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RECIFE
2012
Catalogação na fonte
Bibliotecária Katia Tavares, CRB-4/1431
COMISSÃO EXAMINADORA
_________________________________________________
Profª. Drª. Lívia Suassuna
1º Examinadora/Presidente
_________________________________________________
Profª. Drª. Ivanda Maria Martins Silva
2º Examinadora
_________________________________________________
Profª. Drª. Maria Lúcia Ferreira de Figueiredo Barbosa
3º Examinadora
(BRETON, 2003)
AGRADECIMENTOS
Este estudo teve por finalidade analisar práticas de ensino de produção de textos
argumentativos escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias
argumentativas mobilizadas pelos alunos. Nesse sentido, buscou identificar as concepções de
língua, texto e argumentação que fundamentavam a prática de professores de português;
analisar as situações didáticas em que eram propostas as produções de texto e analisar as
produções dos alunos, verificando as estratégias argumentativas mobilizadas por eles. Para
tanto, desenvolvemos uma pesquisa de campo com duas professoras que atuavam em duas
diferentes escolas da rede pública estadual do município de Camaragibe (PE) em turmas de 3º
ano do ensino médio regular. Da mesma forma, analisamos os textos produzidos pelos
estudantes dessas turmas. Nossos instrumentos de coleta de dados foram a entrevista
semiestruturada, a observação participante e a análise documental. No nosso referencial
teórico, apoiamo-nos na concepção de língua como prática sócio-histórica (BAKHTIN,
2010); de texto como unidade linguística sociocomunicativa e produto da atividade verbal
(MARCUSCHI, 2009; VAL, 2006; BRONCKART, 2007, MAINGUENEAU, 2005); de
gêneros textuais como produtos da atividade de linguagem em funcionamento (BAZERMAN,
2011; MARCUSCHI, 2009; SUASSUNA, 2004). De igual modo, adotamos os conceitos de
argumentação como ação de linguagem que possibilita aos sujeitos maior inserção social,
tendo por base as considerações de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Gregolin (1993),
Breton (2003). Ainda nos respaldamos em Suassuna (2008, 2009), Geraldi (2004, 2009),
Pécora (2002), Leal e Morais (2006) e Antunes (2003) para lidarmos com questões que
envolviam as situações didáticas de produção de texto e as novas perspectivas metodológicas
para o ensino de língua portuguesa. No que se refere aos aspectos metodológicos, fizemos
uma abordagem qualitativa e etnográfica com base nas considerações de André (2008) e
Lopes (2006). Para a análise dos dados, valemo-nos do paradigma indiciário (GINZBURG
apud SUASSUNA, 2004, 2008a). Em linhas gerais, os resultados indicaram que: (1) o texto
tem ocupado um lugar de destaque nas aulas de português, mas a sua inserção tem sido
equivocada; (2) alguns professores se apropriaram do discurso sobre um sistemático trabalho
com gêneros textuais com vistas ao desenvolvimento de habilidades linguísticas e discursivas
dos alunos, mas não têm conseguido efetivar uma prática diferenciada, de modo a atender à
nova proposta para o ensino de língua portuguesa; (3) as situações de produção de texto
argumentativo distanciam-se das finalidades propostas no currículo para o ensino-
aprendizagem desse gênero, de forma a não favorecer significativamente o desenvolvimento
das habilidades argumentativas escritas dos alunos; (4) situações artificiais de produção de
texto conduzem a produções igualmente artificiais; (5) em virtude da ausência de reflexão
sobre os aspectos linguístico-discursivos implicados nos textos, os alunos desconheciam as
especificidades dos gêneros que lhes foram solicitados a escrever; (6) diferentes sujeitos
expostos às mesmas condições de produção escolar de texto se constituem quase que em
sujeitos semelhantes na elaboração de seus textos: atendem ao discurso da escola, ainda que
semanticamente as suas produções possam ser consideradas como vazias de sentidos.
5
ABSTRACT
This study aimed to examine teaching practices of producing argumentative texts written and
determine possible relationships between these practices and the argumentative strategies
deployed by the students. Accordingly, we sought to identify the conceptions of language,
text and arguments underpinning the practice of Portuguese teachers; analyze teaching
situations in which the productions were proposed text and analyze students' productions,
checking the argumentative strategies deployed by them. We develop a field study with two
teachers who worked in two different schools in the public schools of the city of Camaragibe
(PE) classes in 3rd year high school regular. Similarly, we analyze the texts produced by the
students of these classes. Our instruments for data collection were semi-structured interview,
participant observation and document analysis. In our theoretical framework, we rely on the
concept of language as a socio-historical practice (BAKHTIN, 2010); text as linguistic unity
and sociocomunicativa product of verbal activity (MARCUSCHI, 2009; VAL, 2006;
BRONCKART, 2007, MAINGUENEAU, 2005 ) of textual genres as products of language
activity in operation (BAZERMAN, 2011; MARCUSCHI, 2009; SUASSUNA, 2004).
Similarly, we adopt the concepts of argument as action language that allows individuals
greater social inclusion, based on considerations of Perelman and Olbrechts-Tyteca (2005),
Gregolin (1993), Breton (2003). Although the study was supported in Suassuna (2008, 2009),
Geraldi (2004, 2009), Pécora (2002), Leal and Morais (2006) and Antunes (2003) to deal with
issues involving the production of didactic situations and new text methodological
perspectives to the teaching of the Portuguese language. With regard to methodological
aspects, we made a qualitative and ethnographic approach based on considerations of Andrew
(2008) and Lopes (2006). For data analysis, we used the evidential paradigm (SUASSUNA
apud GINZBURG, 2004, 2008a). In general, the results indicated that: (1) the text has
occupied a prominent place in the Portuguese classes, but their inclusion has been wrong, (2)
some teachers appropriated the discourse on a systematic work with text genres with views
the development of linguistic and discursive skills of students, but have been unable to effect
a differentiated practice in order to meet the new proposal for the teaching of Portuguese
language, (3) the production situations of argumentative text aims distance themselves from
proposals the curriculum for the teaching and learning of this kind, so as not to significantly
promote the development of argumentative writing skills of students, (4) artificial situations
of text production also lead to artificial productions, (5) because of the lack of reflection on
aspects involved in linguistic-discursive texts, the students were unaware of the specific
genres they were asked to write; (6) different individuals exposed to the same conditions of
production school text constitute almost similar in subjects in preparing their texts: attending
the school discourse, albeit semantically their production can be regarded as empty of
meaning.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 09
8
INTRODUÇÃO
As discussões sobre o ensino de produção de texto não são novas, sobretudo, porque,
com o desenvolvimento de pesquisas na área das ciências da linguagem − como a Linguística
Textual, a Análise do Discurso, a Pragmática, a Sociolinguística − e em virtude do que se
chamou virada pragmática, o texto vem sendo posto ou proposto como objeto central no
ensino de língua portuguesa.
Publicações como a de Marcuschi (Linguística de Texto: o que é e como se faz?, 2003
[1983]) e a de Geraldi (O texto na sala de aula, 2004 [1984]) se destacam por abordarem,
respectivamente, o texto como unidade linguística superior à frase e como ponto de partida no
ensino de língua. Nesta última obra, considera-se o texto sob diversos aspectos e se
apresentam novas possibilidades de desenvolvimento de um trabalho amplo em linguagem,
inclusive através de ações voltadas para a oralidade, a leitura, a escrita e a análise linguística1.
Considerando ainda a existência de diversos outros estudos que colocam o texto nessa
perspectiva, podemos afirmar que dispomos de vasta literatura que trata da inserção do texto
na sala de aula e, por consequência, apontam novas perspectivas para o ensino de português.
Essa literatura abrange não somente resultados de estudos empíricos diversos, como também
propostas curriculares que norteiam o ensino de língua materna em nosso país. Como
exemplo, podemos mencionar os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
para o Ensino Médio - PCNEM (BRASIL, 1999) e os PCN+ (BRASIL, 2002). O primeiro
documento explicita que o ensino de português deve ter por fundamento a língua como
interação e que, dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem deve pressupor uma visão
sobre o que seja a linguagem verbal. Esta, por sua vez, é caracterizada como um construto
humano e histórico de um sistema linguístico e comunicativo cuja unidade básica é o texto.
Mais especificamente em nosso estado (PE), dispomos de dois documentos oficiais
que orientam o currículo básico para o ensino de língua portuguesa − a Base Curricular
Comum para as Redes Públicas de Ensino de Pernambuco/BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008)
e as Orientações Teórico-Metodológicas para os Ensinos Fundamental e Médio/Língua
Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008a; 2008b) – e que também situam o texto como centro do
ensino de português. Dessa forma, temos:
1
De acordo com Geraldi (2004), a análise linguística corresponde a uma nova proposta de trabalho que abrange
tanto questões tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do texto.
9
Toda língua somente se atualiza sob a forma de textos, que se manifestam
para além da palavra ou da frase isoladas, de onde se pode concluir que, no
estudo do Português, as atividades de fala, de escuta, de leitura e de escrita
de textos devam constituir o eixo da prática pedagógica, até porque essas
atividades constituem também habilidades fundamentais no estudo de
qualquer domínio do saber. (PERNAMBUCO, 2008a, p. 69).
10
Numa situação semelhante, Souza (2003) desenvolveu um estudo longitudinal,
investigando o desenvolvimento da argumentação escrita com crianças que estavam em fase
de alfabetização (primeiro ano do ensino fundamental). A autora evidenciou que a produção
de textos de opinião, na escola, depende de um conjunto de fatores implicados nos contextos
de produção e não apenas de uma instrução escrita desvinculada de um trabalho anterior.
Temos ainda a pesquisa de Viana Filho (2006), que investigou elementos da
referenciação em textos dissertativos de estudantes de 3º ano do ensino médio, tendo como
resultado a produção de textos marcados pela descontinuidade textual e pela presença de frases
soltas. De acordo com esse pesquisador, fatores como coesão e coerência pouco se faziam
presentes nos textos, embora nem sempre comprometessem a textualidade das produções.
Contudo, ao realizarmos um levantamento bibliográfico acerca do ensino da
argumentação e sua possível relação com os textos elaborados por alunos em situações de
produção escolar na última etapa da escolaridade básica (3º ano do ensino médio), pouco
material foi encontrado. Não estamos nos referindo a pesquisas desenvolvidas por meio da
realização de sequências didáticas com textos argumentativos sugeridas ou propostas por
pesquisadores, mas àquelas que professores de língua portuguesa, pensando na argumentação
como prática de linguagem, desenvolveram no cotidiano de suas salas de aula.
Somando-se a isso, a nossa experiência docente com alunos dos últimos anos do
ensino médio e com alunos universitários nos revelou que as produções de textos
argumentativos (especialmente dissertações argumentativas e resenhas) apresentavam vários
problemas que diziam respeito não só a questões linguísticas (domínio do código escrito,
pontuação, acentuação), mas, sobretudo, a aspectos discursivos (dificuldade dos estudantes de
se posicionarem diante de um tema, de justificarem suas escolhas, de adequarem as suas
estratégias discursivas ao gênero proposto e às intenções de comunicação nele implicadas).
Desse modo, sustentando-nos em alguns princípios da argumentação, tais como, (1) a
argumentação é dialógica; (2) é preciso alguma qualidade para tomar a palavrar e ser ouvido;
(3) o objetivo de toda argumentação é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses
que apresentam a seu assentimento (PERELMAN e OLBRECTHS-TYTECA, 2005),
compreendíamos que existia alguma lacuna no ensino da argumentação nas nossas unidades
de ensino, mais especificamente: no ensino da argumentação escrita.
Tomando em conta esses pressupostos e apoiando-nos na argumentação como uma
ação linguística fundamental inerente a qualquer texto (GREGOLIN, 1993), justificamos a
11
nossa decisão por estudar aspectos relacionados à produção escrita de textos argumentativos
em contextos escolares de produção. Acreditamos na necessidade de aprofundamento teórico
sobre o ensino de textos argumentativos, bem como sobre um trabalho sistemático com esse
gênero em nossas salas de aula.
Nesse caminho, propusemo-nos a investigar práticas de professores de língua
portuguesa no que se refere ao eixo produção de textos argumentativos, verificando as
possíveis relações entre as metodologias adotadas e os textos elaborados pelos seus alunos.
Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa etnográfica com duas professoras que atuam em
duas diferentes escolas da rede pública estadual de Pernambuco, no município de Camaragibe
(PE) em turmas de 3º ano do ensino médio regular. Nossos instrumentos de coleta de dados
foram a entrevista semiestruturada, a observação participante e a análise documental.
Partimos das hipóteses iniciais de que professores de língua portuguesa julgam a
argumentação como um importante ato de linguagem, mas, em suas práticas, não conseguem
se desvincular de um ensino de produção de textos com base nos aspectos estritamente
formais. De igual modo, supomos que não seja frequente nas salas de aula um trabalho mais
sistemático sobre a atividade de produção de textos e de textos argumentativos.
Mediante o exposto, nosso estudo buscou responder basicamente a uma questão: o
ensino da argumentação escrita tem proporcionado o desenvolvimento de habilidades
argumentativas?
Dessa forma, tentando responder à nossa pergunta de pesquisa, elencamos os seguintes
objetivos:
1. Geral:
1.1 Analisar práticas de ensino de produção de textos argumentativos escritos e
verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias argumentativas utilizadas
pelos alunos;
2. Específicos:
2.1 Identificar as concepções de língua, texto e argumentação que fundamentam a
prática de professores de português;
2.2 Analisar as situações didáticas em que são propostas as produções de texto, tendo
por base:
a) os gêneros textuais trabalhados;
b) os objetivos traçados para as aulas;
12
c) os conteúdos privilegiados pelas docentes;
d) a relação entre as atividades propostas e as atuais orientações para o ensino de
produção de textos.
2.3 Analisar as produções dos alunos, verificando as estratégias argumentativas
mobilizadas por eles na produção desses textos. Para isso, observamos se os textos:
a) apresentavam ponto de vista claro;
b) se os autores se posicionavam com vistas a um interlocutor real/virtual;
13
explicitados também os critérios de análise adotados em função de cada objetivo delineado
para o estudo.
No terceiro capítulo, apresentamos a análise e a discussão dos dados levantados,
fundamentando-nos nos paradigmas adotados e nos critérios de análise definidos. De uma
forma geral, buscamos compreender o cotidiano das aulas de língua portuguesa, por meio das
concepções e das práticas apresentadas pelas professoras envolvidas neste trabalho,
verificando as possíveis relações entre o ensino e a aprendizagem da produção escrita
argumentativa.
Nas nossas considerações finais, expomos as nossas principais impressões acerca do
ensino-aprendizagem da produção de textos escritos argumentativos, apontando alguns
possíveis caminhos a serem percorridos no ensino de língua materna com vistas ao
desenvolvimento da competência argumentativa de nossos educandos. Ainda, sem fechar as
nossas conclusões nem generalizá-las, deixamos também registrados mais alguns
questionamentos que emergiram no decorrer desta pesquisa e que poderão ser objeto (quem
sabe) de outros estudos desdobrados a partir deste.
14
1 REFERENCIAL TEÓRICO
Refletir sobre as concepções de língua num estudo que lida diretamente com o ensino
da produção escrita de textos implica muitas questões, dentre as quais a de reconhecer que
toda e qualquer opção metodológica de ensino ancora-se numa forma de percepção da língua
(ANTUNES, 2003; GERALDI, 2004), e de igual modo, admitir que a forma como
percebemos a língua se correlaciona à maneira como compreendemos e desenvolvemos o
trabalho com textos em sala de aula.
Nesse sentido, apoiando-nos nos estudos das ciências da linguagem (especificamente
da linguística histórica e da linguística aplicada) é que trouxemos ao nosso trabalho algumas
contribuições de Saussure, Chomsky e Bakhtin, por julgarmos que as teorias desses linguistas
influenciaram mais fortemente o ensino de língua portuguesa, seja por causa do foco na língua
como estrutura ou na língua como elemento de interação social.
15
1.1.1 A língua para Saussure
Percebemos que Saussure (2006) aborda a língua como um fato social, cuja existência
se constitui nas necessidades de comunicação, e a fala como realidade individual. Ao mesmo
tempo, trata a língua como um objeto abstrato, rejeitando as manifestações individuais.
Para ele, “a língua existe na coletividade sob forma de sinais depositados em cada
cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem
repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles, embora seja
comum a todos e independa da vontade dos depositários” (SAUSSURE, 2006, p. 27).
A concepção de língua apresentada por Saussure sugeria a eliminação de tudo o que
fosse estranho ao organismo, ao seu sistema. Defendia ele que os fatores externos à língua
16
associavam-se a ela, mas, na realidade, não a afetavam internamente. A língua, em Saussure,
é concebida, pois, como um sistema que conhece somente sua ordem própria; um sistema de
regras passíveis de descrição, formada por uma estrutura relacional distinta dos enunciados
reais. Essa concepção embasa o estruturalismo, trazendo a noção de estrutura (o todo
sistematizado em partes que apresentam uma dependência recíproca).
Para Saussure, todo falante absorveria as regularidades do léxico, da gramática e da
fonologia ao ser criado numa comunidade particular de fala e, nesse sentido, a preocupação
dos linguistas deveria ser a de estudar sobre essas regularidades da língua; o foco seria o
sistema linguístico.
Ao definir um objeto de investigação para a linguística, Saussure marcou de forma
significativa essa ciência. Entretanto, mesmo com a sua grande contribuição, a língua em
Saussure não situa o papel que o sujeito desempenha na língua, deixando-se de observar, por
exemplo, as funções que este assume no momento da interlocução.
Outra concepção de língua que ganhou notório espaço nos estudos da linguística foi a
desenvolvida por Noam Chomsky. Esse estudioso defende que o conhecimento potencial e
inato que uma pessoa tem do sistema de regras de uma língua (denominado por ele
competência) deveria ser o objeto de estudo da linguística, e não o uso efetivo dessa língua
em situações reais (desempenho).
Em Chomsky (2008, p. 23), encontramos: “Podemos considerar que uma língua não é
outra coisa senão um estado da faculdade de linguagem”, uma faculdade mental inata,
geneticamente transmitida pela espécie, e não um fenômeno social. Nesse sentido, esse autor
atenta para a caracterização dos estados mentais correspondentes ao conhecimento gramatical
que todos os indivíduos normais têm. Seu interesse está em descobrir as realidades mentais
subjacentes ao modo como as pessoas usam a língua.
Chomsky acredita que não será possível chegar às regularidades próprias de cada
língua através da observação e, criticando o estruturalismo de Saussure, tenta mostrar que as
análises sintáticas da frase praticadas até então eram inadequadas em diversos aspectos,
17
especialmente porque deixavam de considerar a diferença entre os níveis superficial e
profundo da estrutura gramatical. Segundo ele, todas as línguas possuem uma estrutura
superficial, que representa a forma como as sentenças vão se materializar, e uma estrutura
profunda, que encerra o conteúdo semântico desta e forma o elemento gramatical básico que o
falante de uma língua possui.
Para Chomsky (2009, p. 68), “o conhecimento de uma língua implica a capacidade de
atribuir estruturas superficiais e profundas a um número infinito de sentenças, de relacionar
essas estruturas adequadamente”. Chomsky analisa, dessa forma, a sintaxe da língua
dissociada de outros aspectos e tenta comprovar a existência de algo anterior à língua; ele
chama a atenção para a capacidade que os falantes têm de produzir sentenças
independentemente do contexto de produção.
Oliveira (2005) também registra que, para Chomsky, a sintaxe funciona como um
sistema autônomo, ou seja, como uma máquina que origina sentenças bem formadas,
independentemente da semântica (e certamente da pragmática), com um modo de operar
característico.
De acordo com Chomsky, seria preciso apresentar um novo nível de estruturas
linguísticas que possibilitasse explicar todo o conjunto de sentenças da língua. Com esse
intuito, apresentou a noção das regras gerativo-transformacionais, por meio das quais as
sentenças podem ser relacionadas umas às outras; explicava-se, assim, como uma sentença
pode se converter ou transformar em outra. O autor confirma, pois, a ênfase no estudo dos
aspectos sintáticos da língua e, embora, reconheça o caráter histórico e social desta2, não o
considera objeto de estudo da linguística.
Em Marcuschi (2009, p. 36), encontramos que “o preço pago por Chomsky para
implantar essa perspectiva foi a eliminação dos estudos ligados à vida social da linguagem,
2
Em Chomsky (2009, p. 194), temos: Todavia, é igualmente claro que o uso real observado da linguagem – o
desempenho real – não reflete apenas as ligações intrínsecas de som-significado estabelecidas pelo sistema de
regras linguísticas. O desempenho envolve muitos outros fatores. [...] As crenças extralinguísticas acerca do
falante desempenham um papel fundamental na determinação de como a fala é produzida, identificada e
entendida.
18
isto é, a pragmática, a sociolinguística, a interação verbal, o discurso etc., ligados ao uso,
funcionamento ou desempenho linguístico.”
Nessa concepção de língua, considera-se a ação do sujeito à revelia do contexto.
Bakhtin (2010), assim como Saussure, define a língua como fato social, mas,
diferentemente dos estruturalistas que têm a língua como um sistema sincrônico e
homogêneo, e rejeitam as suas manifestações individuais, Bakhtin valoriza basicamente a
fala, a enunciação. Para esse linguista, a fala está indissoluvelmente ligada às condições da
comunicação, e estas por sua vez, ligam-se sempre às estruturas sociais.
Nesse sentido, Bakhtin (2011) afirma:
i. todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva; é a posição
ativa do falante nesse ou naquele campo do objeto e do sentido;
ii. só o contato do significado linguístico com a realidade concreta, só o contato
da língua com a realidade, o qual se dá no enunciado, gera o entendimento da
expressão: esta não existe nem no sistema da língua nem na realidade objetiva
existente fora de nós;
3
A 1ª edição de Marxismo e Filosofia da Linguagem data de 1929. Lidamos neste estudo com a 14ª edição
brasileira (2010).
19
iii. quando escolhemos as palavras no processo de construção de um enunciado,
nem de longe as tomamos sempre do sistema da língua em sua forma neutra,
lexicográfica; costumamos tirá-las de outros enunciados.
Desse modo, a forma linguística é percebida como um signo mutável, vivo e móvel,
que tem como centro organizador de toda enunciação o meio social que envolve o indivíduo.
Na visão desse estudioso, a língua não reside no pensamento do falante nem é um sistema
abstrato externo às condições sociais4, mas um trabalho desenvolvido conjuntamente pelos
interlocutores, uma atividade social.
Segundo Bakhtin,
Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na
corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham
nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. [...] Os
sujeitos não “adquirem” sua língua materna; é nela e por meio dela que
ocorre o primeiro despertar da consciência. (2010, p. 111)
É assim que seu conceito de língua tem a ver com o conceito de dialogismo, o qual
decorre do processo da interação verbal5 entre enunciador e enunciatário e constitui-se,
portanto, na observância da existência do outro dentro do processo de comunicação.
Para Bakhtin, a dialogicidade existe:
i. nas relações entre os textos e no interior de um texto;
ii. entre enunciados e enunciação;
iii. entre os gêneros do discurso;
iv. na interação verbal entre eu e o outro.
Segundo ele, “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela
se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor”.
(BAKHTIN, 2010, p.117).
Importante destacar que o outro apontado por Bakhtin não é um indivíduo inerte,
passivo, pronto para receber informações; e sim um sujeito (interlocutor) capaz de interagir,
de se envolver, ativamente, no processo de comunicação social.
4
Em Bakhtin (2010, p. 93) lê-se: “Na verdade, se fizermos abstração da consciência individual subjetiva e
lançarmos sobre a língua um olhar verdadeiramente objetivo, um olhar, digamos, oblíquo, ou melhor, de cima,
não encontraremos nenhum indício de um sistema de normas imutáveis”.
5
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela
enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da
interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a
realidade fundamental da língua. (BAKHTIN, 2010, p.127)
20
De acordo com essa forma de abordar a língua, a consciência do sujeito é despertada
nas relações de interação com o seu interlocutor, através da relação do eu com a palavra do
outro6, o que nos faz pressupor que a grande contribuição de Bakhtin foi pensar a
língua/linguagem a partir de sua natureza sócio-histórica.
Por esse caminho, consideramos que perceber a língua como um processo de mudança
ininterrupta, que se realiza através da interação verbal entre locutores, tem implicação para a
forma como percebemos a escrita de textos. Como implicação, o ensino da produção textual
não deve ser visto como uma atividade isolada, mas como uma atividade em que o sujeito usa
a linguagem numa perspectiva dialógica. Assim, é fundamental considerar sempre a
existência do outro e os contextos de realização de seus discursos. Conforme assumido por
Bakhtin (2011, p. 294), ao afirmar que “[...] a experiência discursiva individual de qualquer
pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados
individuais dos outros”.
É nesse sentido que nos apoiamos ao longo deste estudo na terceira concepção de
língua aqui apresentada.
6
Para Bakhtin (2010), toda palavra abrange duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de
alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém.
21
Na tradição escolar, o ensino de língua tem sido relacionado ao ensino de gramática e,
sobre esse aspecto Silva e outros apud Suassuna (2010, p. 121) indicam que “uma postura
diferente diante da língua provocaria uma abordagem diferente da gramática e uma prática de
ensino de língua também diferente”.
Seguindo nessa perspectiva, faremos uma abordagem na qual analisaremos as
possíveis relações entre o objeto de estudo privilegiado no ensino de português e a concepção
de língua adotada por professores de língua materna, observando que a cada instância de
utilização de uma língua nos apropriamos da gramática dessa língua (NEVES, 2009).
Antes porém, observamos como Antunes (2003) que duas grandes tendências têm
marcado o ensino de português: uma, centrada na língua como um conjunto abstrato de signos
e desvinculado de suas condições de uso; outra, centrada na língua como interação social,
vinculada às suas situações de realização.
Isso posto, à primeira concepção de língua relacionamos um ensino cuja base é a
gramática tradicional7 com a transmissão de regras de uma língua uniforme e imutável. O
ensino da gramática da língua, nessa abordagem, restringe-se fundamentalmente ao
reconhecimento de nomenclaturas de termos e classificação das unidades da língua.
O ensino de português centrado na língua como um conjunto de regras pressupõe a
existência de um modelo de língua único (o padrão), que deverá ser apreendido por todos e,
por se considerar que a língua tem um caráter homogêneo, o distanciamento da norma, nessa
abordagem, equivale o erro.
Antunes (2003), ao refletir sobre as atividades em torno do ensino da gramática
normativa, declara que temos um ensino fundamentado numa
Gramática predominantemente prescritiva, preocupada apenas com marcar o
“certo” e o “errado”, dicotomicamente extremados, como se falar e escrever
bem fosse corretamente, não importando o que se diz, como se diz, quando
se diz, e se se tem algo a dizer. Por essa gramática, professores e alunos só
veem a língua pelo prisma da correção e, o que é pior, deixam de ver outros
muitíssimos fatos e aspectos linguísticos (os fatos textuais e discursivos, por
exemplo), realmente relevantes. (ANTUNES, 2003, p. 33).
Isso porque, assim como a primeira, essa segunda concepção de língua também
apresenta limitações, pois exclui os parâmetros externos da ação de linguagem (os
enunciados, os contextos de produção,...), situa a língua numa perspectiva homogênea e nega
a dimensão sócio-histórica da linguagem.
Por tudo o que já foi exposto, num ensino cujas bases são as duas noções de língua
explicitadas, não são raras as atividades que privilegiam o estudo da gramática normativa e
prescritiva, assim como, os aspectos sintáticos relegando-se as atividades de leitura e
produção de texto a um plano secundário.
Não pretendemos aqui desconsiderar a importância do ensino da gramática da língua,
mas observar o lugar de destaque dado à gramática (discurso sobre a língua) nas aulas de
português; o ensino de uma gramática desvinculada dos usos reais da língua escrita ou falada,
centrado em frases isoladas, sem sujeitos, sem interlocutores.
Como nos chama a atenção Antunes apud Marcuschi (2009, p. 56), “(...) não existe
língua sem gramática”. Compreendemos que os discursos não são construídos de forma
aleatória, existindo algumas regularidades na construção dos enunciados de forma a torná-los
compreensíveis. O problema está na intensidade com que se ensinam as normas gramaticais,
exigindo-se com veemência que os alunos usem as regras e justifiquem por que as usam, sem
que antes seja observada a necessidade de empregá-las e a compreensão dos seus usos.
Geraldi (2003) relata que um dos grandes problemas observados é que o ensino
pautado nos percursos da gramática começa pelas definições, pelas regras abstratas. Para ele,
não é a gramática abstrata que nos deu uma língua em comum e, nesse sentido, importa
ensinar a língua e não a gramática.
À terceira concepção de língua corresponde um ensino que se distancia das análises
dos elementos internos da língua e se aproxima dos contextos de uso. Ao mesmo tempo,
aponta a possibilidade de novos caminhos para as aulas de português.
24
De acordo com Suassuna (2009, p.40), “primeiramente, podemos dizer que uma nova
concepção de linguagem implica uma mudança no objetivo da ação pedagógica. À luz da
noção de interação, formulamos, então, a seguinte meta para o ensino de português: ampliar
as formas de interação por meio da linguagem”.
Com base nessa afirmação, entendemos que uma nova metodologia de ensino está de
alguma forma vinculada a um novo posicionamento sobre a concepção de língua que
adotamos em nossas aulas. No ensino fundamentado na concepção de língua idealizada por
Bakhtin (2010), o foco está na proposta de atividades que objetivam o domínio das
habilidades de uso da língua em diversas situações concretas de produção, por meio das quais
os alunos possam entender e produzir enunciados, refletindo sobre as diferentes formas de se
expressar em uma língua.
Para Mendonça (2006), essa concepção de linguagem pode ajudar a repensar a
atividade de produção de textos na escola, já que o texto funcionaria como o próprio espaço
de interação.
Com postura semelhante, Geraldi (1997) nos diz que adotar essa nova concepção
implica o reconhecimento de uma dialogicidade constante e o abandono de crenças
cristalizadas por parte do professor e do aluno.
Nessa visão, “o trabalho em língua portuguesa parte do enunciado e suas condições de
produção para entender e bem produzir textos” (MARCUSCHI, 2009, p.55). É dado um novo
direcionamento ao ensino que terá como foco de trabalho a língua no contexto da
compreensão, produção e análise textual.
Consideramos pertinente registrar que as diferentes concepções de língua
correspondem a diferentes posturas no ensino de língua portuguesa e, na observação desse
aspecto, concordamos com Marcuschi (2009, p. 50), quando este afirma que:
Sempre que ensinamos algo, estamos motivados por algum interesse, algum
objetivo, alguma intenção central, o que dará o caminho para a produção
tanto do objeto como da perspectiva. Esse fato esclarece a pluralidade de
teorias e a impossibilidade de se dizer qual é a verdadeira. Todas têm sua
motivação, algumas podem estar mais bem fundamentadas e outras podem
ser mais explicativas. Mas nenhuma vai ser a única capaz de conter toda a
verdade.
Ao mesmo tempo, não podemos deixar de registrar o que expressa Suassuna (2010,
p.119): “chega a ser uma heresia pensar na linguagem sem pensar, juntamente, na natureza
25
dialógica da enunciação”, porque concebemos a língua como uma possibilidade de nos
posicionar diante do mundo, de interagir no espaço social onde nos encontramos.
Contudo, a introdução dos textos nem sempre veio acompanhada de uma reflexão
sobre as reais contribuições destes para a ampliação da capacidade comunicativa dos alunos.
Nesse processo, expressões como tipo de texto e gênero textual começaram a emergir no dia a
dia dos professores e o que verificamos, no contato com docentes de língua materna, foi a
falta de clareza sobre o que seria uma e outra forma de trabalho com o texto.
Mas, o que seria necessariamente um texto?
Tomando-se por base a concepção de língua como uma atividade discursiva,
chegamos a encontrar certa concordância entre os estudiosos acerca da concepção de texto,
tais como: o texto “é uma unidade linguística comunicativa fundamental, produto da atividade
humana, que possui sempre caráter social” (BERNÁRDEZ apud SAUTCHUK, 2003, p. 3); o
9
Encontramos nos PCN para o Ensino Médio, área de Linguagens e suas Tecnologias, a seguinte informação em
relação a esse documento: cabe ao leitor entender que o documento é de natureza indicativa e interpretativa,
propondo a interatividade, o diálogo, a construção de significados na, com e pela linguagem (BRASIL, 1999, p.
4)
26
texto é “o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras são em geral definidas por seus
vínculos com o mundo no qual ele surge e funciona” (MARCUSCHI, 2009, p. 71);
“ocorrência linguística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade
sociocomunicativa, semântica e formal” (VAL, 2006, p.03); texto é “toda unidade de
produção de linguagem situada, acabada e autossuficiente (do ponto de vista da ação ou da
comunicação)” (BRONCKART, 2007, p. 75); “um texto é, pois, um todo organizado de
sentido, [...] e produzido por um sujeito num dado espaço e num dado tempo” (SAVIOLI e
FIORIN, 2001, p. 18); “tende-se a falar de texto quando se trata de produções verbais orais ou
escritas, estruturadas de forma a perdurarem, a se repetirem, a circularem longe de seu
contexto original” (MAINGUENEAU, 2005, p. 57).
Dessa maneira, podemos encontrar, ao menos, três aspectos comuns nas definições
apresentadas: a) o texto possui uma função comunicativa e social; b) e é produto da atividade
verbal; c) é situado historicamente.
Assim, partindo da concepção de língua por nós adotada (a concepção
sociointeracionista), optamos por nos basear num conceito de texto que expressasse, de igual
modo, a importância das relações interativas entre os interlocutores na atividade discursiva.
Para tanto, apresentamos a definição de texto de Koch (2011, p. 31):
Ainda sobre a definição de texto, é importante registrar o que nos diz Bronckart
(2007); para ele, se é possível nos dotarmos de uma definição genérica de texto, é interessante
lembrar que os exemplares de textos observáveis10 se caracterizam por uma grande
diversidade e, dessa forma, por um conjunto de características diferenciais.
Relacionando essa afirmação às atividades discursivas, percebemos que
continuamente usamos diferentes formas de texto para interagir. Podemos afirmar ainda que,
dada a necessidade de nos expressarmos, essas formas vão se diversificando cada vez mais.
10
Para Bronckart (2007, p. 69), os textos são formas empíricas diversas de realização da língua.
27
Sobre essa diversidade textual, Marcuschi (2009) nos apresenta alguns conceitos que
talvez nos ajudem a compreender melhor as formas de tratamento do texto nas aulas de língua
portuguesa. Estamos nos referindo às noções de tipo e de gênero textuais já mencionadas.
O tipo textual, segundo esse pesquisador, designa uma espécie de construção teórica
definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos
verbais, relações lógicas, estilo), caracterizando-se muito mais como sequências linguísticas
do que como textos materializados.
Para Marcuschi (2009, p. 154), os tipos, “a rigor, são modos textuais”, que,
geralmente, englobam poucas categorias, tais como, a narração, a argumentação, a injunção, a
descrição e a exposição; o autor nos chama a atenção para o reduzido número de categorias de
tipos textuais, lembrando, ainda, que não há uma expectativa de aumento para essa
categorização.
A outra noção diz respeito aos gêneros textuais e tem por base a ideia de gêneros do
discurso de Bakhtin (2011).
Segundo esse linguista:
Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da
linguagem.[...] O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados
(orais ou escritos) concretos e únicos, proferido pelos integrantes desse ou
daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as
condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu
conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção de
recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo,
por sua construção composicional. [...] Evidentemente, cada enunciado
particular é individual, mas cada campo da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do
discurso (BAKHTIN, 2011, p. 261).
Nesse sentido, de acordo com Bakhtin, todos os enunciados se baseiam nos gêneros,
os quais se relacionam às diferentes situações sociais.
Sobre os gêneros do discurso, Bakhtin faz várias considerações das quais destacamos:
i. os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que
o organizam as formas gramaticais (sintáticas);
ii. nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando
ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras
palavras;
iii. se os gêneros do discurso não existissem e nós não os dominássemos, se
tivéssemos que recriá-los pela primeira vez no processo do discurso, de
28
construir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a comunicação
discursiva seria quase impossível.
Assim, a cada situação corresponde um gênero com características próprias
composicionais, funcionais e estilísticas, que são responsáveis pela comunicação humana.
Para Dolz, Gagnon e Decândio (2010), uma vez que a nossa comunicação se
estabelece por meio de textos,11 o texto é considerado como a unidade básica do ensino de
produção e se constitui no instrumento de mediação necessário para o trabalho com a
produção escrita. Os gêneros se configurariam, pois, como entidades intermediárias que
permitiriam estabilizar os elementos formais e as práticas discursivas.
Tendo por fundamento as considerações de Bakhtin, é de certa forma consensual entre
alguns estudiosos da linguística o conceito de gênero textual: “o gênero é apenas a realização
visível de um complexo de dinâmicas sociais e psicológicas” (BAZERMAN, 2011, p. 29);
“são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas”
(MARCUSCHI, 2009, p. 155); “[...] postula-se, atualmente, que os gêneros textuais são
artefatos culturais bastante diversificados, com uma evidente dimensão comunicativa”
(SUASSUNA, 2008, p. 5). Em todos esses conceitos percebemos a estreita relação dos
gêneros com a ação de linguagem e, nesse sentido, Bronckart (2007, p. 137) afirma que:
Marcuschi (2009), enfatizando o aspecto social dos gêneros, registra que toda vez que
desejamos produzir alguma ação linguística em situação real, recorremos a algum gênero
textual. Segundo ele, os gêneros são parte integrante da sociedade e não apenas elementos que
se sobrepõem a ela. É ainda Marcuschi (ibidem) que comenta sobre a fluidez das noções de
tipo e de gênero textual, chamando-nos a atenção para evitarmos os extremismos dicotômicos
que podem surgir em função dessas nomenclaturas.
Para esse autor, os gêneros não se opõem aos tipos e vice-versa; ambos são dois
aspectos constitutivos do funcionamento da língua em situações de comunicação da vida
11
Em Marcuschi (2009, p. 27) também encontramos: “O texto torna-se a unidade linguística por excelência, pois
para van Dijk é por textos e não por sentenças que nos comunicamos”.
29
diária. De acordo com Marcuschi (2009), as definições por ele apontadas acerca de tipo e de
gênero são muito mais operacionais do que formais. Desse modo, para a noção de tipo textual
predominaria a identificação de sequências linguísticas como norteadora, e para a noção de
gênero textual, predominam os critérios de padrões comunicativos, ações, propósitos e
inserção sócio-histórica. Em outras palavras, de maneira geral, vamos perceber que há uma
grande heterogeneidade tipológica nos gêneros textuais (MARCUSCHI, 2009).
Definidos pois esses conceitos, no tópico seguinte trataremos sobre a inserção do texto
(ou dos gêneros) nas aulas de português.
O texto nem sempre foi objeto de ensino nas aulas de língua, mas, sobretudo, a partir
da década de 1960 nos primórdios da Linguística Textual (LT), um novo lugar foi
vislumbrado para ele.
Segundo Marcuschi (2009, p. 73), esse ramo da Linguística teve como motivação
inicial “a certeza de que as teorias linguísticas tradicionais não davam conta de alguns
fenômenos linguísticos que apareciam no texto”. Esse mesmo autor também afirma que a LT:
30
No Brasil, a ideia de que o texto é a base do ensino-aprendizagem de língua
portuguesa contou com uma importante obra de divulgação desse princípio: O texto na sala
de aula, publicado em 1984 por João Wanderley Geraldi.
Nessa obra, além de o texto ser abordado como um objeto sobre o qual se desdobra um
ensino processual em leitura e produção de textos, propugna-se um deslocamento dos eixos de
ensino, que se distanciam do ensino normativo e se direcionam aos processos de leitura,
produção de texto e da análise gramatical ligada aos usos da língua.
Em livro mais recente, Geraldi (2003, p. 105) registra que “o trabalho com a
linguagem, na escola, vem se caracterizando cada vez mais pela presença do texto, quer
enquanto objeto de leituras, quer enquanto trabalho de produção”.
Contudo, esse mesmo pesquisador considera que nem sempre o texto teve a relevância
que tem hoje no ensino de língua portuguesa, e sua presença nas aulas acontecia de forma
muito peculiar: o texto era utilizado como modelo em vários sentidos. Segundo esse
estudioso, o texto era utilizado como objeto de leitura vozeada (ou oralização do texto
escrito); objeto de imitação (texto lido como modelo para a produção de texto dos alunos) e
objeto de fixação de sentidos (o significado do texto era o significado dado pelo professor).
Essas formas de inserção, por sua vez, afastando-se dos contextos de uso, revelam como, na
atividade de sala de aula, o que poderia levar à pluralidade pode se tornar uno (GERALDI,
2003).
Acerca da inserção do texto com ênfase no trabalho de produção, o que temos
observado é que, entre outras razões, numa tentativa de acompanhar as mudanças que vêm
sendo propostas no ensino de línguas, alguns professores tentam lançar mão de uma prática
diferenciada com o texto em sala de aula, mas sem efetivamente situá-lo na perspectiva da
linguagem como interação, nem na produção de texto como uma atividade dialógica.
Por esse direcionamento, acabam por centrar o ensino da produção textual num
movimento que vai desde a exposição de um modelo a ser seguido, passando pelo estudo dos
aspectos composicionais desse modelo até a proposta de produção de um texto. Essa prática
nos revela uma possível compreensão de que, para alguns docentes, essa metodologia já
garante a formação de bons produtores de texto.
Se nos apoiarmos em algumas reflexões de Bunzen (2006), pensamos haver uma
aproximação dessa prática a uma outra já difundida até meados do século XIX, na qual o
31
ensino da “composição” era realizado por meio da apresentação de modelos de textos a serem
reproduzidos pelos alunos. De acordo com esse autor:
Essa situação nos faz lembrar também algo que foi pontuado por Geraldi (2003; 2004)
ao afirmar que a prática da redação escolar se caracteriza por uma reprodução de formas
estruturais dos modelos dos textos aos quais os alunos são apresentados.
É nesse contexto que, apesar das várias mudanças propostas para o ensino de língua e
das diversas discussões sobre o que ensinar e como ensinar nas aulas de português, o trabalho
com textos nem sempre tem alcançado o objetivo de formação de sujeitos autores de seus
textos.
Nessa perspectiva, para uma transformação no quadro do ensino de línguas visando,
de fato ao ensino-aprendizagem com textos, Suassuna (2008, p. 7) nos diz que “temos que
enfrentar dois desafios: dispor de um aparato teórico sobre tipologia textual que dê
sustentação à prática da sala de aula” e definir, diante da diversidade de textos que temos,
quais textos seriam trabalhados em função da ação discursiva na qual desejamos que os
alunos se engajem como sujeitos. Dessa maneira, “centrar o ensino no texto é ocupar-se e
preocupar-se com o uso da língua”. (GERALDI, 2009, p. 66). Isso implicaria pois, um
afastamento de concepções e práticas pedagógicas tradicionais para um deslocamento em
busca de novas propostas de ensino.
Após essa discussão sobre a didática do texto, propomos no tópico seguinte uma
reflexão sobre a situação didática de produção de texto.
32
Inicialmente, julgamos pertinente comentar sobre o fato de que o estudo dos gêneros
não é algo novo (BRONCKART, 2007; MARCUSCHI, 2009; ROJO, 2010) e, como se
caracterizam espécies de textos, agrupados por terem aspectos comuns, eles se articulam às
necessidades dos falantes e às condições sociais em que são produzidos. Nesse âmbito, o
surgimento de novas motivações sociais pode fazer emergir um novo gênero textual.
Em Bronckart (2007, p. 72), lemos:
É assim que, no que diz respeito à forma como os gêneros textuais foram sendo
introduzidos no trabalho pedagógico, Antunes (apud Suassuna, 2008, p. 5) registra:
Segundo Barbosa (apud Suassuna, 2008, p. 6), “para além dos aspectos estruturais
e/ou funcionais, os gêneros textuais permitiriam ao professor lidar com aspectos da
enunciação [...], considerados de grande importância no processo de compreensão e produção
de textos”.
Confirmando o aspecto discursivo dos gêneros e o fato de que a interação se dá
impreterivelmente através de algum deles, Marcuschi (2002, p.19) registra que “os gêneros
são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. [...] contribuem
para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades
sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa”.
Contudo, apoiando-nos em Suassuna (2004, p. 2) afirmamos que:
Se por um lado, não temos dúvida de que a teoria dos gêneros textuais é
bastante produtiva quando se trata de ensinar a ler e escrever, e nos aproxima
mais da linguagem em uso, por outro lado, não podemos encará-la como
receita definitiva, modismo a ser seguido ou solução para os problemas
educacionais que enfrentamos cotidianamente.
Tomando ainda o que nos diz esse linguista, temos: “Escrever é ser capaz de colocar-
se na posição daquele que registra suas compreensões para ser lido por outros e, portanto, com
eles interagir. [...]” (ibidem, p. 66). Acrescenta o autor que um texto é produto da elaboração
própria que encontra nos outros textos apenas modelos ou indicações (idem, 2010).
Por essa linha, sustenta:
Com suporte também nas considerações de Maingueneau (2005, p. 64), afirmamos que
“os gêneros de discurso não podem ser considerados como formas que se encontram à
disposição do locutor a fim de que este molde seu enunciado nessas formas”.
Dessa maneira, não podemos conceber os gêneros de texto essencialmente como: (1)
aqueles que no espaço escolar vão se adequar às novas situações de uso; (2) instrumentos de
comunicação; (3) instrumentos que possibilitam aos sujeitos agirem apenas linguisticamente.
Apoiando-nos em Barbosa (apud Suassuna, 2008), concebemos os gêneros como
objeto de ensino, porque estes:
i. contemplam o complexo processo de produção e compreensão de textos;
36
ii. permitem incorporar elementos da ordem do social e do histórico;
iii. permitem considerar a situação de produção de um dado discurso;
iv. abrangem o conteúdo temático, a construção composicional e seu estilo verbal.
Essa mesma autora argumenta que, também por esses motivos, os gêneros podem ser
elementos estruturadores de propostas curriculares da área de língua portuguesa.
Em termos de ensino, dispomos de alguns documentos oficiais para orientação ou
definição de conteúdos, objetivos, finalidades e metodologias para o ensino de língua
portuguesa que também sinalizam para a utilização dos gêneros de texto nas aulas de
português.
Nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio (BRASIL, 1999, p. 8) lemos: “o
estudo dos gêneros discursivos e dos modos como se articulam proporcionam uma visão
ampla das possibilidades da linguagem[...]”.
De igual modo, a Base Curricular Comum para as Redes Públicas de Ensino de
Pernambuco/BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008), ao estabelecer as competências para os
alunos dessa rede em língua portuguesa, introduzem a temática expressando:
Espera-se que o professor, no trabalho coma produção de textos escritos (em
gêneros selecionados para cada etapa da escolaridade), oriente o aluno no
desenvolvimento de competências para: [...] adequar-se aos modos típicos de
organização, sequência e apresentação que caracterizam os diferentes
gêneros de texto; [...] usar as convenções gráficas próprias da apresentação
dos diferentes gêneros de texto (p. 93-96). (Grifo nosso)
num recurso rico e multidimensional que nos ajuda a localizar nossa ação
discursiva em relação a situações altamente estruturadas.[...] Ao
compreendermos o que acontece com o gênero, porque o gênero é o que é,
percebemos os múltiplos fatores sociais e psicológicos com os quais nossos
enunciados precisam dialogar para serem mais eficazes. (BAZERMAN,
2011, p. 29).
Por tudo o que foi exposto, quando falamos no ensino com apoio nos gêneros de texto,
estamos nos referindo a um processo que tome esses elementos como base nas interações
sociais. Desse modo, utilizando-se dos gêneros construídos nas mais diferentes esferas de
comunicação, os alunos devem ser levados a refletir sobre os aspectos linguísticos e
discursivos implicados nesses textos, com vistas a melhor utilizá-los em suas próprias
interações.
37
Realizadas essas considerações, nos propomos, no tópico seguinte, a apresentar
algumas reflexões sobre o contexto escolar de produção textual, sempre com foco no texto
argumentativo.
38
Entretanto, de acordo com essa mesma autora, a existência de pesquisas sobre a
produção de textos não tem evitado o artificialismo dos contextos de produção textual e pouco
alterou a qualidade das redações produzidas pelos alunos. Isso porque, muitas vezes, essa
atividade não é vista como instância articulada da prática de linguagem. Vemos que, na
maioria das vezes, os alunos são levados a escrever sobre um tema determinado pelo
professor (que provavelmente será o seu único leitor), sem que lhes sejam explicitados os
propósitos do texto nem definidos seus interlocutores.
É nesse sentido que, segundo Antunes (2003, p. 26):
39
QUEM ESCREVE O QUÊ PARA QUEM ONDE PARA QUÊ
aluno devolve/ discurso12 professor escola atestar
reproduz autorizado aprendizagem
Esquema 1
12
Suassuna (2009, p. 87) indica: “De maneira geral, temos um aluno que fala a um professor, dizendo aquilo que
‘é permitido dizer’ no contexto escolar, com o objetivo de atestar que aprendeu e sabe ‘pôr em prática’ os
conceitos e as regras da gramática normativa tradicional”.
13
Para uma reflexão mais detalhada acerca da expressão autor do texto, indicamos a leitura de Possenti (2002, p.
105-124)
40
com Antunes (2003), quando esta afirma que, do ponto de vista social,14 não há escrita para
nada, para não dizer, para não ser ato de linguagem.
Sobre essa nova possibilidade de contexto de produção de texto, apresentamos aqui
um esquema sugerido por Geraldi (2003, p. 161):
Esquema 2
Por esse esquema, teríamos um objetivo mais amplo para o ensino da linguagem e
para a produção textual: a retomada do caráter dialógico-discursivo da língua, que situa o
aluno como sujeito do seu discurso e o professor como um dos possíveis (e não único)
interlocutores do texto desse sujeito.
De acordo com Geraldi (2003), a utilização das flechas em dois sentidos equivale à
representação de que ninguém se assume como locutor sem ser por uma relação interlocutiva.
É por isso que, segundo esse autor, uma situação de produção de texto pressupõe algumas
condições básicas como:
i. ter o que dizer (corresponde à ampliação do repertório de informações do
aluno, somando-se suas experiências às experiências compartilhadas com seus
14
Savioli e Fiorin (2001, p. 17) dizem que “o texto é produzido por um sujeito num dado tempo e num
determinado espaço. Esse sujeito, por pertencer a um grupo social num tempo e num espaço, expõe em seus
textos as ideias, os anseios, os temores, as expectativas de seu tempo e de seu grupo social”.
41
interlocutores e ao estabelecimento dessas experiências como ponto de partida
para as reflexões que ocorrem nas nossas salas de aula);
ii. ter uma razão para dizer o que se tem a dizer (motivação interna para a
realização da produção textual);
iii. ter para quem dizer o que se tem a dizer;
iv. constituir-se como locutor, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz;
v. escolher as estratégias (escolha do como e do que dizer, para dizer o que se tem
a dizer e a quem se diz).
É nessa dimensão que um novo contexto de produção de textos se caracterizaria por
um lugar de produção (a escola), com um sujeito (enunciador) que recorreria a uma série de
estratégias de organização textual para produzir o seu texto. Esse mesmo produtor, na
organização textual, teria por base as suas experiências e representações sócio-históricas, e
orientaria o seu discurso considerando o seu interlocutor, a finalidade do texto a ser produzido
e os efeitos do seu texto sobre o seu interlocutor.
Seguindo por esse percurso, observamos que no processo de produção textual vários
aspectos linguísticos e pragmáticos estão implicados, de forma a contribuir para que um texto
se constitua como uma unidade comunicativa básica, ou seja, para que na sua produção o
aluno se oriente na perspectiva de construção de sentido. Estamos nos referindo aos princípios
de textualidade e a alguns critérios de textualização.
De acordo com Val (2006, p. 5), a textualidade diz respeito a “um conjunto de
características que fazem com que o texto seja um texto, e não apenas uma sequência de
frases”. Assim, um texto não se organiza de forma aleatória.
É nesse contexto, que para Marcuschi (2009), a textualidade não é uma propriedade
imanente a algum artefato linguístico e não depende das correspondências sintático-
ortográficas da língua, mas da sua condição de processabilidade cognitiva e discursiva.
Para Koch (2011, p. 30):
42
Por esse pressuposto, a constituição de um texto deve obedecer a um conjunto de
critérios de textualização (esquematização e figuração) que funcionam, segundo Marcuschi
(2009), como critérios de acesso à construção de sentido.
Considerando que a atividade de produção de textos pressupõe sempre uma atividade
dialógica, na qual o produtor precisará lançar mão das melhores estratégias para dizer o que
tem a dizer, podemos, de igual modo supor que o emprego dos critérios de textualização
implicará, em termos de textos argumentativos escritos, uma boa organização textual com
vistas à ação de interação.
Nesse caso, temos a coerência e a coesão textual, que se instalam no âmbito dos
conhecimentos linguísticos15 e conceituais mobilizados pelo produtor de texto, bem como os
fatores pragmáticos que pressupõem, no processo de produção textual, a adequação discursiva
e a ideia de que esse processo envolve interlocutores, sujeitos históricos, origem e destino de
sua produção (SUASSUNA, 2009).
Compreendendo, pois, que um texto está submetido tanto a controles e estabilizadores
internos como externos, de modo que não devemos considerar a estrutura linguística como
fator único para a produção, estabilidade e funcionamento do texto (MARCUSCHI, 2009a) é
que trataremos, no subtópico que se segue, sobre a coerência e a coesão textuais e sobre os
fatores pragmáticos que interferem na produção de textos escritos argumentativos.
15
Sobre conhecimento linguístico, Koch (2011, p. 32) registra: O conhecimento linguístico compreende o
conhecimento gramatical e o lexical, sendo o responsável pela articulação som-sentido. É ele o responsável, por
exemplo, pela organização do material linguístico na superfície textual, pelo uso dos meios coesivos que a língua
nos põe à disposição para efetuar a remissão ou a sequenciação textual, pela seleção lexical adequada ao tema
e/ou aos modelos cognitivos ativados.
43
Para Marcuschi (2009), trata-se de duas formas de se observar a textualidade; sustenta
o autor que há uma distinção bastante clara entre a coesão (como a continuidade baseada na
forma) e a coerência (como a continuidade baseada no sentido).
Koch (2011), diferentemente, assinala que, embora sejam fenômenos distintos, há
entre a coerência e a coesão “zonas mais ou menos amplas de imbricação” que dificultam o
estabelecimento de fronteiras entre eles.
Para Val (2006, p. 07), “a coerência e a coesão têm em comum a característica de
promover a inter-relação semântica entre os elementos do discurso, respondendo pelo que se
pode chamar de conectividade textual”, e é nessa direção que pensaremos sobre elas.
Ao considerarmos esses aspectos da textualidade, estamos nos apoiando em alguns
conceitos expostos por Suassuna (2009), que afirma: (a) produzir textos é agir simbolicamente
sobre o mundo, constituir-se como um sujeito que pensa, sente, tem o que dizer para outros
sujeitos; (b) o texto não se esgota na sua linearidade aparente; (c) o texto deve girar em torno
de um tema definido, de modo a se constituir numa totalidade semântica.
Dessa forma, ao analisarmos as estratégias de argumentação utilizadas pelos alunos,
entendemos que as mesmas são usadas em função dos efeitos pretendidos com o texto. A
coesão e a coerência do texto serão analisadas, então, a partir das estratégias identificadas e da
forma como elas são encadeadas nos textos na intenção de construção de sentido, já que,
segundo Val (2006, p. 10), “[...] o fundamental para a textualidade é a relação coerente entre
as ideias”.
Corroborando essa ideia, Gregolin (1993, p. 28) afirma:
Sendo assim, em termos de produção textual, lidaremos com a coerência tomando por
base a definição apresentada por Marcuschi (2009a, p. 76):
44
argumentativo. É o aspecto da organização e estabilização da experiência
humana no texto.
Para esse linguista, a coerência é uma relação de sentido que se manifesta entre os
enunciados, normalmente de forma global. É a coerência que encaminha a continuidade de
sentido no texto e a ligação dos próprios tópicos discursivos.
Com posicionamento semelhante, encontramos Beaugrande e Dressler (1981), apud
Marcuschi (2009, p. 121) afirmando que a coerência:
Continuando essa reflexão, Val (2006) menciona que, sendo responsável pela unidade
formal do texto, a coesão constrói-se através de mecanismos gramaticais e lexicais. Sobre o
primeiro tipo, a autora destaca o uso de pronomes anafóricos, os artigos, a elipse e a
correlação entre os tempos verbais e as conjunções, comentando que esses elementos
expressam relações não só entre os elementos no interior da frase, mas entre frases e
sequências de frases dentro de um texto. Sobre o segundo tipo, menciona que se estabelece
pela reiteração, pela substituição e pela associação. A reiteração, de acordo com essa
pesquisadora, ocorre pela repetição de um item e por processos de nominalização. Já a
substituição ancora-se nas relações de sinonímia, antonímia, hiponímia e hiperonímia. A
associação, por sua vez, diz respeito à relação de itens do vocabulário pertencentes a um
mesmo esquema cognitivo.
É assim que, para Geraldi (2003, p. 109), “a dimensão sequencial do texto, [...]
procura assegurar coerência e conexidade [...] de modo a ir, na abertura, barrando
‘interpretantes’ que poderiam, em princípio, ser chamados a operar na construção do sentido
do texto”.
Expostas essas definições e tendo por suporte a defesa de Geraldi (2003) de que na
produção de texto é preciso que se tenha o que dizer, se tenha uma razão para dizer o que se
tem a dizer, o locutor se constitua como tal, e se escolham as estratégias para realizar o que se
tenha a dizer, tomaremos no decorrer do trabalho mais alguns aspectos da textualidade
(aqueles centrados no produtor e na situação de produção). Desse modo, temos:
O outro é a medida: é para o outro que se produz o texto. [...] O outro insere-
se já na produção, como condição necessária para que o texto exista. É
porque se sabe do outro que um texto acabado não é fechado em si mesmo.
46
Seu sentido, por maior precisão de que lhe queira dar seu autor, e ele o sabe,
é já na produção um sentido construído a dois. Quanto mais, na produção, o
autor imagina leituras possíveis que pretende afastar, mais a construção do
texto exige do autor o fornecimento de pistas para que a produção do sentido
na leitura seja mais próxima ao sentido que lhe quer dar o autor.
Para mim, o texto com bom índice de informatividade precisa ainda atender
a outro requisito: a suficiência de dados. Isso significa que o texto tem que
apresentar todas as informações necessárias para que seja compreendido com
o sentido que o produtor pretende. Não é possível nem desejável que o
discurso explicite todas as informações necessárias ao seu processamento,
mas é preciso que ele deixe inequívocos todos os dados necessários à sua
compreensão aos quais o recebedor não conseguirá chegar sozinho. (VAL,
2006, p. 14)
Mais uma vez, nos remetemos ao que nos diz Geraldi (2003, p. 137): “Por mais
ingênuo que possa parecer, para produzir um texto (em qualquer modalidade) é preciso que se
tenha o que dizer; [...]”. Nesse sentido, será um desafio para o produtor de texto selecionar as
informações necessárias à situação de interlocução que lhe for proposta, observando a
quantidade e a qualidade de informações que deverá dispor em seu texto.
47
socialmente, a situacionalidade seria uma forma de o texto se adequar tanto a seus contextos
como a seus usuários.
Para Val (2003, p. 12), é “a situacionalidade que diz respeito aos elementos
responsáveis pela pertinência e relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre. É a
adequação do texto à situação sociocomuncicativa”. Esse é também um aspecto relevante na
produção textual, uma vez que se agrega aos efeitos pretendidos com o texto. Ainda segundo
essa mesma autora:
Na verdade, toda a discussão travada até o momento teve como objetivo propor
reflexões sobre os conceitos de língua, de texto e de contextos de produção textual à luz do
que ocorre no espaço escolar. Ao mesmo tempo, preparar o caminho para o nosso objeto de
estudo, que é a ação argumentativa, especificamente textos escritos argumentativos
produzidos em salas de aula.
Desse modo, conceituando texto e pensando nas situações de produção textual,
faremos no tópico seguinte um histórico da argumentação como prática discursiva e, a partir
dele, exporemos a noção de texto argumentativo delineada no nosso estudo.
48
Para falarmos sobre argumentação, um aspecto central nos impulsiona a situar nossa
discussão: qual o lugar que a argumentação ocupa nas ações de linguagem?
Diferentes autores colocam a argumentação como sendo o foco dessas ações. Em
Pécora (1999, p. 88), encontramos: “o sentido do termo argumentação já não se refere apenas
a um tipo particular de emprego verbal, mas sobretudo a uma propriedade fundamental para a
caracterização da linguagem como discurso”.
Koch (2006, p. 17) afirma que “a interação social por intermédio da língua caracteriza-
se fundamentalmente pela argumentatividade.” Para ela, uma vez dotado de razão e vontade,
o homem julga e forma juízos de valor, ao mesmo tempo, em que, por meio do seu discurso,
tenta influir sobre o comportamento do outro, persuadindo-o a compartilhar de determinadas
de suas opiniões.
Encontramos Golder apud Souza (2003, p. 72) afirmando que “toda ação de
linguagem é potencialmente argumentativa, porque o locutor, [...] seleciona o modelo do
discurso que quer adotar, conforme seu objetivo”.
Numa perspectiva semelhante, Gregolin (1993, p. 28) observa que “a argumentação
não é [..] entendida como um acessório que auxilia na transmissão de informações, mas como
‘ato linguístico fundamental’, inerente a todo e qualquer texto[...]”.
Breton (2003), compartilhando com a ideia do papel fundamental que a argumentação
pode exercer na vida dos indivíduos, situa a argumentação como uma prática que é inerente à
comunicação humana, assegurando que na medida em que o homem se identifica com uma
palavra, com um ponto de vista próprio sobre o mundo no qual está inserido, pratica
argumentação.
Leal e Morais (2006, p. 8), ao justificarem a escolha de um tema de pesquisa cujo foco
era a abordagem de aspectos relacionados à produção de textos de opinião na escola, apontam
a argumentação como “uma atividade socialmente relevante que permeia a vida dos
indivíduos em todas as esferas da sociedade”, na medida que a defesa de pontos de vista
constituiria um aspecto fundamental para a inserção social e a autonomia dos sujeitos.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 581) nessa mesma linha registram:
Apenas a existência de uma argumentação, que não seja nem coerciva nem
arbitrária, confere um sentido à liberdade humana, condição de exercício de
uma escolha racional. Se a liberdade fosse apenas adesão necessária a uma
ordem natural previamente dada, excluiria qualquer possibilidade de escolha;
se o exercício da liberdade não fosse fundamentado em razões, toda escolha
49
seria irracional e se reduziria a uma decisão arbitrária atuando num vazio
intelectual.
Em Leal e Morais (2006), observamos que foi com Aristóteles, no campo da lógica,
que se registrou um estudo mais sistemático sobre o pensamento argumentativo formal, cujo
objetivo era analisar os princípios por meio dos quais as declarações e os argumentos
pudessem ser construídos e validados (ou não), independentemente do contexto, das
representações sociais ou dos objetivos dos falantes. É desse paradigma que decorre a noção
do silogismo, segundo o qual Aristóteles tentava identificar argumentos-padrão que
atendessem às condições lógicas e pudessem ser usados universalmente. Assim, “alguns A
são B, todos os B são C, logo, alguns A são C” (PLANTIN, 2008, p. 12). Para Leal e Morais
(2006), as sistematizações de Aristóteles sobre lógica formal têm sido utilizadas até os dias de
hoje, mas os estudos modernos sobre argumentação muito têm se modificado desde esse
período.
Quanto à dialética, Plantin (2008) indica que, no campo da filosofia, esse paradigma se
processa numa técnica da discussão entre dois parceiros (o respondente, que deve defender
50
uma afirmação dada e o questionador, que deve atacá-la). Esse diálogo procede não por
síntese, mas por eliminação do falso e se constitui numa discussão com perguntas e respostas.
Segundo o autor (ibidem, p. 11),
É na retórica (e mais precisamente na nova retórica), por sua vez, que percebemos a
argumentação se desenvolver numa perspectiva dialógica da linguagem.
Breton (2003), em sua abordagem, nos diz que a argumentação se estabeleceu como
um saber sistemático no século V antes de Cristo com o nome de retórica e “durante dois mil
e quinhentos anos, até a explosão das disciplinas do fim do século XIX, a retórica foi o centro
de todo o ensino” (BRETON, 2003, p. 24).
Segundo esse mesmo pesquisador, “o estudo da argumentação como parte da antiga
retórica, foi feito durante muito tempo por filósofos por um lado, e por especialistas literários
da linguagem por outro lado” (BRETON, 2003, p. 14). De acordo com esse estudioso, os
filósofos situavam a argumentação de forma ambígua, já que se perguntavam se nela havia
procedimentos que pudessem nos permitir chegar à verdade de algo ou provar a falsidade.
Para Breton, considerando-se que, no âmbito da comunicação, cada mensagem é vista como
uma opinião que pode ser argumentada, a questão levantada pelos filósofos deixava de ser
relevante, já que não se busca com a argumentação uma verdade ou um erro.
No que se refere ao papel dos literários ante os estudos da argumentação, Breton
(2003) indica que, para eles, na maioria das vezes, argumentar equivalia a “uma apresentação
estética na qual se fazia mais uso da sedução do belo que do raciocínio rigoroso.” Nessa
perspectiva, a retórica se desenvolveu como matéria de ensino, cujo objetivo era iniciar os
jovens na arte suprema do discurso. Decorre daí a associação da retórica à arte do bem falar,
já que a preocupação maior consistia em formar oradores que, por meio de um discurso
eloquente, conseguissem a adesão de um auditório.
Sobre esse aspecto, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 6) afirmam que:
51
É nessa perspectiva que Breton (2003) considera que a história do saber e dos
conhecimentos acumulados em retórica constituiu-se ao mesmo tempo numa separação
progressiva, desde o período antigo, da arte de convencer com relação à estética da palavra,
como também com relação à busca da verdade, particularmente sob a forma científica.
Em Plantin (2008, p. 9), temos:
16
Encontramos em Breton (2003, p. 18) a seguinte referência sobre Perelman: Chaïm Perelman, um jurista,
filósofo do direito, decidiu assumir e fazer frutificar sua herança ao iniciar o trabalho na sua “nova retórica”. Seu
principal livro “Le Traité de l’argumentation”, escrito em colaboração com L. Olbretchs-Tyteca, marca uma
reviravolta no domínio da retórica. Seu projeto era romper com uma concepção da razão e do raciocínio vinda de
Descartes. Para Perelmam, um raciocínio pode convencer sem ser cálculo, pode ser rigoroso sem ser científico.
52
com as opiniões apresentadas/defendidas pelo orador. Para isso, é importante que o orador
conheça o seu auditório. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 33) acerca desse aspecto
enfatizam:
[...] a natureza do auditório ao qual alguns argumentos podem ser
submetidos com sucesso é que determina em ampla medida tanto o aspecto
que assumirão as argumentações quanto o caráter, o alcance que lhes são
atribuídos.
53
É na ideia de que existe um auditório universal que recai o maior perigo de
se “naturalizar” o fenômeno da interação e, consequentemente, do processo
de argumentação. É fundamental reconhecer que, apesar da tentativa de
construção de argumentos que possam causar efeitos em plateias
heterogêneas, há na construção do discurso, influências do contexto de
produção desse discurso e que, no dia a dia, são mais frequentes as situações
em que nos dirigimos a auditórios particulares.
Ainda sobre auditório particular, Breton (2003, p. 26) é enfático ao afirmar que:
Ninguém duvida de que alguém que se esforça para convencer “no vazio”,
ou ainda, que se dirige ao que certos filósofos chamaram de “um auditório
universal”, isto é, a ninguém em particular, corre o risco de encontrar certas
dificuldades. Neste sentido, uma argumentação nunca será universal [...]
54
refutem a declaração (através de evidências, justificativas, contra-argumentação) (LEAL e
MORAIS, 2006); d) um antagonista/opositor, que pode ser real ou virtual (LEAL e MORAIS,
2006). Golder apud Souza (2003), confirmando essa ideia, julga que, para argumentar, é
preciso ter uma tese discutível, ter argumentos opostos que coloquem em jogo os sistemas de
valores do próprio locutor.
Percebemos então que, para argumentar, um sujeito necessita de lançar mão de
algumas estratégias linguístico-discursivas que têm como papel desenvolver um debate de
forma ordenada e coerente, visando à modificação da opinião de seu interlocutor.
Do ponto de vista social e tendo por base muitas afirmações já expostas neste estudo,
podemos confirmar que a argumentação é um tipo de texto bem presente nas nossas relações
cotidianas, mas somente isso não nos garante que possamos desenvolvê-la bem em qualquer
situação comunicativa.
Em uma das situações, por exemplo, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) comentam
que, dependendo do auditório a que a argumentação se destine, a adesão do interlocutor pode
acontecer por dois movimentos: pelo convencimento ou pela persuasão. A decisão do
locutor/produtor de texto por um ou outro movimento vai depender da intenção deste em
relação ao seu interlocutor/auditório. Esses autores chamam de persuasiva uma argumentação
que se direciona exclusivamente ao um auditório particular e, dessa forma, o texto
argumentativo se estruturaria num uso coordenado de argumentos plausíveis e subjetivos.
Quando, por outro lado, o texto argumentativo for marcado pela objetividade,
expressando um raciocínio lógico, objetivando conduzir o interlocutor à certeza por meio de
evidências, a argumentação ocorre por convencimento.
Em linhas gerais, um texto argumentativo seria àquele caracterizado pela apresentação
de uma tese a ser defendida por meio de argumentos, com o objetivo de fundamentar e validar
o que está sendo posto pelo locutor/autor do texto até chegar-se a uma conclusão/resposta. Os
argumentos, segundo Savioli e Fiorin (2001), não são necessariamente uma prova de verdade.
Trata-se antes de um recurso de natureza linguística e discursiva destinado a levar o
interlocutor a aceitar os pontos de vista daquele que fala e se constroem a partir dos
conhecimentos prévios e experiências sócio-histórico-culturais dos produtores de texto. Por
meio dessas estratégias, o produtor do texto busca fazer com que seu texto tenha consistência
de forma a conseguir a adesão do seu auditório.
55
Por esse percurso, o texto argumentativo tem seu conteúdo revelado por um processo
que implica sucessivas regulações, fazendo com que as ideias nele defendidas sejam
construídas, reconstruídas, analisadas e organizadas, de acordo com a demanda de interação,
com vistas a conseguir a adesão de um auditório (CITELLI, 1994).
Sobre o que constitui um discurso argumentativo, Bronckart (2007, p. 226) enfatiza:
Com base nos contextos de uso, nas finalidades e nos tipos textuais dominantes,
Schneuwly e Dolz (2010) apresentam uma classificação de gêneros textuais em cinco
agrupamentos, na qual os textos da ordem do argumentar são descritos no âmbito daqueles
que têm base na discussão de problemas sociais controversos e se caracterizam pela
sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição. Nessa classificação, indicam
como gêneros argumentativos escritos os textos de opinião, a carta do leitor, a carta de
reclamação, a resenha crítica, o ensaio, o editorial e os artigos de opinião.
Do ponto de vista da escrita, por exemplo, a argumentação é um texto que se forma
pela conjugação de dados que se articulam, geralmente, através de conectivos, conjunções e
de formas diversificadas usadas na sustentação, refutação ou negociação dos pontos de vista
ou teses apresentados.
Souza (2003) acrescenta que o discurso argumentativo é ao mesmo tempo justificado e
negociado e, que para que ele seja considerado negociado, a tomada de posição deve ser
alicerçada em argumentos que sejam socialmente aceitos (causalidade, fatos e razões).
Leal e Morais nos chamam a atenção para o fato de que, embora existam várias
orientações didáticas sobre as formas de construção de textos argumentativos, sobre a
estrutura desses textos a ser ensinada na escola, quando passamos a considerar as situações de
interação mediadas pelo texto, tendemos a perceber que os modelos de textos argumentativos
não correspondem a gêneros textuais reais. “Fala-se em ‘textos argumentativos’ como se
existissem, nas práticas sociais, modelos únicos que satisfizessem às diferentes condições
com as quais se deparam os indivíduos na sociedade” (LEAL e MORAIS, 2006, p. 19).
Entendemos, é claro, que as interações sociais não se estabelecem por modelos
estanques ou rígidos de texto, mas consideraremos que em situações de produção de textos
56
argumentativos escritos, as estratégias mínimas discursivas (tese, apresentação de
argumentos, conclusão) serão mobilizadas, ainda que nem todas possam estar presentes num
mesmo texto dessa ordem.
Verifiquemos que Dolz (1995) declara que não existe uma fórmula única de organizar
um discurso argumentativo, porque ele se desenvolve na interação. Os argumentos são
colocados em razão dos objetivos, das características do destinatário, da tese que se quer
defender, e dependem, sobretudo, da situação argumentativa. Assim, esse estudioso não
desconsidera a existência básica dessas mobilizações a serem feitas pelo locutor nas
interações de argumentação.
Pensando nessas estratégias discursivas e apoiando-nos num gênero que foi
mencionado e trabalhado pelos professores desta pesquisa, apresentamos no item que segue
algumas considerações acerca do texto dissertativo-argumentativo ou dissertação
argumentativa, a partir das considerações de Koch (2006), Citelli (1994), Pécora, (1999),
Xavier (2010), Savioli e Fiorin (2001).
A dissertação argumentativa, segundo Rojo (1998) apud Koch (2006, p. 59), compõe o
agrupamento de gêneros escolares 217/gêneros escolarizados/gêneros secundários que “são
objeto de ensino/aprendizagem (gêneros secundários do discurso, transpostos para a sala de
aula)”. Rojo (1998) defende que esse texto é o protótipo por excelência desse tipo de gêneros,
uma vez que é feito para a escrita, para o ensino da escrita, para toda a escolaridade, não
existindo fora da escola. Estabelece, por esses aspectos, a artificialidade da dissertação.
Parece-nos que temos aqui um paradoxo: diante da concepção de gêneros como aqueles que
dizem respeito aos textos materializados em situações comunicativas recorrentes
(MARCUSCHI, 2009), como conceber a existência de um gênero puramente artificial e que
não ultrapasse os limites da escola? Para atender às especificidades do gênero dissertação os
locutores não precisariam mobilizar estratégias linguístico-discursivas na sua produção textual
17
De acordo com Koch (2006), Rojo lida com a ideia de gêneros escolares 1 e 2, em que os primeiros
corresponderiam àqueles que servem como instrumentos de comunicação dos quais a instituição escolar
necessita para poder funcionar. A saber: regras, explicações, instruções, etc.
57
e, estas por sua vez, não estariam diretamente ligadas a uma situação real característica do
espaço escolar?
Antunes (2003, p. 46) declara, sobre o trabalho com a escrita:
Como uma das modalidades de uso da língua, a escrita existe para cumprir
diferentes funções sociocomunicativas, de maior ou menor relevância para a
vida da comunidade. [...] Dessa forma, toda escrita responde a um propósito
funcional qualquer, isto é, possibilita a realização de alguma atividade
sociocomunicativa entre as pessoas e está inevitavelmente em relação com
os diversos contextos sociais em que essas pessoas atuam.
É nesse sentido que, contrapondo-se a Rojo, Citelli (1994) acha que as formas
dissertativas estão presentes cotidianamente na vida das pessoas; o segundo autor discorda da
ideia de dissertação se configure num gênero eminentemente voltado à produção escrita. De
acordo com ele, situações comunicativas que envolvem veiculação de ideias, defesa de pontos
de vista, concepções atacadas ou defendidas (discursos da publicidade, do jornalismo, da
política, das aulas, das polêmicas etc.) correspondem a uma atividade dissertativa.
Para esse mesmo autor, “convencer ou persuadir através do arranjo dos diversos
recursos oferecidos pela língua é, numa formulação muito simples, a marca fundamental do
texto dissertativo/argumentativo” (CITELLI, 1994, p. 07).
Continuando essa reflexão, Pécora (1999, p. 96) estabelece: ‘qualquer uso de
linguagem, desde que efetive um vínculo intersubjetivo, desde que se possa reconhecer nele
um efeito de sentido, constitui uma argumentação. Mas, sem dúvida, é na dissertação que ela
se manifesta de uma forma típica [...]”.
Sobre a dissertação argumentativa Xavier (2001, p. 07) sustenta:
Desse modo é que, a partir da concepção de argumentação que orienta nosso estudo,
elegemos para esta pesquisa a definição de dissertação argumentativa acima apresentada por
Xavier (2005), com uma pequena adaptação: defendemos que nesse gênero de texto o autor
procura persuadir seu leitor. Nossa posição ocorre em função da:
58
i. diferença entre convencer e persuadir apontada por Perelman e Olbrechts-
Tyteca (2005) a partir do tipo de auditório do qual se deseja obter a adesão;
esses estudiosos propõem que chamemos de persuasiva a argumentação
direcionada para um auditório particular e de convincente aquela que se destina
a um auditório universal;
ii. importância de o locutor conhecer seus interlocutores reais ou possíveis; assim
é que, nos contextos de produção textual, um texto destina-se a outro alguém,
seu leitor provável, para o qual está-se produzindo o que se produz.
(GERALDI, 2003).
Ainda sobre a dissertação argumentativa, encontramos em Savioli e Fiorin (2001),
assim como, em Xavier (2010) algumas características desse gênero, sintetizadas por nós no
quadro abaixo:
59
1.9 A escrita de textos argumentativos: reflexões a partir do que se ensina na escola
Comecemos por uma afirmação de Breton (2003, p. 23): “hoje ainda, cada indivíduo,
na sua vida cotidiana, é confrontado com inúmeras situações de argumentação e este saber faz
parte da ‘cultura básica’ que todos podem adquirir, de certa maneira, por ‘impregnação’, ao
passo que a argumentação é apenas raramente o objeto de um programa de ensino”.
Admitimos, tal como Breton, que a argumentação constitui-se também na cultura
básica e podemos verificar isso, de forma muito clara, quando lidamos com crianças que
vivenciam desde cedo situações argumentativas orais (SOUZA, 2003). Discordamos, por
outro lado, da afirmação de que essa atividade é dificilmente vista em programas de ensino.
Hoje, já conseguimos visualizar propostas curriculares18 e outros documentos oficiais de
orientação curricular e metodológica nos quais a argumentação é tomada como objeto de
ensino. A saber:
Nos PCN (BRASIL, 1998), lemos:
18
Sobre alguns documentos legais e norteadores do ensino, podemos mencionar: Proposta curricular: educação
infantil, fundamental e educação de jovens e adultos (CAMARAGIBE, 2009); Base Curricular Comum para as
redes públicas de ensino de Pernambuco: Língua Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008).
60
argumentação e proporcionando-lhes reflexões sobre as estratégias discursivas básicas
constituintes desse tipo de discurso.
Atualmente, é possível encontrarmos professores de língua portuguesa que concebem
a produção de textos argumentativos como uma possibilidade de desenvolverem o senso
crítico dos alunos, já que, por meio desses textos, eles (os alunos) precisam não só apresentar
seus pontos de vista sobre os diversos temas que emergem nas relações sociais, como têm de
convencer os seus pares sobre aquilo que estão defendendo (percepção dos professores sobre
a dialogicidade desse texto e sobre a dimensão argumentativa da linguagem).
É nesse sentido que compreendemos que as práticas pedagógicas ou encaminhamentos
didáticos dados pelo professor de língua materna podem contribuir (ou não) para a construção
de textos argumentativos escritos pelos alunos, uma vez que consideramos o professor como
“mediador entre o objeto de estudos (no caso, o texto) e a aprendizagem que vai se
concretizando nas atividades de sala de aula” (GERALDI, 2003, p. 112).
Nesse contexto, Leal e Morais (2006) registram que, em pesquisa realizada com o
objetivo de analisar se diferentes tipos de práticas de ensino têm influência sobre a capacidade
de produção de textos argumentativos, por meio de observação de aulas de professoras de 2ª a
4ª séries e pela análise de textos produzidos pelos alunos dessas professoras, conseguiram
encontrar dois grupos de professoras quanto ao tipo de ações que desenvolviam nas aulas: a)
as que propunham atividades de escrita em que se concebia o texto como sequência de
informações ou fatos, sem referência em outras práticas sociais de uso da língua; b) as que
percebiam o texto como objeto de ensino e de interação e, dessa forma, propunham situações
que se aproximavam/assemelhavam às situações reais e cotidianas de uso dos textos.
Nessa perspectiva, esses autores declaram que:
Leal e Morais (2006) registraram ainda que, nessa mesma pesquisa, foram observados
aspectos referentes aos tipos de reflexão que eram conduzidos em sala de aula. Esses autores
61
perceberam que havia um grupo de professores que não proporcionava reflexões sobre o texto
a ser produzido ou realizava reflexões estritamente sob a ótica dos aspectos gramaticais ou
estruturais dos textos; um outro grupo refletia com os alunos sobre os aspectos discursivos
dos textos, ainda que de forma superficial. Dessa forma, esses pesquisadores assinalam que:
Nessa dimensão, esse estudioso afirma que todos os problemas detectados nas
produções de textos dos vestibulandos e dos universitários se configuraram problemas de
argumentação “na medida em que testemunham o fracasso das ocorrências para instituírem
uma relação intersubjetiva de significação” (idem, ibidem, p.90). Esse autor afirma ainda que:
Acerca desses aspectos, Val (2006) continua relatando que o grupo que tinha
produzido as redações era constituído por alunos que tinham concluído o 2º grau (hoje, nosso
ensino médio) e aprovados na 1ª fase, que era eliminatória. Chamou-lhe a atenção que nem
esse grupo conseguiu produzir textos que ela julgou serem de boa qualidade.
63
Segue seu comentário, lembrando que foram considerados, na sua análise, o contexto
imediato de produção escolar, o estado emocional dos alunos diante da situação de produção e
o fato de os vestibulandos estarem produzindo para um interlocutor que não constituiria um
auditório presumido. Este, assumindo o que nos dizem Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005),
seria fator elementar para toda a orientação discursiva da argumentação a ser desenvolvida.19.
É, no entanto, a relação que Val (2006) estabelece entre o que ela chamou de
“elementos anteriores ao desencadeamento das ideias no texto” e o texto produzido que nos
chama a atenção:
19
Achamos por bem, para fins de esclarecimento, expor que: uma vez que a neutralidade nas ações de linguagem
não foi considerada no nosso trabalho, Koch (2006, p. 17) nos coloca que “a aceitação desse postulado faz cair
por terra a distinção entre o que tradicionalmente se costuma chamar de dissertação e de argumentação, visto que
a primeira teria de limitar-se, apenas, à exposição de ideias alheias, sem nenhum posicionamento. Ocorre, porém,
que a simples seleção das opiniões [...] já implica, por si mesma, uma opção”.
64
que sejam de fato significativas para os alunos. Como defende Possenti (2002, p. 2): “houve
um tempo em que se disse a propósito de redações escolares, que importava o conteúdo. Era a
época de uma certa ideologização da escola (necessária, a meu ver), em que era relevante que
os alunos se tornassem sujeitos de um outro discurso, dito crítico”.
É nessa dimensão que as reflexões apresentadas até o momento têm o propósito de
defender que o fundamental, no trabalho com a produção de textos, inclusive, em turmas de
ensino médio, é o desenvolvimento de atividades de reflexão sobre a língua que envolva
práticas de uso reais da língua, proporcionando aos alunos reconhecer os mecanismos que ela
dispõe e dos quais podemos fazer uso para expor nossos pensamentos e defender nossas
opiniões.
65
2 METODOLOGIA
A questão metodológica diz respeito aos procedimentos que o pesquisador irá utilizar
e é orientada por pressupostos e compromissos filosóficos que determinam a maneira como
ele apreende o conhecimento sobre o mundo (MOREIRA e CALEFFE, 2008).
Analisando algumas reflexões de Coracini (1991), Suassuna (2008a) considera que a
opção por um caminho metodológico nos estudos da linguagem vai depender das concepções
de linguagem implicadas. Por esse ângulo, considerando o agrupamento feito por Coracini
(1991) e ancorados na concepção de linguagem como discurso que orienta toda a nossa
pesquisa, elegemos um procedimento metodológico que consistisse em:
Por esse raciocínio, compreendemos que a metodologia deve ser pensada como uma
construção teórica que dialoga diretamente com a prática da pesquisa, não se configurando
como instrumental de uma “investigação neutra” (MINAYO, 1998). De acordo com Lüdke e
André (1986), a visão do mundo, os pontos de partida, os fundamentos para a compreensão e
explicação desse mundo irão influenciar a maneira como o pesquisador propõe sua pesquisa.
Moreira e Caleffe (2008) corroboram essa afirmação e acrescentam que todos os
pesquisadores estabelecem pressupostos de algum tipo em relação às questões metodológicas
e esses pressupostos, por sua vez, tendem a agrupar-se em um determinado paradigma.
É nesse caminho que o percurso metodológico adotado no nosso estudo foi sendo
construído com vistas a contemplar a articulação entre a pergunta da pesquisa (o ensino da
argumentação tem proporcionado o desenvolvimento de habilidades argumentativas?) e os
objetivos nela definidos: (1) analisar práticas de ensino de produção de textos argumentativos
escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias argumentativas
utilizadas pelos alunos (2) identificar as concepções de língua, texto e argumentação que
fundamentam a prática de professores de português; (3) analisar as situações didáticas em que
66
são propostas as produções de texto; (4) analisar as produções dos alunos, verificando as
estratégias argumentativas mobilizadas por eles na produção desses textos.
A nossa preocupação inicial era compreender aspectos da prática escolar sem
restringi-la ao que se passa no cotidiano, refletindo sobre como se estabelece o encontro
professor-aluno-conhecimento (ANDRÉ, 2007).
Uma pesquisa não acontece de forma artificial, mas situa-se em um contexto social.
Em outras palavras, ocorre em uma comunidade de pesquisadores que compartilham
concepções similares em determinadas questões, métodos, técnicas, etc. (SPARKES, 1992
apud MOREIRA e CALEFFE, 2008).
Moreira e Caleffe, analisando as reflexões de Shulman (1986) sobre paradigma,
sustentam a ideia de que esse é o termo mais utilizado para descrever essas comunidades, bem
como, as concepções e métodos que elas partilham. É dessa forma que diferentes paradigmas
proporcionam diferentes maneiras para ver o mundo e dar-lhe sentido.
Em educação, Moreira e Caleffe (2008, p. 39) dizem que:
É importante registrar que a pesquisa em educação nem sempre foi desenvolvida por
meio de uma perspectiva sociológica. Durante décadas, por meio do paradigma clássico, cuja
67
característica era a racionalidade técnica e instrumental, que se legitimou como modelo
científico, “as diferenças, as especificidades e os detalhes dos fenômenos em estudo não
tinham importância: o que valia eram exatamente as regularidades e as uniformidades
observadas [...]” (SUASSUNA, 2008, p. 342). Nessa abordagem, a realidade é externa ao
indivíduo.
Autores como Morin (apud Suassuna, 2008a) criticam fortemente essa abordagem da
ciência clássica, registrando que alguns atributos dessa ciência são: a sustentação nos três
pilares da certeza (ordem, separabilidade e lógica); a identificação da contradição com o erro
científico; a separação operada entre sujeito e objeto, sendo a subjetividade tomada como
fonte de erros.
Nessa mesma perspectiva, Santos (apud Suassuna, 2008), numa crítica à racionalidade
científica, mostra que ela supõe a previsão do comportamento futuro dos fenômenos e tem por
pressuposto a ideia de ordem e de estabilidade do mundo.
Compreendendo que esses aspectos não se aplicam à pesquisa em educação e que,
nesse sentido, uma pesquisa nesse campo necessita ter outros critérios de rigor metodológico20
que ajudem o pesquisador a compreender as diversas situações de linguagem; considerando
também que a subjetividade é um dos elementos inerentes à pesquisa de cunho social,
adotamos um paradigma proposto em oposição à visão positivista da ciência moderna: um
paradigma que “busca a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da
constatação, valoriza a indução e assume que fatos e valores estão intimamente relacionados”
(ANDRÉ, 2007, p. 17). De acordo com essa autora, estamos falando da pesquisa descritiva,
interpretativa e qualitativa.
Essa abordagem metodológica permite que o pesquisador se aproxime da escola,
tentando compreender as relações e interações que constituem o seu cotidiano, os modos de
organização do trabalho escolar e o papel de atuação de cada sujeito nesse espaço social
(ANDRÉ, 2007).
No que se refere à pesquisa descritiva, Faria et al (2008) esclarecem que esse método
possibilita ao pesquisador apresentar o seu objeto de pesquisa, procurando descrever e
demonstrar como um determinado fenômeno ocorre, quais são suas características e relações
com outros fenômenos.
20
Referindo-se à pesquisa qualitativa, Duarte (2000) apud Suassuna (2008a, p. 348) lembra que o rigor de uma
pesquisa dessa natureza não se mede apenas por comprovações e estatísticas, mas justamente pela amplitude e
pertinência das explicações e teorias, ainda que estas não sejam definitivas nem sejam generalizáveis os
resultados alcançados.
68
Cervo e Bervian (1983) acrescentam que na pesquisa descritiva o investigador
observa, registra, analisa e correlaciona os fatos sem manipulá-los. Ela pode ser realizada, em
particular, por técnica de coleta de dados como os questionários e a observação sistemática.
Por esses pressupostos, a nossa pesquisa se apoia nos fundamentos da pesquisa
descritiva, já que nela procuramos analisar práticas de ensino de produção de textos
argumentativos escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias
argumentativas utilizadas pelos alunos.
Acerca da pesquisa interpretativa, Moreira e Caleffe (2008, p. 61) lembram:
Defendem ao mesmo tempo que para alguns autores (ERICKSON, 1986; SPARKES,
1992 apud MOREIRA e CALEFFE, 2008), o termo “interpretativo” refere-se a uma família
de abordagens e é muito útil por três razões, das quais destacamos: o fato de o paradigma
interpretativo agregar características comuns às várias abordagens; o fato de o interesse
central de todas as pesquisas nesse paradigma ser o significado humano da vida social; a sua
elucidação e exposição pelo pesquisador.
Interessante é que, de acordo com Moreira e Caleffe (2008, p 61):
69
i. a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com
o ambiente e a situação que está sendo investigada;
ii. os dados coletados são predominantemente descritivos; citações são
frequentemente usadas para subsidiar uma afirmação ou esclarecer um ponto
de vista e todos os dados da realidade são considerados importantes;
iii. a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto; nesse
caso, o interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é
verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas
interações cotidianas;
iv. o significado que as pessoas atribuem às coisas e à sua vida são focos de
atenção especial pelo pesquisador; recorre-se, pois, às concepções dos
participantes sobre o fenômeno pesquisado;
v. a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo; em outras palavras, o
pesquisador não se preocupa em buscar evidências que comprovem hipóteses
previamente definidas para o estudo.
Segundo esses mesmos autores, entre as várias formas que uma pesquisa qualitativa
pode assumir, destaca-se a pesquisa do tipo etnográfico. Esse é um outro paradigma adotado
no nosso estudo, cujo foco é “descrever, analisar e interpretar uma faceta ou segmento da vida
social de um grupo e como isso se relaciona com a educação” (MOREIRA e CALEFFE,
2008, p. 86).
Eles seguem definindo algumas características dessa abordagem, tais como: é uma
pesquisa sem igual, pois enfoca o comportamento social no cenário natural; dá crédito a dados
qualitativos; tem uma perspectiva holística, que toma por base a observação e a interpretação
realizadas no contexto das interações humanas; dá abertura para iniciar-se uma pesquisa com
hipóteses; no procedimento e na análise dos dados envolve-se a contextualização em que os
resultados da pesquisa são interpretados. Essas mesmas características foram também
descritas por André (2007).
Sobre a pesquisa etnográfica, encontramos em Lopes (2006, p. 88) a seguinte
definição:
A etnografia da sala de aula é uma descrição narrativa dos padrões
característicos da vida diária dos participantes sociais (professores e alunos)
na sala de aula de línguas na tentativa de compreender os processos de
ensinar/aprender línguas. Para fazer este tipo de pesquisa é necessário
participar na sala de aula como observador participante, escrever diários,
70
entrevistar alunos e professores, gravar aulas em áudio e vídeo etc., para
então, tentar descobrir: a) o que está acontecendo neste contexto; b) como
esses acontecimentos estão organizados; c) o que significam para alunos e
professores...
Para Moreira e Caleffe (2008, p. 88) “o maior apelo da pesquisa etnográfica é poder
construir, melhor do que qualquer outro tipo de pesquisa, um retrato rico e detalhado da vida
humana”.
Perante o exposto, decidimos por uma abordagem interpretativa e qualitativa, do tipo
etnográfico e, tendo por base as características pontuadas por Moreira e Caleffe (2008), assim
como por André (2007), estabelecemos a seguinte correlação com os nossos objetivos de
estudo: (1) investigamos a prática de dois professores de língua portuguesa no contexto da
sala de aula em diferentes escolas; (2) as aulas observadas foram registradas em diários de
campo e algumas delas, gravadas em áudio, havendo ainda entrevistas com os professores; (3)
mesmo com enfoque na prática pedagógica do professor, as observações e as interpretações
foram feitas tendo em conta as interações que ocorriam no espaço da sala de aula; (4) nosso
estudo contou com uma hipótese inicial, ainda que não buscássemos a comprovação ou
negação da mesma ao longo da pesquisa; (5) por meio das observações, buscamos
compreender se os procedimentos pedagógicos davam conta daquilo a que se propunham so
professores no ensino da argumentação escrita; (6) e por meio das entrevistas, observamos as
concepções de professores sobre língua, texto, argumentação e ensino da produção escrita de
texto argumentativo.
Gil (2010, p. 41), sobre a pesquisa etnográfica, acrescenta:
Esse estudioso nos diz que, embora algumas pesquisas etnográficas possam ser
caracterizadas como estudos de comunidade, a maioria se realiza no âmbito de unidades
menores, tais como as escolas. Em educação, as pesquisas etnográficas podem se utilizar
ainda de técnicas de coletas de dados complementares como a análise de documentos e de
fotografias, e a realização de filmagens.
No que diz respeito aos aspectos da indução e da descrição, André (2007) esclarece
que, na pesquisa etnográfica, o pesquisador faz uso de um produtivo trabalho de descrição e
71
análise de situações de campo, sujeitos, documentos, depoimentos, etc., que por ele são
reconstruídos em forma de palavras ou transcrições literais.
Por essas circunstâncias, a pesquisa etnográfica nos permitiu acompanhar e
compreender o cotidiano de aulas de língua portuguesa na instância pública da rede estadual,
em particular, o eixo da produção de textos. Assim, para além do senso comum que se
estabelece sobre a prática docente e sobre o perfil dos alunos da rede pública, o
acompanhamento realizado nos permitiu um novo olhar sobre o objeto de pesquisa, de forma
a observar conteúdos e competências que são privilegiados no ensino de língua materna, bem
como a resposta dos alunos mediante as práticas exercidas por seus professores.
Adotamos ainda na nossa pesquisa o paradigma metodológico indiciário, que pode ser
também considerado “um tipo específico de pesquisa qualitativa”. (SUASSUNA, 2008a, p.
362).
Esse paradigma foi proposto pelo historiador italiano Carlo Ginzburg a partir da ideia
de que a História tradicional deixou de considerar uma série de detalhes que eram relevantes
para a explicação dos fatos históricos. Nessa direção, Ginzburg (1998) apud Suassuna (2008a)
buscou valorizar as ideias, as crenças e as percepções dos indivíduos ou de grupos sociais
diante dos acontecimentos históricos. Em uma de suas obras, ele defende o princípio de que o
historiador poderia, por esse viés, operar com pistas, sintomas e indícios, e não somente com
fatos explícitos (SUASSUNA, ibidem).
Ginzburg registra que esse paradigma começou a revelar-se nas Ciências Humanas no
século XIX, mas suas origens datam de períodos mais antigos. Suassuna (2008a, p. 364)
afirma que “o que caracteriza esse saber é a possibilidade de o pesquisador, a partir de dados
aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa, não experimental
diretamente”.
Ainda segundo essa autora (ibidem, p. 364), “o paradigma indiciário se apoia na ideia
de que, sendo a realidade opaca, alguns de seus sinais e indícios permitiriam ‘decifrá-la’, no
sentido de que indícios mínimos podem ser reveladores de fenômenos gerais”. Segundo
Suassuna (ibidem), Ginzburg se utiliza do termo “rigor flexível” para caracterizar o
paradigma indiciário. Assim, esse paradigma não trabalha com regras explícitas ou
preexistentes, mas com pistas, indícios que possibilitam perceber elementos da realidade que
possivelmente seriam difíceis de serem captados por outros meios de investigação. É sobre
esse paradigma que Fiad (1997) apud Suassuna (2004, p. 178) argumenta:
72
Dentro do paradigma indiciário, dados singulares e particulares que, em
outra perspectiva teórica, seriam considerados marginais podem vir a tornar-
se reveladores e significativos. Assim, o paradigma indiciário recupera a
possibilidade de examinar pormenores e marcas individuais presentes nas
várias atividades humanas, entre elas, a linguagem: [...] permite ao analista ir
em busca de explicações, mais do que tentar encontrar evidências para
explicações e teorias já existentes.
73
Uma das considerações de André (2007) sobre a pesquisa qualitativa e etnográfica é a
possibilidade de fazer uso de técnicas como a observação participante, a entrevista e a análise
de documentos. Dessa forma, articulando objeto e objetivos de nossa pesquisa, elegemos
como instrumentos de coleta de dados: 1. a entrevista; 2. a observação; 3. a análise
documental.
2.2.1 Entrevista
74
Nesse contexto, precisávamos definir o tipo de entrevista a ser realizado e, para isso,
contamos com a seguinte classificação de entrevistas:
i. entrevista estruturada – definida como aquela em que o entrevistador segue um
roteiro previamente estabelecido; as perguntas feitas ao sujeito são
predeterminadas (MARCONI e LAKATOS, 2010);
ii. entrevista não estruturada – nela, o entrevistador tem liberdade para
desenvolver cada situação em qualquer direção que julgar pertinente, e
adequada (MARCONI e LAKATOS, 2010);
iii. entrevista semiestruturada – nessa entrevista, as questões devem suscitar uma
verbalização que expresse o modo de pensar ou de agir das pessoas, ante ao
tema em foco; para Lüdke & André (1986), esse tipo de entrevista possibilita a
combinação entre perguntas abertas e fechadas, de forma a permitir ao
entrevistado discorrer sobre o tema sugerido.
Isso posto, elegemos a entrevista semiestruturada como aquela que atendia melhor às
nossas pretensões.
As entrevistas foram realizadas em abril de 2011. Na ocasião, entramos em contato,
por meio telefônico, com diversas escolas da rede estadual de Camaragibe (PE), verificando
se ofertavam a modalidade do ensino médio e quais os professores de português que eram
efetivos na própria escola, há pelo menos três anos (tendo por base o ano de realização da
pesquisa). Estávamos presumindo a possibilidade de encontrar professores que estivessem
acompanhando, pelo menos desde o ano anterior, a turma a ser pesquisada.
Após a elaboração de um roteiro prévio (mas não fechado) de perguntas, em
consonância com os objetivos traçados para a entrevista, conversamos com dez professores de
língua portuguesa que se encaixavam no perfil inicialmente traçado, explicando as finalidades
de nossa pesquisa e verificando a possibilidade de realizarmos a entrevista21 com eles, em
momento oportuno para os mesmos e na própria escola. Dos dez professores, oito permitiram
que a entrevista fosse realizada.
Nesse sentido, as entrevistas serviram como elemento que nos permitiu selecionar os
professores cujas turmas seriam observadas. Por meio delas, obtivemos dados quanto à
formação acadêmica dos professores, às turmas e modalidades nas quais lecionavam, à
21
Todas as entrevistas, devidamente autorizadas pelos professores, foram gravadas mediante nosso compromisso
de mantermos em sigilo os nomes da escola e do professor, evitando assim quaisquer constrangimentos futuros
para eles.
75
frequência com que propunham atividades de produção de textos, aos encaminhamentos
didáticos realizados com vistas à produção textual. A essas questões atrelamos o perfil final
de professor desejado, que seria aquele que: (1) realizasse, em termos de produção de texto,
um trabalho sistemático com textos argumentativos; (2) trabalhasse com uma turma do 3º ano
do ensino médio; (3) tivesse lecionado língua portuguesa nessa turma no ano letivo anterior.
De posse desses dados, selecionamos dois sujeitos de pesquisa a quem trataremos, no decorrer
da análise, por Professora A e Professora B.
As entrevistas se configuraram ainda num espaço em que os professores relataram as
dificuldades encontradas na docência de português e apontaram algumas soluções para a
melhoria do ensino de língua.
2.2.2 Observação
A observação é segundo André (1986), uma técnica que ocupa um lugar privilegiado
nas pesquisas em educação, uma vez que, usada como principal método de investigação ou
associada a outras técnicas de coleta, possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador
com o fenômeno pesquisado. Essa autora acrescenta que “a observação permite a coleta de
dados em situações em que é impossível outras formas de comunicação” (ANDRÉ, 1986, p.
26).
No que se refere a essa técnica, Marconi e Lakatos (2010, p. 174) argumentam:
Tendo por base as várias modalidades de observação (quanto aos meios, à participação
do observador, ao nível), realizamos uma observação estruturada ou sistemática, participante
e individual.
Por observação estruturada ou sistemática, Marconi e Lakatos (2010) compreendem
que se trata daquela que se realiza de forma planejada, com cuidado e sistematizada. Nela, o
76
observador conhece o que procura e o que necessita em determinada situação. É a observação
em que o pesquisador precisa articular bem objetivos da pesquisa e aspectos a serem
observados, a fim de eliminar sua influência sobre o que vê ou recolhe. Dessa forma,
desconsidera aspectos observados que não sejam o foco de seu estudo.
Já a observação participante é aquela que se realiza através do contato direto do
pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores
sociais em seus contextos (RICHARDSON, 2010; MINAYO, 1998). Um ponto importante
desse tipo de observação é ganhar a confiança do grupo, permitindo que os indivíduos
compreendam a importância da investigação (MARCONI e LAKATOS, 2010).
Ainda sobre o caráter dessa técnica, a nossa observação foi individual por ser realizada
por um pesquisador. Como vantagem desse tipo de observação, Marconi e Lakatos (2010, p.
177) apontam a possibilidade que tem o investigador de “intensificar a objetividade de suas
informações, indicando, ao anotar os dados, quais são os eventos reais e quais são as
interpretações”.
Para Selltiz (1965) apud Marconi e Lakatos (2010, p. 174), “a observação torna-se
científica à medida que convém a um formulado plano de pesquisa; [...] é registrada
metodicamente [...]”. Por esse pressuposto, nas observações de aula, utilizamos um diário de
campo, no qual pudemos documentar/registrar/acompanhar as ocorrências das atividades de
produção de texto, registrando os aspectos que seriam pertinentes à pesquisa (formas de
condução do professor, orientações dadas aos alunos, materiais utilizados nas aulas, utilização
de um planejamento prévio para as aulas).
As observações transcorreram no período compreendido entre 03 de maio de 2011 e
14 de junho de 2011 e se adequaram aos horários de aula das professoras em suas respectivas
turmas de 3º ano do ensino médio, ao calendário escolar e à influência de alguns fatores
externos22.
Embora o nosso foco de pesquisa fossem os eventos relacionados diretamente à
produção de textos argumentativos, participamos de uma sequência de dez aulas que nem
sempre foram destinadas a esse eixo de ensino. Os encontros foram distribuídos da seguinte
forma:
22
Definimos por fatores externos aqueles que interferem na realização das aulas, mas que fogem ao controle da
ação pedagógica, tais como: mudança repentina de horário de aula por parte da direção da instituição escolar;
ocorrência de fortes chuvas, dando origem a alagamentos dentro do espaço escolar e inviabilizando a ocorrência
das atividades letivas; falta do professor por motivo de doença na família; realização de reunião pedagógica
convocada em caráter extraordinário por afastamento provisório do diretor de uma das escolas-campo.
77
Escola Sujeito Turma Turno Período de observação Carga
maio/11 jun/11 horária total
observada23
Pública Professora 3º Ano A Tarde 10h ------ 10h
estadual A
Pública Professora 3º Ano B Manhã 8h 2h 10h
estadual B
Tabela 1 – Quantitativo de horas-aula observadas por professor
23
Na rede estadual, a duração de cada aula é de 50min.
24
Nesse item, consideramos também se os professores privilegiavam atividades que conduziam à adequação do
texto às intenções do seu produtor ou enfatizavam a realização de atividades de metalinguagem.
78
2.2.3 Análise documental
Para tanto, essa técnica visou ao atendimento de dois objetivos: (1) analisar estratégias
utilizadas no ensino da produção escrita de textos argumentativos, identificando de que forma
essas estratégias se revelam nos textos dos alunos; (2) analisar as produções dos alunos,
verificando as estratégias argumentativas utilizadas por eles na produção desses textos. Esse
material foi previamente solicitado a cada professor participante da pesquisa, antes mesmo do
primeiro dia de observação de aula. Dessa forma, logo após a produção, os textos eram
recolhidos pelas docentes e entregues à pesquisadora, que se comprometia a fotocopiá-los e
devolvê-los a esses professores.
De acordo com Lüdke e André (1986), a análise documental é pouco explorada não só
na área de educação como em outras áreas de ação social, sendo, entretanto, uma técnica
valiosa de abordagem de dados qualitativos. Para essas autoras a análise documental
79
representa a possibilidade de identificar informações factuais, podendo completar
informações adquiridas por meio de outras técnicas ou desvelar novos aspectos de um dado
problema de pesquisa. Em nosso estudo, a análise de documentos veio se aliar às entrevistas
realizadas e aos dados obtidos na observação participante.
Em consonância com os objetivos delineados, elegemos os seguintes critérios de
análise dos documentos obtidos: (1) os textos apresentam ponto de vista claro; (2) nos textos
o autor se posiciona com vistas a um interlocutor real/virtual; (3) que estratégias da
argumentação foram mobilizadas pelos alunos.
Na intenção de situar o leitor quanto aos gêneros textuais e ao quantitativo de textos
produzidos, apresentamos a tabela a seguir:
25
Produção coletiva – geralmente realizada por 09 equipes compostas por 02 ou 03 alunos cada uma.
26
Ver nota anterior
80
2008) e as Orientações Teórico-Metodológicas para os Ensinos Fundamental e Médio/Língua
Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008a; 2008b), nos quais se propõem atividades de produção
de textos argumentativos.
2.4 Caracterização das etapas e critérios para a escolha dos sujeitos/campos de pesquisa
A nossa pesquisa de campo foi realizada em duas unidades de ensino da rede pública
estadual, situadas no centro do município de Camaragibe (PE). A escolha das duas escolas se
deu em função dos critérios definidos para o perfil de professor cujas aulas pretendíamos
observar: (1) aquele que explicitasse na entrevista que, em termos de produção de texto,
realizava um trabalho sistemático com textos argumentativos; (2) aquele que trabalhasse com
uma turma do 3º ano do ensino médio; (3) aquele que tivesse lecionado língua portuguesa
nessa turma no ano letivo anterior.
Nesse sentido, selecionamos dois sujeitos que, por razões éticas nomeamos aqui de
Professora A e Professora B, cujos perfis descrevemos a seguir.
A Professora A é graduada em Licenciatura em Letras pela Faculdade de Formação de
Professores da Mata Sul desde o ano de 2004. Cursou Especialização em Ensino da Língua
Portuguesa, em 2009, na Universidade de Pernambuco/Campus Garanhuns. É professora há
04 (quatro) anos e efetiva da rede estadual de Pernambuco desde 2007. Leciona na Escola A,
desde esse mesmo período, a disciplina de língua portuguesa. No ano da pesquisa (2011), a
professora mencionou estar trabalhando apenas com turmas do 3º ano, o que para ela era um
desafio.
A Professora B é graduada em Licenciatura em Letras pela Universidade de
Pernambuco/Campus Mata Norte, com habilitação para o ensino de língua inglesa e língua
portuguesa desde o ano de 1995. Cursou Especialização em Literatura Brasileira, no Centro
de Artes e Comunicação da UFPE. É professora há 18 (dezoito) anos e efetiva da rede
estadual de ensino desde 1993. Leciona na Escola B desde 2004, trabalhando com as mesmas
disciplinas em que se habilitou e em turmas do ensino fundamental e do ensino médio.
Situando-nos quanto à escola campo de pesquisa A, a referida unidade de ensino está
localizada no centro de Camaragibe (PE), atendendo a, aproximadamente, 1.071 (mil e setenta
81
e um) alunos com perfil socioeconômico baixo, distribuídos nas modalidades do Ensino
Fundamental (8 e 9 anos), Ensino Médio (Educação de Jovens e Adultos), Ensino Médio
(Normal Médio) e Ensino Médio (Regular). Dispõe de 10 (dez) salas de aulas pequenas e
pouco ventiladas, 01 (um) laboratório de informática, 01 (uma) biblioteca, 01 (uma)
secretaria, 01 (uma) sala de direção, 01 (uma) sala de professores, 01 (um) almoxarifado, 01
(uma) cozinha, 04 (quatro) sanitários, 01 (uma) quadra coberta que também é utilizada como
pátio escolar. Conta com um corpo docente formado por 69 (sessenta e nove) professores
efetivos, 02 (dois) secretários, 01 (um) vice-diretor, 01 (diretor). Funciona desde 2001 em três
turnos (manhã, tarde e noite) e é gerenciada pela Gerência Regional de Ensino Metropolitana
Sul, órgão vinculado à Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Conseguimos
autorização por parte da professora A para a realização da pesquisa e ao solicitarmos
autorização formal para adentrarmos no campo, não fomos indagados pelos gestores sobre o
teor do nosso estudo, possíveis implicações para a unidade de ensino em questão nem acerca
do tempo em que estaríamos na escola.
Caracterizando a escola campo de pesquisa B, apresentamos as seguintes informações:
a escola situa-se no centro de Camaragibe, atendendo a aproximadamente 1.182 (mil cento e
oitenta e dois) alunos com perfil socioeconômico baixo. É uma das escolas mais antigas da
rede estadual de ensino nesse município (sua portaria de funcionamento data de 1967) e
oferece as modalidades do Ensino Fundamental Anos Finais (6º ao 9 ano), Ensino Médio
(Educação de Jovens e Adultos), Ensino Médio (Travessia) e Ensino Médio (Regular). Dispõe
de 14 (catorze) salas de aula amplas que podem abranger cerca de 40 (quarenta) alunos,
respeitando-se os limites de metro quadrado por aluno definidos pela legislação de nosso país.
Conta ainda com 01(uma) secretaria, 01 (uma) diretoria, 01 (uma) sala de recursos
audiovisuais, 01 (um) laboratório para aulas de Química, 02 (dois) Núcleos de Ensino de
Línguas (Espanhol e Inglês), 01 (uma) quadra, 01 (um) pátio, 01 (uma) cozinha, (01) sala de
professores, 01 (um) almoxarifado. Funciona nos turnos manhã, tarde e noite, e conta com um
corpo docente formado por 77 (setenta e sete) professores, entre efetivos e contratados, 01
(um) secretário, 01 (um) vice-diretor e 01 (um) diretor27. Avaliamos por bem registrar que, em
relação ao ensino de língua portuguesa, os professores do Ensino Médio promovem,
anualmente, um encontro para socialização de trabalhos nessa área, cuja ênfase é dada à
27
Os profissionais das Escolas A e B responsáveis pelos serviços de limpeza e manutenção assim como, pelo
preparo da merenda escolar, são funcionários de uma empresa privada terceirizada, que presta serviço à
Secretaria de Educação de Pernambuco.
82
pesquisa em Literatura. Podemos ainda citar que a nossa presença na escola não foi de
conhecimento do gestor da mesma, já que todas as vezes em que comparecemos à instituição
para solicitar a permissão para a realização da pesquisa, esse profissional não se encontrava
presente. Desse modo, iniciamos e concluímos nosso estudo com a autorização da professora
B e contamos com o apoio de professores de outras áreas (Matemática e Biologia), bem como
de um funcionário da secretaria da Escola B.
A escolha da rede estadual de ensino de Pernambuco, por sua vez, justifica-se pelos
seguintes fatos: (1) essa rede dispõe de dois documentos-base para o ensino de língua
portuguesa nos ensinos fundamental e médio: a Base Curricular Comum para as Redes
Públicas de Ensino de Pernambuco/BCC (PERNAMBUCO, 2008) e as Orientações Teórico-
Metodológicas para os Ensinos Fundamental e Médio/Língua Portuguesa (PERNAMBUCO,
2008a; 2008b), nas quais se propõem atividades de produção de textos argumentativos; (2) em
Camaragibe, não existem escolas da rede pública municipal destinadas ao ensino médio.
De igual modo, as propostas desses documentos se fundamentam em algumas das
concepções adotadas na nossa pesquisa, tais como:
i. língua como interação social: “As noções básicas que fundamentam a base
curricular na área estão apoiadas na compreensão de que a linguagem é uma
atividade de interação social”. (PERNAMBUCO, 2008, p. 67);
ii. texto como produto da atividade verbal: “Toda língua somente se atualiza sob a
forma de textos, que se manifestam para além da palavra ou da frase isoladas”
(ibidem, p. 69);
iii. gênero textual como instrumentos socioculturais e de aprendizagem: “Os textos
se concretizam em diferentes gêneros [...], cada um com suas particularidades
temáticas, suas intenções específicas [...] e seus modelos de organização[...]”.
(ibidem, p. 69);
iv. argumentação como ação de linguagem que possibilita maior inserção dos
indivíduos na sociedade onde vivem: “[...] muitos dados têm apontado para a
urgência atual de se fortalecer, na escola, competências para a análise, a
reflexão, a crítica e a autocrítica, a argumentação consistente[...]” (ibidem, p.
35).
A BCC-PE enfatiza ainda a necessidade de um trabalho sistemático e articulado com
os eixos de ensino propostos por Geraldi (2004) nas aulas de português. Nela podemos
83
encontrar: “[...] é esperado que as competências em análise, leitura e produção das múltiplas
linguagens sejam as competências prioritárias das atividades realizadas na escola”.
(PERNAMBUCO, 2008, p. 36).
Ainda na BCC-PE, visualizamos uma crítica à concepção de ensino que atribui ao
professor o papel de transmissor de conhecimento, a saber:
28
Mencionamos ênfase porque no documento de orientação para o ensino fundamental (1ª a 8ª série) também
encontramos registros a respeito do trabalho com esse gênero textual. Porém, é no ensino médio que
visualizamos a incidência de orientações em todas as unidades letivas.
84
ENSINO MÉDIO – 3º ANO – EIXO PRODUÇÃO DE TEXTO
Unidades letivas Referências básicas
Quadro 5: Quadro-resumo com as orientações para o ensino médio/componente curricular Língua Portuguesa –
adaptado das Orientações Teórico-Metodológicas para o ensino médio (PERNAMBUCO, 2008b)
29
O documento não deixa clara a definição de redação escolar
85
QUADRO-SÍNTESE DOS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DOS DADOS
DOCUMENTOS
CORPUS DEPOIMENTOS DAS DIÁRIOS DE CAMPO (TEXTOS DOS
PROFESSORAS ALUNOS)
(2) Formas de condução (2) Quais gêneros (2) Nos textos o autor se
didática no trabalho de textuais são trabalhados posiciona com vistas a um
produção de texto interlocutor real/virtual;
CRITÉRIOS DE argumentativo
ANÁLISE
86
3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o
ponto de vista que cria o objeto; aliás, nada nos diz de antemão que uma
dessas maneiras de considerar o fato em questão seja anterior ou superior às
outras. (SAUSSURE, 2006, p. 15)
Por essa mesma linha de pensamento, o texto argumentativo se configura num gênero
que permite ao seu produtor demonstrar o domínio de certas habilidades linguísticas e
intelectuais, no sentido de persuadir o seu interlocutor a adotar uma posição, mudar um
comportamento ou aceitar um princípio.
Ainda, autores como Leal e Morais (2006) vão apontar algumas condições básicas
para o exercício da argumentação, como: (a) existência de um tema passível de debate ou
situações sociais controversas; (b) existência de uma tese a ser defendida; (c) a necessidade de
argumentos que justifiquem ou refutem a tese em questão.
Nesse sentido, no que tange à concepção de argumentação e de texto argumentativo,
os relatos evidenciaram que as professoras:
88
“Argumentar é defender suas ideias, se posicionar diante de determinado assunto” (Profª A)
“Argumentar é basicamente defender uma ideia, defender uma opinião diante dos outros” (Profª
B)
89
“Por mais que a gente ensine a estrutura do texto argumentativo, eles têm dificuldade em
conseguir organizar as ideias até a conclusão” (Profª B)
Com relação às formas de condução didática no trabalho de produção de textos
argumentativos, o que visualizamos foi:
(1) As professoras estabelecem a necessidade de realizarem leituras prévias sobre os
temas a serem propostos nas produções textuais:
“Assim, a grande dificuldade é que os alunos não leem, não procuram se informar. No terceiro
ano, por se tratar de textos argumentativos, percebo que a desinformação deles é grande. Há falta
de consistência nos argumentos. Falta leitura. Por isso eu faço antes uma sensibilização com
eles” (Profª A)
“Os alunos sentem dificuldade para produzir textos argumentativos e eu imagino que seja pela
falta de hábito com a leitura. Tem poucos que leem. Quem lê mais, com certeza, escreve melhor. A
gente nota que desenvolve o texto com mais facilidade. Quem não tem o hábito da leitura, é
notório que eles têm uma grande dificuldade de escrever, porque não têm ideias, não sabem
organizar as ideias, não têm familiaridade com textos” (Profª B)
Tiradas as farpas, entre aspas, que vão mais em razão dos efeitos do que das
propostas, o que se quer salientar é que a leitura do texto como pretexto para
outra atividade define a própria interlocução que se estabelece. Não vejo por
que um texto não possa ser pretexto (para dramatizações, ilustrações,
desenhos, produção de outros textos, etc.). [...] Prefiro discordar do pretexto
e não do fato de o texto ter sido pretexto.
Ainda que concordemos com Geraldi (2003), é notório que as duas professoras
focalizam a atividade de leitura em função da deficiência que dizem perceber nos seus alunos,
por ocasião das situações de produção de textos.
Desse modo, dois aspectos nos chamaram atenção: (1) como os alunos dispõem de
poucas informações se a escola deveria ser o espaço privilegiado para a realização de leituras
diversas?; (2) a leitura somente é proposta se necessariamente estiver a serviço de uma
produção textual? Há que se questionar o espaço destinado à leitura nas aulas desses sujeitos e
refletir sobre a mediação que está sendo desenvolvida acerca desse eixo.
Somando-se a isso, perguntamos: qual o espaço, com efeito, destinado às atividades de
produção de texto argumentativo?; que finalidades são elencadas para as situações de
produção desse texto?
90
(2) Após a realização da leitura prévia, as professoras realizam debates para
socialização de informações ou construção de argumentos:
“Trago tema, faço debates, faço um tribunal. Com temas polêmicos, eu faço um tribunalzinho
assim na sala de aula. Primeiro eu dou um texto-base, eles leem, aí faço um grupinho, eles leem,
debatem, vão criar os argumentos. Depois eu escolho um aleatoriamente para ir fazer o debate.
Isso para eles irem construindo os argumentos. Eles gostam e dizem que aula fica dinâmica”
(Profª A)
“Trago um texto como base, eles leem e depois começa a produção. Geralmente, para trabalhar
com a produção de texto argumentativo, a gente faz a leitura; inclusive porque tem turma que até
na argumentação oral tem muita inconsistência. Depois a gente faz um debate para eles irem
argumentando oralmente. Eles gostam e participam” (Profª B)
A nosso ver, a atividade que suscita o debate oral será válida se, de fato, visar: (1) à
problematização das informações veiculadas nessas situações; (2) a possibilitar o confronto
de opiniões com vistas à formação discursiva dos alunos para a argumentação; (3) a facilitar
a apresentação de ideias com o professor exercendo o papel de mediador e registrando as
diversas teses defendidas e os argumentos a elas correspondentes.
(3) A professora A relata que, após a leitura, propõe a produção de texto por meio de
perguntas.
“Eu começo com questionamentos, porque a partir do momento que eles começam a responder
aquelas perguntas, eles já estão produzindo pequenos textos. E eles vão começar a montar textos
maiores”.
A docente não explicitou outros objetivos para essa didática. No entanto, será bastante
coerente para o ensino da produção textual se essa atividade objetivar que os alunos reflitam
sobre a organização do texto (disposição de ideias nos parágrafos, formas de emprego dos
elementos linguísticos e discursivos) em função dos objetivos que se pretende atingir.
Val (2004, p. 5), comentando sobre aspectos importantes que implicam tanto na leitura
quanto na produção de um texto, lembra que:
Todo texto tem que ser pensado em função de seu contexto. Se isso é
verdade para o funcionamento efetivo dos textos nas trocas linguageiras que
acontecem de fato na vida social, é preciso que os alunos compreendam esse
91
fato e aprendam a lidar com ele, na produção e na interpretação de textos
falados e escritos.
92
“Eu faço leituras, trabalho sempre com textos; interpretação e trago também questões para
trabalhar com gramática.[...] Agora esse ano, eles só produziram texto uma vez, porque eu tinha
outros conteúdos para trabalhar... da gramática” (Profª A)
“Eu planejo minhas aulas bimestralmente e dentro do planejamento vou me guiando pelo livro
didático, que tem muitos textos. Agora, algumas coisas eu trago por fora. Como, por exemplo, a
questão gramatical. Se o livro não se aprofunda muito e eu vejo que eles têm necessidade de algo
mais, eu acabo encaixando esse conteúdo” (Profª B)
Tendo em conta que a entrevista foi realizada em maio/2011 e que já tinham decorrido
aproximadamente quatro meses de período letivo, a mesma Professora registra:
“Agora, esse ano, eles só produziram texto uma vez, porque eu tinha outros conteúdos para
trabalhar... da gramática” (Profª A)
iii. Não foram mencionadas atividades de revisão e reescrita de textos, o que nos
indicia que os alunos não são levados a um processo de escrita no qual
construam a sua autonomia, refletindo sobre suas decisões acerca do que, em
seus textos, pode ser retirado, permanecer ou ser reformulado.
No momento das entrevistas, as docentes comentaram sobre as etapas de preparação
para a produção textual. Não mencionaram entretanto que, no decorrer do processo de escrita,
os alunos fossem direcionados a um processo de revisão e reescrita textual. Antunes (2003)
nos chama atenção para alguns aspectos referentes às etapas de um planejamento para a
escrita:
(1) elaborar um texto escrito é uma tarefa cujo sucesso não se encerra
simplesmente pela decodificação das ideias ou das informações;
(2) produzir um texto escrito não é uma atividade que implica apenas o ato de
escrever; em outras palavras, não é apenas a materialização das ideias no papel
por meio de sinais gráficos;
(3) a escrita de um texto supõe várias etapas que se correlacionam e que cumprem
uma função específica em prol do que se pretende alcançar com a produção;
segundo essa mesma autora: “A escrita compreende etapas distintas e
integradas de realização (planejamento, operação e revisão), as quais, por sua
vez, implicam da parte de quem escreve uma série de decisões” (idem, ibidem,
p. 54).
É nesse caminho que, à luz de Antunes (2003), podemos inferir que as propostas de
produção de texto sugeridas pelas professoras assemelham-se ao que Geraldi (2003) vai
chamar de prática de redação escolar (aquelas realizadas num determinado limite de tempo,
geralmente improvisadas e sem objetivos mais amplos que não o de simplesmente escrever).
Por esse caminho, para além das concepções sobre argumentação e texto
argumentativo já mencionadas no início desta seção, pensamos aqui que, em suas falas, as
professoras se preocupavam em demonstrar que as aulas de língua portuguesa tinham por base
94
um trabalho sistemático com textos, no que diz respeito às atividades de leitura e de escrita,
mas não deixavam de lado a constante preocupação em recorrer aos conteúdos de gramática
(e não estamos nos referindo à análise linguística). De acordo com Antunes (2003, p. 41), essa
é “uma tendência centrada na língua enquanto sistema em potencial, enquanto conjunto
abstrato de signos [...], desvinculado de suas condições de realização”. Isso nos leva a
presumir que as professoras estão num impasse entre o conhecimento que já possuem e suas
representações sobre o que significa ensinar português nos dias atuais.
Outro aspecto que nos chamou a atenção foi o fato das duas professoras conhecerem
pouco os documentos curriculares oficiais que norteiam as ações pedagógicas na rede estadual
de ensino de Pernambuco - as Orientações Teórico-Metodológicas (2008a; 2008b) e a BCC-
PE (2008) −, delegando aos autores de livro didático a competência/responsabilidade pela
definição dos conteúdos a serem dados nas aulas de língua.
Partindo dessas análises, procuraremos correlacionar essas informações à etapa
seguinte de nossa pesquisa: a observação de aulas.
Concluída a fase das entrevistas e devidamente autorizados pelos sujeitos que delas
participaram e que se enquadravam no perfil traçado para as observações de aula, iniciamos a
nossa pesquisa de campo. Nesse período, acompanhamos uma sequência de 10 horas-aula em
cada turma de 3º ano, o que efetivamente se traduziu em 20 horas-aula totais de observação.
Antes do início das mesmas, solicitamos o horário de aulas de cada professora e o
calendário letivo de suas respectivas escolas. A Professora B ministrava aulas nas turmas de
3º ano A, B e C, no turno da manhã da Escola B, sendo a turma B a única em que ela tinha
acompanhado no ano letivo anterior ministrando com aulas de língua portuguesa. A
Professora A lecionava nas turmas A e B da Escola A, ambas no turno da tarde, tendo
acompanhado os alunos que delas faziam parte em 2010. A escolha pela turma A ocorreu em
função de adequação aos nossos horários.
Com base nas considerações de Moreira e Caleffe (2008) que mencionam a
importância de o pesquisador não fazer observações nas primeiras visitas, a fim de que os
95
indivíduos gradativamente se acostumem com a sua presença, estivemos nas respectivas salas
em dois momentos diferentes, no mês de abril/2011, deixando a decisão de informar aos
alunos sobre quem éramos e os motivos pelos quais ali estávamos para as próprias docentes.
Nesse sentido, a Professora A optou por não comunicar aos estudantes sobre as
finalidades de nossas observações de aula, sob o argumento de que eles se comportariam mais
naturalmente se desconhecessem os motivos da pesquisa, o que foi respeitado por nós até o
último momento de observação.
Por outro lado, a Professora B, já no primeiro momento informou aos alunos sobre
alguns dados nossos (nome, profissão etc.) e as razões pelas quais estaríamos com eles
durante um certo período de tempo. A referida Professora justificou que, agindo dessa forma,
os alunos comportar-se-iam mais naturalmente e ela estaria, ao mesmo tempo, evitando
quaisquer especulações que pudessem surgir. De igual modo, realizamos as observações
respeitando a decisão dessa educadora.
Tendo em vista o tipo de observação (sistemática, participante e individual) escolhido
para nosso estudo, as observações de aula tinham como objetivo analisar as situações
didáticas em que são propostas as produções de texto. Para tanto, consideramos os seguintes
critérios de análise: (1) quais as situações didáticas em que são propostas as produções
textuais argumentativas; (2) quais gêneros textuais são trabalhados; (3) quais os objetivos
traçados para as aulas; (4) que conteúdos são privilegiados pelas professoras no ensino de
língua portuguesa; (5) relação entre as atividades propostas e as atuais orientações para o
ensino da produção de textos.
A partir dessa direção, registramos as aulas num diário de campo, tentando
compreender cada evento como uma ação de linguagem que envolve uma metodologia de
ensino articulada a uma opção política (GERALDI, 2004); e a nossa atuação, como uma
forma de descrever e interpretar a realidade, numa tentativa de compartilhar significados com
outros (MOREIRA e CALEFFE, 2008).
Apoiando-nos ainda em Geraldi (2004, p. 40), enfatizamos: “[...] as questões aqui
levantadas procuram fugir tanto da receita quanto da denúncia, buscando construir alguma
alternativa de ação, apesar dos perigos resultantes da complexidade do tema: ensino de língua
materna”. Antes, registramos que não visualizamos problemas de indisciplina nas duas turmas
observadas, o que possivelmente já contribuiria para a realização de atividades pedagógicas
com certa tranquilidade.
96
3.2 1 As aulas observadas da Professora A
98
1.28 A discussão continua com a condução da professora e os alunos começam a conversar sobre
ações que são consequências de uma paixão
1.29 O sinal toca e a professora encerra a discussão, comentando que na aula seguinte corrigirá as
últimas questões.
Analisando os eventos dessa aula, percebemos que os objetivos traçados para a aula
dividem-se em fazer com que os alunos analisem/interpretem o texto selecionado pela
professora A e, paralelamente, apliquem seus conhecimentos sobre a estrutura do enunciado,
aparentemente, por meio do texto. Considerando que, em sua entrevista, a professora
mencionou trabalhar sempre com textos, verificamos a tentativa de lidar com esse objeto
nessa aula. Faremos aqui algumas considerações.
No que se refere à escolha do texto para leitura, Suassuna (2009, p. 28) afirma:
Por essa ideia e pelo que assistimos, a professora parece não estabelecer critérios
definidos para a utilização do gênero textual música: inicia a aula justificando o fato de
utilizar uma música pela necessidade de otimizar o tempo, já que os alunos terão de copiá-la;
e, logo depois, comenta que a música foi escolhida por conta dos temas a serem discutidos na
unidade, sem explicitar a que temas estava se referindo. Pela última fala inferimos que ela irá
tratar de alguns temas voltados a questões sociais, uma vez que explica que Luiz Gonzaga
compôs várias músicas que retratam o sertão nordestino.
A consideração que ora fazemos é que, ultrapassando a motivação real para o trabalho
com a música nessa aula e o procedimento de copiar o texto/exercício no quadro − o que já
caracteriza perda de tempo pedagógico −, as atividades que teriam por base o texto não
proporcionavam a compreensão das múltiplas funções sociais da leitura (ANTUNES, 2003).
Somando-se a isso, vimos um misto de questões gramaticais que não se inserem em
conteúdos definidos. Atentemos:
99
Conteúdos Questões
7. Retire do texto um período simples.
Estrutura da oração ou do 8. Retire do texto dois períodos compostos.
enunciado 9. Existe no texto:
a)Uma conjunção coordenativa, encontre-a, copie a frase e
classifique a conjunção
b)Um pronome oblíquo, encontre-o, copie e classifique segundo a
Colocação pronominal colocação pronominal.
30
A transcrição é fiel ao registro no quadro
100
análises resultantes das teorias gramaticais que inspiram os conteúdos
ensinados são respostas dadas a perguntas que os alunos (enquanto falantes da
língua) sequer formularam”;
iv. não percebemos a realização de um trabalho que, com efeito, pudéssemos
afirmar que foi com o texto. Não houve realização de atividade que permitisse
o aluno refletir sobre o fato de os textos atenderem a finalidades sociais
diversas, estruturando-se, para isso, de diferentes formas, para atingir
determinados objetivos (SUASSUNA, 2009).
Vejamos agora as aulas subsequentes31.
Data da aula: 09/05/2011
Aulas nº 03 e 04 Conteúdo trabalhado: concordância verbal
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição
2.1. A professora entra na sala e não retoma o que havia ficado pendente na aula anterior
2.2. Comenta com os alunos que irá trabalhar concordância verbal
2.3. Começa a registrar no quadro um exercício sobre o referido conteúdo (exposto nos anexos desta
pesquisa)
2.4. Após o registro, inicia a leitura das questões
2.5. Enfatiza que a regra geral é o verbo concordar com o sujeito em número e pessoa
2.6. A maioria dos alunos não se mostra envolvida com a aula
2.7. Inicia-se mais uma vez o entra-e-sai de alunos
2.8. A professora sai da sala para solicitar que os alunos entrem e participem da aula
2.9. Alguns entram, outros permanecem do lado de fora e a aula continua
2.10. Não há perguntas por parte dos alunos
2.11. Uma aluna se dispõe a copiar o exercício no quadro, alegando que a professora demora muito
2.12. A mesma aluna pergunta o motivo pelo qual a professora não leva as atividades xerografadas
e menciona que seria muito melhor se ela fizesse dessa forma
2.13. A professora ouve, mas não responde
2.14. Os alunos começam a responder o exercício, mostrando que têm muitas dificuldades para
resolvê-lo
31
No período de 04 a 07/05/2011, não houve aulas na Escola A, em virtude de fortes chuvas na cidade, que
culminaram com a entrada excessiva de água na escola. Por decisão dos órgãos públicos locais, responsáveis por
acompanhar situações como essa, a escola foi interditada, já que o esgoto das áreas circunvizinhas misturava-se
às águas que penetravam no espaço escolar. Por conta disso, as aulas foram retomadas somente no dia
09/05/2011.
101
2.15. Antes do término da aula, a professora vai colocando as respostas no quadro e vez por outra,
pede para os alunos justificarem o emprego de uma ou outra forma verbal no exercício
2.16. A professora justifica junto à pesquisadora que não trabalhou com texto na aula, porque os
alunos estavam com dificuldade para responder a questões sobre concordância verbal
2.17. Encerra-se a aula
102
3.5 A professora registra no quadro uma anotação intitulada Casos especiais de concordância
(material exposto nos anexos deste estudo) – Ver Anexo 3 (p. 189) deste estudo
103
4.4. A professora comenta que é uma escola literária e que o Romantismo havia sido a escola
literária que antecedeu o Modernismo
4.5. Lembra que no Romantismo a figura da mulher é idolatrada, exaltada e cita como exemplo a
música de Cazuza (“Exagerado, jogado a seus pés, eu sou mesmo exagerado”)
4.6. Ressalta que no Modernismo a mulher é uma figura real
4.7. Registra no quadro o seguinte trecho: “Quando os portugueses chegaram aqui foi debaixo de
uma baita chuva aí vestiram o índio. Se fosse dia de sol o índio teria despido o português”.
Obs.: está escrito conforme o registro da professora no quadro
4.8. Solicita aos alunos que analisem o trecho e falem sobre ele
4.9. A professora lembra ainda que os modernistas se expressavam de forma diferente, não
obedecendo a regras
4.10. Questiona os alunos sobre o trecho. Indaga se as palavras utilizadas foram usadas no sentido
literal
4.11. Faz perguntas sobre o que significa vestir, despir, ...enfim, sobre o que o autor quis dizer
4.12. Os alunos não conseguem explicar o trecho e a professora vai comentando sobre o significado
do mesmo
4.13. Antes, no entanto, comenta que é isso o que os autores modernistas vão cobrar: a
interpretação do que foi dito para além do que foi dito
4.14. Continua dando as boas-vindas ao Modernismo e diz que a partir daquele momento, os alunos
teriam de se esforçar mais para compreender os textos modernistas.
4.15. Registra no quadro o poema Autopsicografia (de Fernando Pessoa) para que os alunos
copiem (ver anexo 2)
4.16. Logo após o texto, coloca uma atividade de interpretação para os alunos responderem
4.17. Na correção das atividades, os alunos não conseguem ultrapassar as informações superficiais
do texto; apenas um dos alunos, respondendo a terceira questão, registra que a relação que
existe entre o leitor e o autor é que o leitor se envolve tanto com o texto que chega a se colocar
no lugar do poeta. Esse foi o mesmo aluno que em aula anterior argumentou sobre as
influências do cérebro no comportamento de pessoas apaixonadas.
104
1) Na primeira estrofe do poema, Fernando Pessoa trabalha com um jogo de palavras. Quais são
essas palavras? O que o autor nos transmite?
2) O poema afirma que o poeta sente dores. Explique quais são e como se manifestam.
3) Qual a relação estabelecida entre o poeta e os leitores?
4) Na segunda estrofe temos vários verbos, alguns no singular, outros no plural. Interprete os vários
sujeitos, substituindo os pronomes por substantivos.
5) Explique a relação estabelecida entre coração e razão na última estrofe.
Atentos para esses aspectos, acreditamos que aulas de língua portuguesa em que se
articulem todos os eixos atualmente definidos para o ensino dessa língua possibilitariam aos
alunos a construção e a reconstrução de interpretações, de forma a aguçar não só a
criatividade, mas o seu senso crítico.
Com a finalidade de analisar se os objetivos e conteúdos traçados para essa aula
estavam em consonância com os documentos norteadores do currículo na rede estadual de
ensino, analisamos as Orientações Teórico-Metodológicas para o ensino médio/língua
portuguesa (PERNAMBUCO, 2008b, p. 36) e encontramos a seguinte proposição:
105
UNIDADE: 2 LITERATURA
A literatura e a construção da modernidade e do moderno
A crítica de valores sociais no texto literário
Romance de tese
Poema e denúncia social
Teatro contemporâneo
A literatura modernista de 22
A Semana de Arte Moderna
A literatura modernista de 30: poesia
É nesse contexto que nos encaminhamos para as últimas aulas observadas, quase
convictos de que teríamos que iniciar uma nova fase de entrevistas em busca de um novo
sujeito, uma vez que até o momento havíamos acompanhado 8 horas-aula e não tínhamos
presenciado situações de produção textual. É fato que já tínhamos obtido elementos
106
suficientes que nos permitiam configurar o que a professora A prioriza como objeto de ensino,
mas nosso foco de observação constituía-se na produção textual.
A professora A informou que os alunos ficariam uns dias sem assistir aulas em virtude
de um conserto nas instalações elétricas na sala deles. Dessa forma, acompanhamos as aulas
descritas a seguir.
Data da aula: 25/05/2011
Aulas nº 07 e 08 Conteúdos trabalhados: leitura e discussão sobre vários temas; produção
de texto dissertativo-argumentativo
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição
5.1. A professora entra na sala e solicita que os alunos dividam-se em grupos de 4 ou 5 componentes
5.2 Entrega aos alunos jornais para a leitura de notícias do domingo anterior (22/05/11)
5.3 Os alunos devem escolher um texto e, após a leitura, socializar as suas impressões sobre cada um
5.4 Quatro equipes fazem apresentação sobre os gêneros de texto lidos: (a) poesia; (b) crônica; (c)
texto de opinião sobre a descriminalização da maconha; (d) texto informativo sobre a legalização da
maconha
5.5 A professora faz perguntas às equipes, tais como: qual a pertinência de cada tema para a
sociedade? Qual o tema de cada texto? Que tipo de texto vocês leram? Que tipo de linguagem era
predominante em cada texto? O que cada um de vocês achou do texto?
5.6. Verificando que o tema da legalização da maconha “rendeu” uma boa discussão, a professora
pergunta a opinião deles sobre o tema em questão
5.7 A professora chama a atenção dos alunos para os argumentos utilizados pelos organizadores dos
últimos eventos acerca da legalização da maconha
5.8 Os alunos começam a expor e defender suas ideias
5.9 Há alunos que concordam com a legalização e, para justificar, apresentam alguns argumentos
como: (a) todos têm direito à liberdade de escolha; (b) possibilidade de diminuir o tráfico; (c) as
brigas entre as gangues que disputam o poder sobre as drogas não iriam mais existir
5.10 Há, por outro lado, alunos que discordam, sob os argumentos: (a) a sociedade vai sofrer as
consequências, pois haverá mais crianças dependentes; (b) liberando-se a maconha, serão liberados
outros tipos de drogas; (c) o tráfico não vai acabar, porque nem sempre os viciados vão ter dinheiro
para comprar a maconha e vão procurar outras drogas mais potentes; (d) ocupação de espaço público
de forma indevida por fumantes de maconha, incentivando o uso dessa droga; (e) as pessoas não estão
pensando nas consequências que a maconha traz para o organismo de quem é dependente dela; (f)
esqueceram-se de pensar nas famílias que sofrem com os usuários de maconha
107
5.11 Um dos alunos toma a palavra e se expressa alertando a turma de que o problema não é a
maconha e, sim, as flores e folhas dessa erva, que tem nome científico de Cannabis sativa. Segue,
informando que a maconha pode ser fumada ou ingerida em forma de bebida e que, na maioria das
vezes, é usada para causar sensação de alívio. O aluno acredita que quem usa a maconha faz isso para
fugir da realidade. Lembra, porém, que o uso repetitivo da erva pode causar dependência química e
levar à morte. Diz que uma das características do usuário de maconha é a falta de vontade de se
cuidar e de cuidar de sua higiene. Registra que, de acordo com a Organização das Nações Unidas
(ONU), entre os anos de 2006 e 2007, houve um aumento de 8 milhões de usuários (população
adulta) de maconha
5.12 Os colegas aplaudem esse aluno e dizem que ele está com tudo. Ele sorri e diz que leu essas
informações numa revista sobre o assunto
5.13 Nesse instante, a professora se posiciona, dizendo que também é contra a legalização da
maconha, lembrando a dificuldade de, no Brasil, das pessoas seguirem regras. Não retoma, entretanto,
as falas dos alunos (nem do último) para ponderar sobre as informações veiculadas.
5.14 Comenta, então, que irá propor a produção de um texto dissertativo-argumentativo sobre o
último tema que foi discutido
5.15 No quadro, ela registra o seguinte trecho: “Todos os direitos da humanidade foram conquistados
pela luta...” (VON IHERING)
5.16 Ela explica que o trecho é para que eles reflitam um pouco mais sobre o tema que acabaram de
debater
5.17 Lembra aos alunos sobre a estrutura do texto dissertativo (introdução, desenvolvimento e
conclusão), assim como, sobre a distribuição de parágrafos em cada uma das partes
5.18 Os alunos perguntam sobre a quantidade de linhas
5.19 A professora informa que o texto deverá ter entre 20 e 25 linhas e deverá ser entregue a ela ao
final da aula
5.20 Os alunos começam a produzir os seus textos
5.21 Alguns alunos saem da sala e não retornam
5.22 A aula se encerra, os alunos destacam as folhas com as suas produções e entregam à professora.
As situações didáticas aqui descritas parecem nos possibilitar enfim, tecer alguns
comentários sobre contextos de produção de texto argumentativo. Comecemos então pelas
orientações atuais para o ensino da produção de texto.
O documento Orientações Teórico-Metodológicas para o Ensino Médio
(PERNAMBUCO, 2008b) institui que as orientações teórico-metodológicas da prática
108
pedagógica do professor de língua portuguesa são voltadas para a formação de estudantes nos
contextos de interação autor-texto-leitor e nas práticas socioculturais contemporâneas de usos
da escrita.
Esse mesmo referencial apresenta como finalidade do eixo produção de texto:
É nesse sentido que temos: “A atividade da escrita é, então, uma atividade interativa
de expressão, (ex- ‘para fora’), de manifestação verbal das ideias, informações, intenções,
crenças ou dos sentimentos que queremos compartilhar com alguém para, de algum modo,
interagir com ele” (ANTUNES, 2003, p. 45).
Ainda fazendo algumas considerações sobre a escrita de textos e numa articulação
com a concepção de língua e texto já assumidas neste estudo, Antunes (2003) sustenta que a
escrita não é uma atividade que se faça de qualquer modo; numa abordagem semelhante à de
Geraldi (2003) indica que os sujeitos necessitam traçar um planejamento de escrita.
Outro ponto que podemos destacar é que uma das orientações se refere à estrutura
composicional da dissertação argumentativa (introdução, desenvolvimento e conclusão), sem
haver abordagem alguma sobre os aspectos discursivos que poderiam ser priorizados nesse
tipo de texto (necessidade de apresentação de um ponto de vista claro; levantamento de
argumentos que sustentem o ponto de vista; utilização de contra-argumentos na possibilidade
de serem levantadas questões que se contraponham ao que foi explicitado; estabelecimento de
relação entre as ideias do texto; efeitos de sentido, etc.).
Embora a professora tenha proposto uma situação de produção a partir de um tema
passível de debate (LEAL e MORAIS, 2006), a apresentação de argumentos, no texto escrito,
não foi potencializada a partir dos argumentos que emergiram no momento do debate. Não
houve, portanto, discussão sobre a importância de escrever sobre o tema proposto nem sobre o
processo de argumentação a ser desenvolvido
Em linhas gerais, não houve indícios de uma situação significativa de aprendizagem
da produção escrita de textos argumentativos, na qual pudessem ser desenvolvidas algumas
competências básicas já citadas nesta pesquisa e que correspondessem ao que diz Geraldi
(2009, p. 66): “E escrever é ser capaz de colocar-se na posição daquele que registra suas
compreensões para ser lido por outros e, portanto, com eles interagir”.
110
3.2 2 As aulas observadas da professora B
112
algumas orientações
1.31. O tempo não foi suficiente para a socialização das leituras
1.32. A professora recolhe os textos e comunica que, na aula seguinte, dará início à
socialização das produções.
113
alunos iriam dialogar por meio dos seus textos? Eles queriam se manifestar sobre o
desemprego? Viam sentido nisso?
Na visão da professora B, porém, as dificuldades apontadas por seus alunos (não
conseguir sintetizar as muitas informações de que dispunham ou, simplesmente, não
conseguir iniciar o texto) eram todas decorrentes da falta de leitura por parte deles. Esse
pensamento dá espaço para refletirmos sobre dois aspectos: (1) qual o papel do professor
como mediador de práticas de leitura, de forma a ampliar o repertório de informação dos seus
alunos? (2) Existe, de fato, uma relação direta estabelecida entre leitura e escrita, tal como foi
apontada pela docente (item 1.26), já que essas atividades exigem o desenvolvimento de
habilidades diferentes?
Acerca desses fatores, em Suassuna (2010, p. 152), lemos: “o professor tem um
importante papel a desempenhar no processo de leitura, seja como leitor, seja como orientador
da leitura do aluno”.
Para Geraldi (2003, 2010), a perspectiva de trabalho que se pode assumir nas aulas de
língua é que grande parte do trabalho com a leitura esteja integrada à produção de texto em
dois direcionamentos: um que diz respeito àquilo que se tem a dizer e outro, às estratégias do
dizer. É assim que leitura e escrita se inter-relacionam, sendo evidente que a primeira subsidia
o processo de construção de texto, mas um bom leitor não implica, necessariamente, um bom
produtor.
Conforme nos diz Suassuna (2010, p. 154):
Há uma relação entre ler e escrever, de tal forma que uma prática leva à
outra, num processo permanente; evidentemente, essa relação não é
automática, direta e necessária, mas a escrita interfere na constituição do
leitor e a leitura determina as formas de escrever. (Grifo nosso)
Ainda sobre o contexto em que foi solicitada a produção, visualizamos mais alguns
elementos: (a) um aluno orienta um grupo que está próximo ao dele sobre o uso da terceira
pessoa e sobre a importância de apontar sua opinião; (b) uma aluna comenta em seu grupo
que quer usar o termo ‘emergente’ e pergunta a seus pares se o Brasil é um país emergente;
(c) uma das colegas pede para ela parar de usar palavras difíceis na redação. Temos
algumas marcas da preocupação dos alunos no sentido de atender às exigências da escola.
Isso, provavelmente, porque, “as crenças generalizadas na sociedade, seguramente,
representam menos riscos para eles” (SUASSUNA, 2009, p. 90), mesmo que essas crenças
não façam menor sentido para esses alunos.
114
No que se refere ao uso de palavras difíceis, Pécora (2002, p. 51) lembra que a escola,
em vez de fornecer aos alunos
Analisando mais um pouco os dados, vimos o que Leal e Albuquerque (2007, p. 100)
registram: “para muitos de nós, [...] o ato de escrever está relacionado a uma ação dolorosa e,
por vezes, traumática, vinculada a lembranças de experiências de escrita, vivenciadas
principalmente na escola”. Basta observarmos o depoimento de alguns alunos ao comentarem
que são um desastre na redação (1.9).
Na continuação das observações, temos as aulas de nº 03 e 04 da professora B.
115
2.10 Nesse momento, abre-se um novo debate sobre os responsáveis pela baixa qualificação
profissional em nosso estado
2.11 Opiniões divididas entre responsabilidades atribuídas ao governo estadual e aos próprios
cidadãos comuns, alunos da rede pública; a professora enfatiza que os estudantes de hoje têm muitas
oportunidades e as perdem de vista
2.12 Diz que a proposta do tema foi para eles refletirem e aguçarem o senso crítico sobre o
tema em questão
2.13 Comenta que gostaria muito de que, no tempo dela, as oportunidades fossem as mesmas
2.14 A aula é encerrada.
116
apenas, à realização de mais uma tarefa eminentemente didática. Os alunos
desconheciam o objetivo e as finalidades do texto; não se sentiram motivados
para a produção escrita. Sobre isso, Geraldi (2003, p. 126) declara:
117
3.6 Os alunos recebem a orientação para concluírem seus textos no decorrer da 1ª aula
3.7 Os alunos não fazem muitas perguntas sobre o gênero
3.8 Encerra-se a primeira aula e as equipes entregam os textos à professora
3.9 Há um intervalo de 20min entre as duas aulas
3.10 No início da 2ª aula, ocorre uma apresentação de seminários sobre a 2ª fase do
Modernismo
3.11 Os alunos expõem os seus trabalhos e a professora faz algumas intervenções.
32
Segundo Xavier (2010), a resenha é um gênero textual comum na academia e sua função é avaliar e analisar de
forma sintética a importância de uma obra.
118
necessidade de oferecer aos alunos uma ampla diversidade de textos, inserindo-a nas aulas de
língua portuguesa, sem refletir muitas vezes sobre as reais contribuições destes para a
ampliação da capacidade comunicativa de seus alunos.
33
CEREJA, W. R. e MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. Volume único: ensino médio. São Paulo:
Atual, 2009.
119
nem por onde começar a produção
4.16 A aula é encerrada e os alunos entregam os textos produzidos à professora
Acerca dos eventos dessa aula, vimos que a motivação para escrever teve por base
dois outros textos e foi suscitada a partir de reflexões e discussões sobre o tema dado. Na
exposição oral, os alunos participaram ativamente, ora dando exemplos de situações já
vivenciadas por eles, ora comentando sobre os seus pontos de vista acerca do preconceito
linguístico. Ainda: o debate indicou que os alunos se envolveram na atividade e que, nesse
ponto, os aspectos sociointerativos foram privilegiados pela professora.
Contudo, consideramos que o texto 1 (ver cópia no Anexo 4, p. 189) dava margem
para um trabalho bem mais aprofundado em relação ao tema que estava sendo proposto para
produção. Tomando por base a noção de dissertação argumentativa como um texto em que o
autor procura persuadir seu leitor a adotar uma posição, mudar um comportamento ou aceitar
um princípio (XAVIER, 2001), não foram explorados, por exemplo, aspectos relacionados ao
ponto de vista do autor, aos argumentos e contra-argumentos por ele utilizados, às intenções
explícitas e implícitas no texto, à conclusão apresentada, aos elementos que o autor tomou por
base para fundamentá-la, ao(s) possível(is) destinatários de seu texto. Em suma, não
visualizamos reflexões sobre as estratégias de convencimento usadas pelo autor.
Pensamos que nessas duas aulas, nas quais se pretendia um trabalho voltado ao
desenvolvimento da argumentação dos alunos, a professora B poderia promover a exploração
dos elementos linguísticos e discursivos presentes no texto. No entanto, não houve estímulo à
atividade de pesquisa para permitir ampliação de informações, já que o texto 1 possibilitava
relações com outras disciplinas, por envolver aspectos históricos, geográficos, econômicos e
sociais; também não houve abertura para um confronto com as ideias explicitadas no texto 2.
É importante registrar que, para além da abordagem superficial presente no livro
didático e da mediação docente, os alunos conseguiram argumentar oralmente sobre o que
consideravam ser o preconceito linguístico, embora tenham se detido nas características
fonético-fonológicas da língua falada pelos nordestinos e à dicotomia língua padrão e não-
padrão. Nesses termos, eram comuns argumentos com base em relatos de alunos que se
consideravam como vítimas de preconceito linguístico.
Por essa razão, esse tema pareceu-nos um pouco mais próximo da realidade dos
alunos, já que percebemos um nível de envolvimento maior na ocasião do debate oral. Desse
120
modo, alguns estudantes falavam sobre as diferenças de dialeto entre falantes do nordeste, do
sul e do sudeste do Brasil; comentavam sobre o “tchê” que se fala no Rio Grande do Sul;
outros alunos falavam da divisão entre Pernambuco e Bahia em termos de fatores culturais e
linguísticos, e a professora ia registrando no quadro.
Considerando que a intenção era tomar os dois textos-suporte como leituras para a
introdução do tema e posterior produção dos alunos, vimos pouca alusão às ideias presentes
nos referidos textos e nenhuma reflexão sobre as possíveis relações entre o que estava sendo
explicitado pelos alunos e essas ideias, nem sobre os modos de estruturação dos textos-base.
Os entraves foram estabelecidos na ocasião da produção escrita: o depoimento de duas
alunas (4.13) deixou evidências de que elas (e possivelmente outros) ainda não tinham
desenvolvido as habilidades mínimas para produzirem textos dissertativo-argumentativos
escritos. Como as produções solicitadas em aulas anteriores eram sempre feitas em equipes,
há uma enorme possibilidade de que essas alunas tenham participado da escrita do texto de
forma muito superficial.
É nesses termos que Leal e Morais (2006, p. 82) enfatizam que:
Acerca desse mesmo aspecto, Souza (2003, p. 77) enfatiza que “se argumentar é
defender um ponto de vista e discutir posições, é necessário que o tema e a situação de
produção deem condições para que o debate ocorra”.
Dessa forma, a permanência de um ensino que não possibilita a reflexão sobre os
modos de dizer e não permite aos alunos que tomem a palavra tem contribuído para a baixa
qualidade dos textos que recebemos: artificiais, padronizados e carregados de erros
gramaticais e problemas (SUASSUNA, 2009).
Refletindo sobre todas essas circunstâncias, recordamos a necessidade de se
estabelecer a relação interlocutiva no processo de produção textual: precisamos, com efeito,
possibilitar ao aluno o direito de assumir-se como locutor do seu texto e sermos, de fato,
interlocutores dos textos por eles produzidos (SUASSUNA, 2009).
Ao final desse encontro, a professora B nos informou que, por razões particulares,
estaria ausente da Escola B por um período de dez dias, a partir de 27/05. Por esse motivo,
121
voltamos a realizar as observações de aula no dia 14/06/2011, momento em que encerramos o
nosso acompanhamento.
Não sabemos exatamente por quais razões, mas a impressão que tivemos foi de que o
último dia de observação participante também se assemelhou a dias de término de semestre
letivo: os alunos estavam muito agitados e pareciam não aguentar mais aula alguma. Situando
esse último momento, estão descritos abaixo os eventos das aulas acompanhadas nº 09 e 10.
5.1 Após alguns momentos de conversa com os alunos sobre o tempo em que estivera afastada, a
professora põe um informe no quadro
5.2 Escreve: avaliação dia 30/06/2011
Assuntos: concordância nominal e concordância verbal
A prova será realizada em duplas e constará de 20 questões
5.3 A professora solicita que os alunos abram o livro de português
5.4 O conteúdo a ser trabalhado diz respeito à organização dos parágrafos em textos dissertativos
5. 5 Pede que os alunos leiam o texto introdutório que está com o título “A falta de comunicação
prejudica alguma coisa?”
5.6 Lê as orientações dadas no livro-texto e orienta os alunos a responderem as três questões
propostas no exercício
5.7 A professora corrige as questões com os alunos e encerra a aula
123
na relação professor-aluno e vice-versa, na família, no trabalho, nas inúmeras relações que
emergem nos espaços sociais etc. Nesse caso, ainda que fosse uma discussão oral, seria
possível o trabalho com a construção de argumentos a partir do tema em questão.
Provavelmente, essa temática estaria um pouco mais próxima à realidade dos alunos que a
anteriormente utilizada para a produção argumentativa, já que, não raro, encontramos alunos
que se queixam, por exemplo, acerca de professores que têm muito conhecimento, mas não
conseguem comunicá-lo.
Pensamos também que a professora B não oportunizou atividades que visassem ao
desenvolvimento de algumas competências, em termos de leitura e interpretação de textos,
correlacionadas com estratégias típicas da argumentação e orientadas pela BCC-PE
(PERNAMBUCO, 2008), a saber: (1) estabelecer relações entre o ponto de vista do autor e o
argumento ou argumentos oferecidos para sustentá-lo; (2) reconhecer os critérios de
ordenação ou de sequência do texto na apresentação das ideias e informações; (3) fazer a
distinção entre um fato e uma opinião relativa a esse fato; (4) identificar elementos
indicadores das condições do locutor e do interlocutor do texto.
Geraldi (2003, p. 95), abordando questões acerca de atividades que se podem realizar
com/por meio da leitura de textos, comenta sobre a leitura-estudo do texto e afirma: “um
roteiro que me parece suficientemente amplo e ao mesmo tempo útil, no estudo de textos, é
especificar: a tese defendida no texto; os argumentos levantados em teses contrárias; coerência entre
tese e argumentos”.
De uma forma geral, na nossa análise das aulas, tentamos ultrapassar os eventos dos
dias observados e procuramos levantar algumas questões mais gerais que dizem respeito às
práticas das professoras A e B: (1) por que a recorrência dos conteúdos de gramática nas aulas
de língua? (2) que concepção de língua subjaz à prática das professoras? (3) por que
professoras, que se mostraram preocupadas em contribuir para o desenvolvimento do senso
crítico de seus alunos, não desvinculavam de suas práticas pedagógicas a abordagem
gramatical puramente normativa? (4) afinal, o que é de fato ensinar língua portuguesa? (5) o
que efetivamente é um trabalho com textos? (6) e o que se entende por desenvolver a
criticidade dos alunos, permitindo-lhes serem sujeitos na sociedade onde vivem? (7) por que
não se refletia sobre pontos de vista e argumentos utilizados pelos autores dos textos que
serviram para introduzir as temáticas das dissertações-argumentativas?
É fato que não conseguiremos responder a todas essas perguntas por meio do
acompanhamento e das análises de aula que foram feitas, mas podemos realizar algumas
124
considerações acerca do processo de ensino-aprendizagem da produção de textos escritos
argumentativos (ou efetivamente no processo de produção de textos na escola), tomando por
base alguns teóricos enfocados neste estudo. Desse modo, articulando os procedimentos
pedagógicos das docentes às concepções de língua e de textos, temos:
i. “Toda atividade pedagógica de ensino de português tem subjacente, de forma
explícita ou apenas intuitiva, uma determinada concepção de língua”
(ANTUNES, 2003, p. 39). Pelas observações, as professoras têm uma
concepção de língua como comunicação, o que implica que há emissores e
receptores, codificadores e decodificadores (cf. GERALDI, 2004). Nessa
perspectiva, os alunos devem se apropriar do código para dele fazerem uso.
iii. Em termos de texto, adotamos uma concepção que, tendo por base, a interação
entre sujeitos, compreende a produção textual como manifestação verbal,
constituída de elementos linguísticos e discursivos, selecionados a partir das
necessidades dos interlocutores, e que fundamenta a própria interação como
prática sociocultural (KOCH, 2011). No decorrer das aulas, a ideia de texto
que pudemos observar foi a de texto como uma unidade de sentido, que possui
uma estrutura fixa a ser observada e copiada pelos alunos por meio da
manipulação de outros textos. Nesse sentido, aspectos linguísticos eram
privilegiados e sobrepostos aos aspectos textuais e discursivos.
125
iv. Não são explorados, sistemática e intencionalmente, os diferentes gêneros
textuais. Havia uma introdução de um gênero diferente (música, resenha,
resumo, poema,...) a cada aula, sem necessariamente observarmos a existência
de um planejamento de aula (conteúdo, objetivos, aspectos metodológicos,
recursos, tempo previsto, avaliação).
vii. Tendo por base que o texto argumentativo tem seu conteúdo revelado por um
processo que implica sucessivas regulações, fazendo com que as ideias nele
defendidas sejam construídas, reconstruídas, analisadas e organizadas
(CITELLI, 1994), não foram contempladas discussões acerca das teses
defendidas pelos alunos nas discussões orais e sobre as formas pelas quais eles
poderiam textualizar essas teses no texto escrito (estratégias da argumentação
escrita).
De forma geral, as observações indiciaram:
(a) um modelo de escola que se pauta no ensino tradicional (aprendem-se as regras e
depois aplicam-se os conceitos);
(b) um controle social do discurso dos alunos;
(c) pouca prática de escrita;
126
(d) uma prática de leitura sem “desconstrução” do texto (proposição apenas de
perguntas superficiais);
(e) desinteresse pela palavra do outro;
(f) orientações artificiais para as produções dos textos argumentativos;
(g) ausência de retomada dos textos produzidos para serem melhorados;
(h) as professoras, provavelmente, não eram produtoras de texto e não concebiam as
aulas de português como espaço para uso-reflexão-uso de práticas de linguagem.
É preciso, no entanto, de acordo com Geraldi (2009, p. 66):
127
dados, entretanto, dizem respeito apenas aos textos dos alunos que, após passar pelos critérios
de seleção, seguiram para a fase de análise.
Desse modo, temos:
128
Texto 1 – Turma A
Embora o uso dos pronomes seus/seu cause certa ambiguidade logo no primeiro
parágrafo, o texto 1 corresponde ao tema proposto e às orientações mais gerais da professora
A: quantidade dos parágrafos, escrito em prosa etc. Há problemas referentes à articulação
entre título e ideia no texto, porque, mesmo nomeando o texto de Conscientização é tudo, o
autor só aponta para essa ideia no terceiro parágrafo.
Se atentarmos, ainda, para o que nos diz Pécora (1999), é no texto dissertativo que a
argumentação se manifesta de forma mais evidente e, diante do que assumimos como texto
dissertativo-argumentativo nesta pesquisa, veremos que a ideia de persuadir o interlocutor por
meio de argumentos consistentes não se efetiva. Apesar de o aluno expor seu ponto de vista
129
no segundo parágrafo, os argumentos apresentados no seu texto não são suficientes para
defender a sua opinião. O autor do referido texto se posiciona de forma muito geral.
Com a aprovação da lei a favor do uso da droga, pessoas que não participam desse
meio podem ser prejudicadas/ porque ao fumar em um lugar público, o drogado
prejudica a terceiros.
No que tange aos elementos coesivos, estes aparecem em todos os parágrafos, mas não
garantem necessariamente a linearidade do texto, conforme orienta a BCC-PE
(PERNAMBUCO, 2008, p. 94): “empregar os diferentes recursos da coesão textual, de forma
a assegurar a continuidade do texto”.
No último parágrafo, o autor deveria concluir o raciocínio que fora iniciado no
segundo, mas a abordagem que faz é bastante confusa.
Então, cada um com suas ideias devem repensar o assunto/mas desta vez colocar-se
em segundo plano [...]
O texto deixa pistas que nos conduzem a pensar que o aluno tentou mostrar que é
contra a legalização da droga. Como professores, mesmo que discordássemos de sua tese,
poderíamos/deveríamos ajudá-lo a sustentá-la: a maconha faz mal a quem usa e a legalização
pode estender o mal a quem não usa. Outra: o usuário pode até ter prazer com a droga, mas
deve pensar no coletivo. Afinal, para argumentar um sujeito necessita conhecer e utilizar
algumas estratégias linguístico-discursivas que têm como papel desenvolver um debate
130
coerente, visando à modificação de opinião de seu interlocutor. A mediação docente para o
aluno desenvolver essas estratégias, no entanto, não aconteceu.
Analisemos o texto seguinte.
Texto 2 – Turma A
Para além da organização formal do texto 2 e de outros (muitos) problemas
relacionados à apropriação das regras do sistema ortográfico da língua portuguesa, o autor
inicia a sua produção deixando dúvidas sobre o seu posicionamento:
Falar sobre esse assunto é complicado, pois não é algo que envolve apenas um lado.
131
Apresenta um argumento de forma sucinta e situa o leitor na discussão, utilizando
elementos de referenciação a seu favor.
Não pode-se falar de legalização sem planejamento, planejamento esse de “leis” e de
“normas” para usuários e para os vendedores.
Ainda que não identifiquemos um vocabulário amplo, o autor aparenta ter domínio do
conteúdo que lhe foi proposto como tema para produção. Sente dificuldade, porém, em
ampliar as informações que anuncia. É nesse momento que atividades de leitura, revisão e
reescrita do texto vão contribuir para abranger um nível de informatividade e a organização
dos argumentos com foco na adesão do interlocutor à tese defendida.
No último parágrafo, o aluno confirma a oposição à legalização, utilizando-se para
isso do argumento já utilizado e implementando uma nova informação, com a qual finaliza o
seu ponto de vista:
“...para essa legalização se concretizar, teria que haver muito planejamento./ Coisa
que no Brasil não existe”
132
(c) a professora não registrou no quadro as diferentes posições e informações dos
alunos, que poderiam ter sido potencializadas na formação de estratégias da
argumentação; desperdiçou a oportunidade de lidar com reflexões sobre tomada de
posições, argumentos de sustentação e de refutação, argumentos com foco nas
conclusões de textos dissertativo-argumentativos (noções difundidas por
PÉCORA, 1999; PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005; LEAL e
MORAIS, 2006);
(d) a professora não tinha embasamento teórico que lhe permitisse realizar essas
operações com os alunos;
(e) na prática escolar, o “eu” é sempre o mesmo; o “tu” é sempre o mesmo; o sujeito
se anula em benefício da função que exerce (GERALDI, 2004);
(f) no didática da escola, não são levadas em consideração as especificidades dos
processos/mecanismos de textualização no discurso oral e no discurso escrito
133
Texto 3 – Turma A
134
Apresenta argumento e contra-argumento:
“...pois a droga mexe com a cabeça das pessoas...”
“E se legalizarem, vai ter viciados fumando por toda a parte. A todo instante e a
qualquer hora.”
Supomos, mediante o que acompanhamos nas aulas dessa turma, que a professora não
desenvolve nenhum trabalho com vistas à reflexão sobre os textos escritos pelos alunos, não
proporcionando, desse modo, aprendizagem sobre aspectos presentes na oralidade que não
devem constar em algumas situações da escrita. Compreendemos que tanto a oralidade quanto
a escrita são imprescindíveis na nossa sociedade. Precisamos então refletir com os alunos
sobre os diferentes papéis e contextos de uso.
Poderíamos afirmar que o autor do texto recorre a “noções de totalidade indeterminada
e noções semiformalizadas”, que, segundo Pécora (1999), usadas em dissertações-
argumentativas, direcionam-se a um discurso que por si só nada acrescenta ao texto.
Analisemos agora, após a transcrição, os textos 4 e 5.
135
Texto 4 – Turma A
136
Texto 5 – Turma A
Considerando que esses textos foram produzidos por alunos que se encontravam no 3º
ano do ensino médio e que já frequentaram, no mínimo, durante onze anos os espaços
escolares, aceitamos o que está expresso nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio
(BRASIL, 1998, p. 21):
Na escola, o modo autoritário de ser não permite o diálogo. Como posso
dizer, se não sei o que nem como dizer?[...] Toda fala/escrita é histórica e
socialmente situada, sua utilização demanda ética. Onde se aprende isso? A
experiência escolar é necessária e, mais, deve ser uma necessidade sentida
pelo próprio aluno.
137
Para continuar fundamentando nossa posição, nem precisaremos recorrer à noção de
texto dissertativo-argumentativo; basta que nos guiemos pela ideia de texto adotada em nosso
estudo:
Veremos que não temos a composição de texto. As causas disso podem estar na falta
de propósito para a escrita, na ausência de discussões sobre a importância de escrever sobre o
tema sugerido, na dificuldade dos alunos de se colocarem no papel de sujeitos escritores e,
paralelamente, na falta de reflexão sobre a situação de interlocução que norteia a produção de
textos.
Os autores dos textos 4 e 5 se utilizam de informações que são inverdades e lidam com
esses dados naturalmente, ferindo o princípio da aceitabilidade. Pensando sobre isso,
pressupomos algumas situações de ensino que contribuam para a ocorrência desse problema:
(a) os alunos escrevem os textos, mas suas produções não lhes são devolvidas; dessa
forma, imaginamos que eles acreditem que os seus textos não são lidos pela
professora;
(b) se não há interlocutor (auditório presumido, segundo PERELMAN e
OLBRECHTS-TYTECA, 2005), não há motivos para os alunos se esforçarem em
busca da adesão de um auditório que não existe;
(c) produzem texto para atender às exigências do currículo; assim, escrevem qualquer
coisa para atender às solicitações da professora;
(d) no processo de ensino, poucas leituras são propostas com vistas à formação do
sujeito; se não se lê (ou se lê pouco) e não se reflete sobre os textos, os alunos não
são levados a pensar sobre interpretações possíveis que dos textos se possa
depreender.
Em outras passagens, os autores dos textos tentam expressar seus pontos de vista, mas
não conseguem estabelecer o locutor desses textos; ora se posicionam com distanciamento,
ora com maior aproximação.
138
Ainda: não conseguem estabelecer uma sequência de ideias que atribuam à dissertação
argumentativa a qualidade de texto, dada a incoerência que nela está estabelecida.
Observemos alguns desses trechos:
Texto 4:
“O governo legalizou o uso da maconha”.
“Enfim, este ato traz muitos pensamentos, pois a sociedade não é composta apenas
por um, mas por milhares e milhares, o próprio governo vai ter muita dor de cabeça, e hoje
em dia é assim “os outros que se dane”, toda ação tem uma reação”.
Texto5:
“Na humanidade existe muitas pessoas á favor e não afavor, 60% não a favor lutam
para combater á maconha, e 40% lutam para que a maconha seja favorecida”.
“Eu por exemplo sou a favor, não fumo, mas não vai mudar em nada ser proibida ou
não”.
139
Além desses aspectos mais específicos da argumentação, os textos abrem
possibilidade para o estudo de aspectos da textualidade e da análise linguística. Geraldi
(2004), por exemplo, sustenta que a prática da análise linguística deverá partir da leitura dos
textos produzidos pelos alunos nas aulas de produção de texto, enfatizando que, no
planejamento das aulas de análise, o professor deverá elencar apenas um problema por vez.
Em suma, se relacionarmos esses textos ao ensino da argumentação, vemos que não
houve ensino e, numa relação estreita (talvez não direta), também não houve aprendizagem da
produção escrita.
Observemos o texto a seguir.
Texto 6 – Turma A
140
O autor do texto 6 se posiciona claramente sobre o assunto, inclusive utilizando-se da
primeira pessoa do singular para marcar seu ponto de vista:
“Eu particularmente não concordo”.
Inicia seu texto contextualizando o assunto e segue apontando argumentos que visam à
sustentação de sua defesa.
“Sabemos que a maconha não é a pior droga que existe, mais se for legalizada
abrirar o caminho para as outras também serem legalizadas”.
Tenta introduzir uma informação que nos dá pistas de que tentou contra-argumentar:
“...mas no entanto a droga vai ficar ainda mais cara,...vão passar de bandidos para
comerciantes”.
Ao final de sua produção, rompe com tudo o que vem defendendo e não consegue
concluir a defesa de ponto de vista explicitado veementemente no início do texto. A
introdução do operador “mas” no último parágrafo dificulta o estabelecimento de qualquer
articulação com qualquer ideia dos parágrafos anteriores.
No que tange a esses aspectos, é importante registrar que, no ensino da argumentação:
(a) a contradição emerge da própria temática; o aluno teve dificuldade de articular
vozes e isso é aprendido (quando ensinado) na escola;
(b) também é possível trazer a contradição para o texto, desde que isso seja feito de
forma coerente;
(c) a escola tem que orientar a dizer o tempo todo qual é a tese defendida, bem como
negar teses contrárias (exigências da argumentação);
Ao longo do texto deixa transparecer vários problemas de ordem linguística que
poderão ser resolvidos com atividades de reflexão sobre a língua.
Um ponto nos chama a atenção: apesar do uso do “eu” em determinada circunstância,
mantém um discurso tão distante do interlocutor, que nos permite pensar que se relaciona com
um interlocutor qualquer, sem ter a preocupação maior de atender à especificidade do gênero
textual que está produzindo: “convencer ou persuadir através do arranjo dos diversos recursos
oferecidos pela língua é, numa formulação muito simples, a marca fundamental do texto
dissertativo-argumentativo”, (CITELLI, 1994, p. 07).
141
Vejamos o texto que segue.
Texto 7 – Turma A
142
“Mesmo com um forte apoio da bancada de deputados esse direto ainda não foi
concedido...”.
“...porque por um fumante o seu parceiro chega a fumar 3 cigaros a mais”.
143
Texto 8 – Turma A
144
estrutura não é apresentada com ênfase nos aspectos formais, levando-se também em conta os
aspectos discursivos nela implicados.
Considerando a artificialidade da situação de produção, sem definição de propósitos e
interlocutores para a atividade, o texto é extremamente vazio. O autor, para não deixar de
cumprir a atividade didática proposta, mal consegue explicitar o que acabara de ler no jornal
que lhe foi apresentado: (1) traz noções bem vagas sobre uma passeata que aconteceu em
algum lugar; (2) sugere dados baseados no senso comum de quem é contra a legalização da
maconha; (3) apresenta ideias circulares.
Em Geraldi (2003, p. 197), lemos: “pelas operações de argumentação, o enunciador
traz para o interior de seu texto ‘fatos’, ‘dados’, ‘conhecimentos’ que no texto se constituem
como argumentos”. Percebemos que o autor não consegue mobilizar essas estratégias no seu
texto.
Notemos:
“Fizeram uma passeata com a enteção de que a lei fosse aprovada ...”
“...como os evangélicos que não querem de jeito nenhum a legalização dessa droga,
eles alegam que se o Brasil já está assim com a maconha proibida imagine como ficari o pais
com ela legalizada....”
“A sociedade é divida em vários grupo.../Mas cada pessoa age e pença diferente e o
Brasil fica assim dividido...”
O autor do texto consegue explicitar seu ponto de vista, mas não consegue sustentar
sua tese. Falta-lhe a palavra.
Ao fim do texto, apenas consegue expressar uma posição que não corresponde à
pergunta que lhe foi feita (é para legalizar ou não o uso da maconha?). Assim, o aluno expõe:
“Mas eu acho que essa lei nunca vai ser aprovada nunca, porque se as outras leis não
funcionam imagine essa”.
145
(b) estudo das formas de utilização de recursos linguísticos e organização do discurso
por diferentes autores em textos diversificados que tratassem de mesmos temas ou
de temas diferenciados;
(c) exploração dos aspectos discursivos com vistas à adesão de interlocutores nos
textos argumentativos;
(d) leitura dos textos produzidos pelos alunos e reflexão sobre os mesmos,
possibilitando a revisão e a reescrita dessas produções.
Texto 9 – Turma A
146
O autor do texto 9 divide sua produção em apenas dois parágrafos. Entretanto,
consegue explicitar um ponto de vista claro e sustentá-lo por meio de um argumento e da
justificativa desse argumento.
“Na nossa opinião a maconha não deve ser liberada/pois com a organização que o
Brasil tem seria um caos/ Ira aver muito mais crimes por conta do efeito da droga e
também para consumir mais drogas”.
O autor usa marcas das orientações da professora como “na nossa opinião”, “mais
por outro lado”, “mas”, “porem”. Interessante é que, com essas fórmulas de produção
textual, o aluno teve dificuldade de lidar com o que conseguia operar como locutor e, ao
mesmo tempo, como as instruções que lhe foram repassadas, embora mobilizasse esses
operadores em favor do seu “projeto de dizer” (GERALDI, 2003).
Numa das construções, ele se posiciona como “na nossa opinião − utilizando o
possessivo ‘nosso’ como indicador de opinião compartilhada – e, em momento posterior,
utiliza o verbo ‘acho’ (1ª pessoa do singular). Em seguida, se distancia novamente e introduz
a 3ª pessoa do singular “de acordo com a sociedade...” – dando a ideia de impessoalidade − e
retoma a outra voz: “mais como isso é um assunto que não somos ...”
Ao final do texto, após expressar que sua voz não será ouvida, tenta concluir e acaba
introduzindo mais uma nova informação:
“Logo após a liberação da maconha, não teríamos mais paz com o tanto de drogados
na rua”.
147
que, tomando os discursos dos alunos, favorecesse o desenvolvimento da argumentação
escrita.
Seria pertinente, por exemplo, a professora reunir os textos e relê-los coletivamente,
fazendo um exercício de argumentação e contra-argumentação. Depois, poderia ser proposta
uma atividade de reescrita em que aqueles que são contra a legalização da maconha
incorporassem os contra-argumentos para dentro dos seus textos, refutando-os. Ainda: poderia
ser proposto o mesmo a quem tivesse sido a favor. Se não existissem teses favoráveis à
legalização, nesse caso, partir-se-ia para uma situação de “simulação” com o objetivo de
exercitar/manipular a linguagem em diversas operações discursivas.
Na análise dos textos dessa turma, precisamos ponderar sobre em que medida o tema
em questão se caracterizaria como um tema controverso (aquele passível de debate, polêmica,
que gera discussão), sem desconsiderarmos, entretanto, que houve a realização de leitura de
textos-suporte e de um debate sobre o assunto em questão, cuja finalidade era dar subsídio
teórico aos alunos para as suas produções escritas.
Vejamos, então, as produções.
148
Texto 1 – Turma B
O autor do texto não consegue atender às orientações sobre o gênero solicitado: nem
em termos estruturais nem, principalmente, no que diz respeito às estratégias do discurso
argumentativo, na medida em que tenta expressar que existe no Brasil o preconceito
linguístico, elaborando tentativas de ilustração com informações imprecisas.
É possível percebermos a tentativa de produção textual e de adequação ao tema, mas o
texto é muito vago, circular, com noções confusas.
Leiamos:
“No Brasil temos uma plena verdade sobre esta questão, que iniciou com a realidade,
como tem sido o preconceito no nosso país...”
149
“Os povos, nações, tribos, tem uma variedade linguística diferente dos outros, sendo
que isso tem causado muita discussão...”
“Queremos as vezes ver erro na fala das outras pessoas...”
Não há expectativa de posicionamento sobre o assunto, nem pistas no discurso que nos
levem a perceber uma relação interlocutiva. Há falhas no projeto de produção textual, desde o
que dizer ao como dizer. É provável que esse seja um dos alunos que manifestou ser um
“desastre” na redação ou que estavam sem saber como iniciar a sua dissertação; ou ainda, que
mencionaram que o tema estava fora de contexto. Situações artificiais de produção textual
conduzem, inevitavelmente, a construções artificiais.
Nessa linha de reflexão, Suassuna (2009, p 54) registra:
Visto que lidamos, neste estudo, com o ensino de textos argumentativos escritos,
indagamos: (1) que estratégias argumentativas foram desenvolvidas a partir dessa situação de
produção? (2) As condições de produção favoreceram a tomada de posicionamento por parte
dos alunos? (3) O encaminhamento didático em torno da relação leitura-escrita possibilitou a
apropriação de informações suficientes para os alunos desenvolverem seus textos? Que outras
estratégias didáticas contribuiriam para o desenvolvimento do senso crítico, da tomada de
posição, da defesa consistente de pontos de vista?
Algumas sugestões seriam:
i. realizar leituras diversas sobre o tema que, de fato, contribuíssem para a
ampliação do repertório de informações, à luz da argumentação como ação de
linguagem;
ii. conduzir os alunos a descobrirem/conhecerem sentidos possíveis de serem
extraídos dos textos;
iii. levar os alunos a refletirem, por meio da análise das marcas linguísticas
impressas nos textos, sobre os sentidos que não poderiam ser conferidos às
leituras realizadas;
150
iv. ponderar sobre essas questões e relacioná-las ao texto escrito a ser produzido
pelos alunos;
v. observar estratégias de discurso para conseguir a adesão dos interlocutores;
vi. analisar com os alunos os aspectos constitutivos do texto escrito argumentativo
(tese, argumentos, contra-argumentos, refutações, conclusões);
vii. observar como e quais elementos linguísticos podem favorecer a argumentação
escrita, em função do gênero solicitado e dos interlocutores de cada texto.
Texto 2 - Turma B
151
Observando o texto 2, temos o reflexo de uma produção com a apresentação de
informações imprecisas:
“O preconceito no Nordeste se basea muito na fala da língua portuguesa, por falar
um pouco errado e se expressar de maneira errada”.
Pensemos: a que informação o autor faz referência quando menciona “se basea muito
na fala da língua portuguesa”? Afinal, de que outra língua se estaria falando senão da nossa
língua materna? É possível que ele esteja querendo fazer referência ao português padrão, já
que a leitura do segundo texto-suporte sugeria isso. Mas, a falta de clareza na apresentação
dessa ideia compromete a introdução.
O aluno segue fazendo tentativas de adequação ao tema, mas não consegue ultrapassar
a dimensão das dicotomias certo/errado e falar/escrever. Busca atender às orientações em
torno da estrutura da dissertação, utilizando a noção de parágrafos (introdução –
desenvolvimento – conclusão) apresentando no último a convencional forma de conclusão
“enfim”, sem conseguir apresentar um ponto de vista claro e nem estabelecer uma relação
coesiva entre as informações expressas.
No decorrer do texto, apresenta um dado que até seria interessante, se fosse utilizado
como argumento e defendido de maneira consistente:
“...então, a fala nordestina que é retratada de forma errada nas novelas de televisão...”.
152
Texto 3 – Turma B
153
Ao mesmo tempo, antecipa um contra-argumento, justificando em outras palavras, que
o fato de uma ciência da linguagem admitir a variação não implica dizer que os usuários de
uma língua devam “falar errado”. Assim, argumenta:
“...mas isso não justifica que uma pessoa tenha que falar errado”.
Por esses discursos, vemos que a noção de preconceito linguístico apontada pelo aluno
está associada à noção equivocada do falar certo ou errado; o autor não consegue sustentar a
sua tese com base em outros argumentos ligados à variação linguística: região geográfica,
questão histórica, grau de escolaridade dos nordestinos, etc., o que mereceria, portanto, uma
intervenção didática.
No último parágrafo, o aluno deixa marcas de uma possibilidade de conclusão, não
configurando necessariamente numa afirmação de base argumentativa consistente, mas
apresentando uma solução para o problema exposto no texto − preconceito. Aliás, essa
orientação acerca de apresentação de solução/soluções para possíveis problemas explicitados
nas dissertações era uma das orientações da Professora ao circular na sala entre os alunos.
Vemos ainda pistas linguísticas que asseguram o atendimento às orientações da
professora B na organização estrutural do texto: um parágrafo para a introdução, dois para o
desenvolvimento e um para a conclusão. É um texto previsível, que se caracteriza mais pela
reprodução do que foi lido nos textos-suporte que pela própria autoria do sujeito. É o lugar-
comum que, segundo Pécora (2002, p. 106), “é, na verdade, um lugar de ninguém[...]”.
Lembramos aqui a nossa pergunta de pesquisa: o ensino da argumentação tem
possibilitado o desenvolvimento de habilidades argumentativas? Se argumentar é defender
ideias, com vistas à adesão do interlocutor e para isso o enunciador precisa elaborar
estratégias de persuasão, onde está o posicionamento desse locutor?
Em termos de texto produzido, vemos que:
i. essa redação tem um bom padrão de textualidade, com informações que não
fogem à temática sugerida;
i. há poucos problemas relacionados à grafia e à pontuação, de forma que se o
texto fosse lido em voz alta, o ouvinte não perceberia nele qualquer problema.
Mas, no aspecto discursivo o texto é frágil. O que lhe falta, então, para ser um texto
argumentativo de verdade? Diríamos que, diante das atividades escritas propostas em sala de
aula e fortemente marcadas pelo ensino tradicional, falta voz ao autor do texto.
154
Nesse sentido, Val (2006, p. 109) nos lembra: “o aluno acaba por entender que, para a
escola, o mais proveitoso é fazer uma redação certinha, ainda que frágil de conteúdo”.
Atentemos para mais algumas produções.
Texto 4 – Turma B
155
alunos, buscando, acima de tudo, a reflexão e o entendimento sobre os aspectos discursivos
implicados nos diferentes gêneros.
É assim que sugerimos que um trabalho metódico e sistemático com gêneros textuais
permitiria uma maior abertura para vislumbrar questões acerca da produção de textos. Entre
esses aspectos, estão as diferentes funções da linguagem, a variedade de formas de
organização textual e as possibilidades de uso dos recursos linguísticos como resultado das
escolhas de quem produz o texto e das necessidades de cada situação de produção (p.25)
Somando-se a isso, nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio (BRASIL,
1999, p. 22), afirma-se:
Mediante o exposto e relacionando-o com o texto 4, podemos dizer que o aluno não
tem o domínio dos “contratos textuais” que estão implicados no gênero dissertativo-
argumentativo, em termos linguísticos e discursivos.
Essa produção se desvela numa descrição das formas de preconceito sem que esse
recurso seja utilizado como um argumento para dar consistência ao ponto de vista do autor.
Este, por sua vez, entende que o preconceito se dá por conta do sotaque34, não conseguindo
estabelecer uma visão que ultrapasse o aspecto fonético da língua. Não estamos aqui
desconsiderando o sotaque dos falantes de uma língua como um fator que evidencia a
diferença, mas observando a inabilidade do produtor do texto de lidar com outros fatores
linguísticos.
Uma outra característica do texto 4 é o envolvimento emocional do autor, deixando
indícios de que foi uma possível vítima de preconceito linguístico.
“isso acontece muito e as pessoas não veêm que é importante para nos, pois elas
podem não perceber mais magoam agente, com palavras, com ate mesmo um simples olhar,
fazem nos sentir indiferentes”.
34
Trask (2001, p. 281) declara: “É importante ter consciência de que todo mundo tem um sotaque: é impossível
falar uma língua sem usar um ou outro. Naturalmente, cada um de nós considera certos sotaques como mais
próximos do que outros, ou como mais prestigiosos do que outros, mas essa é outra história: apenas os sotaques
que diferem fortemente do nosso próprio chamam mais a nossa atenção”.
156
O professor deveria, então, problematizar essa “solução” que é segregadora,
aproveitando o momento para lidar com questões sobre a produção de argumentos
consistentes, quando se deseja a adesão dos interlocutores.
Por fim, numa tentativa de concluir a exposição de informações, o autor enfatiza:
“Podem ter o sutaque deles, e nós temos o nosso”.
Texto 5 – Turma B
157
O texto 5 dá indícios de que o autor tem dificuldade na manipulação do código escrito
(convenções da língua portuguesa) o que prejudica a leitura e a compreensão dessa produção.
Ainda que manifeste no primeiro parágrafo a sua posição acerca da existência do
preconceito linguístico, não consegue desenvolver estratégias de persuasão, comprometendo a
sequência de ideias por meio da forma inadequada de uso de conectivos.
“Existe preconceito linguístico com os nordestino/ e sofre muito com as pessoas do
Sul e Suldeste...”
Parece-nos que nosso produtor arrisca-se, num processo (diríamos) meio intuitivo a
dar conta da tarefa sugerida na escola e, dessa forma, vai lidando com as informações que por
ora lhes são permitidas. Agrega as informações mais gerais sobre a estrutura do texto
dissertativo e lança mão das estratégias que conhece para não deixar de elaborar a sua
produção.
158
Pensamos que, se os contextos de produção textual nessa turma fossem vivenciados
dentro de uma prática articulada de linguagem (oralidade/leitura/escrita/reflexão sobre a
língua), o autor desse texto teria a possibilidade de operar com os elementos que a língua lhe
oferece para, com efeito, argumentar por escrito sobre variados temas.
Vejamos o texto a seguir.
Texto 6 – Turma B
159
Temos mais um texto que não foge à regra da estrutura da dissertação: parágrafos bem
definidos para cada parte desse gênero. No entanto, em termos de conteúdo, também não se
distancia da falta de conteúdo visualizada em outras produções: baixo nível de
informatividade e imprecisão nas ideias colocadas.
Analisemos alguns aspectos:
(1) o texto deixa pistas de que, para o autor, são os “erros da fala” os responsáveis
pelo preconceito linguístico;
“...pois somos muitos apontados pelos erros da nossa fala...”
(2) o aluno reproduz a fala da professora B, no que se refere à relação da leitura com
a fala e com a escrita: quem lê, monitora o seu discurso e assim não erra; de igual
modo, quem lê, escreve bem;
“Em muitos casos falos Errados porque não somos um bom leitor, um bom leitor
não Escreve Errado e prestar muito atenção quando vai falar”.
“Para que isso não aconteça, temos que se dedicar a ler mais um pouco...”
(3) o aluno afirma sem fundamento algum que o nordestino não tem tempo para ler;
aparenta desejar escrever qualquer coisa que lhe permita encerrar a tarefa de
produzir o seu texto;
“O nordestino Ele não tem tempo para ler e sim trabalhar e nem para Estudar”.
Para além dos vários problemas que podem ser visualizados (não-atendimento às
convenções ortográficas da língua, dificuldade de expor e estabelecer uma sequência entre as
160
ideias, dificuldade de usar recursos coesivos, etc.) os textos são de uma insuficiência de dados
tal, que parece que os alunos estavam (ou são) alheios ao tema em questão.
As ideias ora se agregam ao senso comum e às generalizações (os nordestinos sofrem
preconceito), ora se fundamentam em informações inválidas (os nordestinos não têm tempo
para ler), que nos levam a questionar: de onde se originam essas informações? O que faz os
leitores expressarem informações que não podem ser confirmadas?
Silva (2002, p. 68) comentando sobre algumas questões de produção textual, expõe a
ocorrência de “Frases sem sentido, parágrafos sem ligação, problemas de concordância,
incoerência, estorinhas banais, tentativas poéticas etc.”. E acrescenta: “será que esses alunos
jamais redigiram? Será que a escrita perdeu mesmo a sua utilidade nesta sociedade imagética?
Será que não houve orientação de redação em níveis educacionais anteriores? [...]”
Esses também são algumas perguntas que nos fazemos, mediante as produções por ora
analisadas.
Vejamos mais algumas produções.
161
Texto 7 – Turma B
162
Nesse sentido, apresenta justificativas para argumentar sobre o fato de os nordestinos
terem o direito a se expressarem como quiserem, mas não argumenta sobre a existência do
preconceito ou não.
“Mas não sabe eles que cada um tem seu modo de expressar, porque nordeste não tem
pessoas papagaios para ficar imitando o modo de outras pessoas de se expressar.
Se estivéssemos lidando com um gênero textual que permitisse uma abertura a uma
linguagem mais informal, a alusão que o autor faz ao papagaio, por exemplo, não seria
efetivamente um problema. Mas, em se tratando de um texto dissertativo-argumentativo, a
adequação à linguagem formal é uma dos requisitos do sucesso do texto.
Vemos, nesse caso, a possibilidade de um bom trabalho de reflexão sobre a língua, em
termos dos discursos que nos são autorizados em determinadas situações. Basta lembrar-nos
que Geraldi (2003) sugere sobre levar os alunos a perceberem que o que pode ser defeito em
um texto pode ser qualidade em outro. Eis uma das funções do professor de língua portuguesa
no eixo produção textual.
Considerando que os textos analisados até o momento davam indícios de que os
alunos escreviam unicamente à professora solicitante da tarefa, esse texto apresenta uma
relativa de originalidade em termos de orientar o discurso a um interlocutor que
necessariamente não seja a referida docente. Não podemos, entretanto, afirmar que o aluno
fez isso de forma consciente.
Notemos:
“Mas isto deve mudar porque cada um tem seu modo de se empor e só porque se
emponhe um pouco melhor ou fala melhor que outro não critique...”
163
Por fim, o autor tenta concluir o seu texto, momento em que nos deixa dúvidas sobre o
interlocutor com quem ele está se relacionando.
“...porque pode chegar o seu dia de ser criticado e a sua crítica pode ser maior do
que a que você fez. Não seja um preconceituoso, lute contra o preconceito que a no Brasil.
Principalmente no Nordeste”.
A nosso ver, no final de tudo, não se constitui, de fato, uma dissertação argumentativa.
Mas, com um pouco mais de trabalho sistemático em torno da escrita, talvez pudesse ser uma
crônica bem interessante (e a argumentação estaria aí presente). O que lhe falta então para ser
um bom texto argumentativo? Não há respostas por enquanto, mas acreditamos que possamos
ao final deste estudo apontar alguns caminhos em direção a mudanças.
Texto 8 – Turma B
164
O texto 8 é um texto bem previsível e, portanto, marcado pela pouca informatividade,
seu autor não consegue se posicionar sobre o tema com clareza, nem argumentar de forma a
persuadir o outro.
“O preconceito linguístico existe em todos os lugares do Brasil mais quem sofre esse
preconceito maior ainda são o povo nordestino”.
(3) Deixa implícita uma informação equivocada ao mencionar “povo do Sul” e, logo
depois, fazer referência a São Paulo. Repete a mesma ideia no primeiro, segundo e
último parágrafos do texto.
“Concluir que o nordeste é um dos lugares que mais sofrem preconceito linguísticos
por causa da sua maneira de falar e quem faz essa discriminação são mais o povo do
Sul”.
165
Vemos que vários são os problemas do texto (tanto linguísticos como discursivos) e
estes não permitem ao leitor estabelecer quais as intenções do produtor ao escrevê-lo.
Interessante é que nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio (BRASIL,
1999, p. 22) encontramos:
A competência do aluno depende, principalmente, do poder dizer/escrever,
de ser alguém que merece ser ouvido/lido. A escola não pode garantir o uso
da linguagem fora do seu espaço, mas deve garantir tal exercício de uso
amplo no seu espaço, como forma de instrumentalizar o aluno para o seu
desempenho social. Armá-lo para poder competir em situação de igualdade
com aqueles que julgam ter o domínio social da língua.
Considerando, pois, todos os textos analisados, vimos que pouco do que está definido
ou sugerido no que diz respeito ao ensino-aprendizagem da produção de textos (no nosso
caso) da produção de textos argumentativos escritos está sendo efetivado nas aulas de língua
portuguesa.
Para Suassuna (2009, p. 79), “a escola controla as condições de produção escrita,
padronizando os discursos, negando a diversidade de tipos de textos, com suas respectivas
especificidades e funções”.
Quando, contudo, tenta-se inserir essa variedade de textos, na sala de aula, propicia-se
uma entrada equivocada, marcada por situações superficiais de leitura e de produção textual.
É assim, que artificializado o ensino, as produções de texto dos alunos se configuram também
em produções artificiais, que pouco informam, pouco dizem e nada acrescentam aos seus
leitores.
166
No caso da argumentação, perde-se o foco do desenvolvimento das estratégias
discursivas que propiciem aos estudantes o posicionamento em relação ao outro. Aliás, eis um
grande problema: quem é o outro nessas circunstâncias?
Na maioria das vezes, os alunos foram levados a produzir os seus textos sem
conhecimento das finalidades de escrita, das razões pelas quais poderiam ou deveriam
escrever e mesmo de seus destinatários e, portanto, de alguém com quem os locutores
pudessem dialogar ou argumentar. Afinal de contas, não se diz algo para ninguém. Ninguém
se sente motivado a argumentar sobre o que não conhece, acerca do que não acredita e sem
saber para quem e para que irá argumentar.
Ora, a língua é dialógica, mas nas relações de produção de texto argumentativo aqui
descritas, a dialogia ficou somente no discurso das docentes, porque aos alunos, nas situações
de produção de textos escritos, esse conhecimento ainda não foi permitido.
Apoiando-nos em Geraldi (2003, p. 137) dizemos: “a observação mais despretensiosa
do ato de escrever para a escola pode mostrar que, pelos textos produzidos, há muita escrita e
pouco texto (ou discurso)”.
Perante o exposto, os resultados indicaram que:
(a) tendo em vista a noção de argumentação do nosso estudo, os alunos conseguiram
mobilizar, por vezes, a tese que desejavam defender; entretanto, na falta de uma
prática docente que favorecesse a apresentação de argumentos, poucos alunos
justificaram suas posições de maneira a garantir a persuasão dos interlocutores;
(b) não havendo ensino sobre as “estratégias do dizer” nos textos escritos, os alunos
elaboraram argumentos pouco ou nada convincentes;
(c) as leituras sugeridas e as suas formas de condução, nas aulas de português, foram
insuficientes para assegurar o repertório de informações que pudesse ser utilizado
no decorrer da defesa das teses;
(d) ainda sobre as leituras, podemos dizer que estas se esgotavam na busca de
informações superficiais; em momento algum, foram utilizadas em favor dos
alunos de modo a que eles construíssem estratégias de defesa ou refutação de
teses;
(e) os alunos não foram levados a confrontarem suas posições, de forma a favorecer a
construção de argumentos e contra-argumentos; os debates, embora ricos,
167
encerravam-se na exposição de ideias; não havia problematização quando os
argumentos não eram aceitáveis;
(f) atividades de estudo dos textos produzidos, revisão e reescrita não eram
proporcionadas aos alunos;
(g) como havia um apego das professoras aos aspectos estruturais do texto
dissertativo-argumentativo (introdução, desenvolvimento e conclusão), os alunos
realizavam tentativas de atendimento a essa estrutura sem, muitas vezes, fazerem
isso em função de seus “projetos de dizer”;
(h) as professoras falavam sobre coesão e coerência como se fossem aspectos fixos
dentro de textos e de textos argumentativos. Não havia discussão no que se refere à
compreensão de como os elementos coesivos poderiam colaborar no
estabelecimento de efeitos pretendidos com o texto; nos textos dos alunos, vimos
algumas passagens em que os operadores argumentativos não funcionam a favor
da argumentação.
Após a análise e discussão dos dados de nossa pesquisa, o tópico seguinte destina-se à
apresentação de nossas reflexões gerais sobre o que visualizamos no ensino da argumentação
escrita e sua relação com as estratégias desenvolvidas por alunos nos momentos de produção
textual.
168
CONSIDERAÇÕES FINAIS
169
MORAIS, 2006; PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005; SCHNEUWLY e DOLZ,
2010).
Inicialmente, nosso olhar estava direcionado para os discursos das professoras de
língua portuguesa envolvidas nesta pesquisa, com vistas a identificar as concepções de língua,
texto e argumentação que fundamentavam as práticas dessas docentes. Assim é que, por meio
das entrevistas semiestruturadas, observamos que:
i. as professoras tinham um discurso elaborado acerca do trabalho com textos
e definiam o texto argumentativo como um gênero que pode favorecer o
desenvolvimento do senso crítico dos alunos;
ii. as falas evidenciaram que as professoras se preocupavam em desenvolver
atividades com esse texto que ora se destinavam ao desenvolvimento da
tomada de posição e da defesa de argumentos, ora se concentravam nos
aspectos formais do texto: introdução, desenvolvimento e conclusão; estes
últimos, por sinal, foram mais evidenciados;
iii. aspectos referentes à textualidade eram trabalhados na perspectiva
conceito-exemplo-uso e não na ordem uso-reflexão-conceito, o que nos fez
pressupor que a concepção de língua que estava subjacente à prática das
docentes era a de língua como estrutura e não como interação; isso, de
alguma forma, foi explicitado nos encaminhamentos didáticos das
professoras A e B, por ocasião do período de observação de aulas;
iv. embora dissessem priorizar o desenvolvimento das habilidades
argumentativas dos alunos com vistas à formação de sujeitos críticos e
reflexivos, as professoras tinham uma preocupação essencial com a
preparação dos estudantes para a aprovação no ENEM e em concursos
vestibulares locais, não deixando indícios de que o objetivo maior era, com
efeito, o desenvolvimento dessas competências para assegurar a palavra aos
alunos;
v. ambas as professoras concebiam a leitura como base para uma boa
produção escrita, estabelecendo uma relação direta entre esses dois eixos;
por conta disso, as atividades de produção textual eram sempre precedidas
da leitura de textos-suporte sobre os temas por elas selecionados;
170
vi. como consequência da relação estabelecida entre leitura e escrita, as
professoras A e B atribuíam a má qualidade dos textos produzidos à falta
de leitura dos alunos; não conseguiam, entretanto, se sentir parte integrante
do processo de mediação de leitura a ser desenvolvida na instituição
escolar, e mais especificamente, nas aulas de LP;
vii. as docentes promoviam sessões de debate em pequenos e grandes grupos,
com vistas a desenvolver a argumentação dos alunos; segundo elas, essa
atividade contribuía para a construção de argumentos que, por sua vez,
seriam utilizados no momento da produção escrita;
viii. as professoras concebiam algumas condições básicas para o
desenvolvimento da argumentação, tais como a necessidade de um tema
passível de debate, a apresentação de pontos de vista e a importância de
justificativas que sustentassem a tese a ser defendida; de igual modo, nos
deram indícios de que trabalhavam com a produção de textos de forma
sistemática, o que implicaria mais leituras de textos;
ix. as docentes deram pistas de que estavam num processo de transição entre o
ensino tradicional, cujas bases estão na gramática normativa, e as novas
perspectivas pedagógicas que situam o texto como objeto de estudo; em
seus depoimentos, evidenciaram que lidar com o texto é importante (tanto
em termos de leitura como em termos de escrita), mas que o domínio da
norma padrão é que iria assegurar aos seus alunos as competências
necessárias para os processos de leitura e de produção textuais.
De uma forma geral, as entrevistas nos levaram a pressupor que as professoras A e B
estavam num momento de conflito de identidade docente (MENDONÇA, 2006). Isso porque
faziam tentativas constantes de situar o texto como o centro das atividades pedagógicas, ao
mesmo tempo em que não conseguiam se desvincular dos conteúdos de gramática na
perspectiva do ensino das normas e das regras de emprego da variedade culta da língua.
Na segunda fase de nosso estudo, procuramos analisar as situações didáticas em que
eram propostas as produções de texto. Dessa forma, realizamos as observações de aula, que
foram registradas em diários de campo.
Para fundamentar as nossas análises, buscamos subsídio teórico nas pesquisas
desenvolvidas sobre o ensino de língua portuguesa, assim como sobre o ensino da produção
171
de textos na escola. Nessa perspectiva, encontramos suporte basicamente em Suassuna (2009,
2010), Geraldi (2003, 2004), Antunes (2003), Leal e Albuquerque (2007).
Os registros de aula nos apontaram que:
i. as tarefas propostas pelas professoras A e B não tinham referência nas práticas
de linguagem do dia a dia; ainda que os textos produzidos (dissertação e
resenha) se configurassem em gêneros textuais que circulam em espaços
sociais e historicamente constituídos (XAVIER, 2001), as produções
solicitadas não partiam da reflexão sobre as funções de escrita implicadas
nesses textos;
ii. as discussões que antecediam as produções eram momentos ricos de
interlocução e de interação; os alunos, diante dos seus pares e vivenciando
situações reais de aprendizagem, viam-se na função de apresentar e defender
seus pontos de vista acerca de determinado tema e, nesse contexto, faziam
emergir argumentos diversos e consistentes para conseguirem a adesão dos
seus interlocutores reais; entretanto, nas produções escritas esses discursos
eram praticamente silenciados;
iii. em todas as situações didáticas de produção textual, as professoras
encaminhavam atividades de leitura como pretextos para a escrita, o que, de
acordo com Geraldi (2003), não se configura num problema em si, uma vez
que estabelece a própria relação de interlocução;
iv. não visualizamos objetivos definidos para os eventos de aula, o que nos fez
inferir que as aulas não eram necessariamente planejadas;
v. em termos de conteúdos privilegiados no ensino, observamos posturas que,
inicialmente, acreditávamos serem distintas, mas que, ao término das
observações, convergiram para o ensino da gramática normativa; a professora
A privilegiou, na maioria de suas aulas, a abordagem de conteúdos gramaticais,
dedicando apenas duas delas à produção textual; já a professora B favoreceu a
produção de textos na maior parte dos encontros; as lacunas se estabeleceram
nas situações didáticas em que eram propostas as produções textuais, dada a
artificialidade desses contextos de produção; essa professora, ao orientar os
alunos para a avaliação da unidade, elencou conteúdos da gramática como o
objeto dessa avaliação;
172
vi. ainda que os textos-suporte selecionados como introdutórios às temáticas das
aulas propiciassem a exploração de diversos aspectos, os elementos discursivos
nunca eram privilegiados; as análises propostas pelas professoras limitavam-se
à identificação das ideias principais contidas nos textos; os alunos não eram
levados a pensar sobre os textos lidos, buscando identificar neles estratégias de
argumentação, posicionamento dos autores, efeitos de sentido pretendidos etc.;
vii. os alunos não sabiam dos objetivos e das finalidades das produções de texto
que lhes eram propostas, não havendo discussão sobre o que era argumentação,
nem sobre a importância de escrever acerca dos temas sugeridos;
viii. as orientações mais específicas para as produções de texto diziam respeito ao
atendimento da divisão do texto em parágrafos e às respectivas partes de uma
dissertação: introdução, desenvolvimento e conclusão; eram privilegiadas as
instruções sobre o que os alunos não deveriam apresentar em seus textos, em
detrimento de orientações relativas às estratégias propriamente ditas do dizer;
ix. tendo por base os paradigmas atuais para o ensino de língua portuguesa, não
vimos uma articulação entre os eixos leitura, oralidade, produção de texto e
análise linguística; na realidade, as professoras não deram indícios de que
tinham clareza/conhecimento dessa proposição metodológica;
x. para além do senso comum que existe em torno do perfil de discente nas redes
públicas de ensino, assistimos a eventos de aula em que os alunos explicitavam
o desejo de aprender a lidar com a sua própria língua em diversificadas
situações de comunicação. A dificuldade consistia no fato de que uma das
professoras, percebendo o desejo dos alunos de aprender a serem sujeitos
críticos, dava indícios de que não conseguia ultrapassar a perspectiva
normativo-prescritiva do ensino de língua portuguesa; consequentemente, não
efetivava uma prática pedagógica que propiciasse uma aprendizagem
significativa aos estudantes;
xi. ainda que nosso objeto de estudo não se relacionasse especificamente ao lugar
ocupado pelo livro didático nas aulas de língua materna, não poderíamos
deixar de registrar que as docentes envolvidas tinham esse instrumento como
suporte fundamental para as suas aulas; nesses termos, o que percebemos é que
o livro didático orientava os planos de ensino das professoras A e B, e lhes
173
dava pistas para os encaminhamentos pedagógicos a serem desenvolvidos em
sala; nessa perspectiva, os autores dos livros didáticos utilizados se
configuraram em verdadeiros docentes de aulas de português.
Em síntese, as professoras tentavam, por vezes, realizar um trabalho diferenciado com
gêneros textuais argumentativos, mas acabavam se distanciando das práticas de ensino que
priorizam a apropriação dos gêneros numa perspectiva reflexiva e de constituição de
subjetividades.
Na sequência, realizamos a análise das produções de texto dos alunos, considerando os
contextos em que foram propostas essas produções. Nosso objetivo era analisar os textos dos
aprendizes, verificando as estratégias argumentativas mobilizadas por eles em suas produções.
Para tanto, tomamos por base os estudos de Pécora (1999), Val (2006), Geraldi (2003) e
Suassuna (2009; 2010).
As produções evidenciaram que:
i. contextos artificiais de produção textual conduzem a produções igualmente
artificiais (SUASSUNA, 2009);
ii. os alunos não conseguiram transpor as posições e os argumentos que eram
explicitados nas discussões orais para os seus textos escritos; desse modo, as
diferentes vozes que emergiam de um mesmo aluno por ocasião dos debates
eram silenciadas no momento da produção escrita;
iii. as leituras prévias propostas não conseguiram dotar os alunos de informações
suficientes para a construção dos seus textos;
iv. esses estudantes, ainda que no seu último ano de escolaridade básica,
demonstraram diversos problemas no trato com o texto argumentativo, tais
como: falta de domínio do código escrito, problemas de adequação ao tema,
informações imprecisas, incoerência, baixo nível de informatividade,
generalizações indevidas, falhas na estrutura e no encadeamento lógico de
ideias etc.;
v. acreditamos que, em virtude da ausência de reflexão sobre os aspectos
linguístico-discursivos implicados nos textos, os alunos desconheciam as
especificidades dos gêneros que foram instados a escrever;
174
vi. diferentes sujeitos expostos às mesmas condições de produção escolar
transformam-se quase que em sujeitos semelhantes na elaboração de seus
textos: parecem querer atender ao discurso da escola.
Por tudo isso que foi exposto, o que de fato visualizamos?
(1) As mudanças no ensino de língua portuguesa estão começando a ocorrer e são,
possivelmente, resultados de pesquisas e discussões sobre linguagem e ensino de
língua. Contudo, esses processos de mudança ainda são lentos e sugerem uma
revisão de ideologias e metodologias por parte das professoras envolvidas na
pesquisa (e provavelmente de outros docentes também).
(2) O texto tem ocupado um lugar de destaque nas aulas de português, mas a sua
inserção no ensino por vezes tem sido equivocada.
175
práticas escolares de produção textual, cuja ênfase recai sobre os aspectos
formais/composicionais do texto e relegam a um plano secundário os elementos discursivos.
Nesse sentido, encontramos produções que se pretendiam dissertações argumentativas,
mas estiveram longe de se estabelecerem como tais, porque seus produtores tinham o que
dizer, mas não conheciam as razões para dizer nem seus interlocutores; também
desconheciam as estratégias de dizer (GERALDI, 2003). Geraldi (idem) fala ainda da
necessidade de constituir-se como sujeito e de ter a quem dizer.
Argumentar por escrito na prática escolar não tem se constituído numa ação de
linguagem inerente ao processo de ensino-aprendizagem. Antes, tem se configurando como
uma prática escolarizada na qual se desvelam os discursos autorizados por essa instituição
social (ou os “não-discursos”).
Nessa direção, o que sugerimos, por enquanto?
(1) O desenvolvimento de mais pesquisas com foco no ensino da produção de textos
argumentativos escritos contemplando a modalidade do ensino médio e cujos resultados
possam ser efetivamente articulados a uma proposta de mudança nas metodologias adotadas
nas aulas de língua portuguesa.
176
Como mencionamos anteriormente, as conclusões desta pesquisa não têm a pretensão
de esgotar as questões levantadas. Por esse viés, deixamos aqui alguns questionamentos que
surgiram no decorrer do trabalho:
(1) Por que, diante de toda a literatura existente, há um desconhecimento acerca do
que se constitui num trabalho articulado com os diferentes eixos de linguagem (leitura,
escrita, oralidade e análise linguística)? O que tem se ensinado em termos dessas práticas de
linguagem nos cursos de graduação em Letras?
(2) Se, nos anos iniciais do ensino fundamental, o ensino da produção de textos é
normalmente ministrado por graduados em Pedagogia, como os eixos de linguagem têm sido
discutidos no currículo desse curso?
(4) Que relação (in)existe entre currículo oficial e currículo vivido em aulas de
português no ensino médio da rede pública de Pernambuco?
(5) Que elementos estão implicados na ideia de que a formação do aluno como leitor é
responsabilidade do próprio aluno? Por que há professores de português que não se veem nem
agem como mediadores da formação do aluno-leitor?
(6) Que fatores contribuíram para que as diferentes vozes que emergiram no discurso
dos alunos por ocasião dos debates desaparecessem nos textos argumentativos escritos?
Imaginamos que não sejam questões simples de serem respondidas, mas consideramos
que sejam passíveis de investigação.
Esperamos ao término (diríamos parcial) desta pesquisa que tenhamos conseguido
alcançar ao menos alguns objetivos: contribuir com os estudos sobre as condições de
produção de texto argumentativo em nossas instituições de ensino; possibilitar reflexões sobre
a relação ensino-aprendizagem desse texto; chamar a atenção dos atores envolvidos nesse
processo de ensino para uma possível análise de práticas pedagógicas desenvolvidas em torno
177
desse tema e para a consciência de que argumentar, como ação de linguagem, pressupõe uma
relação dialógica.
178
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Izidoro Blikstein. São Paulo: Editora Cultrix, 2006.
SCHNEUWLY, B.& DOLZ. J. Gêneros orais e escritos na escola. 2ª ed. São Paulo: Mercado
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_____. Ensino de Língua Portuguesa: uma abordagem pragmática. 11ª ed. São Paulo:
Papirus, 2010.
XAVIER, A. C. dos S. Como fazer e apresentar trabalhos científicos. 1ª ed. Recife: Rêspel,
2010.
185
APÊNDICE
8 Se mencionar que trabalhou com o 3º ano, perguntar sobre o fato de ter sido professor
dessa turma em 2010, ministrando aula de LP
186
ANEXO 1: ATIVIDADE DAS AULAS Nº O1 E 02 DA PROFESSORA A
Turma: 3º ano do EM A
Data: 03/05/2011
Meia comprida
Não quer mais sapato baixo
Vestido bem cintado
Não quer mais vestir timão...
Ela só quer
Só pensa em namorar
Ela só quer
Só pensa em namorar...
187
Não tem um só remédio
Em toda medicina...
Questões
1. Qual região Luiz Gonzaga retrata nessa música e em outras tantas de sua autoria? Por
quê?
2. O que, provavelmente, Luiz Gonzaga quis dizer com os quatro primeiros versos?
3. Segundo Luiz Gonzaga, qual é o sinal que uma menina está apaixonada? Você
concorda com ele?
4. Havia diferença nas meninas antes e depois de se apaixonar? Cite algumas dessas
diferenças na música.
5. Por que o pai pensou que a menina estava adoentada? A paixão pode adoecer?
Explique.
6. Segundo o médico na música, “...que pra tal menina não há um só remédio em toda
medicina”. E você, acha que tem remédio? Justifique.
7. Retire do texto um período simples.
8. Retire do texto dois períodos compostos.
9. Existe no texto:
a) Uma conjunção coordenativa, encontre-a, copie a frase e classifique a conjunção.
b) Um pronome oblíquo, encontre-o, copie e classifique segundo a colocação
pronominal.
c) Verbos no infinitivo, gerúndio e particípio. Encontre-os e coloque-os separadamente
por forma nominal a qual pertencem.
188
ANEXO 2: REGISTRO ESCRITO – AULAS Nº 04 E 05 DA PROFESSORA A
Transcrição da anotação colocada no quadro pela Professora A
Turma: 3º ano do EM A
Data: 16/05/2011
189
ANEXO 3: TEXTO DAS AULAS Nº 05 E 06 DA PROFESSORA A
Transcrição da atividade colocada no quadro pela Professora A
Turma: 3º ano do EM A
Data: 18/05/2011
AUTOPSICOGRAFIA
(Fernando Pessoa)
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é do
A dor que deveras sente.
190
ANEXO 4: TEXTOS PRODUZIDOS POR ALGUMAS EQUIPES NA AULA DO DIA
17/05/2012 – PROFESSORA B
CONTEÚDO DA AULA: PRODUÇÃO DE RESENHAS
Resenha 1 – Turma B
191
Resenha 2 – Turma B
192
193
ANEXO 5: TEXTO 1 UTILIZADO COMO SUPORTE PARA A INTRODUÇÃO DO
TEMA PRECONCEITO LINGUÍSTICO – AULAS Nº 07 E 08 DA PROFESSORA B
Data: 25/05/2012
O Novo Caipira
Chico Graziano
Monteiro Lobato deve estar chateado. O grande escritor, com certeza, não imaginou
que seu personagem mais famoso, o Jeca-Tatu, pudesse servir ao preconceito contra o campo.
Pior, provocar a mistificação rural.
Consagrado nas páginas de estórias escritas há 90 anos, o caipira do Vale do Paraíba
inspirava um sentimento generoso, uma forma de Lobato homenagear o homem rural,
valorizando, como escreveu certa vez, os silenciados da história.
O personagem de livros infantis transmitia bondade, pouco letrado, porém astuto, sem
riquezas, mas cheio de felicidade. Sua ingenuidade peculiar sensibilizou crianças e adultos,
permitindo iluminar o ser humano na atividade rural. Nobre caráter.
Mais tarde, chegou o cinema. E o cândido Jeca-Tatu acabou caricaturado na
interpretação do famoso Mazzaropi. Foi quando inventaram o chapéu de palha desfiado, a
calça de pernas curtas mostrando a botina desbocada. A imagem cinematográfica desvirtuou o
sentido simbólico construído por Monteiro Lobato. O caipira virou gozação.
Nessa época, anos 60, iniciou o fortíssimo ciclo da urbanização brasileira, em
simbiose com a industrialização, ambas alimentadas pelo tremendo êxodo rural. Em pouco
tempo, como nunca se imaginara, o pais passou de rural para urbano, arrebentando o mundo
caboclo.
Talvez a rapidez desse processo tenha estimulado um viés na cultura urbana,
exacerbando sua pretensão modernizadora. O fato é que os citadinos, mesmo sem querer,
passaram a olhar os agricultores como quem "ficou para traz" na corrida do progresso. O
campo passou a representar o atraso.
Quando as festas juninas começaram a ser dominada pelos representantes da cidade,
aconteceu a deformação maior: juntaram a caricatura do caipira com o folclore nacional. Os
festejos, nascidos no Nordeste com o bumba-meu-boi do século XVIII, aqui no Sudeste
incorporaram elementos depreciativos, carregados de preconceito.
Afinal, o que podem significar a roupa cheia de remendos fingidos, aquelas sardas
esquisitas nas faces das meninas e, Deus do céu, o dentinho pintado de preto nas crianças,
justo na frente, para parecer banguela.
Essa imagem deformada da gente da roca induz crianças e jovens, especialmente, a
acreditar que os homens do campo são malvestidos, sujos, desdentados, atrasados. A
trancinha que se bota no cabelo das meninas ate que e simpática. O conjunto parece bonitinho.
Esconde, todavia, um terrível engano, ajudando a turvar a realidade. Essa mania
urbanoide de rotular as mulheres e os homens rurais como caipiras bregas provoca
sentimentos chauvinistas, desagregadores. Alguém já perguntou para um agricultor o que ele
acha desse negocio de vestir calca pula-brejo?
Ocorre um enorme equivoco quando se supõe que as festas caipiras tipo Jeca-Tatu
fazem parte do folclore popular. Nada a ver. Folclore significa conhecimento popular,
tradição, patrimônio cultural. Só pode ser folclore aquilo que brota da criatividade, da
manifestação espontânea de um povo.
Estória romanesca não é folclore, pois neste inexiste identificação de autoria. Sem anonimato
não ha cultura popular, como são as lendas, as crendices, as danças regionais, o artesanato.
194
Cantiga de roda, por certo, pertence ao folclore nacional, tanto quanto os rituais
festivos que reverenciam Santo Antônio, São João e São Pedro, com seus mastros pintados.
Isso tudo é lindo. Horrível ficou a mistura do preconceito urbano, recente, com a graça
popular, antiga.
Apos décadas de esquecimento, a agropecuária dos pais passa por um processo de
revalorização, quase um redescobrimento. Com certeza, a crise das metrópoles, atoladas na
criminalidade, sujas pela poluição e perdidas no caos do transito, induz ao olhar distante,
idílico que seja rumo ao interior. As coisas mais simples da vida, como conversar na calcada
da rua ou olhar as estrelas do céu, provocam ciumentas fissuras na dureza da mente urbana.
Por outro lado, há anos do campo brotam boas noticias: recordes de safras,
exportações aquecidas, supremacia no crescimento econômico, empregos, divisas fartas.
Felizmente, a modernização superou, a duras penas, o sistema latifundiário do Brasil, gerando
um modelo tropical de agricultura, capaz de obter elevadas produtividades, garantir
sustentabilidade e competir no mercado internacional.
Falta muito, é verdade, para se afirmar que a agricultura rompeu com o atraso.
Injustiças ainda permeiam pelos campos, exigindo politicas de inclusão produtiva e social. Ha
que se reduzirem as desigualdades.
O futuro, porém, supera o passado. Empresários rurais substituem a velha oligarquia.
Agricultores familiares se organizam, investem em tecnologia e começam a sair, eles também,
da pobreza secular. Forma-se alhures grupos de pequenos empreendedores, gente olhando
para frente, confiante na sua sorte.
Não vê quem não quer. No interior do Brasil surge um novo caipira. Pode falar puxado
no erre, mas não se inferior com quem sibila o esse. Caipira, sim, mas estudado, bonito,
vivendo com qualidade de vida.
Lembre-se disso, principalmente se estiver pensando, na próxima festa junina, em
vestir um chapéu desfiado daqueles que o presidente Lula ostentou noutro dia. Esqueça o
adereço. Tome seu quentão, dance quadrilha, curta o foguetório, mas reverencie o campo,
valorizando-o ao invés de estimular as diferenças.
E se encontrar alguma criança com dentinho pintado de preto, denuncie: preconceito é
crime constitucional.
195