e projeção, o mesmo não acontece em produções digitais.

Pode-se encontrar uma explicação para isso no fato de que a produção de multimídia, mesmo por ser
multi, envolve o domínio simultâneo de uma série de conhecimentos de diferentes áreas que um único
sujeito dificilmente poderá deter (música, sonorização, ilustração, animação, etc), bem como ter
acesso a todos os recursos técnicos e informáticos necessários para produzir e publicar um título
digital interativo individualmente. A produção de multimídia, portanto, requer o trabalho de uma
equipe que, na melhor das hipóteses, assinará coletivamente em nome de uma produtora.

O Livro Digital Infantil

Em novembro de 2000 o presidente de uma editora canadense especializada em livros infantis


publicou um artigo no qual dizia ter percebido que os livros eletrônicos já tinham conseguido uma
boa penetração no mercado junto a consumidores ávidos por novidades tecnológicas, entusiastas de
ficção cientifica e algumas livrarias. Entretanto, essas publicações vinham falhando em cativar as
crianças em constante contato com novas tecnologias de comunicação e entretenimento digital:
“sempre acreditamos que crianças que crescem interagindo e brincando equipamentos digitais como
Sega7, Gameboy8 e jogos de computador; não se satisfarão com livros eletrônicos estáticos” (Zevy,
2000 p.43).

Esse era o maior problema dos livros eletrônicos infantis no mundo todo quando o artigo foi
publicado. Nessa época a empresa em referência criou uma divisão especifica para atender a esse
publico como entendiam que deveria ser, ou seja, incluindo animações, música, narração, textos
escritos e funções interativas. Mais uma vez recorrendo a Chartier (1998) eles passaram a utilizar e
aproveitar os recursos que o suporte digital proporciona.

Além dos livros animados disponíveis on-line, o mercado de livros digitais se constitui de títulos
adaptados da literatura infantil impressa ao meio eletrônico em forma de CD-ROM onde, em geral,
são incorporados os mesmos recursos dos livros na Internet, além de incluir jogos e atividades ocultas

6
Localizar neste caso significa: adaptar, inserir em um certo contexto.
7
Sega: consoles e programas de video-games portáteis desenvolvidos pela empresa de mesmo nome.
8
Gameboy: console da Nintendo para jogos digitais interativos portáteis
5
ao longo da história, pelo que se conhece com nome de “hot spots”, ou, também, paralelamente às
narrativas, como atividades e recursos adicionais à história.

Em outras palavras, livros digitais infantis são uma forma de narrativa que integra com efeitos
multimídia com texto escrito, leitura oral, música, efeitos sonoros e animações. As imagens ou textos
podem ter “hot spots” para serem ativados pelos leitores/usuários (De Jong & Bus, 2000), que, a
partir deste ponto, serão chamados interatores (Murray, 1997). As peças que se encaixam nesse
formato serão, aqui, consideradas livros digitais.

Como acontece com relação ao conteúdo literário dos livros impressos destinados a qualquer público,
há para todos os gostos (e desgostos): livros de excelente qualidade, bons, ruins e, “no plano ínfimo, a
baixa qualidade da literatura que, em geral, se põe ao alcance das crianças” (Meireles, 1979, p.11).

Em design, há quem considere que, por já ter sido criança ou ter crianças em casa, está apto a avaliar
a usabilidade de um produto para crianças. “Isto raramente traz bons resultados” (ZAREMBA et. Ali
2000). Podemos tomar como exemplo uma situação na qual se testava uma atividade de “arrastar e
soltar” em um software educativo. Nesta atividade, o objetivo era selecionar alimentos e colocá-los
em um liquidificador. Contrariando as expectativas dos desenvolvedores do software, as crianças
deixavam os alimentos escolhidos no topo do copo para que “caíssem” dentro dele (Donker, 2004).

Não há esforço de avaliação adulta que possa revelar as questões com as quais as crianças se deparam
(Tapscott, 1999; Donker, 2004), ou a forma como processam as informações (Libby, 1997). Neste
sentido, livros digitais não são diferentes de qualquer outro produto de design interativo e, portanto,
seu planejamento exige atenção, estudo, e um olhar voltado às formas de uso pelo público infantil.

Embora o comportamento humano não seja completamente previsível ou linear, pode-se definir o que
funciona como bom e mau design digital para crianças tomando-se por base dois estudos extensos
sobre a relação entre crianças e livros digitais infantis (De Jong & Bus, 2002; Korat & Shamir, 2004).
Ao longo de vários meses, ambos estudos acompanharam crianças entre três e seis e anos de idade
comparando seus comportamentos com relação a livros impressos e digitais, fazendo análises
qualitativas e estatísticas (quantitativas) dos resultados sobre apreensão de conteúdos de títulos cujas
narrativas foram publicadas no suporte de papel e digital.

Partindo do princípio que atualmente crianças pequenas podem fazer suas próprias leituras auxiliadas
pelo computador em livros eletrônicos, as autoras desses trabalhos tiveram por objetivo, com
resultados obtidos em suas respectivas pesquisas, poderem fornecer uma série de recomendações
sólidas para designers de futuros livros digitais em diferentes países e idiomas.

Consideraram que os efeitos de multimídia podem ser úteis no que se refere à orientação e
entendimento das narrativas, além de trazerem benefícios adicionais (para-didáticos) como dar apoio
ao processo de alfabetização, facilitando o aprendizado da leitura e a escrita (Labbo & Kuhn, 2000;
De Jong & Bus, 2003; Korat & Shamir, 2004).

Deparando-se com um baixo nível de compreensão de certas histórias “lidas” nas versões em CD-
ROMS por crianças que ainda não tem bom domínio da leitura, ao cruzarem dados estatísticos
concluíram que isso acontecia quando a versão digital trazia inconsistências entre as animações dos
“hot spots” e o conteúdo narrativo das histórias (De Jong & Bus, 2003; Korat & Shamir, 2004). Pode-
se emprestar aqui os conceitos apresentados a respeito das funções da ilustração no livro impresso: a
6
questão da coerência intersemiótica. Em casos como estes ela acontece nos níveis de desvio e da
contradição (Camargo, 1995)

Outra importante conclusão desses estudos foi a de que “as muitas opções atraentes dos livros digitais
parecem afastar a atenção das crianças do texto e provocar uma redução no número de vezes que a
criança se dispõe a acompanhar o texto verbal, em favor da exploração icônica e pictórica” ( Korat &
Shamir, 2004p. 154). Em outras palavras, quando ao longo da história é dada à criança a possibilidade
de jogar (enquanto a história se desenvolve), ativar “hot-spots” que trazem efeitos visuais
incongruentes com a narrativa, ou poder sair da história a qualquer momento para jogar, interfere na
compreensão da narrativa. Foi avaliado como negativo o recurso do qual lançam mão alguns títulos,
de tomar toda a tela (full screen), sem oferecer botões alternativos e eliminando, assim, toda e
qualquer possibilidade de controle das seqüências por parte do interator.

Em contrapartida os dois estudos verificaram que, quando o livro digital infantil é bem elaborados,
animações, mesmo nos “hot spots” quando coerentes com a narrativa, sons e música de fundo
auxiliam na compreensão das histórias. Esses livros possuem como principais características a
separação do conteúdo narrativo do puramente lúdico e os jogos e distrações são habilitadas somente
depois de uma leitura seqüencial da história.

Foi constatado, também, que a presença telas introdutórias, títulos em cada tela, a possibilidade de
controlar a navegação com setas de ida e volta, além haver de links claros e visíveis para “saída” e
retorno à página inicial, são itens que colaboram no entendimento das histórias e no prazer das
crianças de interagir com a leitura em suportes digitais. Dito de outra forma parece fundamental que o
interator tenha controle da navegação.

O livro digital infantil brasileiro

Consideram-se como produto de design brasileiro os livros digitais infantis que preenchem as
características que o definem genericamente e que foram idealizados, projetados e produzidos no
Brasil, seja qual for a origem cultural das narrativas. Neste trabalho só estão sendo considerados os
livros com conteúdo principal ou unicamente literário. Não estão sendo levados em consideração os
títulos chamados para-didáticos, que têm como principal objetivo serem coadjuvantes para a
educação infantil 9.

Causa certa estranheza que, a essa altura dos acontecimentos culturais do século XXI, ao procurar por
títulos de livros digitais infantis em sites de mega livrarias nacionais, deva-se passar por um tortuoso
percurso de links que leva, ao fim da trajetória, a uma sub-categoria de “Games / Software” que
abrange “Cursos, Educativos e Softwares Infantis” 10. Não existe ainda, portanto, a categoria de livros
digitais ou livros eletrônicos, muito menos infantis.

São duas as formas de apresentação de livros digitais sendo consideradas entre os títulos de literatura
infantil digital brasileira disponíveis no mercado: as versões em CD-ROM, disponíveis somente para

9
Embora sejam muitos os títulos que existem nessa categoria, o interesse deste trabalho é no “transporte” de
narrativas literárias para o meio digital.
10
Resultado de buscas efetuadas nos sites das livrarias Saraiva, (www.saraiva.com.br), Fnac e Cultura
7
venda, e on-line, na Internet, onde alguns títulos podem ser acessados por qualquer pessoa, e outros, a
maioria, exigem uma assinatura paga e são, ainda, em número bastante reduzido.

Os que estão hoje disponíveis em CD-ROM restringem-se a duas coleções principais: o “Mundo da
Criança” (Delta, 2004) e a série do “Sítio do Pica-pau Amarelo” (Globo, 2001).

1.O “Mundo da Criança”, criada pela Editora Delta, com tradição de mais de 50 anos no
mercado editorial (Delta, 2003).

Da coleção de CD-ROMs da Editora Delta, apenas um dos oito títulos se enquadra como de conteúdo
essencialmente literário e, portanto, como livro digital. Trata-se do “Era uma Vez Volume 1” que
contém os contos “A Galinha Ruiva”, “A Roupa Nova do Imperador”, “Os Três Carneirinhos” e “A
Casa que João Construiu”.

O Mundo da Criança tem, também, um portal e um navegador próprio para a Internet. As crianças
que “assinam” pagando uma taxa 11 têm acesso 40 conteúdos aproximadamente, dez dos quais são
literários. Estão on-line as quatro histórias do CD-ROM e outras seis. Para análise dos conteúdos
trataremos do conjunto de contos como um produto único.

2.A coleção das histórias adaptadas pela rede Globo dos livros de Monteiro Lobato do Sitio do
Pica Pau Amarelo.

Embora, com exceção do primeiro, todos eles tragam algum conteúdo para-didático, do conjunto de
seis CD-ROMs infantis da série do “Sítio”, cinco podem ser considerados livros digitais: As “Novas
Reinações de Narizinho no Reino das Águas Claras”, “Caçadas de Pedrinho”, “Emília e a Reforma da
Natureza”, “Geografia de Dona Benta” e “A Nova Aritmética da Emília”.

A seguir, será relatada a trajetória das duas coleções e serão analisados seus conteúdos, sob o ponto de
vista do Design.

Mundo da criança: Era uma vez, Volume 112 (Delta, 2003)

A Editora Delta foi fundada em 1930 e desde então vem sendo responsável por muitas publicações
dentre as quais a coleção Mundo da Criança, na década de 1950.

A sua trajetória multimídia começou no início da década de 1990 com a importação e representação
de CD-ROMs estrangeiros. O crescimento do público que possuía computadores domésticos com kits
multimídias começou um processo de localização de produtos. Isto é, a empresa não só traduzia, mas
11
O valor da mensalidade em 2007 é de R$ 5,90 e existe a possibilidade de contratar um contrato trimestral ou
anual com valor proporcional reduzido.
12
Todas as informações aqui disponibilizadas sobre a Delta foram extraídas de uma série de entrevistas e
correspondência com dois gerentes da divisão multimídia da editora Delta em junho de 2007, a quem agradeço
sinceramente por sua boa vontade cooperação (N.A: não solicitei a devida autorização para divulgar seus
nomes, portanto, nesta versão, não poderei fazê-lo),
8
adaptava o conteúdo (locução, "lip sync", textos, animação). Nessa fase, entre 1994 e 1996, foram
lançados os volumes da coleção Livros Vivos, para o público infantil: “Só Vovó e Eu”, “Ursinhos
Brigões”, “Aniversário do Artur” e “Stellaluna”.

O desenvolvimento de conteúdos digitais próprios data de 1998, sendo esses, com freqüência,
adaptações de seu próprio catálogo impresso. Nessa época também lançara no mercado a primeira
edição da enciclopédia e dicionário Koogan-Houaiss em CD-ROM, chegando à Internet em 1999
com enciclopédias e dicionários em portais na Web.

Em 2003 produzem o CD-ROM “Era Uma Vez” com contos e conteúdos selecionados do catálogo
original do Mundo da Criança adaptados para multimídia (Figuras 1 e 2). O portal de mesmo nome
(www.mundodacrianca.com (Figuras 3 e 4) foi inaugurado com acesso restrito para algumas
instituições de ensino em 2004 e, em 2005, disponibilizada ao público pela Internet).

Os quatro contos do CD-ROM e os seis adicionais acessíveis on-line são fábulas ou contos
tradicionais de diversos países. A ambientação de cada cenário, bem como a definição dos traços,
música e narração, foram cuidadosamente estudadas e implementadas. O planejamento do projeto dos
contos, bem como o livro digital como um todo, envolveu uma equipe multidisciplinar com
designers, pedagogos, educadores, músicos, roteiristas e programadores, entre muitos outros.

O resultado que aparece no monitor, tanto no CD-ROM como pela Internet, deixam evidente que
houve projeto e planejamento consciente. As telas iniciais, que permitem escolher entre os conteúdos
disponíveis, foram bem diagramadas, são bem legíveis e não demoram em carregar. No que diz
respeito ao design, a escolha de cores, contrastes, traços, a caracterização de personagens e cenários
são bem equilibrados, permitem a fácil distinção entre figura e fundo e seguem padrões estéticos que
agradam a crianças e a muito adultos. O som e a narração se encaixam às imagens com sinestesia. As
animações não “contam a história”, apenas as ilustram, deixando espaço para a construção dos
trechos faltantes por conta da imaginação de cada interator. Nota-se, também, que houve a
preocupação de incluir narrativas secundárias em paralelo às histórias centrais, aproveitando bem,
assim, o espaço da tela de forma agradável e oferecendo diversão adicional às crianças interatoras.

Figura 1: tela inicial Figura 2: Cena de “A galinha Ruiva”


Captura de telas do CD-ROM “Era uma vez” do Mundo Da Criança
9

Figura 3: tela inicial de “Era uma vez” on-line Figura 4: Cena do Conto Australiano na Internet
Captura de telas do Portal do Mundo Da Criança na Internet

No que diz respeito aos aspectos ergonômicos e de usabilidade de “Era Uma Vez”, embora ao se
ativar o programa do CD-ROM a tela seja automaticamente reconfigurada para se adaptar à resolução
da programação original, tomar toda a tela (modo full screen), sem a intervenção ou autorização do
interator, e de eliminar a visibilidade dos menus de navegação do programa operacional em uso, as
telas do livro digital oferecem controle ao interator permitindo que, utilizando os botões posicionados
ao redor e nas extremidades da tela central, se possa avançar, interromper, sair, voltar e alterar o
volume do som em qualquer ponto da história.

As fontes utilizadas nos textos que vão sendo acompanhados por um narrador (ou vários quando há
diálogos) obedecem a critérios ergonômicos adequados para facilitar a leitura em monitores (boa
leiturabilidade). Faz-se necessário, apenas, observar que as cores escolhidas para demarcar os trechos
ao serem narrados, e que tem por objetivo facilitar a leitura das crianças ainda em fase de
alfabetização, eventualmente dificultam a leitura, dependendo da cor de fundo em cada caso.

Os livros digitais disponibilizados on-line obedecem aos mesmos critérios e padrões estéticos do CD-
ROM, com a diferença de não interferirem nas configurações dos computadores onde são exibidos e
não esconderem a os botões, links de controle e os indicadores de outros programas minimizados na
barra do painel de controle do sistema operacional em uso.

Monteiro Lobato: o SÍTIO modernizado em CD-ROM (Globo, 2001)13

13
Não foi possível contatar ninguém que participara do projeto da Globo para as versões digitais do Sítio.
10
Desde a publicação de A menina do narizinho arrebitado, seu primeiro livro infantil, José Bento
Monteiro Lobato (1882-1948) passou a ser um nome muito conhecido por crianças brasileiras de
diversas gerações. Esse título foi um sucesso de vendagem desde a primeira edição em 1921
(Zilberman,& Lajolo, 1986).

Se outrora a sua fama junto a crianças se devesse aos livros, talvez não se possa afirmar o mesmo
atualmente, uma vez que seu “Sítio do Pica-pau Amarelo” tem uma longa trajetória de adaptações em
diferentes épocas e por várias emissoras de televisão. Desde então o “Sítio” da TV tem sido visto por
milhares de crianças em todo o país.

A primeira adaptação para televisão do “Sítio do Pica Pau Amarelo” foi ao ar em 1951 pela TV TUPI
para manter viva a memória de Monteiro Lobato que morrera três anos antes. Essa primeira versão
ficou no ar até 1964. Em 1967 foi a vez da TV Bandeirantes que acabara de nascer e tinha em seus
planos conseguir sucesso com a volta do "Sítio do Pica-Pau Amarelo" que durou até 1969
(Ankerkrone, 2001). Houve ainda duas outras adaptações para televisão, em 1977 e 2001, pela Rede
Globo. Então é muito provável que seja graças aos seriado de TV que a maioria de seus títulos
infantis tenham passado a ser conhecidos (pelo menos com relação à série do “Sitio”).

De fato, entre outras coisas, o aspecto da boneca Emília que as crianças hoje identificam como a
personagem de Monteiro Lobato não obedece à descrição da narrativa original, mas tem o aspecto
que lhe foi atribuído por ocasião do lançamento de um programa piloto da Rede Globo em parceria
com a TVE para televisão em 1973, também baseado na obra desse autor, Don Quixote (Picoral,
Botelho & Santi 2006).

“(...) torna-se uma boneca com uma roupa feito de diferentes retalhos e um cabelo totalmente colorido,
fugindo completamente da concepção da Emília lobatiana. Há duas explicações para o fato: uma é por
causa da época, que se abusava das cores e texturas diferentes da moda, vinda de um visual da Jovem
Guarda. Outro é o fato de o "Sítio do Picapau Amarelo" ter sido um dos primeiros programas coloridos de
nossa televisão (...)” (Ankerkrone, 2001).

Em 2000 a Globo e a família de Lobato refizeram o contrato dando direito a produção de um novo
"Sítio do Picapau Amarelo" por mais 10 anos.

As cores da roupa de Emília continuaram as mesmas de 1973, a Dona Benta e a Tia Nastácia estão
bem mais novas do que as que Lobato idealizou e que a televisão impôs até agora.

"Temo que esses programas televisivos venham a distorcer e simplificar a literatura lobatiana e o Sítio do
Picapau Amarelo, ao invés de ensinar sobre Lobato, acabe só se tornando apenas um espaço para
brincadeiras infantis sem uma reflexão maior e um conteúdo que leve a criança a pensar e a construir o seu
pensamento, sua inteligência e logicidade (...)” (Nereide Schilaro Santa Rosa apud Ankerkrone, 2001).

O temor da escritora Nereide Schilaro Santa Rosa parece ter encontrado eco, se não na versão para
TV, no que foi feito para transformar as histórias do Sítio em livros digitais.

Como no programa de TV (e, a essa altura, no imaginário popular), nos desenhos da versão digital,
mantendo coerência com as outras publicações desenhadas do Sítio, a boneca de pano continua toda
colorida, o que não seria um problema se suas feições fossem menos grotescas e mais simpáticas.
Todas as personagens têm um visual bastante

contemporâneo. Alguns dos aspectos mais chamativos no desenho das personagens são os de Lúcia,
alias Narizinho, que agora tem os cabelos curtos ao estilo chanel com franja, usa tênis e jeans, ou
calça legging, e camiseta sem mangas, além de uma gargantilha no pescoço. Dona Benta é uma avó
bastante magra de cabelos brancos, mas curtos e soltos. A Tia Nastácia parece manter bastante da
descrição lobatiana original e, nestse caso particular, isso não é exatamente algo positivo 14.

14
“Tia Nastácia, negra de estimação” (Lobato, 2001 p. 13). A pesar das modificações nas demais personagens a
Globo parece não ter tentado atenuar o que denota a descrição original.
11
Faremos referência às “Novas reinações de Narizinho: no
reino das águas claras” para descrever a coleção.

A versão digital deste título apresenta uma série de problemas de


usabilidade e navegação desde a tela de abertura, obrigando o
interator a escutar a apresentação que a Emília faz, todas as
vezes que se inicia o programa. Este ainda esconde todos os
comandos do sistema operacional destituindo o interator
totalmente da possibilidade de exercer algum controle sobre o
que está acontecendo em seu computador. Quando a tela de
opções para escolha de atividades aparece, é necessário optar
pelo link de “aventura” para ter acesso à história que vem
apresentada como desenho animado.

As animações não possuem texto escrito, têm apenas diálogos e narração. O estilo das animações
ainda lembra muito a de alguns desenhos para televisão da Hanna-Barbera, nos quais são desenhados
muito poucos frames por segundo, comprometendo, assim, a leveza e naturalidade dos filmes. Os
diálogos obedecem, até onde foi possível observar, 100% à versão original de Monteiro Lobato, mas
não conseguem transmitir as emoções da narrativa escrita, nem suscitar a criatividade dos interatores
na medida em que nada é deixado à sua imaginação, uma vez que tudo é traduzido em animações, não
deixando, sequer, espaço para o preenchimento das lacunas presentes em outros tipos de narrativas.

A leitura está longe de ser um ato passivo: construímos narrativas alternativas enquanto vamos lendo,
incorporamos atores ou pessoas conhecidas nos papéis dos personagens, representamos as vozes dos
personagens em nossas cabeças (...) De forma semelhante, quando assistimos a um filme, (…) tomamos
cenas fragmentadas e mentalmente suprimos as partes que faltam (…) (Murray, 2000).

Outro problema ergonômico nesse livro digital é que, de tempos em tempos, a animação é
interrompida para oferecer ao interator, sem justificativa aparente, a possibilidade de acionar algum
jogo, sendo esse o único recurso interativo que proporciona. O problema se complica ainda mais, pois
a navegação que permite alternar para outra cena, ou sair do programa, fica escondida sob em um
menu invisível, sob um ícone quase transparente.

Para resumir, é como se a produtora desse título digital nunca tivesse se preocupado em estudar,
projetar e planejar especificamente para o meio eletrônico. Pode-se dizer que todas os atributos
considerados negativos pelos estudos de De Jong & Bus (2003) e Korat & Shamir (2004) sobre as
especificidades dos livros digitais infantis tivessem sido reunidos aqui.

Um passado nada distante: a história de um título brasileiro de sucesso

Na década de 1990 havia, pelo menos, uma outra pequena produtora que chegou a lançar um livro
digital totalmente concebido, projetado e implementado no Brasil. Trata-se da 44bicolargo, que
continua existindo, mas que se viu forçada a mudar o foco de sua atuação nos últimos anos por não
poder competir em um mercado que passara a receber novidades tecnológicas de última geração
importadas para entretenimento digital, como os novos consoles e jogos da Atari e Nintendo.
12
Um de seus títulos digitais merece a deferência de ter a sua história contada. Trata-se de “O Enigma
da Esfinge”, uma mistura de jogo e narrativa, protagonizada por Gustavinho, uma das personagens
criadas pela produtora que contracenou com a atriz Marisa Orth, na primeira produção de CD-ROM
de que se tem notícia misturando desenhos e animações com atores filmados. Tanto as personagens
animadas como as ilustrações que compunham os cenários foram ricamente elaboradas, com bons
efeitos visuais, como jogos de luz e sombra. Pelo estilo dos desenhos é provável que tenham sido,
pelo menos parcialmente, inspirados em algumas ilustrações da série de histórias em quadrinhos
francesa “Asterix” (Goscinny & Uderzo).

Embora esse produto não esteja mais à venda por ser ‘velho’ 15, na época que foi lançado recebeu
críticas muito positivas e foi, inclusive, tema e principal conteúdo da 23º edição da revista CD Kids
(Anasoft), que distribuiu o jogo com esse fascículo. “O Enigma da Esfinge” deve ser tido como
exemplo de produto digital brasileiro de sucesso graças à sua boa qualidade gráfica projetual e
interativa. Até hoje alguns fãs ainda escrevem sobre ele em blogs e fóruns na Internet.

Para a criação deste título, a idéia que norteou o grupo de jovens recém formados que constitui a
empresa em 1996, “era a de criar um jogo divertido, narrando uma história de um modo diferente” 16,
onde o interator “participasse ativamente do enredo, não apenas se identificando com o protagonista,
mas compartilhando suas decisões” 17.

“O Enigma da Esfinge” é um livro/jogo de aventura “no qual o interator controla Gustavinho, um


garoto de 8 anos bem irreverente. Para dar continuidade à história é preciso encontrar respostas aos
quebra-cabeças contidos em cada tela. O resultado final é uma espécie de desenho animado
interativo” 18.

A idéia de misturar texto, narração, desenhos e atores em CD-ROM foi uma novidade
introduzida pela 44bicolargo, não havendo registros anteriores, no Brasil ou no exterior, de outras
peças digitais com esses recursos 18. A idéia surgiu enquanto o grupo tentava imaginar quem
poderia fazer a voz da Cleópatra, optando então,

... por usar uma atriz de verdade em contraste com todo o cenário de desenho. As limitações da tecnologia
da época foram um desafio, mas foi possível criar um livro/jogo digital interativo que dava ao jogador o
controle do protagonista e a possibilidade de conversar com a atriz Marisa Orth, que interpretou a rainha
do Nilo 18 .

“O Enigma da esfinge” foi muito bem aceito e, apesar da distribuição limitada, atingiu um patamar de
vendas elevados para a época.

A aceitação desse título pelo público pode


ser traduzida nas palavras de um fã que
recentemente disponibilizou o conteúdo do

15
Funcionava em Windows 95 e, para que hoje fosse possível utilizá-lo, o interator precisaria saber ativar um
emulador desse sistema operacional.
16
Explicação textual do gerente do projeto, por e-mail pessoal, em junho 2007
17
Idem à nota anterior.
18
Casos da história do cinema como Mary Poppins e Roger Rabbit não são relevantes pois pertencem a outro
gênero de narrativa com recursos e técnicas de outra natureza (fotográfica). Livros digitais se enquadram no que
Lúcia Santaella e Winfried Noth classificam de “pós fotográfica” (2004)
13
19
jogo no fórum ScummBR_Forum e escreveu: “Desfrutem! Afinal de contas, não é todo dia que
podemos jogar um ADV Brazuca!

Considerações finais

A oferta de livros digitais infantis em todo o mundo já atinge um número respeitável de títulos. Basta
procurar nas grandes livrarias virtuais brasileiras e estrangeiras. Por alguma razão, a produção
brasileira é hoje muito limitada e está restrita a duas grandes empresas.

Por outro lado, proliferam nos grandes centros urbanos do país, os cursos a nível de graduação, pós
graduação e técnicos para capacitar profissionais de multimídia. A faculdade de Artes e Design da
PUC-Rio já oferece a habilitação em Mídia Digital e a Coordenação dos Cursos de Extensão, CCE,
cursos de especialização em Multimeios 20 . O departamento de Informática da mesma universidade
há anos vem desenvolvendo um ambicioso projeto para implementação de narrativas digitais
interativas, sob a coordenação dos professores Antonio Furtado e Bruno Feijó. Ao que parece, são
muitos os que apostam no futuro lúdico multimidiático.

Casos como o da empresa alternativa 44bicolargo multimídia que chegaram a lançar um bom título 21
e, mesmo assim, precisaram mudar de rumo, no caso deles para desenho e animação (outras, mesmo
produtoras de videojogos migraram para ensino a distância, treinamentos virtuais e outros) 22, abrem
espaço para uma reflexão mais profunda sobre o problema.

Desenvolver livros digitais de boa qualidade para serem vendidos como CD-ROMs, no Brasil e em
qualquer lugar do mundo, requer projeto, planejamento e uma equipe multidisciplinar. Não devemos,
também fechar os olhos para um problema tão sério e concreto que é o de se ter bons relacionamentos
comerciais: sem distribuição, por melhor que seja o produto, ficará para sempre na versão “demo”
para ser visto por meia dúzia de interessados.

Narrativas digitais como as que a Editora Delta disponibiliza e a 44bicolargo conseguiu produzir
exemplificam que não é por falta de criatividade que ainda não existe uma gama mais ampla de livros
digitais infantis nacionais. Por outro lado, é lamentável que a narrativa de Monteiro Lobato tenha sido
reduzida a desenhos animados mal ajambrados por produtores que, valendo-se da fama do autor e da
popularidade de suas personagens graças à televisão, ignoram os princípios básicos do bom design
interativo e apostam que, desde que haja animações coloridas e qualquer coisa se mova quando a
criança ative um link, seus títulos continuarão sendo vendidos e, portanto, rentáveis. Resta agora
esperar que o público amadureça e, comparando esses com outros títulos que, principalmente os de
origem estrangeira cada vez mais abrem seu caminho para os pontos de venda brasileiros, passem a

19
http://s15.invisionfree.com/ScummBR_Forum/
20
O Lugar do Design na Leitura: multimeios, interatividades e visualidades Pós-Graduação Lato Sensu - Departamento
de Artes e Design (e outros ligados ao departamento de informática). (http://www.cce.puc-rio.br/) Acesso em 22 de
junho de 2007.
21
Outros produtos da mesma empresa (videojogos como Monstruário e Osmar) também foram bem recebidos pelo
público e tiveram boa vendagem.
22
Perceptum, Byte & Brothers, e ATR Multimídia
14
escolher com base em um melhor padrão de qualidade. Não se deve esquecer, também, que sempre
que surge um novo meio de comunicação leva tempo para que as formas e significados das narrativas
se desenvolvam em profundidade (Madej, 2003).

Felizmente agora existe a Internet e, graças à popularização do acesso à Web com maior largura de
banda, tornam-se mais baratas e democráticas m as possibilidades para distribuir e divulgar produtos
desse gênero, como hoje acontece com o Mundo da Criança on-line. Assim, abrem-se as portas para a
exposição da criatividade em design e narrativa digital em todo o mundo que a população poderá
passar a conhecer e usufruir em grande escala.
15

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