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A PRODUÇÃO ESCRITA DE TEXTOS ARGUMENTATIVOS:

REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE E APRENDIZAGEM DE ALUNOS


ALBANEIDE DE SOUZA CAMPOS

A PRODUÇÃO ESCRITA DE TEXTOS ARGUMENTATIVOS:


REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE E APRENDIZAGEM DE ALUNOS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em


Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação
do Centro de Educação da Universidade Federal de
Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª Drª Lívia Suassuna

RECIFE
2012
Catalogação na fonte
Bibliotecária Katia Tavares, CRB-4/1431

C198p Campos, Albaneide de Souza.


A produção escrita de textos argumentativos: reflexões sobre a
prática docente e aprendizagem dos alunos / Albaneide de Souza
Campos. – Recife: O autor, 2012.
195 f.: il, 30 cm.

Orientador: Lívia Suassuna.


Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco,
CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2012.
Inclui Referências e Apêndices.

I. Prática de ensino. 2. Produção de textos. 3. Texto escrito


Argumentativo. 4. UFPE – Pós-graduação. I. Suassuna, Lívia. II.
Título.

370.7 CDD (22. ed.) UFPE (CE2013-25)


UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A PRODUÇÃO ESCRITA DE TEXTOS ARGUMENTATIVOS: REFLEXÕES

SOBRE PRÁTICA DOCENTE E APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

COMISSÃO EXAMINADORA

_________________________________________________
Profª. Drª. Lívia Suassuna
1º Examinadora/Presidente

_________________________________________________
Profª. Drª. Ivanda Maria Martins Silva
2º Examinadora

_________________________________________________
Profª. Drª. Maria Lúcia Ferreira de Figueiredo Barbosa
3º Examinadora

RECIFE, 01 de junho de 2012.


Saber argumentar não é um luxo, mas uma
necessidade. Não saber argumentar não seria,
aliás, uma das grandes causas recorrentes da
desigualdade cultural, que se sobrepõe às
tradicionais desigualdades sociais e
econômicas, reforçando-as? [...] Uma
sociedade que não propõe a todos os seus
membros os meios para serem cidadãos, isto é,
para terem uma verdadeira competência ao
tomar a palavra, seria verdadeiramente
democrática?

(BRETON, 2003)
AGRADECIMENTOS

A Deus, meu Pai.

A meu marido, Geziel Campos, e a minha filha, Carol,


pelo cuidado, pela paciência e compreensão nos momentos de minha ausência e de meus
aperreios.

À Profª Drª Lívia Suassuna,


que, para além da orientação, é uma profissional ímpar.

A meus pais, Nino e Luíza, por me ensinarem a buscar conhecimento.

Às minhas sobrinhas agregadas,


Ana Luíza, Jéssica, Natália e Andréa, que me ajudaram de forma particular.

A meus irmãos e, em especial, a Maria Albênia,


minha segunda mãe.

Aos amigos da Secretaria de Educação de Camaragibe,


que sempre dividiram comigo a responsabilidade da administração pública.

A Leide, Claudemir e Fátima Honorato,


meus irmãos e incentivadores, especialmente, nos momentos mais difíceis.

A todos os professores da Rede Pública Estadual de Pernambuco que, gentilmente,


permitiram a minha inserção no campo de pesquisa.

Às Profªs Drªs Maria Lúcia Figueirêdo Barbosa e Ivanda Martins Silva,


pela gentileza de participarem da minha banca de defesa.
RESUMO

Este estudo teve por finalidade analisar práticas de ensino de produção de textos
argumentativos escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias
argumentativas mobilizadas pelos alunos. Nesse sentido, buscou identificar as concepções de
língua, texto e argumentação que fundamentavam a prática de professores de português;
analisar as situações didáticas em que eram propostas as produções de texto e analisar as
produções dos alunos, verificando as estratégias argumentativas mobilizadas por eles. Para
tanto, desenvolvemos uma pesquisa de campo com duas professoras que atuavam em duas
diferentes escolas da rede pública estadual do município de Camaragibe (PE) em turmas de 3º
ano do ensino médio regular. Da mesma forma, analisamos os textos produzidos pelos
estudantes dessas turmas. Nossos instrumentos de coleta de dados foram a entrevista
semiestruturada, a observação participante e a análise documental. No nosso referencial
teórico, apoiamo-nos na concepção de língua como prática sócio-histórica (BAKHTIN,
2010); de texto como unidade linguística sociocomunicativa e produto da atividade verbal
(MARCUSCHI, 2009; VAL, 2006; BRONCKART, 2007, MAINGUENEAU, 2005); de
gêneros textuais como produtos da atividade de linguagem em funcionamento (BAZERMAN,
2011; MARCUSCHI, 2009; SUASSUNA, 2004). De igual modo, adotamos os conceitos de
argumentação como ação de linguagem que possibilita aos sujeitos maior inserção social,
tendo por base as considerações de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Gregolin (1993),
Breton (2003). Ainda nos respaldamos em Suassuna (2008, 2009), Geraldi (2004, 2009),
Pécora (2002), Leal e Morais (2006) e Antunes (2003) para lidarmos com questões que
envolviam as situações didáticas de produção de texto e as novas perspectivas metodológicas
para o ensino de língua portuguesa. No que se refere aos aspectos metodológicos, fizemos
uma abordagem qualitativa e etnográfica com base nas considerações de André (2008) e
Lopes (2006). Para a análise dos dados, valemo-nos do paradigma indiciário (GINZBURG
apud SUASSUNA, 2004, 2008a). Em linhas gerais, os resultados indicaram que: (1) o texto
tem ocupado um lugar de destaque nas aulas de português, mas a sua inserção tem sido
equivocada; (2) alguns professores se apropriaram do discurso sobre um sistemático trabalho
com gêneros textuais com vistas ao desenvolvimento de habilidades linguísticas e discursivas
dos alunos, mas não têm conseguido efetivar uma prática diferenciada, de modo a atender à
nova proposta para o ensino de língua portuguesa; (3) as situações de produção de texto
argumentativo distanciam-se das finalidades propostas no currículo para o ensino-
aprendizagem desse gênero, de forma a não favorecer significativamente o desenvolvimento
das habilidades argumentativas escritas dos alunos; (4) situações artificiais de produção de
texto conduzem a produções igualmente artificiais; (5) em virtude da ausência de reflexão
sobre os aspectos linguístico-discursivos implicados nos textos, os alunos desconheciam as
especificidades dos gêneros que lhes foram solicitados a escrever; (6) diferentes sujeitos
expostos às mesmas condições de produção escolar de texto se constituem quase que em
sujeitos semelhantes na elaboração de seus textos: atendem ao discurso da escola, ainda que
semanticamente as suas produções possam ser consideradas como vazias de sentidos.

PALAVRAS-CHAVE: Texto. Ensino da produção de textos; Argumentação; Texto escrito


argumentativo.

5
ABSTRACT

This study aimed to examine teaching practices of producing argumentative texts written and
determine possible relationships between these practices and the argumentative strategies
deployed by the students. Accordingly, we sought to identify the conceptions of language,
text and arguments underpinning the practice of Portuguese teachers; analyze teaching
situations in which the productions were proposed text and analyze students' productions,
checking the argumentative strategies deployed by them. We develop a field study with two
teachers who worked in two different schools in the public schools of the city of Camaragibe
(PE) classes in 3rd year high school regular. Similarly, we analyze the texts produced by the
students of these classes. Our instruments for data collection were semi-structured interview,
participant observation and document analysis. In our theoretical framework, we rely on the
concept of language as a socio-historical practice (BAKHTIN, 2010); text as linguistic unity
and sociocomunicativa product of verbal activity (MARCUSCHI, 2009; VAL, 2006;
BRONCKART, 2007, MAINGUENEAU, 2005 ) of textual genres as products of language
activity in operation (BAZERMAN, 2011; MARCUSCHI, 2009; SUASSUNA, 2004).
Similarly, we adopt the concepts of argument as action language that allows individuals
greater social inclusion, based on considerations of Perelman and Olbrechts-Tyteca (2005),
Gregolin (1993), Breton (2003). Although the study was supported in Suassuna (2008, 2009),
Geraldi (2004, 2009), Pécora (2002), Leal and Morais (2006) and Antunes (2003) to deal with
issues involving the production of didactic situations and new text methodological
perspectives to the teaching of the Portuguese language. With regard to methodological
aspects, we made a qualitative and ethnographic approach based on considerations of Andrew
(2008) and Lopes (2006). For data analysis, we used the evidential paradigm (SUASSUNA
apud GINZBURG, 2004, 2008a). In general, the results indicated that: (1) the text has
occupied a prominent place in the Portuguese classes, but their inclusion has been wrong, (2)
some teachers appropriated the discourse on a systematic work with text genres with views
the development of linguistic and discursive skills of students, but have been unable to effect
a differentiated practice in order to meet the new proposal for the teaching of Portuguese
language, (3) the production situations of argumentative text aims distance themselves from
proposals the curriculum for the teaching and learning of this kind, so as not to significantly
promote the development of argumentative writing skills of students, (4) artificial situations
of text production also lead to artificial productions, (5) because of the lack of reflection on
aspects involved in linguistic-discursive texts, the students were unaware of the specific
genres they were asked to write; (6) different individuals exposed to the same conditions of
production school text constitute almost similar in subjects in preparing their texts: attending
the school discourse, albeit semantically their production can be regarded as empty of
meaning.

KEYWORDS: Text. Teaching text production; Argumentation; Writing argumentative text.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 09

CAPÍTULO 1 - REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................ 15


1.1 Concepção de língua .....................................................................................................15
1.1.1 A língua para Saussure .............................................................................................. 16
1.1.2 A língua na visão de Chomsky .................................................................................. 17
1.1.3 A língua na perspectiva de Bakhtin ...........................................................................19
1.2 Concepção de língua e ensino de português .................................................................21
1.3 Concepção de texto, tipo e gênero textual ....................................................................26
1.4 O texto como objeto de ensino nas aulas de português ................................................ 30
1.5 Gêneros textuais como instrumentos de aprendizagem da produção escrita ................ 32
1.6 Contextos de produção de texto: reflexões sobre o ensino da produção textual ..........38
1.6.1 Fatores que interferem na lógica interna e externa do texto ......................................43
1.7 Argumentação: breve histórico e conceito ...................................................................48
1.8 O texto argumentativo ..................................................................................................54
1.8.1 A dissertação argumentativa ....................................................................................... 57
1.9 A escrita de textos argumentativos: reflexões a partir do que se ensina na escola .......60

CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA ................................................................................. 66


2.1 Paradigmas metodológicos adotados na pesquisa ........................................................ 67
2.2 Métodos e instrumentos de coleta de dados ............................................................................ 73
2.2.1 Entrevista ................................................................................................................... 74
2.2.2 Observação ................................................................................................................ 76
2.2.3 Análise documental ...................................................................................................79
2.3 Caracterização das etapas e critérios para a escolha dos sujeitos/campos de pesquisa 81

CAPÍTULO 3 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ...........................................87


3.1 As entrevistas semiestruturadas .................................................................................... 87
3.2 As aulas observadas: situando o leitor ..........................................................................95
3.2 1 As aulas observadas da professora A ........................................................................97
3.2 2 As aulas observadas da professora B .........................................................................111
3.3. Análise documental: os textos dos alunos ...................................................................127
3.3.1 Análise dos textos do 3º ano A ................................................................................... 128
3.3.2 Análise dos textos do 3º ano B .................................................................................. 148

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 169

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................179

APÊNDICE ........................................................................................................................ 186

ANEXOS ............................................................................................................................ 187

8
INTRODUÇÃO

As discussões sobre o ensino de produção de texto não são novas, sobretudo, porque,
com o desenvolvimento de pesquisas na área das ciências da linguagem − como a Linguística
Textual, a Análise do Discurso, a Pragmática, a Sociolinguística − e em virtude do que se
chamou virada pragmática, o texto vem sendo posto ou proposto como objeto central no
ensino de língua portuguesa.
Publicações como a de Marcuschi (Linguística de Texto: o que é e como se faz?, 2003
[1983]) e a de Geraldi (O texto na sala de aula, 2004 [1984]) se destacam por abordarem,
respectivamente, o texto como unidade linguística superior à frase e como ponto de partida no
ensino de língua. Nesta última obra, considera-se o texto sob diversos aspectos e se
apresentam novas possibilidades de desenvolvimento de um trabalho amplo em linguagem,
inclusive através de ações voltadas para a oralidade, a leitura, a escrita e a análise linguística1.
Considerando ainda a existência de diversos outros estudos que colocam o texto nessa
perspectiva, podemos afirmar que dispomos de vasta literatura que trata da inserção do texto
na sala de aula e, por consequência, apontam novas perspectivas para o ensino de português.
Essa literatura abrange não somente resultados de estudos empíricos diversos, como também
propostas curriculares que norteiam o ensino de língua materna em nosso país. Como
exemplo, podemos mencionar os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
para o Ensino Médio - PCNEM (BRASIL, 1999) e os PCN+ (BRASIL, 2002). O primeiro
documento explicita que o ensino de português deve ter por fundamento a língua como
interação e que, dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem deve pressupor uma visão
sobre o que seja a linguagem verbal. Esta, por sua vez, é caracterizada como um construto
humano e histórico de um sistema linguístico e comunicativo cuja unidade básica é o texto.
Mais especificamente em nosso estado (PE), dispomos de dois documentos oficiais
que orientam o currículo básico para o ensino de língua portuguesa − a Base Curricular
Comum para as Redes Públicas de Ensino de Pernambuco/BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008)
e as Orientações Teórico-Metodológicas para os Ensinos Fundamental e Médio/Língua
Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008a; 2008b) – e que também situam o texto como centro do
ensino de português. Dessa forma, temos:
1
De acordo com Geraldi (2004), a análise linguística corresponde a uma nova proposta de trabalho que abrange
tanto questões tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do texto.
9
Toda língua somente se atualiza sob a forma de textos, que se manifestam
para além da palavra ou da frase isoladas, de onde se pode concluir que, no
estudo do Português, as atividades de fala, de escuta, de leitura e de escrita
de textos devam constituir o eixo da prática pedagógica, até porque essas
atividades constituem também habilidades fundamentais no estudo de
qualquer domínio do saber. (PERNAMBUCO, 2008a, p. 69).

De igual modo, as Orientações Teórico-Metodológicas para o Ensino Médio/Língua


Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008b, p. 6) registram:

As orientações teórico-metodológicas da prática pedagógica do professor de


Língua Portuguesa são voltadas para a formação de estudantes nos contextos
de interação autor-texto-leitor e nas práticas socioculturais contemporâneas
de usos da escrita. Através da linguagem como uma atividade de interação
social, os interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros textuais,
expressando e criando os sentidos que marcam as identidades individuais e
sociais de uma comunidade determinada. Sob essa ótica, tais orientações são
vistas como referenciais estruturadores das práticas de ensino da leitura e da
escrita pautadas por eixos e por objetivos. (Grifo nosso)

Nessa mesma linha de abordagem do texto, há inúmeras pesquisas e documentos


curriculares que versam especificamente sobre o ensino da produção escrita e, num enfoque
mais restrito, sobre o ensino da argumentação, apontando essa competência como um aspecto
fundamentalmente inerente às ações de linguagem.
É assim que temos os estudos de Pécora (2003) e Val (2006), autores que lidam
diretamente com elementos da argumentação e da textualidade em textos dissertativos
produzidos por sujeitos em contextos de vestibular. A pesquisa do primeiro estudioso
pretendeu demonstrar que os problemas de redação escolar constituem, sobretudo, os efeitos
da cristalização de uma atitude que retira a escrita da linguagem e esta, do mundo e da ação
intersubjetiva.
No estudo de Val (2006), por sua vez, foi observado que as redações dos vestibulandos
apresentavam deficiências que se situavam na estrutura lógico-semântico-cognitiva subjacente
aos textos.
Temos ainda estudos empíricos de Leal e Morais (2006) que tratam de aspectos da
argumentação escrita em textos de crianças. Esses autores, após a observação de situações de
produção em turmas dos anos iniciais do ensino fundamental e da análise dos textos desses
alunos, constataram que o que acontece na sala de aula no momento de produção interfere na
escrita dos produtores.

10
Numa situação semelhante, Souza (2003) desenvolveu um estudo longitudinal,
investigando o desenvolvimento da argumentação escrita com crianças que estavam em fase
de alfabetização (primeiro ano do ensino fundamental). A autora evidenciou que a produção
de textos de opinião, na escola, depende de um conjunto de fatores implicados nos contextos
de produção e não apenas de uma instrução escrita desvinculada de um trabalho anterior.
Temos ainda a pesquisa de Viana Filho (2006), que investigou elementos da
referenciação em textos dissertativos de estudantes de 3º ano do ensino médio, tendo como
resultado a produção de textos marcados pela descontinuidade textual e pela presença de frases
soltas. De acordo com esse pesquisador, fatores como coesão e coerência pouco se faziam
presentes nos textos, embora nem sempre comprometessem a textualidade das produções.
Contudo, ao realizarmos um levantamento bibliográfico acerca do ensino da
argumentação e sua possível relação com os textos elaborados por alunos em situações de
produção escolar na última etapa da escolaridade básica (3º ano do ensino médio), pouco
material foi encontrado. Não estamos nos referindo a pesquisas desenvolvidas por meio da
realização de sequências didáticas com textos argumentativos sugeridas ou propostas por
pesquisadores, mas àquelas que professores de língua portuguesa, pensando na argumentação
como prática de linguagem, desenvolveram no cotidiano de suas salas de aula.
Somando-se a isso, a nossa experiência docente com alunos dos últimos anos do
ensino médio e com alunos universitários nos revelou que as produções de textos
argumentativos (especialmente dissertações argumentativas e resenhas) apresentavam vários
problemas que diziam respeito não só a questões linguísticas (domínio do código escrito,
pontuação, acentuação), mas, sobretudo, a aspectos discursivos (dificuldade dos estudantes de
se posicionarem diante de um tema, de justificarem suas escolhas, de adequarem as suas
estratégias discursivas ao gênero proposto e às intenções de comunicação nele implicadas).
Desse modo, sustentando-nos em alguns princípios da argumentação, tais como, (1) a
argumentação é dialógica; (2) é preciso alguma qualidade para tomar a palavrar e ser ouvido;
(3) o objetivo de toda argumentação é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses
que apresentam a seu assentimento (PERELMAN e OLBRECTHS-TYTECA, 2005),
compreendíamos que existia alguma lacuna no ensino da argumentação nas nossas unidades
de ensino, mais especificamente: no ensino da argumentação escrita.
Tomando em conta esses pressupostos e apoiando-nos na argumentação como uma
ação linguística fundamental inerente a qualquer texto (GREGOLIN, 1993), justificamos a

11
nossa decisão por estudar aspectos relacionados à produção escrita de textos argumentativos
em contextos escolares de produção. Acreditamos na necessidade de aprofundamento teórico
sobre o ensino de textos argumentativos, bem como sobre um trabalho sistemático com esse
gênero em nossas salas de aula.
Nesse caminho, propusemo-nos a investigar práticas de professores de língua
portuguesa no que se refere ao eixo produção de textos argumentativos, verificando as
possíveis relações entre as metodologias adotadas e os textos elaborados pelos seus alunos.
Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa etnográfica com duas professoras que atuam em
duas diferentes escolas da rede pública estadual de Pernambuco, no município de Camaragibe
(PE) em turmas de 3º ano do ensino médio regular. Nossos instrumentos de coleta de dados
foram a entrevista semiestruturada, a observação participante e a análise documental.
Partimos das hipóteses iniciais de que professores de língua portuguesa julgam a
argumentação como um importante ato de linguagem, mas, em suas práticas, não conseguem
se desvincular de um ensino de produção de textos com base nos aspectos estritamente
formais. De igual modo, supomos que não seja frequente nas salas de aula um trabalho mais
sistemático sobre a atividade de produção de textos e de textos argumentativos.
Mediante o exposto, nosso estudo buscou responder basicamente a uma questão: o
ensino da argumentação escrita tem proporcionado o desenvolvimento de habilidades
argumentativas?
Dessa forma, tentando responder à nossa pergunta de pesquisa, elencamos os seguintes
objetivos:
1. Geral:
1.1 Analisar práticas de ensino de produção de textos argumentativos escritos e
verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias argumentativas utilizadas
pelos alunos;
2. Específicos:
2.1 Identificar as concepções de língua, texto e argumentação que fundamentam a
prática de professores de português;
2.2 Analisar as situações didáticas em que são propostas as produções de texto, tendo
por base:
a) os gêneros textuais trabalhados;
b) os objetivos traçados para as aulas;

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c) os conteúdos privilegiados pelas docentes;
d) a relação entre as atividades propostas e as atuais orientações para o ensino de
produção de textos.
2.3 Analisar as produções dos alunos, verificando as estratégias argumentativas
mobilizadas por eles na produção desses textos. Para isso, observamos se os textos:
a) apresentavam ponto de vista claro;
b) se os autores se posicionavam com vistas a um interlocutor real/virtual;

No nosso referencial teórico, adotamos a concepção de língua como prática sócio-


histórica (BAKHTIN, 2010); de texto como unidade linguística sociocomunicativa e produto
da atividade verbal (MARCUSCHI, 2009; VAL, 2006; BRONCKART, 2007,
MAINGUENEAU, 2005); de gêneros textuais como produtos da atividade de linguagem em
funcionamento (BAZERMAN, 2011; MARCUSCHI, 2009; SUASSUNA, 2004). De igual
modo, adotamos os conceitos de argumentação como ação de linguagem que possibilita aos
sujeitos maior inserção social, tendo por base as considerações de Perelman e Olbrechts-
Tyteca (2005), Gregolin (1993), Breton (2003). Ainda nos respaldamos em Suassuna (2008,
2009), Geraldi (2004, 2009), Pécora (2002), Leal e Morais (2006) e Antunes (2003) para
lidarmos com questões que envolviam as situações didáticas de produção de texto e as novas
perspectivas metodológicas para o ensino de língua portuguesa.
No que se refere aos aspectos metodológicos, fizemos uma abordagem qualitativa e
etnográfica com base nas considerações de André (2008) e Lopes (2006). Para a análise dos
dados, valemo-nos do paradigma indiciário (GINZBURG apud SUASSUNA, 2004, 2008a).
Por esses termos, no primeiro capítulo apresentamos aspectos teóricos que
fundamentaram nosso estudo em termos de concepções de língua, texto, tipo e gênero textual
e suas relações com o ensino de português. No mesmo direcionamento, discorremos sobre
aspectos referentes aos contextos de produção de texto e a fatores que interferem na produção
textual. Por fim, ainda nesse capítulo, fizemos uma exposição sobre argumentação, texto
argumentativo e texto dissertativo-argumentativo.
O segundo capítulo foi destinado ao detalhamento do percurso metodológico de nossa
pesquisa. Nele estão definidos os paradigmas metodológicos adotados e suas respectivas
justificativas, os métodos e instrumentos de coleta de dados, assim como, as explicações sobre
as etapas e os critérios para a escolha dos sujeitos e dos campos de pesquisa. Estão

13
explicitados também os critérios de análise adotados em função de cada objetivo delineado
para o estudo.
No terceiro capítulo, apresentamos a análise e a discussão dos dados levantados,
fundamentando-nos nos paradigmas adotados e nos critérios de análise definidos. De uma
forma geral, buscamos compreender o cotidiano das aulas de língua portuguesa, por meio das
concepções e das práticas apresentadas pelas professoras envolvidas neste trabalho,
verificando as possíveis relações entre o ensino e a aprendizagem da produção escrita
argumentativa.
Nas nossas considerações finais, expomos as nossas principais impressões acerca do
ensino-aprendizagem da produção de textos escritos argumentativos, apontando alguns
possíveis caminhos a serem percorridos no ensino de língua materna com vistas ao
desenvolvimento da competência argumentativa de nossos educandos. Ainda, sem fechar as
nossas conclusões nem generalizá-las, deixamos também registrados mais alguns
questionamentos que emergiram no decorrer desta pesquisa e que poderão ser objeto (quem
sabe) de outros estudos desdobrados a partir deste.

14
1 REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo focaliza teoricamente o eixo principal do nosso trabalho – a produção


escrita de textos argumentativos. Para tanto, o mesmo está dividido nos seguintes tópicos: (1)
concepção de língua; (2) concepção de língua e ensino de português; (3) concepção de texto,
tipo e gênero textual; (4) o texto como objeto de ensino nas aulas de português; (5) gêneros
textuais como instrumentos de aprendizagem da produção escrita; (6) contextos de produção
de texto; (7) argumentação (histórico e conceito); (8) o texto argumentativo; (9) a dissertação
argumentativa; (10) a escrita de textos argumentativos.
As teorias por ora apresentadas servirão de base para nortear as discussões sobre a
mediação docente e a escrita dos alunos, o que será feito no capítulo 3 desta pesquisa.
No tópico que segue, trataremos de algumas concepções de língua e, a partir dessa
discussão, indicaremos aquela que orientará o nosso trabalho.

1.1 Concepções de língua

Refletir sobre as concepções de língua num estudo que lida diretamente com o ensino
da produção escrita de textos implica muitas questões, dentre as quais a de reconhecer que
toda e qualquer opção metodológica de ensino ancora-se numa forma de percepção da língua
(ANTUNES, 2003; GERALDI, 2004), e de igual modo, admitir que a forma como
percebemos a língua se correlaciona à maneira como compreendemos e desenvolvemos o
trabalho com textos em sala de aula.
Nesse sentido, apoiando-nos nos estudos das ciências da linguagem (especificamente
da linguística histórica e da linguística aplicada) é que trouxemos ao nosso trabalho algumas
contribuições de Saussure, Chomsky e Bakhtin, por julgarmos que as teorias desses linguistas
influenciaram mais fortemente o ensino de língua portuguesa, seja por causa do foco na língua
como estrutura ou na língua como elemento de interação social.

15
1.1.1 A língua para Saussure

Estudiosos da história da linguística costumam apresentar Ferdinand de Saussure


como o fundador da linguística científica. Isso porque, antes da divulgação de suas pesquisas,
no Cours de linguistique générale (1916), obra póstuma, a linguística era marcada por estudos
cujo foco era a análise dos aspectos fonético-fonológicos e morfológicos das línguas, numa
abordagem comparativa e histórica.
De acordo com Faraco (2005), o método comparativo estabelecia uma série de blocos
de correspondência entre línguas e subfamílias de línguas. Foi por meio dele que se instituiu o
parentesco entre línguas; o pressuposto básico dessa corrente era a ideia de que, entre
elementos gramaticais de línguas aparentadas, existiam correspondências sistemáticas. Suas
análises, contudo, eram restritas a comparações entre diferentes línguas, na tentativa de
classificá-las segundo as semelhanças que existiam entre elas.
Com o objetivo de atribuir aos estudos da linguagem a característica de ciência
autônoma, Saussure procurou definir um objeto de estudos propriamente linguístico.
Nesse sentido, em relação à língua, encontramos em Saussure (2006, p. 22):

Ela é um objeto bem definido no conjunto heteróclito dos fatos de


linguagem. Pode-se localizá-la na porção determinada do circuito em que
uma imagem auditiva vem associar-se a um conceito. Ela é a parte social da
linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem
modificá-la; ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato
estabelecido entre os membros da comunidade. [...] A língua é uma coisa de
tal modo distinta que um homem privado do uso da fala conserva a língua,
contanto que compreenda os signos vocais que ouve. A língua, distinta da
fala, é um objeto que se pode estudar separadamente.

Percebemos que Saussure (2006) aborda a língua como um fato social, cuja existência
se constitui nas necessidades de comunicação, e a fala como realidade individual. Ao mesmo
tempo, trata a língua como um objeto abstrato, rejeitando as manifestações individuais.
Para ele, “a língua existe na coletividade sob forma de sinais depositados em cada
cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem
repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles, embora seja
comum a todos e independa da vontade dos depositários” (SAUSSURE, 2006, p. 27).
A concepção de língua apresentada por Saussure sugeria a eliminação de tudo o que
fosse estranho ao organismo, ao seu sistema. Defendia ele que os fatores externos à língua
16
associavam-se a ela, mas, na realidade, não a afetavam internamente. A língua, em Saussure,
é concebida, pois, como um sistema que conhece somente sua ordem própria; um sistema de
regras passíveis de descrição, formada por uma estrutura relacional distinta dos enunciados
reais. Essa concepção embasa o estruturalismo, trazendo a noção de estrutura (o todo
sistematizado em partes que apresentam uma dependência recíproca).
Para Saussure, todo falante absorveria as regularidades do léxico, da gramática e da
fonologia ao ser criado numa comunidade particular de fala e, nesse sentido, a preocupação
dos linguistas deveria ser a de estudar sobre essas regularidades da língua; o foco seria o
sistema linguístico.
Ao definir um objeto de investigação para a linguística, Saussure marcou de forma
significativa essa ciência. Entretanto, mesmo com a sua grande contribuição, a língua em
Saussure não situa o papel que o sujeito desempenha na língua, deixando-se de observar, por
exemplo, as funções que este assume no momento da interlocução.

1.1.2 A língua na visão de Chomsky

Outra concepção de língua que ganhou notório espaço nos estudos da linguística foi a
desenvolvida por Noam Chomsky. Esse estudioso defende que o conhecimento potencial e
inato que uma pessoa tem do sistema de regras de uma língua (denominado por ele
competência) deveria ser o objeto de estudo da linguística, e não o uso efetivo dessa língua
em situações reais (desempenho).
Em Chomsky (2008, p. 23), encontramos: “Podemos considerar que uma língua não é
outra coisa senão um estado da faculdade de linguagem”, uma faculdade mental inata,
geneticamente transmitida pela espécie, e não um fenômeno social. Nesse sentido, esse autor
atenta para a caracterização dos estados mentais correspondentes ao conhecimento gramatical
que todos os indivíduos normais têm. Seu interesse está em descobrir as realidades mentais
subjacentes ao modo como as pessoas usam a língua.
Chomsky acredita que não será possível chegar às regularidades próprias de cada
língua através da observação e, criticando o estruturalismo de Saussure, tenta mostrar que as
análises sintáticas da frase praticadas até então eram inadequadas em diversos aspectos,

17
especialmente porque deixavam de considerar a diferença entre os níveis superficial e
profundo da estrutura gramatical. Segundo ele, todas as línguas possuem uma estrutura
superficial, que representa a forma como as sentenças vão se materializar, e uma estrutura
profunda, que encerra o conteúdo semântico desta e forma o elemento gramatical básico que o
falante de uma língua possui.
Para Chomsky (2009, p. 68), “o conhecimento de uma língua implica a capacidade de
atribuir estruturas superficiais e profundas a um número infinito de sentenças, de relacionar
essas estruturas adequadamente”. Chomsky analisa, dessa forma, a sintaxe da língua
dissociada de outros aspectos e tenta comprovar a existência de algo anterior à língua; ele
chama a atenção para a capacidade que os falantes têm de produzir sentenças
independentemente do contexto de produção.

É a competência que ele aponta como seu objeto de estudo, e o ponto de


partida de seu modelo teórico foi a criatividade do falante, isto é, sua
capacidade inata de construir e interpretar um número infinito de enunciados
com base em um conjunto finito de unidades linguísticas. Baseado nessa
relação criatividade-enunciados, Chomsky afirmou que aquilo que havia de
realmente criativo na língua era sintático. (SUASSUNA, 2010, p. 73)

Oliveira (2005) também registra que, para Chomsky, a sintaxe funciona como um
sistema autônomo, ou seja, como uma máquina que origina sentenças bem formadas,
independentemente da semântica (e certamente da pragmática), com um modo de operar
característico.
De acordo com Chomsky, seria preciso apresentar um novo nível de estruturas
linguísticas que possibilitasse explicar todo o conjunto de sentenças da língua. Com esse
intuito, apresentou a noção das regras gerativo-transformacionais, por meio das quais as
sentenças podem ser relacionadas umas às outras; explicava-se, assim, como uma sentença
pode se converter ou transformar em outra. O autor confirma, pois, a ênfase no estudo dos
aspectos sintáticos da língua e, embora, reconheça o caráter histórico e social desta2, não o
considera objeto de estudo da linguística.
Em Marcuschi (2009, p. 36), encontramos que “o preço pago por Chomsky para
implantar essa perspectiva foi a eliminação dos estudos ligados à vida social da linguagem,

2
Em Chomsky (2009, p. 194), temos: Todavia, é igualmente claro que o uso real observado da linguagem – o
desempenho real – não reflete apenas as ligações intrínsecas de som-significado estabelecidas pelo sistema de
regras linguísticas. O desempenho envolve muitos outros fatores. [...] As crenças extralinguísticas acerca do
falante desempenham um papel fundamental na determinação de como a fala é produzida, identificada e
entendida.
18
isto é, a pragmática, a sociolinguística, a interação verbal, o discurso etc., ligados ao uso,
funcionamento ou desempenho linguístico.”
Nessa concepção de língua, considera-se a ação do sujeito à revelia do contexto.

1.1.3 A língua na perspectiva de Bakhtin

A terceira concepção de língua que ora apresentamos se constitui numa perspectiva


diferente das anteriormente apresentadas, especialmente, no que se refere ao modo como se
situa o papel do sujeito no desenvolvimento dos atos de linguagem. Estamos falando da
concepção de língua difundida, entre outros, por Mikhail Bakhtin, um pesquisador russo que,
nomeando o estruturalismo de Saussure de objetivismo abstrato, opôs-se a este.
Em Bakhtin3 (2010, p. 111), temos:

Para o objetivismo abstrato, a língua, como produto acabado, transmite-se de


geração a geração. [...] Configurando o sistema de língua e tratando as
línguas vivas como se fossem mortas e estrangeiras, o objetivismo abstrato
coloca a língua fora do fluxo da comunicação verbal.

Bakhtin (2010), assim como Saussure, define a língua como fato social, mas,
diferentemente dos estruturalistas que têm a língua como um sistema sincrônico e
homogêneo, e rejeitam as suas manifestações individuais, Bakhtin valoriza basicamente a
fala, a enunciação. Para esse linguista, a fala está indissoluvelmente ligada às condições da
comunicação, e estas por sua vez, ligam-se sempre às estruturas sociais.
Nesse sentido, Bakhtin (2011) afirma:
i. todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva; é a posição
ativa do falante nesse ou naquele campo do objeto e do sentido;
ii. só o contato do significado linguístico com a realidade concreta, só o contato
da língua com a realidade, o qual se dá no enunciado, gera o entendimento da
expressão: esta não existe nem no sistema da língua nem na realidade objetiva
existente fora de nós;

3
A 1ª edição de Marxismo e Filosofia da Linguagem data de 1929. Lidamos neste estudo com a 14ª edição
brasileira (2010).
19
iii. quando escolhemos as palavras no processo de construção de um enunciado,
nem de longe as tomamos sempre do sistema da língua em sua forma neutra,
lexicográfica; costumamos tirá-las de outros enunciados.
Desse modo, a forma linguística é percebida como um signo mutável, vivo e móvel,
que tem como centro organizador de toda enunciação o meio social que envolve o indivíduo.
Na visão desse estudioso, a língua não reside no pensamento do falante nem é um sistema
abstrato externo às condições sociais4, mas um trabalho desenvolvido conjuntamente pelos
interlocutores, uma atividade social.
Segundo Bakhtin,

Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na
corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham
nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. [...] Os
sujeitos não “adquirem” sua língua materna; é nela e por meio dela que
ocorre o primeiro despertar da consciência. (2010, p. 111)

É assim que seu conceito de língua tem a ver com o conceito de dialogismo, o qual
decorre do processo da interação verbal5 entre enunciador e enunciatário e constitui-se,
portanto, na observância da existência do outro dentro do processo de comunicação.
Para Bakhtin, a dialogicidade existe:
i. nas relações entre os textos e no interior de um texto;
ii. entre enunciados e enunciação;
iii. entre os gêneros do discurso;
iv. na interação verbal entre eu e o outro.
Segundo ele, “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela
se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor”.
(BAKHTIN, 2010, p.117).
Importante destacar que o outro apontado por Bakhtin não é um indivíduo inerte,
passivo, pronto para receber informações; e sim um sujeito (interlocutor) capaz de interagir,
de se envolver, ativamente, no processo de comunicação social.

4
Em Bakhtin (2010, p. 93) lê-se: “Na verdade, se fizermos abstração da consciência individual subjetiva e
lançarmos sobre a língua um olhar verdadeiramente objetivo, um olhar, digamos, oblíquo, ou melhor, de cima,
não encontraremos nenhum indício de um sistema de normas imutáveis”.
5
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela
enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da
interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a
realidade fundamental da língua. (BAKHTIN, 2010, p.127)
20
De acordo com essa forma de abordar a língua, a consciência do sujeito é despertada
nas relações de interação com o seu interlocutor, através da relação do eu com a palavra do
outro6, o que nos faz pressupor que a grande contribuição de Bakhtin foi pensar a
língua/linguagem a partir de sua natureza sócio-histórica.
Por esse caminho, consideramos que perceber a língua como um processo de mudança
ininterrupta, que se realiza através da interação verbal entre locutores, tem implicação para a
forma como percebemos a escrita de textos. Como implicação, o ensino da produção textual
não deve ser visto como uma atividade isolada, mas como uma atividade em que o sujeito usa
a linguagem numa perspectiva dialógica. Assim, é fundamental considerar sempre a
existência do outro e os contextos de realização de seus discursos. Conforme assumido por
Bakhtin (2011, p. 294), ao afirmar que “[...] a experiência discursiva individual de qualquer
pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados
individuais dos outros”.
É nesse sentido que nos apoiamos ao longo deste estudo na terceira concepção de
língua aqui apresentada.

1.2 Concepção de língua e ensino de português

Ao tratarmos sobre o ensino de língua portuguesa, não poderíamos deixar de o


associarmos às concepções de língua que apresentamos, já que os eventos que ocorrem na sala
de aula estão intimamente relacionados à postura teórica e ideológica assumida por cada
professor.
De acordo com Antunes (2003, p. 39), “desde a definição dos objetivos, passando pela
seleção dos objetos de estudo, até a escolha dos procedimentos mais corriqueiros e
específicos, em tudo está presente uma determinada concepção de língua”.
Por esse caminho, alguns estudiosos consideram que ideologias diferentes implicam
atitudes pedagógicas diferentes (GERALDI, 2004; MARCUSCHI, 2009).

6
Para Bakhtin (2010), toda palavra abrange duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de
alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém.
21
Na tradição escolar, o ensino de língua tem sido relacionado ao ensino de gramática e,
sobre esse aspecto Silva e outros apud Suassuna (2010, p. 121) indicam que “uma postura
diferente diante da língua provocaria uma abordagem diferente da gramática e uma prática de
ensino de língua também diferente”.
Seguindo nessa perspectiva, faremos uma abordagem na qual analisaremos as
possíveis relações entre o objeto de estudo privilegiado no ensino de português e a concepção
de língua adotada por professores de língua materna, observando que a cada instância de
utilização de uma língua nos apropriamos da gramática dessa língua (NEVES, 2009).
Antes porém, observamos como Antunes (2003) que duas grandes tendências têm
marcado o ensino de português: uma, centrada na língua como um conjunto abstrato de signos
e desvinculado de suas condições de uso; outra, centrada na língua como interação social,
vinculada às suas situações de realização.
Isso posto, à primeira concepção de língua relacionamos um ensino cuja base é a
gramática tradicional7 com a transmissão de regras de uma língua uniforme e imutável. O
ensino da gramática da língua, nessa abordagem, restringe-se fundamentalmente ao
reconhecimento de nomenclaturas de termos e classificação das unidades da língua.
O ensino de português centrado na língua como um conjunto de regras pressupõe a
existência de um modelo de língua único (o padrão), que deverá ser apreendido por todos e,
por se considerar que a língua tem um caráter homogêneo, o distanciamento da norma, nessa
abordagem, equivale o erro.
Antunes (2003), ao refletir sobre as atividades em torno do ensino da gramática
normativa, declara que temos um ensino fundamentado numa
Gramática predominantemente prescritiva, preocupada apenas com marcar o
“certo” e o “errado”, dicotomicamente extremados, como se falar e escrever
bem fosse corretamente, não importando o que se diz, como se diz, quando
se diz, e se se tem algo a dizer. Por essa gramática, professores e alunos só
veem a língua pelo prisma da correção e, o que é pior, deixam de ver outros
muitíssimos fatos e aspectos linguísticos (os fatos textuais e discursivos, por
exemplo), realmente relevantes. (ANTUNES, 2003, p. 33).

De acordo com Suassuna (2009), no ensino tradicional, as próprias gramáticas


(normalmente compostas de três partes: definição das unidades e elementos; exemplificação
de regras de bom uso, e exercícios de identificação e aplicação de regras) são tomadas como
7
Com o termo “gramática tradicional” referimo-nos todo o corpo de doutrina gramatical elaborado na Europa e
na América, antes do aparecimento da linguística moderna no século XX. A tradição gramatical europeia teve
início com os gregos e continuou com os romanos, interessados em descrever suas próprias línguas. (ILARI,
2011).
22
parâmetros para a ação pedagógica. Ora, nessa dimensão, “se a língua é um código fechado, o
ensino da língua deve ter como meta essencial a capacidade de manipular esse código”
(SUASSUNA, 2009, p. 74).
No modelo estruturalista do ensino de língua, os aspectos semânticos e pragmáticos
praticamente são desconsiderados. Não verificamos assim oportunidades para o aluno refletir
sobre os usos da língua e, por se tratar de um ensino predominantemente prescritivo8, um bom
usuário da língua é aquele que se apropria das regras gramaticais. Aprender gramática implica
falar e escrever bem, e não usar a gramática da língua para ampliar suas possibilidades de
participação social.
A ideologia que sustenta a visão instrumentalista do ensino de língua acaba por
separar forma de conteúdo, como se houvesse dois momentos: um primeiro em que se
aprende a linguagem no sentido formal e um segundo em que se aprende o conteúdo
transmitido por essa linguagem. (GERALDI, 2009, p. 34)
A segunda concepção de língua tem por fundamento o conjunto de regras que o falante
domina e usa de forma intuitiva ao falar ou entender sua língua e está associada ao ensino de
uma gramática internalizada. Essa gramática se refere a hipóteses sobre os conhecimentos que
habilitam o falante a produzir frases e sequências de palavras de modo que suas construções
sejam compreensíveis como pertencentes a uma determinada língua (POSSENTI, 2009).
Com base na maneira como os sujeitos identificam e interpretam sequências sonoras
com determinadas características, supõe-se que na mente dos falantes exista um conhecimento
específico capaz de lhes possibilitar esse equilíbrio. Esse conhecimento é, basicamente, de
caráter lexical (capacidade dos falantes de usar as palavras adequadas aos processos),
semântico (efeito de sentido que poderá ser obtido com o emprego de determinada palavra) e
sintático (correta utilização da palavra na construção da sentença).
Como essa noção de língua atribui à sintaxe papel de relevância, já que na visão de
Chomsky a sintaxe é o elemento criativo responsável por gerar sentenças, percebemos uma
ênfase dada ao ensino dos componentes sintáticos das frases. Não raro, verificamos em nossas
salas de aula a realização de atividades voltadas para a identificação de termos das orações,
associada à classificação e à função desses termos de acordo com a posição que ocupam nas
sentenças. Nessas atividades, distanciam-se as reflexões sobre as razões pelas quais o
8
Sobre o ensino de caráter prescritivo, Neves (2009) comenta que as gramáticas tradicionais não explicitam a
prescrição, já que normalmente não encontramos claramente as marcas injuntivas “use isto e não aquilo” ou
“deve-se usar isto e não aquilo”; mas, na apresentação das regras, depreendem-se os exemplos que dizem o que a
língua deve ser.
23
enunciador organizou as sentenças, sobre os efeitos de sentido construídos a partir da
utilização de determinados termos dispostos numa determinada ordem; enfim, sobre os
aspectos discursivos inerentes ao processo de produção textual.
Nesse contexto, Antunes (2003, p. 46) assinala que:

O grande equívoco em torno do ensino da língua tem sido o de acreditar que,


ensinando análise sintática, ensinando nomenclatura gramatical,
conseguimos deixar os alunos suficientemente competentes para ler e
escrever textos, conforme as diversificadas situações sociais.

Isso porque, assim como a primeira, essa segunda concepção de língua também
apresenta limitações, pois exclui os parâmetros externos da ação de linguagem (os
enunciados, os contextos de produção,...), situa a língua numa perspectiva homogênea e nega
a dimensão sócio-histórica da linguagem.
Por tudo o que já foi exposto, num ensino cujas bases são as duas noções de língua
explicitadas, não são raras as atividades que privilegiam o estudo da gramática normativa e
prescritiva, assim como, os aspectos sintáticos relegando-se as atividades de leitura e
produção de texto a um plano secundário.
Não pretendemos aqui desconsiderar a importância do ensino da gramática da língua,
mas observar o lugar de destaque dado à gramática (discurso sobre a língua) nas aulas de
português; o ensino de uma gramática desvinculada dos usos reais da língua escrita ou falada,
centrado em frases isoladas, sem sujeitos, sem interlocutores.
Como nos chama a atenção Antunes apud Marcuschi (2009, p. 56), “(...) não existe
língua sem gramática”. Compreendemos que os discursos não são construídos de forma
aleatória, existindo algumas regularidades na construção dos enunciados de forma a torná-los
compreensíveis. O problema está na intensidade com que se ensinam as normas gramaticais,
exigindo-se com veemência que os alunos usem as regras e justifiquem por que as usam, sem
que antes seja observada a necessidade de empregá-las e a compreensão dos seus usos.
Geraldi (2003) relata que um dos grandes problemas observados é que o ensino
pautado nos percursos da gramática começa pelas definições, pelas regras abstratas. Para ele,
não é a gramática abstrata que nos deu uma língua em comum e, nesse sentido, importa
ensinar a língua e não a gramática.
À terceira concepção de língua corresponde um ensino que se distancia das análises
dos elementos internos da língua e se aproxima dos contextos de uso. Ao mesmo tempo,
aponta a possibilidade de novos caminhos para as aulas de português.
24
De acordo com Suassuna (2009, p.40), “primeiramente, podemos dizer que uma nova
concepção de linguagem implica uma mudança no objetivo da ação pedagógica. À luz da
noção de interação, formulamos, então, a seguinte meta para o ensino de português: ampliar
as formas de interação por meio da linguagem”.
Com base nessa afirmação, entendemos que uma nova metodologia de ensino está de
alguma forma vinculada a um novo posicionamento sobre a concepção de língua que
adotamos em nossas aulas. No ensino fundamentado na concepção de língua idealizada por
Bakhtin (2010), o foco está na proposta de atividades que objetivam o domínio das
habilidades de uso da língua em diversas situações concretas de produção, por meio das quais
os alunos possam entender e produzir enunciados, refletindo sobre as diferentes formas de se
expressar em uma língua.
Para Mendonça (2006), essa concepção de linguagem pode ajudar a repensar a
atividade de produção de textos na escola, já que o texto funcionaria como o próprio espaço
de interação.
Com postura semelhante, Geraldi (1997) nos diz que adotar essa nova concepção
implica o reconhecimento de uma dialogicidade constante e o abandono de crenças
cristalizadas por parte do professor e do aluno.
Nessa visão, “o trabalho em língua portuguesa parte do enunciado e suas condições de
produção para entender e bem produzir textos” (MARCUSCHI, 2009, p.55). É dado um novo
direcionamento ao ensino que terá como foco de trabalho a língua no contexto da
compreensão, produção e análise textual.
Consideramos pertinente registrar que as diferentes concepções de língua
correspondem a diferentes posturas no ensino de língua portuguesa e, na observação desse
aspecto, concordamos com Marcuschi (2009, p. 50), quando este afirma que:
Sempre que ensinamos algo, estamos motivados por algum interesse, algum
objetivo, alguma intenção central, o que dará o caminho para a produção
tanto do objeto como da perspectiva. Esse fato esclarece a pluralidade de
teorias e a impossibilidade de se dizer qual é a verdadeira. Todas têm sua
motivação, algumas podem estar mais bem fundamentadas e outras podem
ser mais explicativas. Mas nenhuma vai ser a única capaz de conter toda a
verdade.

Ao mesmo tempo, não podemos deixar de registrar o que expressa Suassuna (2010,
p.119): “chega a ser uma heresia pensar na linguagem sem pensar, juntamente, na natureza

25
dialógica da enunciação”, porque concebemos a língua como uma possibilidade de nos
posicionar diante do mundo, de interagir no espaço social onde nos encontramos.

1.3 Concepção de texto, tipo e gênero textual

Neste estudo, consideramos importante abordar os conceitos de texto, tipo e gênero


textual, apoiando-nos no fato de que, após a divulgação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais − PCN (BRASIL, 1999)9, não só os livros didáticos começaram a diversificar os
tipos e os gêneros textuais neles apresentados, como também os professores, apropriando-se
do discurso da necessidade de oferecer aos alunos uma ampla diversidade de textos,
começaram por inserir uma variedade desses recursos nas aulas de língua.
Para Guimarães (apud Suassuna, 2008, p. 4):

A entrada do texto em sala de aula é que veio assegurar a recuperação dos


fatos reais da língua em uso [...] a leitura e a produção textual devem levar
ao aperfeiçoamento da competência comunicativa do aprendiz,e , portanto, é
preciso condicionar uma e outra ao conhecimento das circunstâncias que as
motivam. Como todo e qualquer texto existe numa situação comunicativa,
ele cumprirá sua função quanto mais atingir o nível de significação
pretendido nesse contexto comunicativo.

Contudo, a introdução dos textos nem sempre veio acompanhada de uma reflexão
sobre as reais contribuições destes para a ampliação da capacidade comunicativa dos alunos.
Nesse processo, expressões como tipo de texto e gênero textual começaram a emergir no dia a
dia dos professores e o que verificamos, no contato com docentes de língua materna, foi a
falta de clareza sobre o que seria uma e outra forma de trabalho com o texto.
Mas, o que seria necessariamente um texto?
Tomando-se por base a concepção de língua como uma atividade discursiva,
chegamos a encontrar certa concordância entre os estudiosos acerca da concepção de texto,
tais como: o texto “é uma unidade linguística comunicativa fundamental, produto da atividade
humana, que possui sempre caráter social” (BERNÁRDEZ apud SAUTCHUK, 2003, p. 3); o

9
Encontramos nos PCN para o Ensino Médio, área de Linguagens e suas Tecnologias, a seguinte informação em
relação a esse documento: cabe ao leitor entender que o documento é de natureza indicativa e interpretativa,
propondo a interatividade, o diálogo, a construção de significados na, com e pela linguagem (BRASIL, 1999, p.
4)
26
texto é “o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras são em geral definidas por seus
vínculos com o mundo no qual ele surge e funciona” (MARCUSCHI, 2009, p. 71);
“ocorrência linguística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade
sociocomunicativa, semântica e formal” (VAL, 2006, p.03); texto é “toda unidade de
produção de linguagem situada, acabada e autossuficiente (do ponto de vista da ação ou da
comunicação)” (BRONCKART, 2007, p. 75); “um texto é, pois, um todo organizado de
sentido, [...] e produzido por um sujeito num dado espaço e num dado tempo” (SAVIOLI e
FIORIN, 2001, p. 18); “tende-se a falar de texto quando se trata de produções verbais orais ou
escritas, estruturadas de forma a perdurarem, a se repetirem, a circularem longe de seu
contexto original” (MAINGUENEAU, 2005, p. 57).
Dessa maneira, podemos encontrar, ao menos, três aspectos comuns nas definições
apresentadas: a) o texto possui uma função comunicativa e social; b) e é produto da atividade
verbal; c) é situado historicamente.
Assim, partindo da concepção de língua por nós adotada (a concepção
sociointeracionista), optamos por nos basear num conceito de texto que expressasse, de igual
modo, a importância das relações interativas entre os interlocutores na atividade discursiva.
Para tanto, apresentamos a definição de texto de Koch (2011, p. 31):

O texto é considerado como manifestação verbal, constituída de


elementos linguísticos de diversas ordens, selecionados e dispostos
de acordo com as virtualidades que cada língua põe à disposição dos
falantes no curso de uma atividade verbal, de modo a facultar aos
interactantes não apenas a produção de sentidos, como a fundear a
própria interação como prática sociocultural.

Ainda sobre a definição de texto, é importante registrar o que nos diz Bronckart
(2007); para ele, se é possível nos dotarmos de uma definição genérica de texto, é interessante
lembrar que os exemplares de textos observáveis10 se caracterizam por uma grande
diversidade e, dessa forma, por um conjunto de características diferenciais.
Relacionando essa afirmação às atividades discursivas, percebemos que
continuamente usamos diferentes formas de texto para interagir. Podemos afirmar ainda que,
dada a necessidade de nos expressarmos, essas formas vão se diversificando cada vez mais.

10
Para Bronckart (2007, p. 69), os textos são formas empíricas diversas de realização da língua.

27
Sobre essa diversidade textual, Marcuschi (2009) nos apresenta alguns conceitos que
talvez nos ajudem a compreender melhor as formas de tratamento do texto nas aulas de língua
portuguesa. Estamos nos referindo às noções de tipo e de gênero textuais já mencionadas.
O tipo textual, segundo esse pesquisador, designa uma espécie de construção teórica
definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos
verbais, relações lógicas, estilo), caracterizando-se muito mais como sequências linguísticas
do que como textos materializados.
Para Marcuschi (2009, p. 154), os tipos, “a rigor, são modos textuais”, que,
geralmente, englobam poucas categorias, tais como, a narração, a argumentação, a injunção, a
descrição e a exposição; o autor nos chama a atenção para o reduzido número de categorias de
tipos textuais, lembrando, ainda, que não há uma expectativa de aumento para essa
categorização.
A outra noção diz respeito aos gêneros textuais e tem por base a ideia de gêneros do
discurso de Bakhtin (2011).
Segundo esse linguista:
Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da
linguagem.[...] O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados
(orais ou escritos) concretos e únicos, proferido pelos integrantes desse ou
daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as
condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu
conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção de
recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo,
por sua construção composicional. [...] Evidentemente, cada enunciado
particular é individual, mas cada campo da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do
discurso (BAKHTIN, 2011, p. 261).

Nesse sentido, de acordo com Bakhtin, todos os enunciados se baseiam nos gêneros,
os quais se relacionam às diferentes situações sociais.
Sobre os gêneros do discurso, Bakhtin faz várias considerações das quais destacamos:
i. os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que
o organizam as formas gramaticais (sintáticas);
ii. nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando
ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras
palavras;
iii. se os gêneros do discurso não existissem e nós não os dominássemos, se
tivéssemos que recriá-los pela primeira vez no processo do discurso, de
28
construir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a comunicação
discursiva seria quase impossível.
Assim, a cada situação corresponde um gênero com características próprias
composicionais, funcionais e estilísticas, que são responsáveis pela comunicação humana.
Para Dolz, Gagnon e Decândio (2010), uma vez que a nossa comunicação se
estabelece por meio de textos,11 o texto é considerado como a unidade básica do ensino de
produção e se constitui no instrumento de mediação necessário para o trabalho com a
produção escrita. Os gêneros se configurariam, pois, como entidades intermediárias que
permitiriam estabilizar os elementos formais e as práticas discursivas.
Tendo por fundamento as considerações de Bakhtin, é de certa forma consensual entre
alguns estudiosos da linguística o conceito de gênero textual: “o gênero é apenas a realização
visível de um complexo de dinâmicas sociais e psicológicas” (BAZERMAN, 2011, p. 29);
“são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas”
(MARCUSCHI, 2009, p. 155); “[...] postula-se, atualmente, que os gêneros textuais são
artefatos culturais bastante diversificados, com uma evidente dimensão comunicativa”
(SUASSUNA, 2008, p. 5). Em todos esses conceitos percebemos a estreita relação dos
gêneros com a ação de linguagem e, nesse sentido, Bronckart (2007, p. 137) afirma que:

[...] Na escala sócio-histórica, os textos são produtos da atividade de


linguagem em funcionamento permanente nas formações sociais: em função
de seus objetivos, interesses e questões específicas, essas formações
elaboram diferentes espécies de textos, que apresentam características
relativamente estáveis (justificando-se que sejam chamadas de gêneros de
texto) e que ficam disponíveis no intertexto como modelos indexados, para
os contemporâneos e para as gerações posteriores.

Marcuschi (2009), enfatizando o aspecto social dos gêneros, registra que toda vez que
desejamos produzir alguma ação linguística em situação real, recorremos a algum gênero
textual. Segundo ele, os gêneros são parte integrante da sociedade e não apenas elementos que
se sobrepõem a ela. É ainda Marcuschi (ibidem) que comenta sobre a fluidez das noções de
tipo e de gênero textual, chamando-nos a atenção para evitarmos os extremismos dicotômicos
que podem surgir em função dessas nomenclaturas.
Para esse autor, os gêneros não se opõem aos tipos e vice-versa; ambos são dois
aspectos constitutivos do funcionamento da língua em situações de comunicação da vida

11
Em Marcuschi (2009, p. 27) também encontramos: “O texto torna-se a unidade linguística por excelência, pois
para van Dijk é por textos e não por sentenças que nos comunicamos”.
29
diária. De acordo com Marcuschi (2009), as definições por ele apontadas acerca de tipo e de
gênero são muito mais operacionais do que formais. Desse modo, para a noção de tipo textual
predominaria a identificação de sequências linguísticas como norteadora, e para a noção de
gênero textual, predominam os critérios de padrões comunicativos, ações, propósitos e
inserção sócio-histórica. Em outras palavras, de maneira geral, vamos perceber que há uma
grande heterogeneidade tipológica nos gêneros textuais (MARCUSCHI, 2009).
Definidos pois esses conceitos, no tópico seguinte trataremos sobre a inserção do texto
(ou dos gêneros) nas aulas de português.

1.4 O texto como objeto de ensino nas aulas de português

O texto nem sempre foi objeto de ensino nas aulas de língua, mas, sobretudo, a partir
da década de 1960 nos primórdios da Linguística Textual (LT), um novo lugar foi
vislumbrado para ele.
Segundo Marcuschi (2009, p. 73), esse ramo da Linguística teve como motivação
inicial “a certeza de que as teorias linguísticas tradicionais não davam conta de alguns
fenômenos linguísticos que apareciam no texto”. Esse mesmo autor também afirma que a LT:

Desenvolveu-se rapidamente e em várias direções [...] Dispõe, porém, de um


dogma de fé: o texto é uma unidade linguística hierarquicamente superior à
frase. E uma certeza: a gramática de frase não dá conta do texto. (idem,
2009a, p. 16)

Nesse mesmo caminho, Suassuna (2008, p. 4) afirma:

O texto como unidade de sentido passou a ser o centro do trabalho


pedagógico com a língua portuguesa a partir da constatação de que o ensino
tradicional, baseado na descrição e normatização do código escrito padrão,
pouco contribuía para a formação do leitor e produtor de textos.

Somando-se a isso, em meados da década de 1980, com o desenvolvimento de estudos


sobre a Pragmática e num momento chamado por alguns estudiosos de virada pragmática e
por outros de virada discursiva, o texto passou a ser visto como unidade básica de interação
humana.

30
No Brasil, a ideia de que o texto é a base do ensino-aprendizagem de língua
portuguesa contou com uma importante obra de divulgação desse princípio: O texto na sala
de aula, publicado em 1984 por João Wanderley Geraldi.
Nessa obra, além de o texto ser abordado como um objeto sobre o qual se desdobra um
ensino processual em leitura e produção de textos, propugna-se um deslocamento dos eixos de
ensino, que se distanciam do ensino normativo e se direcionam aos processos de leitura,
produção de texto e da análise gramatical ligada aos usos da língua.
Em livro mais recente, Geraldi (2003, p. 105) registra que “o trabalho com a
linguagem, na escola, vem se caracterizando cada vez mais pela presença do texto, quer
enquanto objeto de leituras, quer enquanto trabalho de produção”.
Contudo, esse mesmo pesquisador considera que nem sempre o texto teve a relevância
que tem hoje no ensino de língua portuguesa, e sua presença nas aulas acontecia de forma
muito peculiar: o texto era utilizado como modelo em vários sentidos. Segundo esse
estudioso, o texto era utilizado como objeto de leitura vozeada (ou oralização do texto
escrito); objeto de imitação (texto lido como modelo para a produção de texto dos alunos) e
objeto de fixação de sentidos (o significado do texto era o significado dado pelo professor).
Essas formas de inserção, por sua vez, afastando-se dos contextos de uso, revelam como, na
atividade de sala de aula, o que poderia levar à pluralidade pode se tornar uno (GERALDI,
2003).
Acerca da inserção do texto com ênfase no trabalho de produção, o que temos
observado é que, entre outras razões, numa tentativa de acompanhar as mudanças que vêm
sendo propostas no ensino de línguas, alguns professores tentam lançar mão de uma prática
diferenciada com o texto em sala de aula, mas sem efetivamente situá-lo na perspectiva da
linguagem como interação, nem na produção de texto como uma atividade dialógica.
Por esse direcionamento, acabam por centrar o ensino da produção textual num
movimento que vai desde a exposição de um modelo a ser seguido, passando pelo estudo dos
aspectos composicionais desse modelo até a proposta de produção de um texto. Essa prática
nos revela uma possível compreensão de que, para alguns docentes, essa metodologia já
garante a formação de bons produtores de texto.
Se nos apoiarmos em algumas reflexões de Bunzen (2006), pensamos haver uma
aproximação dessa prática a uma outra já difundida até meados do século XIX, na qual o

31
ensino da “composição” era realizado por meio da apresentação de modelos de textos a serem
reproduzidos pelos alunos. De acordo com esse autor:

Os manuais de retórica, por exemplo, apresentavam uma classificação dos


gêneros literários que deveriam ser utilizados na escola e apontavam as
qualidades e defeitos de estilo, além de mostrar como montar esquemas de
ideias. Eles insistiam “na necessidade ‘vital’ de escrever bem, de acordo com
os modos que apregoavam e prescreviam”. (MESERANI, 1995 apud
BUNZEN, 2006, p. 142).

Essa situação nos faz lembrar também algo que foi pontuado por Geraldi (2003; 2004)
ao afirmar que a prática da redação escolar se caracteriza por uma reprodução de formas
estruturais dos modelos dos textos aos quais os alunos são apresentados.
É nesse contexto que, apesar das várias mudanças propostas para o ensino de língua e
das diversas discussões sobre o que ensinar e como ensinar nas aulas de português, o trabalho
com textos nem sempre tem alcançado o objetivo de formação de sujeitos autores de seus
textos.
Nessa perspectiva, para uma transformação no quadro do ensino de línguas visando,
de fato ao ensino-aprendizagem com textos, Suassuna (2008, p. 7) nos diz que “temos que
enfrentar dois desafios: dispor de um aparato teórico sobre tipologia textual que dê
sustentação à prática da sala de aula” e definir, diante da diversidade de textos que temos,
quais textos seriam trabalhados em função da ação discursiva na qual desejamos que os
alunos se engajem como sujeitos. Dessa maneira, “centrar o ensino no texto é ocupar-se e
preocupar-se com o uso da língua”. (GERALDI, 2009, p. 66). Isso implicaria pois, um
afastamento de concepções e práticas pedagógicas tradicionais para um deslocamento em
busca de novas propostas de ensino.

Após essa discussão sobre a didática do texto, propomos no tópico seguinte uma
reflexão sobre a situação didática de produção de texto.

1.5 Gêneros textuais como instrumentos de aprendizagem da produção escrita

32
Inicialmente, julgamos pertinente comentar sobre o fato de que o estudo dos gêneros
não é algo novo (BRONCKART, 2007; MARCUSCHI, 2009; ROJO, 2010) e, como se
caracterizam espécies de textos, agrupados por terem aspectos comuns, eles se articulam às
necessidades dos falantes e às condições sociais em que são produzidos. Nesse âmbito, o
surgimento de novas motivações sociais pode fazer emergir um novo gênero textual.
Em Bronckart (2007, p. 72), lemos:

Diante dessa diversidade das espécies de textos, manifestou-se, desde a


Antiguidade grega até os nossos dias, uma preocupação com sua delimitação
e nomeação, que se traduziu na elaboração de múltiplas proposições de
classificação, centradas, na maioria dos casos, na noção de gênero de texto
(ou gênero de discurso).

É assim que, no que diz respeito à forma como os gêneros textuais foram sendo
introduzidos no trabalho pedagógico, Antunes (apud Suassuna, 2008, p. 5) registra:

Particularmente a partir da Pragmática, a Linguística passa a se ocupar da


textualidade e, daí em diante, do nível mais amplo da atuação social,
dimensão e lugar em que se dão os fatos de realização da língua. Com o
desdobramento disso, passa-se a esperar do ensino que eleja como ponto de
referência o texto, chegando ao nível das práticas sociais e, aí, ao nível das
práticas discursivas, [...] domínios em que, na verdade, se definem as
convenções do uso adequado e relevante da língua. É nesse ponto que se dá a
passagem dos tipos de texto para o que se tem denominado gêneros textuais,
[...] na perspectiva bem ampla de abrangerem-se as normas e convenções
que, no texto, são determinadas pelas práticas sociais. (p.2)

Admitimos que um trabalho sistemático com gêneros textuais e articulado às ações de


linguagem permitiria uma maior abertura para vislumbrar questões acerca da produção de
textos. Entre esses aspectos, estão as diferentes funções da linguagem, a variedade de formas
de organização textual e as possibilidades de uso dos recursos linguísticos como resultado das
escolhas de quem produz o texto e das necessidades de cada situação de produção. Assim, (1)
se o objetivo do ensino de língua é possibilitar que o aluno seja capaz de usar um número
cada vez maior de recursos linguísticos para a produção de efeitos de sentido adequadamente
em cada situação de interação; (2) se nós nos comunicamos por meio de textos; (3) se os
textos se diversificam em face das inúmeras situações de interação, deixar os alunos restritos a
apenas alguns tipos de textos é provavelmente fazer com que eles disponham e se utilizem de
recursos para atuarem comunicativamente somente em algumas situações interlocutivas e em
outras, não.
Nossa posição encontra apoio numa das afirmações de Bakhtin (2011, p. 285):
33
Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os
empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa
individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais
flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de
modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso.

Segundo Barbosa (apud Suassuna, 2008, p. 6), “para além dos aspectos estruturais
e/ou funcionais, os gêneros textuais permitiriam ao professor lidar com aspectos da
enunciação [...], considerados de grande importância no processo de compreensão e produção
de textos”.
Confirmando o aspecto discursivo dos gêneros e o fato de que a interação se dá
impreterivelmente através de algum deles, Marcuschi (2002, p.19) registra que “os gêneros
são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. [...] contribuem
para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades
sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa”.
Contudo, apoiando-nos em Suassuna (2004, p. 2) afirmamos que:

Se por um lado, não temos dúvida de que a teoria dos gêneros textuais é
bastante produtiva quando se trata de ensinar a ler e escrever, e nos aproxima
mais da linguagem em uso, por outro lado, não podemos encará-la como
receita definitiva, modismo a ser seguido ou solução para os problemas
educacionais que enfrentamos cotidianamente.

Contextualizando os gêneros no espaço escolar, Marcuschi (2009) considera que é a


perspectiva teórica interacionista e sociodiscursiva (com influências de Bakhtin e de
Vygotsky) que tem orientado o trabalho com gêneros numa ação didática voltada para o
ensino de língua materna.
Para Schneuwly e Dolz (2010) a noção de gênero permite articular a finalidade geral
de aprender a comunicar com os meios linguísticos próprios às situações que tornam a
comunicação possível. Segundo eles, os gêneros escolares constituem um desdobramento dos
gêneros de referência, pois no espaço escolar irão se comportar de forma a se adequarem às
novas situações de uso. Para esses autores, os gêneros passariam a ser instrumentos de
comunicação e objetos de aprendizagem.
Segundo esses estudiosos, no contexto escolar, “o aluno encontra-se, necessariamente,
num espaço do ‘como se’, em que o gênero funda uma prática de linguagem que é,
necessariamente, em parte, fictícia, uma vez que instaurada com fins de aprendizagem”
(ibidem, p. 65).
34
Ainda de acordo com Schneuwly e Dolz (2010):
i. toda introdução de um gênero na escola implica uma transformação, pelo
menos parcial deste, como, por exemplo, a simplificação do gênero ou ênfase
em certas dimensões;
ii. pelo fato de o gênero funcionar em outro lugar social, diferente daquele em que
foi originado, ele não tem mais o mesmo sentido; trata-se de gênero a aprender,
embora permaneça gênero para comunicar;
iii. é preciso colocar os alunos em situações de comunicação que se aproximem de
verdadeiras situações de comunicação, que tenham sentido para eles, com a
finalidade de melhor dominá-las como realmente são.
Pelas afirmações desses pesquisadores, poderíamos conceber que em situações
escolares não encontramos gêneros próprios desse meio social, ou ainda pressupor que o uso
dos gêneros para fins didáticos se manifeste de forma estritamente artificial.
É possível que Schneuwly e Dolz (2010) estejam tomando como referência as
considerações acerca de gêneros primários (aqueles produzidos em situações mais
espontâneas de enunciação) e secundários (os construídos de modo mais elaborado) de
Bakhtin (2011). No entanto, esse linguista nos afirma que a diferença essencial entre os
gêneros discursivos primários (simples) e secundários (complexos) não decorre de uma
diferença funcional. De acordo com ele,

Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, dramas,


pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc)
surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e
relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o
escrito). [...] No processo de sua formação eles incorporam e reelaboram
diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da
comunicação discursiva imediata (BAKHTIN, 2011, p. 263, grifo nosso).

Distanciando-se da abordagem de Schneuwly e Dolz e mais próxima da perspectiva de


língua, texto e gênero ora assumida neste estudo, observamos nas discussões de outros
pesquisadores acerca do ensino da escrita, uma outra perspectiva teórica de utilização dos
gêneros textuais na escola: os gêneros como realização concreta da linguagem por meio dos
quais oportunizamos aos alunos a ampliação de possibilidades de uso exitoso da língua.
Bazerman (2011), por exemplo, nos diz que os gêneros são os lugares familiares para
onde nos dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os outros e são os
modelos que utilizamos para explorar o não-familiar. Não se trata, pois, de numa ação
35
didática, realizar simulações de uso dos gêneros para aproximá-los da realidade dos
educandos, mas conceber os gêneros como uma ferramenta favorável à descoberta dos
recursos que os alunos trazem em sua trajetória de vida e, a partir desse ponto, conduzi-los a
experienciar novos territórios discursivos aos quais ainda não foram apresentados.
Para Bazerman (2011, p. 30), “cabe a nós, professores, ativarmos o dinamismo da sala
de aula de forma a manter vivos, nas ações significativas de comunicação escolar, os gêneros
que solicitamos aos nossos alunos produzirem”. De acordo com ele, uma vez que os alunos se
sintam parte da vida de um gênero, “qualquer um que atraia a sua atenção, o trabalho duro e
detalhista de escrever se torna irresistivelmente real [...]” (idem, ibidem, p. 34).
Nesse mesmo caminho, Geraldi (2009, p. 49) registra:

[...] o deslocamento da noção de representação para a noção de trabalho


linguístico exige incorporar o processo de produção de discursos como
essencial, de modo que não se trata mais de apreender uma língua para dela
se apropriar, mas trata-se de usá-la e, em usando-a, aprendê-la.

Tomando ainda o que nos diz esse linguista, temos: “Escrever é ser capaz de colocar-
se na posição daquele que registra suas compreensões para ser lido por outros e, portanto, com
eles interagir. [...]” (ibidem, p. 66). Acrescenta o autor que um texto é produto da elaboração
própria que encontra nos outros textos apenas modelos ou indicações (idem, 2010).
Por essa linha, sustenta:

A criatividade posta em funcionamento na produção do texto exige


articulações entre situação, relação entre interlocutores, temática, estilo do
gênero e estilo próprio, o querer dizer do locutor, suas vinculações e suas
rejeições aos sistemas entrecruzados de referências com as quais
compreendemos o mundo, as pessoas e suas relações (GERALDI, 2010, p.
115).

Com suporte também nas considerações de Maingueneau (2005, p. 64), afirmamos que
“os gêneros de discurso não podem ser considerados como formas que se encontram à
disposição do locutor a fim de que este molde seu enunciado nessas formas”.
Dessa maneira, não podemos conceber os gêneros de texto essencialmente como: (1)
aqueles que no espaço escolar vão se adequar às novas situações de uso; (2) instrumentos de
comunicação; (3) instrumentos que possibilitam aos sujeitos agirem apenas linguisticamente.
Apoiando-nos em Barbosa (apud Suassuna, 2008), concebemos os gêneros como
objeto de ensino, porque estes:
i. contemplam o complexo processo de produção e compreensão de textos;
36
ii. permitem incorporar elementos da ordem do social e do histórico;
iii. permitem considerar a situação de produção de um dado discurso;
iv. abrangem o conteúdo temático, a construção composicional e seu estilo verbal.
Essa mesma autora argumenta que, também por esses motivos, os gêneros podem ser
elementos estruturadores de propostas curriculares da área de língua portuguesa.
Em termos de ensino, dispomos de alguns documentos oficiais para orientação ou
definição de conteúdos, objetivos, finalidades e metodologias para o ensino de língua
portuguesa que também sinalizam para a utilização dos gêneros de texto nas aulas de
português.
Nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio (BRASIL, 1999, p. 8) lemos: “o
estudo dos gêneros discursivos e dos modos como se articulam proporcionam uma visão
ampla das possibilidades da linguagem[...]”.
De igual modo, a Base Curricular Comum para as Redes Públicas de Ensino de
Pernambuco/BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008), ao estabelecer as competências para os
alunos dessa rede em língua portuguesa, introduzem a temática expressando:
Espera-se que o professor, no trabalho coma produção de textos escritos (em
gêneros selecionados para cada etapa da escolaridade), oriente o aluno no
desenvolvimento de competências para: [...] adequar-se aos modos típicos de
organização, sequência e apresentação que caracterizam os diferentes
gêneros de texto; [...] usar as convenções gráficas próprias da apresentação
dos diferentes gêneros de texto (p. 93-96). (Grifo nosso)

Nesse sentido, a contribuição dos gêneros como instrumentos de aprendizagem da


produção escrita ocorre em função de estes se constituírem

num recurso rico e multidimensional que nos ajuda a localizar nossa ação
discursiva em relação a situações altamente estruturadas.[...] Ao
compreendermos o que acontece com o gênero, porque o gênero é o que é,
percebemos os múltiplos fatores sociais e psicológicos com os quais nossos
enunciados precisam dialogar para serem mais eficazes. (BAZERMAN,
2011, p. 29).

Por tudo o que foi exposto, quando falamos no ensino com apoio nos gêneros de texto,
estamos nos referindo a um processo que tome esses elementos como base nas interações
sociais. Desse modo, utilizando-se dos gêneros construídos nas mais diferentes esferas de
comunicação, os alunos devem ser levados a refletir sobre os aspectos linguísticos e
discursivos implicados nesses textos, com vistas a melhor utilizá-los em suas próprias
interações.

37
Realizadas essas considerações, nos propomos, no tópico seguinte, a apresentar
algumas reflexões sobre o contexto escolar de produção textual, sempre com foco no texto
argumentativo.

1.6 Contextos de produção de texto: reflexões sobre o ensino da produção textual

Para iniciarmos nossa discussão sobre contextos de produção, consideramos


importante destacar que as teorias sociointeracionistas, no que dizem respeito ao processo de
produção de texto, reconhecem a existência de um sujeito que é autor de seu discurso e na sua
inter-relação com outros sujeitos, constrói um texto, sob a influência de um complexo
conjunto de fatores (KOCH, 2011).
É por esse fio condutor que Bronckart (2007) define o contexto de produção como o
conjunto dos parâmetros que podem exercer a influência sobre a forma como um texto é
organizado. Assim, se muitos aspectos de uma situação de ação poderiam ser citados, nos
deteremos em apontar aqueles que podem influir diretamente na organização textual.
Desse modo, consideraremos nesta pesquisa, tendo por base também as definições
desse estudioso: (a) o lugar de produção; (b) o momento de produção; (c) o produtor do texto;
(d) o interlocutor; (e) o lugar social (em que modo de interação o texto é produzido); (f) o
objetivo (ponto de vista do enunciador; efeitos pretendidos com o texto); (g) o tempo
histórico; (h) o conteúdo do texto.
Consideraremos o produtor (aquele que fala no texto, que é responsável pelo que é
expresso), já que segundo Geraldi (2003, p. 136), “na produção de discursos, o sujeito
articula, aqui e agora, um ponto de vista sobre o mundo que, vinculado a uma certa formação
discursiva, dela não é decorrência mecânica”.
Sobre os contextos de produção de texto, Suassuna (2009) afirma que linguistas e
professores de língua materna já dispõem atualmente de farta literatura que trata de redação e
suas condições de produção na escola. Essa pesquisadora nos diz também que problemas de
naturezas diversas foram apontados, seja do ponto de vista linguístico, seja do ponto de vista
discursivo.

38
Entretanto, de acordo com essa mesma autora, a existência de pesquisas sobre a
produção de textos não tem evitado o artificialismo dos contextos de produção textual e pouco
alterou a qualidade das redações produzidas pelos alunos. Isso porque, muitas vezes, essa
atividade não é vista como instância articulada da prática de linguagem. Vemos que, na
maioria das vezes, os alunos são levados a escrever sobre um tema determinado pelo
professor (que provavelmente será o seu único leitor), sem que lhes sejam explicitados os
propósitos do texto nem definidos seus interlocutores.
É nesse sentido que, segundo Antunes (2003, p. 26):

Parece incrível, mas é na escola que as pessoas “exercitam” a linguagem ao


contrário, ou seja, a linguagem que não diz nada. Nessa linguagem vazia, os
princípios básicos da textualidade são violados, porque o que se diz é
reduzido a uma sequência de frases desligadas umas das outras, sem
qualquer perspectiva de ordem ou de progressão e sem responder a qualquer
tipo particular de contexto social.

Sobre a artificialidade dos contextos de produção de texto, Leal e Albuquerque (2007,


p. 100) registram que “para muitos de nós, no entanto, o ato de escrever está relacionado a
uma ação dolorosa e, por vezes, traumática, vinculada a lembranças de experiências de
escrita, vivenciadas principalmente na escola”.
De modo semelhante, Ferreiro (apud Leal e Albuquerque, 2007, p. 100) explicita que:

A escola (como instituição) transforma a escrita de objeto social em objeto


exclusivamente escolar. Ela determina o quê, quando e como deve ser
escrito, ocultando as funções extraescolares da escrita; não considerando que
a mesma é importante na escola porque é usada fora dela. O caráter
pragmático da escrita não é considerado e o escrever passa a ser uma tarefa
desprovida de finalidades sociais, desarticulada da experiência que o
indivíduo tem com a escrita, fruto de uma convivência diversificada com um
universo letrado, mediada pela história de cada um, pela sua origem social

Recriando uma proposta de Orlandi, Suassuna (2009) explicita o discurso pedagógico


acerca da produção de textos na escola por meio do seguinte esquema:

39
QUEM ESCREVE O QUÊ PARA QUEM ONDE PARA QUÊ
aluno devolve/ discurso12 professor escola atestar
reproduz autorizado aprendizagem
Esquema 1

Perante o exposto, aproveitamos as palavras de Geraldi (2003, p. 140), e lançamos as


seguintes indagações: “É possível recuperar, no interior da própria escola, um espaço de
interação onde o sujeito se (des)vela, com uma produção de textos efetivamente assumidos
pelos seus autores?” Será possível traçar novas situações didáticas para a produção de textos
que, diferentemente, do que vem ocorrendo nas aulas de língua, possibilitem a formação de
um aluno leitor e produtor de textos que decorra da interação?
Diversos autores sinalizam positivamente para uma nova perspectiva no ensino da
produção escrita de textos, lembrando que “uma mudança no quadro aqui descrito depende de
um novo olhar sobre o texto e seus condicionantes” (SUASSUNA, 2009, p. 77); e que “uma
visão interacionista da escrita supõe encontro, parceria, envolvimento entre sujeitos, para que
aconteça a comunhão das ideias, das informações e das intenções pretendidas.” (ANTUNES,
2003, p. 45).
Como docente de língua materna, acreditamos ser possível traçar um novo perfil de
contextos de produção textual, desde que a concepção e a metodologia assumidas por
professores de português se estabeleçam na atividade de produção de textos como ponto de
partida (GERALDI, 2003) do processo de ensino-aprendizagem. Não se trata, pois, da
produção de textos centrada na reprodução de modelos e de formas tradicionais de outros
textos apresentados. Falamos da produção de textos em que ao aluno é possibilitada a
condição de autor13 de diversos textos, definidos em função da variedade de situações
comunicativas presentes no seu cotidiano escolar e não-escolar (EVANGELISTA e outros,
1998); “uma produção escrita em que o aluno se constitua como sujeito que pensa, sente e tem
o que dizer para outros sujeitos” (SUASSUNA, 2009, p. 77). E, nesse sentido, concordamos

12
Suassuna (2009, p. 87) indica: “De maneira geral, temos um aluno que fala a um professor, dizendo aquilo que
‘é permitido dizer’ no contexto escolar, com o objetivo de atestar que aprendeu e sabe ‘pôr em prática’ os
conceitos e as regras da gramática normativa tradicional”.
13
Para uma reflexão mais detalhada acerca da expressão autor do texto, indicamos a leitura de Possenti (2002, p.
105-124)
40
com Antunes (2003), quando esta afirma que, do ponto de vista social,14 não há escrita para
nada, para não dizer, para não ser ato de linguagem.
Sobre essa nova possibilidade de contexto de produção de texto, apresentamos aqui
um esquema sugerido por Geraldi (2003, p. 161):

Esquema 2

Por esse esquema, teríamos um objetivo mais amplo para o ensino da linguagem e
para a produção textual: a retomada do caráter dialógico-discursivo da língua, que situa o
aluno como sujeito do seu discurso e o professor como um dos possíveis (e não único)
interlocutores do texto desse sujeito.
De acordo com Geraldi (2003), a utilização das flechas em dois sentidos equivale à
representação de que ninguém se assume como locutor sem ser por uma relação interlocutiva.
É por isso que, segundo esse autor, uma situação de produção de texto pressupõe algumas
condições básicas como:
i. ter o que dizer (corresponde à ampliação do repertório de informações do
aluno, somando-se suas experiências às experiências compartilhadas com seus

14
Savioli e Fiorin (2001, p. 17) dizem que “o texto é produzido por um sujeito num dado tempo e num
determinado espaço. Esse sujeito, por pertencer a um grupo social num tempo e num espaço, expõe em seus
textos as ideias, os anseios, os temores, as expectativas de seu tempo e de seu grupo social”.
41
interlocutores e ao estabelecimento dessas experiências como ponto de partida
para as reflexões que ocorrem nas nossas salas de aula);
ii. ter uma razão para dizer o que se tem a dizer (motivação interna para a
realização da produção textual);
iii. ter para quem dizer o que se tem a dizer;
iv. constituir-se como locutor, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz;
v. escolher as estratégias (escolha do como e do que dizer, para dizer o que se tem
a dizer e a quem se diz).
É nessa dimensão que um novo contexto de produção de textos se caracterizaria por
um lugar de produção (a escola), com um sujeito (enunciador) que recorreria a uma série de
estratégias de organização textual para produzir o seu texto. Esse mesmo produtor, na
organização textual, teria por base as suas experiências e representações sócio-históricas, e
orientaria o seu discurso considerando o seu interlocutor, a finalidade do texto a ser produzido
e os efeitos do seu texto sobre o seu interlocutor.
Seguindo por esse percurso, observamos que no processo de produção textual vários
aspectos linguísticos e pragmáticos estão implicados, de forma a contribuir para que um texto
se constitua como uma unidade comunicativa básica, ou seja, para que na sua produção o
aluno se oriente na perspectiva de construção de sentido. Estamos nos referindo aos princípios
de textualidade e a alguns critérios de textualização.
De acordo com Val (2006, p. 5), a textualidade diz respeito a “um conjunto de
características que fazem com que o texto seja um texto, e não apenas uma sequência de
frases”. Assim, um texto não se organiza de forma aleatória.
É nesse contexto, que para Marcuschi (2009), a textualidade não é uma propriedade
imanente a algum artefato linguístico e não depende das correspondências sintático-
ortográficas da língua, mas da sua condição de processabilidade cognitiva e discursiva.
Para Koch (2011, p. 30):

Um texto se constitui como tal no momento em que os parceiros de uma


atividade comunicativa global, diante de uma manifestação linguística, pela
atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional,
cognitiva, sociocultural e interacional, são capazes de construir para ela
determinado sentido.

42
Por esse pressuposto, a constituição de um texto deve obedecer a um conjunto de
critérios de textualização (esquematização e figuração) que funcionam, segundo Marcuschi
(2009), como critérios de acesso à construção de sentido.
Considerando que a atividade de produção de textos pressupõe sempre uma atividade
dialógica, na qual o produtor precisará lançar mão das melhores estratégias para dizer o que
tem a dizer, podemos, de igual modo supor que o emprego dos critérios de textualização
implicará, em termos de textos argumentativos escritos, uma boa organização textual com
vistas à ação de interação.
Nesse caso, temos a coerência e a coesão textual, que se instalam no âmbito dos
conhecimentos linguísticos15 e conceituais mobilizados pelo produtor de texto, bem como os
fatores pragmáticos que pressupõem, no processo de produção textual, a adequação discursiva
e a ideia de que esse processo envolve interlocutores, sujeitos históricos, origem e destino de
sua produção (SUASSUNA, 2009).
Compreendendo, pois, que um texto está submetido tanto a controles e estabilizadores
internos como externos, de modo que não devemos considerar a estrutura linguística como
fator único para a produção, estabilidade e funcionamento do texto (MARCUSCHI, 2009a) é
que trataremos, no subtópico que se segue, sobre a coerência e a coesão textuais e sobre os
fatores pragmáticos que interferem na produção de textos escritos argumentativos.

1.6.1 Fatores que interferem na lógica interna e externa do texto

Diversos estudiosos tratam da coesão e da coerência como elementos condicionantes


da textualidade, apontando a existência de uma inter-relação entre elas, ao mesmo tempo em
que as situam como fatores que devem ser entendidos separadamente (VAL, 2006;
MARCUSCHI, 2009; KOCH, 2011).

15
Sobre conhecimento linguístico, Koch (2011, p. 32) registra: O conhecimento linguístico compreende o
conhecimento gramatical e o lexical, sendo o responsável pela articulação som-sentido. É ele o responsável, por
exemplo, pela organização do material linguístico na superfície textual, pelo uso dos meios coesivos que a língua
nos põe à disposição para efetuar a remissão ou a sequenciação textual, pela seleção lexical adequada ao tema
e/ou aos modelos cognitivos ativados.
43
Para Marcuschi (2009), trata-se de duas formas de se observar a textualidade; sustenta
o autor que há uma distinção bastante clara entre a coesão (como a continuidade baseada na
forma) e a coerência (como a continuidade baseada no sentido).
Koch (2011), diferentemente, assinala que, embora sejam fenômenos distintos, há
entre a coerência e a coesão “zonas mais ou menos amplas de imbricação” que dificultam o
estabelecimento de fronteiras entre eles.
Para Val (2006, p. 07), “a coerência e a coesão têm em comum a característica de
promover a inter-relação semântica entre os elementos do discurso, respondendo pelo que se
pode chamar de conectividade textual”, e é nessa direção que pensaremos sobre elas.
Ao considerarmos esses aspectos da textualidade, estamos nos apoiando em alguns
conceitos expostos por Suassuna (2009), que afirma: (a) produzir textos é agir simbolicamente
sobre o mundo, constituir-se como um sujeito que pensa, sente, tem o que dizer para outros
sujeitos; (b) o texto não se esgota na sua linearidade aparente; (c) o texto deve girar em torno
de um tema definido, de modo a se constituir numa totalidade semântica.
Dessa forma, ao analisarmos as estratégias de argumentação utilizadas pelos alunos,
entendemos que as mesmas são usadas em função dos efeitos pretendidos com o texto. A
coesão e a coerência do texto serão analisadas, então, a partir das estratégias identificadas e da
forma como elas são encadeadas nos textos na intenção de construção de sentido, já que,
segundo Val (2006, p. 10), “[...] o fundamental para a textualidade é a relação coerente entre
as ideias”.
Corroborando essa ideia, Gregolin (1993, p. 28) afirma:

Todo texto possui uma organização argumentativa, que é o resultado de dois


tipos de operações: 1. Operações argumentativas microestruturais: processos
coesivos, responsáveis pela organização linear do texto; 2. Operações
argumentativas macrotextuais: processos intra e intertextuais (como a
intencionalidade, a aceitabilidade, a informatividade, a intertextualidade,
etc).

Sendo assim, em termos de produção textual, lidaremos com a coerência tomando por
base a definição apresentada por Marcuschi (2009a, p. 76):

[...] a coerência é o nível da conexão conceitual e estruturação do sentido,


manifestando-se, em grande parte, macrotextualmente. Dá conta do
processamento cognitivo do texto e fornece as categorias que permitem a
análise ao nível mais profundo, envolvendo os fatores que estabelecem
relações causais, pressuposições, implicações de alcance suprafasal e o nível

44
argumentativo. É o aspecto da organização e estabilização da experiência
humana no texto.

Para esse linguista, a coerência é uma relação de sentido que se manifesta entre os
enunciados, normalmente de forma global. É a coerência que encaminha a continuidade de
sentido no texto e a ligação dos próprios tópicos discursivos.
Com posicionamento semelhante, encontramos Beaugrande e Dressler (1981), apud
Marcuschi (2009, p. 121) afirmando que a coerência:

Diz respeito ao modo como os componentes do universo textual, ou seja, os


conceitos e relações subjacentes ao texto de superfície são mutuamente
acessíveis e relevantes entre si, entrando numa configuração veiculadora de
sentidos.

Ainda de acordo com Marcuschi (2009), as relações de coerência devem ser


concebidas como uma entidade cognitiva. É assim que, fundamentando-se nas noções de
língua e de texto adotadas neste estudo, vemos que a coerência não se esgota nas propriedades
léxico-gramaticais imanentes à língua como código (idem, ibidem). Dessa forma, ainda que
essas relações sejam fundamentais para a construção do sentido, é preciso que atividades
linguísticas, cognitivas e interacionais sejam articuladas com esse mesmo fim. É possível que
a articulação dessas atividades se constitua num desafio ao produtor de texto, já que nesse
caso, a coerência é “também fruto de domínios discursivos” segundo esse estudioso.
No que tange à coesão, Koch (2011, p. 45) menciona que é “o fenômeno que diz
respeito ao modo como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se encontram
interligados entre si, por meio de recursos também linguísticos, formando sequências
veiculadoras de sentidos”, sendo essa ideia também compartilhada por Val (2006).
Para Marcuschi (op. cit), o processo de coesão dá conta da estruturação da sequência
do texto (seja por recursos conectivos ou referenciais); esse estudioso esclarece que, embora
seja vista por muitos autores como elemento constitutivo da textualidade, “a coesão não é nem
necessária nem suficiente” para estabelecer a textualidade.
Entendemos por essa ótica que a coesão não constitui necessariamente um elemento
decisivo para a textualidade, mas, em textos argumentativos, pensamos que seja um fator
importante para a progressão das ideias e sequenciação dos argumentos. Sobre esse
posicionamento, Val (2006, p. 08) nos diz que:

[...] é inegável a utilidade dos mecanismos de coesão como fatores da


eficiência do discurso. Além de tornar a superfície textual estável e
45
econômica, na medida em que fornecem possibilidades variadas de se
promover a continuidade e a progressão do texto, também permitem a
explicitação de relações que, implícitas, poderiam ser de difícil
interpretação, sobretudo na escrita.

Continuando essa reflexão, Val (2006) menciona que, sendo responsável pela unidade
formal do texto, a coesão constrói-se através de mecanismos gramaticais e lexicais. Sobre o
primeiro tipo, a autora destaca o uso de pronomes anafóricos, os artigos, a elipse e a
correlação entre os tempos verbais e as conjunções, comentando que esses elementos
expressam relações não só entre os elementos no interior da frase, mas entre frases e
sequências de frases dentro de um texto. Sobre o segundo tipo, menciona que se estabelece
pela reiteração, pela substituição e pela associação. A reiteração, de acordo com essa
pesquisadora, ocorre pela repetição de um item e por processos de nominalização. Já a
substituição ancora-se nas relações de sinonímia, antonímia, hiponímia e hiperonímia. A
associação, por sua vez, diz respeito à relação de itens do vocabulário pertencentes a um
mesmo esquema cognitivo.
É assim que, para Geraldi (2003, p. 109), “a dimensão sequencial do texto, [...]
procura assegurar coerência e conexidade [...] de modo a ir, na abertura, barrando
‘interpretantes’ que poderiam, em princípio, ser chamados a operar na construção do sentido
do texto”.
Expostas essas definições e tendo por suporte a defesa de Geraldi (2003) de que na
produção de texto é preciso que se tenha o que dizer, se tenha uma razão para dizer o que se
tem a dizer, o locutor se constitua como tal, e se escolham as estratégias para realizar o que se
tenha a dizer, tomaremos no decorrer do trabalho mais alguns aspectos da textualidade
(aqueles centrados no produtor e na situação de produção). Desse modo, temos:

1. A intencionalidade − apontada em seu sentido estrito como “a intenção do locutor


de produzir uma manifestação linguística coesiva e coerente [...]” (Fávero apud Marcuschi,
2009, p.127).
No processo de produção textual, é a intencionalidade que orienta a ação discursiva e
confirma, a nosso ver, o caráter dialógico do texto e a ideia de o locutor antecipar-se aos seus
possíveis interlocutores. Para Geraldi (2003, p. 102):

O outro é a medida: é para o outro que se produz o texto. [...] O outro insere-
se já na produção, como condição necessária para que o texto exista. É
porque se sabe do outro que um texto acabado não é fechado em si mesmo.
46
Seu sentido, por maior precisão de que lhe queira dar seu autor, e ele o sabe,
é já na produção um sentido construído a dois. Quanto mais, na produção, o
autor imagina leituras possíveis que pretende afastar, mais a construção do
texto exige do autor o fornecimento de pistas para que a produção do sentido
na leitura seja mais próxima ao sentido que lhe quer dar o autor.

Compreendemos que, tanto mais se conheça o interlocutor, maiores serão as


possibilidades de o produtor desenvolver o seu discurso com vistas a alcançar o objetivo
traçado para o texto.

2. A informatividade − esse recurso diz respeito às informações mobilizadas pelo autor


de um texto em torno de um determinado tema com foco na ação comunicativa. Para
Marcuschi (2009, p. 132), “o certo é que ninguém produz textos para não dizer absolutamente
nada”, mas concordamos com Val (2006) quando ela afirma que, tanto menos previsível seja
um discurso, mais informativo e, possivelmente, mais envolvente ele será. Essa autora ainda
afirma:

Para mim, o texto com bom índice de informatividade precisa ainda atender
a outro requisito: a suficiência de dados. Isso significa que o texto tem que
apresentar todas as informações necessárias para que seja compreendido com
o sentido que o produtor pretende. Não é possível nem desejável que o
discurso explicite todas as informações necessárias ao seu processamento,
mas é preciso que ele deixe inequívocos todos os dados necessários à sua
compreensão aos quais o recebedor não conseguirá chegar sozinho. (VAL,
2006, p. 14)

Mais uma vez, nos remetemos ao que nos diz Geraldi (2003, p. 137): “Por mais
ingênuo que possa parecer, para produzir um texto (em qualquer modalidade) é preciso que se
tenha o que dizer; [...]”. Nesse sentido, será um desafio para o produtor de texto selecionar as
informações necessárias à situação de interlocução que lhe for proposta, observando a
quantidade e a qualidade de informações que deverá dispor em seu texto.

3. A situacionalidade − Para Marcuschi (2009, p. 128), “a situacionalidade é um


critério estratégico”. O autor parte do princípio de que a situacionalidade é um princípio de
adequação textual. Tendo por base a noção de dialogicidade da língua e da ação
sociocomunicativa do texto, e concebendo que uma situação de comunicação não se faz de
forma isolada, mas mediante interlocutores que são sujeitos históricos e constituídos

47
socialmente, a situacionalidade seria uma forma de o texto se adequar tanto a seus contextos
como a seus usuários.
Para Val (2003, p. 12), é “a situacionalidade que diz respeito aos elementos
responsáveis pela pertinência e relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre. É a
adequação do texto à situação sociocomuncicativa”. Esse é também um aspecto relevante na
produção textual, uma vez que se agrega aos efeitos pretendidos com o texto. Ainda segundo
essa mesma autora:

A praxe acaba por estabelecer que, numa dada circunstância, tendo-se em


mente determinada intenção ilocucional, deve-se compor o texto dessa ou
daquela maneira. Assim, há convenções que regem o funcionamento da
linguagem na interação social e que determinam, especificamente, qual o
tipo particular de discurso adequado a cada ato comunicativo. (VAL, 2006,
p. 14).

A situacionalidade, a nosso ver, corresponde também às estratégias do dizer


apresentadas por Geraldi (2003), envolvendo a ideia de que diferentes discursos se relacionam
a diferentes situações. No processo de ensino-aprendizagem da produção textual cabe aos
docentes despertar nos alunos a consciência de que o que pode ser qualidade em um
determinado gênero pode ser um defeito em outro e, nesse caso, a adequação do texto à
situação de comunicação é fator determinante da textualidade.

Na verdade, toda a discussão travada até o momento teve como objetivo propor
reflexões sobre os conceitos de língua, de texto e de contextos de produção textual à luz do
que ocorre no espaço escolar. Ao mesmo tempo, preparar o caminho para o nosso objeto de
estudo, que é a ação argumentativa, especificamente textos escritos argumentativos
produzidos em salas de aula.
Desse modo, conceituando texto e pensando nas situações de produção textual,
faremos no tópico seguinte um histórico da argumentação como prática discursiva e, a partir
dele, exporemos a noção de texto argumentativo delineada no nosso estudo.

1.7 Argumentação: breve histórico e conceito

48
Para falarmos sobre argumentação, um aspecto central nos impulsiona a situar nossa
discussão: qual o lugar que a argumentação ocupa nas ações de linguagem?
Diferentes autores colocam a argumentação como sendo o foco dessas ações. Em
Pécora (1999, p. 88), encontramos: “o sentido do termo argumentação já não se refere apenas
a um tipo particular de emprego verbal, mas sobretudo a uma propriedade fundamental para a
caracterização da linguagem como discurso”.
Koch (2006, p. 17) afirma que “a interação social por intermédio da língua caracteriza-
se fundamentalmente pela argumentatividade.” Para ela, uma vez dotado de razão e vontade,
o homem julga e forma juízos de valor, ao mesmo tempo, em que, por meio do seu discurso,
tenta influir sobre o comportamento do outro, persuadindo-o a compartilhar de determinadas
de suas opiniões.
Encontramos Golder apud Souza (2003, p. 72) afirmando que “toda ação de
linguagem é potencialmente argumentativa, porque o locutor, [...] seleciona o modelo do
discurso que quer adotar, conforme seu objetivo”.
Numa perspectiva semelhante, Gregolin (1993, p. 28) observa que “a argumentação
não é [..] entendida como um acessório que auxilia na transmissão de informações, mas como
‘ato linguístico fundamental’, inerente a todo e qualquer texto[...]”.
Breton (2003), compartilhando com a ideia do papel fundamental que a argumentação
pode exercer na vida dos indivíduos, situa a argumentação como uma prática que é inerente à
comunicação humana, assegurando que na medida em que o homem se identifica com uma
palavra, com um ponto de vista próprio sobre o mundo no qual está inserido, pratica
argumentação.
Leal e Morais (2006, p. 8), ao justificarem a escolha de um tema de pesquisa cujo foco
era a abordagem de aspectos relacionados à produção de textos de opinião na escola, apontam
a argumentação como “uma atividade socialmente relevante que permeia a vida dos
indivíduos em todas as esferas da sociedade”, na medida que a defesa de pontos de vista
constituiria um aspecto fundamental para a inserção social e a autonomia dos sujeitos.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 581) nessa mesma linha registram:

Apenas a existência de uma argumentação, que não seja nem coerciva nem
arbitrária, confere um sentido à liberdade humana, condição de exercício de
uma escolha racional. Se a liberdade fosse apenas adesão necessária a uma
ordem natural previamente dada, excluiria qualquer possibilidade de escolha;
se o exercício da liberdade não fosse fundamentado em razões, toda escolha

49
seria irracional e se reduziria a uma decisão arbitrária atuando num vazio
intelectual.

Esses mesmos autores enfatizam ainda que o poder de deliberar e de argumentar é um


sinal distintivo da linguagem humana.
Por esses pressupostos, compreendemos que não só a linguagem está dotada de uma
base argumentativa, como a própria argumentação é vista enquanto uma ação discursiva que
confere ao homem a sua distinção dos outros animais.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (ibidem), assim como Breton (2003) e Plantin (2008)
comentam que os estudos da argumentação têm seus fundamentos na lógica, na dialética e na
retórica.
No que diz respeito à lógica e mais propriamente à lógica formal, temos a noção de
convencimento por meio de provas demonstrativas (ou demonstração), isto é, a realização de
convencimento através do exame de meios que permitem transformar uma afirmação em um
fato que ninguém poderá contestar, salvo se for apresentado um outro enunciado mais bem
demonstrado.
Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 16)

A busca da univocicade indiscutível chegou a levar os lógicos formalistas a


construírem sistemas nos quais não há preocupação com o sentido das
expressões: ficam felizes se os signos introduzidos e as transformações que
lhes dizem respeito ficam fora de discussão.

Em Leal e Morais (2006), observamos que foi com Aristóteles, no campo da lógica,
que se registrou um estudo mais sistemático sobre o pensamento argumentativo formal, cujo
objetivo era analisar os princípios por meio dos quais as declarações e os argumentos
pudessem ser construídos e validados (ou não), independentemente do contexto, das
representações sociais ou dos objetivos dos falantes. É desse paradigma que decorre a noção
do silogismo, segundo o qual Aristóteles tentava identificar argumentos-padrão que
atendessem às condições lógicas e pudessem ser usados universalmente. Assim, “alguns A
são B, todos os B são C, logo, alguns A são C” (PLANTIN, 2008, p. 12). Para Leal e Morais
(2006), as sistematizações de Aristóteles sobre lógica formal têm sido utilizadas até os dias de
hoje, mas os estudos modernos sobre argumentação muito têm se modificado desde esse
período.
Quanto à dialética, Plantin (2008) indica que, no campo da filosofia, esse paradigma se
processa numa técnica da discussão entre dois parceiros (o respondente, que deve defender

50
uma afirmação dada e o questionador, que deve atacá-la). Esse diálogo procede não por
síntese, mas por eliminação do falso e se constitui numa discussão com perguntas e respostas.
Segundo o autor (ibidem, p. 11),

[...] podemos considerar que o processo torna-se dialético-argumentativo na


medida em que incide sobre um problema determinado, definido em comum
acordo, e ocorre entre parceiros iguais, movidos pela busca do verdadeiro,
do justo ou do bem comum, entre os quais a fala circula livremente segundo
regras explicitamente estabelecidas.

É na retórica (e mais precisamente na nova retórica), por sua vez, que percebemos a
argumentação se desenvolver numa perspectiva dialógica da linguagem.
Breton (2003), em sua abordagem, nos diz que a argumentação se estabeleceu como
um saber sistemático no século V antes de Cristo com o nome de retórica e “durante dois mil
e quinhentos anos, até a explosão das disciplinas do fim do século XIX, a retórica foi o centro
de todo o ensino” (BRETON, 2003, p. 24).
Segundo esse mesmo pesquisador, “o estudo da argumentação como parte da antiga
retórica, foi feito durante muito tempo por filósofos por um lado, e por especialistas literários
da linguagem por outro lado” (BRETON, 2003, p. 14). De acordo com esse estudioso, os
filósofos situavam a argumentação de forma ambígua, já que se perguntavam se nela havia
procedimentos que pudessem nos permitir chegar à verdade de algo ou provar a falsidade.
Para Breton, considerando-se que, no âmbito da comunicação, cada mensagem é vista como
uma opinião que pode ser argumentada, a questão levantada pelos filósofos deixava de ser
relevante, já que não se busca com a argumentação uma verdade ou um erro.
No que se refere ao papel dos literários ante os estudos da argumentação, Breton
(2003) indica que, para eles, na maioria das vezes, argumentar equivalia a “uma apresentação
estética na qual se fazia mais uso da sedução do belo que do raciocínio rigoroso.” Nessa
perspectiva, a retórica se desenvolveu como matéria de ensino, cujo objetivo era iniciar os
jovens na arte suprema do discurso. Decorre daí a associação da retórica à arte do bem falar,
já que a preocupação maior consistia em formar oradores que, por meio de um discurso
eloquente, conseguissem a adesão de um auditório.
Sobre esse aspecto, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 6) afirmam que:

O objeto da retórica antiga era, acima de tudo, a arte de falar em público de


modo persuasivo; referia-se pois, ao uso da linguagem falada, do discurso,
face uma multidão reunida na praça pública, com o intuito de obter a adesão
desta a uma tese que se lhe apresentava.

51
É nessa perspectiva que Breton (2003) considera que a história do saber e dos
conhecimentos acumulados em retórica constituiu-se ao mesmo tempo numa separação
progressiva, desde o período antigo, da arte de convencer com relação à estética da palavra,
como também com relação à busca da verdade, particularmente sob a forma científica.
Em Plantin (2008, p. 9), temos:

A argumentação retórica é definida de maneira bem específica pelas


seguintes características: trata-se de uma retórica referencial, isto é, ela
inclui uma teoria dos signos, formula o problema dos objetos, dos fatos, da
evidência, mesmo que sua representação linguística adequada só possa ser
apreendida no conflito e na negociação das representações. [...] ela é
polifônica [...] seu caráter eloquente é necessário.

É na nova retórica apresentada por Perelman e Olbrechts-Tyteca16 (2005), que


encontramos o objeto da teoria da argumentação sendo definido como o estudo das técnicas
discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que propomos.
Dessa forma, para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 50), “uma argumentação
eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie
nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma
disposição para a ação, que se manifestará no momento oportuno”.
Nesse sentido, defendem que toda argumentação pressupõe a existência de um contato
intelectual, afirmando que a ideia de auditório foi o elemento da retórica tradicional que se
conservou na nova retórica. De acordo com esses estudiosos, a noção de auditório é
“imediatamente evocada assim que se pensa num discurso.” (PERELMAN e OLBRECHTS-
TYTECA, 2005, p. 7), definindo-se auditório, portanto, como o conjunto daqueles que o
orador quer influenciar com sua argumentação. Assim, mudando o auditório, a argumentação
muda de aspecto. Sobre a noção de auditório, Breton (2003) acrescenta que o auditório que o
orador quer convencer a aderir a opinião que ele propõe pode se constituir numa pessoa, num
público, num conjunto de públicos ou, em um caso mais extremo, no próprio orador quando
ele objetiva se autoconvencer.
Em linhas gerais, esses pesquisadores definem o discurso argumentativo como uma
ação em que se busca um efeito imediato sobre o auditório, isto é, o de levá-lo a concordar

16
Encontramos em Breton (2003, p. 18) a seguinte referência sobre Perelman: Chaïm Perelman, um jurista,
filósofo do direito, decidiu assumir e fazer frutificar sua herança ao iniciar o trabalho na sua “nova retórica”. Seu
principal livro “Le Traité de l’argumentation”, escrito em colaboração com L. Olbretchs-Tyteca, marca uma
reviravolta no domínio da retórica. Seu projeto era romper com uma concepção da razão e do raciocínio vinda de
Descartes. Para Perelmam, um raciocínio pode convencer sem ser cálculo, pode ser rigoroso sem ser científico.

52
com as opiniões apresentadas/defendidas pelo orador. Para isso, é importante que o orador
conheça o seu auditório. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 33) acerca desse aspecto
enfatizam:
[...] a natureza do auditório ao qual alguns argumentos podem ser
submetidos com sucesso é que determina em ampla medida tanto o aspecto
que assumirão as argumentações quanto o caráter, o alcance que lhes são
atribuídos.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) introduzem, nesse contexto, uma distinção entre


auditório particular e auditório universal. Segundo esses estudiosos, “a argumentação efetiva
tem de conceber o auditório presumido tão próximo quanto possível da realidade”
(PERELMAN e OLBRETCHS-TYTECA, 2005, p. 22). Sustentam ainda que o conhecimento
daqueles que se pretende conquistar é uma condição prévia de qualquer argumentação. Isso
porque, ao conhecer seu auditório, o orador teria conhecimento sobre os pontos de partida e as
premissas aceitas pelos seus interlocutores. “O importante na argumentação não é saber o que
o próprio orador considera verdadeiro ou probatório, mas qual é o parecer daqueles a quem
ela se dirige” (PERELMAN e OLBRETCHS-TYTECA, 2005, p. 26). Entretanto, para esses
mesmos autores, a argumentação que visa somente a um auditório particular oferece um
inconveniente: o de que o orador, na medida em que se adapta ao modo de ver de seus
ouvintes, arrisca-se a apoiar-se em teses que são estranhas ao que admitem outras pessoas que
não aquelas às quais sua argumentação se destinou.
Por outro lado, apresentam o auditório universal como àquele formado “por todos os
homens adultos e normais” (p. 34) e registram que “uma argumentação dirigida a um
auditório universal deve convencer o leitor do caráter coercivo das razões fornecidas, de sua
evidência, de sua validade absoluta, independente das contingências locais ou históricas” (p.
35). “É de fato ao auditório que cabe o papel principal para determinar a qualidade da
argumentação e o comportamento dos oradores” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA,
2005, p. 27).
Para Leal e Morais (2006), a adoção de um auditório universal corresponderia a uma
estratégia para lidar com grandes auditórios ou com ouvintes/leitores sobre os quais teríamos
uma imagem pouco precisa. De acordo com esses autores, as reflexões apresentadas por
Perelman e Olbrecths-Tyteca sobre a função assumida pelo auditório na construção da
argumentação mostram a ênfase dada a esse aspecto do contexto de produção. Em
contrapartida, Leal e Morais (2006, p 16) afirmam que:

53
É na ideia de que existe um auditório universal que recai o maior perigo de
se “naturalizar” o fenômeno da interação e, consequentemente, do processo
de argumentação. É fundamental reconhecer que, apesar da tentativa de
construção de argumentos que possam causar efeitos em plateias
heterogêneas, há na construção do discurso, influências do contexto de
produção desse discurso e que, no dia a dia, são mais frequentes as situações
em que nos dirigimos a auditórios particulares.

Ainda sobre auditório particular, Breton (2003, p. 26) é enfático ao afirmar que:

Ninguém duvida de que alguém que se esforça para convencer “no vazio”,
ou ainda, que se dirige ao que certos filósofos chamaram de “um auditório
universal”, isto é, a ninguém em particular, corre o risco de encontrar certas
dificuldades. Neste sentido, uma argumentação nunca será universal [...]

Perante o exposto, sempre que estivermos tratando dos contextos de produção de


textos argumentativos, neste estudo, estaremos lidando com a ideia de auditório particular ou
de auditório presumido, tendo por base a noção de argumentação apresentada por Perelman e
Olbrechts-Tyteca (2005, p. 61): “a argumentação é uma ação que tende sempre a modificar
um estado de coisas preexistentes”.
Esse conceito sustenta-se na ideia de que:
O auditório, após o ato argumentativo, não dispõe simplesmente de uma
opinião “a mais” sobre o que ele pensava (se fosse este o caso, estaríamos
num procedimento estritamente informativo), mas precisa mudar seu ponto
de vista ou até sua visão de mundo, ao menos partes desta visão que estão
ligadas ao argumento apresentado. (BRETON, 2003, p. 34)

Após essas considerações iniciais sobre o discurso argumentativo, trataremos no


tópico seguinte sobre o que constitui um texto argumentativo e que estratégias discursivas são
inerentes à construção desse texto.

1.8 O texto argumentativo

Vários autores compreendem que a argumentação necessita de algumas condições


básicas para sua ocorrência: a) existência de um tema passível de debate (LEAL e MORAIS,
2006) ou situações sociais controversas, mas admissíveis (SOUZA, 2003); b) existência de
uma ideia a ser defendida (proposição, declaração, tese); c) proposições que justifiquem ou

54
refutem a declaração (através de evidências, justificativas, contra-argumentação) (LEAL e
MORAIS, 2006); d) um antagonista/opositor, que pode ser real ou virtual (LEAL e MORAIS,
2006). Golder apud Souza (2003), confirmando essa ideia, julga que, para argumentar, é
preciso ter uma tese discutível, ter argumentos opostos que coloquem em jogo os sistemas de
valores do próprio locutor.
Percebemos então que, para argumentar, um sujeito necessita de lançar mão de
algumas estratégias linguístico-discursivas que têm como papel desenvolver um debate de
forma ordenada e coerente, visando à modificação da opinião de seu interlocutor.
Do ponto de vista social e tendo por base muitas afirmações já expostas neste estudo,
podemos confirmar que a argumentação é um tipo de texto bem presente nas nossas relações
cotidianas, mas somente isso não nos garante que possamos desenvolvê-la bem em qualquer
situação comunicativa.
Em uma das situações, por exemplo, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) comentam
que, dependendo do auditório a que a argumentação se destine, a adesão do interlocutor pode
acontecer por dois movimentos: pelo convencimento ou pela persuasão. A decisão do
locutor/produtor de texto por um ou outro movimento vai depender da intenção deste em
relação ao seu interlocutor/auditório. Esses autores chamam de persuasiva uma argumentação
que se direciona exclusivamente ao um auditório particular e, dessa forma, o texto
argumentativo se estruturaria num uso coordenado de argumentos plausíveis e subjetivos.
Quando, por outro lado, o texto argumentativo for marcado pela objetividade,
expressando um raciocínio lógico, objetivando conduzir o interlocutor à certeza por meio de
evidências, a argumentação ocorre por convencimento.
Em linhas gerais, um texto argumentativo seria àquele caracterizado pela apresentação
de uma tese a ser defendida por meio de argumentos, com o objetivo de fundamentar e validar
o que está sendo posto pelo locutor/autor do texto até chegar-se a uma conclusão/resposta. Os
argumentos, segundo Savioli e Fiorin (2001), não são necessariamente uma prova de verdade.
Trata-se antes de um recurso de natureza linguística e discursiva destinado a levar o
interlocutor a aceitar os pontos de vista daquele que fala e se constroem a partir dos
conhecimentos prévios e experiências sócio-histórico-culturais dos produtores de texto. Por
meio dessas estratégias, o produtor do texto busca fazer com que seu texto tenha consistência
de forma a conseguir a adesão do seu auditório.

55
Por esse percurso, o texto argumentativo tem seu conteúdo revelado por um processo
que implica sucessivas regulações, fazendo com que as ideias nele defendidas sejam
construídas, reconstruídas, analisadas e organizadas, de acordo com a demanda de interação,
com vistas a conseguir a adesão de um auditório (CITELLI, 1994).
Sobre o que constitui um discurso argumentativo, Bronckart (2007, p. 226) enfatiza:

[...] o raciocínio argumentativo implica, em primeiro lugar, a existência de


uma tese, supostamente admitida, a respeito de um dado tema. [...] Sobre o
pano de fundo dessa tese anterior, são então propostos dados novos [...], que
são objeto de um processo de inferência, [...] que orienta para uma conclusão
ou nova tese.

Com base nos contextos de uso, nas finalidades e nos tipos textuais dominantes,
Schneuwly e Dolz (2010) apresentam uma classificação de gêneros textuais em cinco
agrupamentos, na qual os textos da ordem do argumentar são descritos no âmbito daqueles
que têm base na discussão de problemas sociais controversos e se caracterizam pela
sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição. Nessa classificação, indicam
como gêneros argumentativos escritos os textos de opinião, a carta do leitor, a carta de
reclamação, a resenha crítica, o ensaio, o editorial e os artigos de opinião.
Do ponto de vista da escrita, por exemplo, a argumentação é um texto que se forma
pela conjugação de dados que se articulam, geralmente, através de conectivos, conjunções e
de formas diversificadas usadas na sustentação, refutação ou negociação dos pontos de vista
ou teses apresentados.
Souza (2003) acrescenta que o discurso argumentativo é ao mesmo tempo justificado e
negociado e, que para que ele seja considerado negociado, a tomada de posição deve ser
alicerçada em argumentos que sejam socialmente aceitos (causalidade, fatos e razões).
Leal e Morais nos chamam a atenção para o fato de que, embora existam várias
orientações didáticas sobre as formas de construção de textos argumentativos, sobre a
estrutura desses textos a ser ensinada na escola, quando passamos a considerar as situações de
interação mediadas pelo texto, tendemos a perceber que os modelos de textos argumentativos
não correspondem a gêneros textuais reais. “Fala-se em ‘textos argumentativos’ como se
existissem, nas práticas sociais, modelos únicos que satisfizessem às diferentes condições
com as quais se deparam os indivíduos na sociedade” (LEAL e MORAIS, 2006, p. 19).
Entendemos, é claro, que as interações sociais não se estabelecem por modelos
estanques ou rígidos de texto, mas consideraremos que em situações de produção de textos
56
argumentativos escritos, as estratégias mínimas discursivas (tese, apresentação de
argumentos, conclusão) serão mobilizadas, ainda que nem todas possam estar presentes num
mesmo texto dessa ordem.
Verifiquemos que Dolz (1995) declara que não existe uma fórmula única de organizar
um discurso argumentativo, porque ele se desenvolve na interação. Os argumentos são
colocados em razão dos objetivos, das características do destinatário, da tese que se quer
defender, e dependem, sobretudo, da situação argumentativa. Assim, esse estudioso não
desconsidera a existência básica dessas mobilizações a serem feitas pelo locutor nas
interações de argumentação.
Pensando nessas estratégias discursivas e apoiando-nos num gênero que foi
mencionado e trabalhado pelos professores desta pesquisa, apresentamos no item que segue
algumas considerações acerca do texto dissertativo-argumentativo ou dissertação
argumentativa, a partir das considerações de Koch (2006), Citelli (1994), Pécora, (1999),
Xavier (2010), Savioli e Fiorin (2001).

1.8.1 A dissertação argumentativa

A dissertação argumentativa, segundo Rojo (1998) apud Koch (2006, p. 59), compõe o
agrupamento de gêneros escolares 217/gêneros escolarizados/gêneros secundários que “são
objeto de ensino/aprendizagem (gêneros secundários do discurso, transpostos para a sala de
aula)”. Rojo (1998) defende que esse texto é o protótipo por excelência desse tipo de gêneros,
uma vez que é feito para a escrita, para o ensino da escrita, para toda a escolaridade, não
existindo fora da escola. Estabelece, por esses aspectos, a artificialidade da dissertação.
Parece-nos que temos aqui um paradoxo: diante da concepção de gêneros como aqueles que
dizem respeito aos textos materializados em situações comunicativas recorrentes
(MARCUSCHI, 2009), como conceber a existência de um gênero puramente artificial e que
não ultrapasse os limites da escola? Para atender às especificidades do gênero dissertação os
locutores não precisariam mobilizar estratégias linguístico-discursivas na sua produção textual

17
De acordo com Koch (2006), Rojo lida com a ideia de gêneros escolares 1 e 2, em que os primeiros
corresponderiam àqueles que servem como instrumentos de comunicação dos quais a instituição escolar
necessita para poder funcionar. A saber: regras, explicações, instruções, etc.
57
e, estas por sua vez, não estariam diretamente ligadas a uma situação real característica do
espaço escolar?
Antunes (2003, p. 46) declara, sobre o trabalho com a escrita:

Como uma das modalidades de uso da língua, a escrita existe para cumprir
diferentes funções sociocomunicativas, de maior ou menor relevância para a
vida da comunidade. [...] Dessa forma, toda escrita responde a um propósito
funcional qualquer, isto é, possibilita a realização de alguma atividade
sociocomunicativa entre as pessoas e está inevitavelmente em relação com
os diversos contextos sociais em que essas pessoas atuam.

É nesse sentido que, contrapondo-se a Rojo, Citelli (1994) acha que as formas
dissertativas estão presentes cotidianamente na vida das pessoas; o segundo autor discorda da
ideia de dissertação se configure num gênero eminentemente voltado à produção escrita. De
acordo com ele, situações comunicativas que envolvem veiculação de ideias, defesa de pontos
de vista, concepções atacadas ou defendidas (discursos da publicidade, do jornalismo, da
política, das aulas, das polêmicas etc.) correspondem a uma atividade dissertativa.
Para esse mesmo autor, “convencer ou persuadir através do arranjo dos diversos
recursos oferecidos pela língua é, numa formulação muito simples, a marca fundamental do
texto dissertativo/argumentativo” (CITELLI, 1994, p. 07).
Continuando essa reflexão, Pécora (1999, p. 96) estabelece: ‘qualquer uso de
linguagem, desde que efetive um vínculo intersubjetivo, desde que se possa reconhecer nele
um efeito de sentido, constitui uma argumentação. Mas, sem dúvida, é na dissertação que ela
se manifesta de uma forma típica [...]”.
Sobre a dissertação argumentativa Xavier (2001, p. 07) sustenta:

Trata-se de um gênero textual específico que circula em várias instituições


sociais entre elas a escola e a universidade, cujas características formais e
funcionais permitem ao seu usuário demonstrar o domínio de certas
habilidades linguísticas e intelectuais. Através de uma dissertação
argumentativa, o autor procura convencer seu leitor a adotar uma posição
(filosófica, política ou ideológica), mudar um comportamento (estético, ético
ou moral) ou aceitar um princípio científico como universal. (Grifo nosso)

Desse modo é que, a partir da concepção de argumentação que orienta nosso estudo,
elegemos para esta pesquisa a definição de dissertação argumentativa acima apresentada por
Xavier (2005), com uma pequena adaptação: defendemos que nesse gênero de texto o autor
procura persuadir seu leitor. Nossa posição ocorre em função da:

58
i. diferença entre convencer e persuadir apontada por Perelman e Olbrechts-
Tyteca (2005) a partir do tipo de auditório do qual se deseja obter a adesão;
esses estudiosos propõem que chamemos de persuasiva a argumentação
direcionada para um auditório particular e de convincente aquela que se destina
a um auditório universal;
ii. importância de o locutor conhecer seus interlocutores reais ou possíveis; assim
é que, nos contextos de produção textual, um texto destina-se a outro alguém,
seu leitor provável, para o qual está-se produzindo o que se produz.
(GERALDI, 2003).
Ainda sobre a dissertação argumentativa, encontramos em Savioli e Fiorin (2001),
assim como, em Xavier (2010) algumas características desse gênero, sintetizadas por nós no
quadro abaixo:

CARACTERÍSTICAS DA DISSERTAÇÃO ARGUMENTATIVA

QUANTO AOS ASPECTOS FORMAIS QUANTO AOS ASPECTOS


LINGUÍSTICO-DISCURSIVOS
Escrita em prosa É um texto temático, cujos pontos
de vista são explícitos.
Distribuída em parágrafos Solicita uma mudança de situação.

Introdução – apresenta o tema


a ser discutido
Desenvolvimento – expõe Tem uma ordenação que obedece
Composta por três partes progressiva e encadeadamente às relações lógicas: analogia,
clássicas o tema através de dados, fatos pertinência, causalidade,
e informações implicação, etc.
Conclusão – fecha a sequência
de ideias e opiniões
desenvolvidas no corpo do
texto

Quadro 1: Síntese geral dos aspectos formais e linguístico-discursivos da dissertação argumentativa

Concluídas essas considerações, interessa-nos ainda refletir sobre as situações


didáticas em que são propostas as produções de textos argumentativos escritos, o que será
apresentado no próximo tópico.

59
1.9 A escrita de textos argumentativos: reflexões a partir do que se ensina na escola

Comecemos por uma afirmação de Breton (2003, p. 23): “hoje ainda, cada indivíduo,
na sua vida cotidiana, é confrontado com inúmeras situações de argumentação e este saber faz
parte da ‘cultura básica’ que todos podem adquirir, de certa maneira, por ‘impregnação’, ao
passo que a argumentação é apenas raramente o objeto de um programa de ensino”.
Admitimos, tal como Breton, que a argumentação constitui-se também na cultura
básica e podemos verificar isso, de forma muito clara, quando lidamos com crianças que
vivenciam desde cedo situações argumentativas orais (SOUZA, 2003). Discordamos, por
outro lado, da afirmação de que essa atividade é dificilmente vista em programas de ensino.
Hoje, já conseguimos visualizar propostas curriculares18 e outros documentos oficiais de
orientação curricular e metodológica nos quais a argumentação é tomada como objeto de
ensino. A saber:
Nos PCN (BRASIL, 1998), lemos:

as propostas de mudanças qualitativas para o processo de ensino-


aprendizagem no nível médio indicam a sistematização de um conjunto de
disposições e atitudes como pesquisar, selecionar informações, analisar,
argumentar, negociar significado, [...] (p.5);

Ainda nesse mesmo documento, temos:


A análise da dimensão dialógica da linguagem permite o reconhecimento de
pontos de vista sobre um mesmo objeto de estudo e a formação de um ponto
de vista próprio. A opção do aluno por um ponto de vista coerente, em
situação determinada, faz parte de uma reflexão consciente e assumida [...]
(p. 21)

Assumimos, porém, a ideia de que a argumentação não se faz de qualquer forma.


Nossa defesa tem suporte na afirmação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 21) que
dizem: “é preciso alguma qualidade para tomar a palavra e ser ouvido”.
É nesse contexto que entendemos que se constitua função da escola proporcionar aos
alunos situações de ensino-aprendizagem diversificadas, nas quais eles possam lidar com
diferentes textos argumentativos, conhecendo algumas situações em que emerge a

18
Sobre alguns documentos legais e norteadores do ensino, podemos mencionar: Proposta curricular: educação
infantil, fundamental e educação de jovens e adultos (CAMARAGIBE, 2009); Base Curricular Comum para as
redes públicas de ensino de Pernambuco: Língua Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008).

60
argumentação e proporcionando-lhes reflexões sobre as estratégias discursivas básicas
constituintes desse tipo de discurso.
Atualmente, é possível encontrarmos professores de língua portuguesa que concebem
a produção de textos argumentativos como uma possibilidade de desenvolverem o senso
crítico dos alunos, já que, por meio desses textos, eles (os alunos) precisam não só apresentar
seus pontos de vista sobre os diversos temas que emergem nas relações sociais, como têm de
convencer os seus pares sobre aquilo que estão defendendo (percepção dos professores sobre
a dialogicidade desse texto e sobre a dimensão argumentativa da linguagem).
É nesse sentido que compreendemos que as práticas pedagógicas ou encaminhamentos
didáticos dados pelo professor de língua materna podem contribuir (ou não) para a construção
de textos argumentativos escritos pelos alunos, uma vez que consideramos o professor como
“mediador entre o objeto de estudos (no caso, o texto) e a aprendizagem que vai se
concretizando nas atividades de sala de aula” (GERALDI, 2003, p. 112).
Nesse contexto, Leal e Morais (2006) registram que, em pesquisa realizada com o
objetivo de analisar se diferentes tipos de práticas de ensino têm influência sobre a capacidade
de produção de textos argumentativos, por meio de observação de aulas de professoras de 2ª a
4ª séries e pela análise de textos produzidos pelos alunos dessas professoras, conseguiram
encontrar dois grupos de professoras quanto ao tipo de ações que desenvolviam nas aulas: a)
as que propunham atividades de escrita em que se concebia o texto como sequência de
informações ou fatos, sem referência em outras práticas sociais de uso da língua; b) as que
percebiam o texto como objeto de ensino e de interação e, dessa forma, propunham situações
que se aproximavam/assemelhavam às situações reais e cotidianas de uso dos textos.
Nessa perspectiva, esses autores declaram que:

A análise desses tipos de intervenção foi fundamental para nossos


propósitos, porque concebemos que, no momento da produção de texto, o
escritor se apoia nas representações que ele tem a respeito do que é um texto
e do que esperam dele naquela instituição onde ele produz o texto.
Concebemos, portanto, que as finalidades e os interlocutores são
representados por meio das expectativas criadas quanto ao lugar de onde se
enuncia e ao momento da enunciação. Na escola, os alunos aprendem que os
professores esperam que eles atendam às exigências da instituição que tem
por função “ensinar”[...](LEAL e MORAIS, 2006, p. 81).

Leal e Morais (2006) registraram ainda que, nessa mesma pesquisa, foram observados
aspectos referentes aos tipos de reflexão que eram conduzidos em sala de aula. Esses autores

61
perceberam que havia um grupo de professores que não proporcionava reflexões sobre o texto
a ser produzido ou realizava reflexões estritamente sob a ótica dos aspectos gramaticais ou
estruturais dos textos; um outro grupo refletia com os alunos sobre os aspectos discursivos
dos textos, ainda que de forma superficial. Dessa forma, esses pesquisadores assinalam que:

As reflexões conduzidas em sala de aula podem ajudar os alunos a construir


as representações sobre as expectativas das professoras enquanto mediadoras
das situações e a ativar as representações sobre os interlocutores que estão
fora da esfera escolar de interação [...] (LEAL e MORAIS, 2006, p. 82).

Considerando também as ocorrências de produção de texto argumentativo, tendo por


fundamento as orientações escolares, Pécora (1999), ao realizar um estudo que se baseou na
análise de provas de redação de vestibulandos e de estudantes universitários do curso de
Práticas de Produção de Textos (IEL/UNICAMP), produzidas a partir de diferentes
comandos, observou uma inconsistência argumentativa marcada pela presença de noções
confusas, noções de totalidade indeterminada (conceitos genéricos, afirmações vagas), provas
morais e argumentos fundados na noção de dever, uso de expressões comuns (reconhecimento
de uma linguagem já produzida e cujo sentido se esgota nesse reconhecimento).
Para esse autor, os problemas de argumentação não devem ser entendidos “tão
somente como problemas de manipulação de determinados artifícios ou instrumentos à
disposição de um determinado usuário, mas sim como problemas que afetam as próprias
condições de produção do discurso” (PÉCORA, 1999, p. 88). Isso porque, a produção de
textos argumentativos supõe um domínio específico por parte do usuário. A questão é que:

[...] via de regra, o processo histórico de escolarização deixa de fornecer esse


conhecimento específico, substituindo-o por uma falsificação do quadro de
condições da escrita. E o que mais falsifica é, justamente, a potencialidade
argumentativa desse quadro (idem, ibidem, p. 91).

Nessa dimensão, esse estudioso afirma que todos os problemas detectados nas
produções de textos dos vestibulandos e dos universitários se configuraram problemas de
argumentação “na medida em que testemunham o fracasso das ocorrências para instituírem
uma relação intersubjetiva de significação” (idem, ibidem, p.90). Esse autor afirma ainda que:

[...] os problemas vistos no decorrer deste trabalho, os problemas que se


caracterizavam pela ausência de domínio em relação ao código da escrita
surgiam muito menos em função de dificuldades técnicas do que em função
das que eram geradas pela concepção de linguagem e de escrita adotada pela
62
escola. O acesso ao código, o aprendizado de umas quantas normas que, em
si, não oferece dificuldade alguma, era bloqueado pelo desprezo, menos
aristocrático que repressivo, em relação aos usos de linguagem efetivamente
produzidos e experimentados pelos alunos (p. 116).

Podemos acrescentar a essa discussão um estudo realizado por Val (2006),


fundamentado na análise de redações de vestibulandos produzidas no vestibular/UFMG,
realizado em janeiro de 1983 (p. 43). Essa autora, considerando as circunstâncias históricas do
momento de produção dessas redações, faz algumas ponderações: relata que “a situação
comunicativa é absolutamente artificial, pois o produtor do texto não é dono do seu assunto,
nem da forma do seu discurso. Vê-se na contingência de discorrer sobre o tema que lhe for
imposto [...]” (VAL, 2006, p. 49); quanto ao interlocutor, afirma que para o produtor do texto,
esse é um desconhecido que poderá impedir a sua entrada na universidade. Daí que na escrita
da redação, a intenção do produtor será demonstrar que tem o domínio de uma modalidade do
código, de forma a garantir sua aprovação no vestibular. Val (2006) aponta que essa
artificialidade do contexto de produção é que irá conduzir o locutor a atingir a meta desejada.
Na análise do corpus de sua pesquisa (os textos dos vestibulandos), essa pesquisadora
identificou que o desempenho dos vestibulandos revelava “razoável sucesso na aprendizagem
dos aspectos envolvidos na produção de texto que dependem de instrução e treinamento”
(idem, ibidem, p. 122).
Segundo ela, os alunos demonstraram domínio satisfatório da língua padrão escrita e
do modelo formal usado para textos dissertativos. “A escola ensinou e eles aprenderam a
expor seu pensamento em linguagem correta e organizado segundo um padrão convencional”
(p. 123).
Essa mesma autora nos diz que:

Entretanto, apesar disso, as redações em sua maioria, não constituem o que


se pode chamar de bons textos. São peças que não agradam nem convencem,
em razão das deficiências quanto à informatividade e à coerência (VAL,
2006, p. 123).

Acerca desses aspectos, Val (2006) continua relatando que o grupo que tinha
produzido as redações era constituído por alunos que tinham concluído o 2º grau (hoje, nosso
ensino médio) e aprovados na 1ª fase, que era eliminatória. Chamou-lhe a atenção que nem
esse grupo conseguiu produzir textos que ela julgou serem de boa qualidade.

63
Segue seu comentário, lembrando que foram considerados, na sua análise, o contexto
imediato de produção escolar, o estado emocional dos alunos diante da situação de produção e
o fato de os vestibulandos estarem produzindo para um interlocutor que não constituiria um
auditório presumido. Este, assumindo o que nos dizem Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005),
seria fator elementar para toda a orientação discursiva da argumentação a ser desenvolvida.19.
É, no entanto, a relação que Val (2006) estabelece entre o que ela chamou de
“elementos anteriores ao desencadeamento das ideias no texto” e o texto produzido que nos
chama a atenção:

Interferem ainda no processo de produção elementos anteriores ao seu


desencadeamento, mas de peso marcante no seu desenrolar. Refiro-me à
ação da família e da escola na história pessoal e na preparação específica do
vestibulando. A ideologia dominante quer fazer crer que há sempre um jeito
certo de fazer a coisas: um jeito certo de enxergar e interpretar a realidade,
um jeito certo de pensar. A partir daí buscam-se receitas, as fórmulas, as
fôrmas. [...] A recomendação é não dizer nada que possa comprometer, não
ousar formular nada que fuja do padrão; é mostrar-se neutro e comedido
(VAL, 2006, p 124).

Isso posto, propomos as seguintes reflexões: se é na escola que os alunos devem


vivenciar situações diversificadas de produção de texto; se tratando-se da argumentação, é a
escola que tem a função de diversificar as situações didáticas de forma a explorar com os
alunos situações cotidianas de uso da língua; se é também papel da escola contribuir para o
desenvolvimento das estratégias argumentativas dos alunos; se há uma concordância entre os
teóricos da argumentação de que esta se inscreve no uso da linguagem, por constituir
atividade estruturante de todo e qualquer discurso (KOCH, 2006), como pode,
contraditoriamente, ser a escola a instituição que tem proporcionado a rigidez nas produções
de texto argumentativo, chegando a ensinar sobre a neutralidade dos discursos? Como pode
essa mesma escola artificializar os contextos de produção desse texto, conduzindo os alunos à
superficialidade do discurso, ao vácuo semântico e à inconsistência argumentativa (PÉCORA,
1999)?
Com essas considerações encerramos por enquanto a nossa discussão, acreditando que
ainda há espaço na instituição escolar para emergirem novos contextos de produção de texto,

19
Achamos por bem, para fins de esclarecimento, expor que: uma vez que a neutralidade nas ações de linguagem
não foi considerada no nosso trabalho, Koch (2006, p. 17) nos coloca que “a aceitação desse postulado faz cair
por terra a distinção entre o que tradicionalmente se costuma chamar de dissertação e de argumentação, visto que
a primeira teria de limitar-se, apenas, à exposição de ideias alheias, sem nenhum posicionamento. Ocorre, porém,
que a simples seleção das opiniões [...] já implica, por si mesma, uma opção”.
64
que sejam de fato significativas para os alunos. Como defende Possenti (2002, p. 2): “houve
um tempo em que se disse a propósito de redações escolares, que importava o conteúdo. Era a
época de uma certa ideologização da escola (necessária, a meu ver), em que era relevante que
os alunos se tornassem sujeitos de um outro discurso, dito crítico”.
É nessa dimensão que as reflexões apresentadas até o momento têm o propósito de
defender que o fundamental, no trabalho com a produção de textos, inclusive, em turmas de
ensino médio, é o desenvolvimento de atividades de reflexão sobre a língua que envolva
práticas de uso reais da língua, proporcionando aos alunos reconhecer os mecanismos que ela
dispõe e dos quais podemos fazer uso para expor nossos pensamentos e defender nossas
opiniões.

No capítulo seguinte, trataremos do percurso metodológico que norteou a nossa


pesquisa.

65
2 METODOLOGIA

A questão metodológica diz respeito aos procedimentos que o pesquisador irá utilizar
e é orientada por pressupostos e compromissos filosóficos que determinam a maneira como
ele apreende o conhecimento sobre o mundo (MOREIRA e CALEFFE, 2008).
Analisando algumas reflexões de Coracini (1991), Suassuna (2008a) considera que a
opção por um caminho metodológico nos estudos da linguagem vai depender das concepções
de linguagem implicadas. Por esse ângulo, considerando o agrupamento feito por Coracini
(1991) e ancorados na concepção de linguagem como discurso que orienta toda a nossa
pesquisa, elegemos um procedimento metodológico que consistisse em:

Partir das representações das condições de produção do discurso inseridas


numa dada formação discursiva (que, por sua vez, se insere numa formação
ideológica), para compreender o texto e os procedimentos nele postos em
prática; aqui, a preocupação maior é com o processo, na medida em que o
analista busca explicar as condições que possibilitam a emergência daquela
[...] realização linguística. (CORACINI, 1991 apud SUASSUNA, 2008a, p.
357).

Por esse raciocínio, compreendemos que a metodologia deve ser pensada como uma
construção teórica que dialoga diretamente com a prática da pesquisa, não se configurando
como instrumental de uma “investigação neutra” (MINAYO, 1998). De acordo com Lüdke e
André (1986), a visão do mundo, os pontos de partida, os fundamentos para a compreensão e
explicação desse mundo irão influenciar a maneira como o pesquisador propõe sua pesquisa.
Moreira e Caleffe (2008) corroboram essa afirmação e acrescentam que todos os
pesquisadores estabelecem pressupostos de algum tipo em relação às questões metodológicas
e esses pressupostos, por sua vez, tendem a agrupar-se em um determinado paradigma.
É nesse caminho que o percurso metodológico adotado no nosso estudo foi sendo
construído com vistas a contemplar a articulação entre a pergunta da pesquisa (o ensino da
argumentação tem proporcionado o desenvolvimento de habilidades argumentativas?) e os
objetivos nela definidos: (1) analisar práticas de ensino de produção de textos argumentativos
escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias argumentativas
utilizadas pelos alunos (2) identificar as concepções de língua, texto e argumentação que
fundamentam a prática de professores de português; (3) analisar as situações didáticas em que

66
são propostas as produções de texto; (4) analisar as produções dos alunos, verificando as
estratégias argumentativas mobilizadas por eles na produção desses textos.
A nossa preocupação inicial era compreender aspectos da prática escolar sem
restringi-la ao que se passa no cotidiano, refletindo sobre como se estabelece o encontro
professor-aluno-conhecimento (ANDRÉ, 2007).

2.1 Paradigmas metodológicos adotados na pesquisa

Uma pesquisa não acontece de forma artificial, mas situa-se em um contexto social.
Em outras palavras, ocorre em uma comunidade de pesquisadores que compartilham
concepções similares em determinadas questões, métodos, técnicas, etc. (SPARKES, 1992
apud MOREIRA e CALEFFE, 2008).
Moreira e Caleffe, analisando as reflexões de Shulman (1986) sobre paradigma,
sustentam a ideia de que esse é o termo mais utilizado para descrever essas comunidades, bem
como, as concepções e métodos que elas partilham. É dessa forma que diferentes paradigmas
proporcionam diferentes maneiras para ver o mundo e dar-lhe sentido.
Em educação, Moreira e Caleffe (2008, p. 39) dizem que:

A pesquisa educacional sempre teve vínculos muito fortes com as tradições


da pesquisa nas ciências sociais. [...] A pesquisa e seus resultados facilitam a
reflexão, a crítica e a maior compreensão do processo educacional, que por
sua vez ajudam a melhorar a prática pedagógica.

Por esse olhar, podemos afirmar que, em educação, as pesquisas se fundamentam no


desejo de conhecer com vistas a fazer algo mais eficiente ou eficaz (GIL, 2010). Também
confirmam essa afirmação Lankshear e Knobel (2008, p. 14) quando afirmam:

Vários autores [...] agruparam uma série de visões amplamente


compartilhadas sobre os propósitos e ideais da pesquisa pedagógica, em
torno de dois conceitos fundamentais. Um deles diz respeito a melhorar a
percepção do papel e da identidade profissional dos professores. O outro é a
ideia de que o envolvimento com a pesquisa pedagógica pode contribuir para
um ensino e uma aprendizagem de melhor qualidade nas salas de aula.

É importante registrar que a pesquisa em educação nem sempre foi desenvolvida por
meio de uma perspectiva sociológica. Durante décadas, por meio do paradigma clássico, cuja
67
característica era a racionalidade técnica e instrumental, que se legitimou como modelo
científico, “as diferenças, as especificidades e os detalhes dos fenômenos em estudo não
tinham importância: o que valia eram exatamente as regularidades e as uniformidades
observadas [...]” (SUASSUNA, 2008, p. 342). Nessa abordagem, a realidade é externa ao
indivíduo.
Autores como Morin (apud Suassuna, 2008a) criticam fortemente essa abordagem da
ciência clássica, registrando que alguns atributos dessa ciência são: a sustentação nos três
pilares da certeza (ordem, separabilidade e lógica); a identificação da contradição com o erro
científico; a separação operada entre sujeito e objeto, sendo a subjetividade tomada como
fonte de erros.
Nessa mesma perspectiva, Santos (apud Suassuna, 2008), numa crítica à racionalidade
científica, mostra que ela supõe a previsão do comportamento futuro dos fenômenos e tem por
pressuposto a ideia de ordem e de estabilidade do mundo.
Compreendendo que esses aspectos não se aplicam à pesquisa em educação e que,
nesse sentido, uma pesquisa nesse campo necessita ter outros critérios de rigor metodológico20
que ajudem o pesquisador a compreender as diversas situações de linguagem; considerando
também que a subjetividade é um dos elementos inerentes à pesquisa de cunho social,
adotamos um paradigma proposto em oposição à visão positivista da ciência moderna: um
paradigma que “busca a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da
constatação, valoriza a indução e assume que fatos e valores estão intimamente relacionados”
(ANDRÉ, 2007, p. 17). De acordo com essa autora, estamos falando da pesquisa descritiva,
interpretativa e qualitativa.
Essa abordagem metodológica permite que o pesquisador se aproxime da escola,
tentando compreender as relações e interações que constituem o seu cotidiano, os modos de
organização do trabalho escolar e o papel de atuação de cada sujeito nesse espaço social
(ANDRÉ, 2007).
No que se refere à pesquisa descritiva, Faria et al (2008) esclarecem que esse método
possibilita ao pesquisador apresentar o seu objeto de pesquisa, procurando descrever e
demonstrar como um determinado fenômeno ocorre, quais são suas características e relações
com outros fenômenos.
20
Referindo-se à pesquisa qualitativa, Duarte (2000) apud Suassuna (2008a, p. 348) lembra que o rigor de uma
pesquisa dessa natureza não se mede apenas por comprovações e estatísticas, mas justamente pela amplitude e
pertinência das explicações e teorias, ainda que estas não sejam definitivas nem sejam generalizáveis os
resultados alcançados.
68
Cervo e Bervian (1983) acrescentam que na pesquisa descritiva o investigador
observa, registra, analisa e correlaciona os fatos sem manipulá-los. Ela pode ser realizada, em
particular, por técnica de coleta de dados como os questionários e a observação sistemática.
Por esses pressupostos, a nossa pesquisa se apoia nos fundamentos da pesquisa
descritiva, já que nela procuramos analisar práticas de ensino de produção de textos
argumentativos escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias
argumentativas utilizadas pelos alunos.
Acerca da pesquisa interpretativa, Moreira e Caleffe (2008, p. 61) lembram:

Os pesquisadores interpretativos rejeitam a visão dos positivistas de que o


mundo social pode ser entendido em termos de relações causais expressas
em generalizações. Para eles, as ações humanas são baseadas nos
significados sociais, tais como crenças e intenções. As pessoas que vivem
juntas interpretam os significados entre elas e esses significados
transformam-se por meio da interação social.

Defendem ao mesmo tempo que para alguns autores (ERICKSON, 1986; SPARKES,
1992 apud MOREIRA e CALEFFE, 2008), o termo “interpretativo” refere-se a uma família
de abordagens e é muito útil por três razões, das quais destacamos: o fato de o paradigma
interpretativo agregar características comuns às várias abordagens; o fato de o interesse
central de todas as pesquisas nesse paradigma ser o significado humano da vida social; a sua
elucidação e exposição pelo pesquisador.
Interessante é que, de acordo com Moreira e Caleffe (2008, p 61):

Os pesquisadores interpretativistas inevitavelmente estudam


particularidades, mas eles diferem nas suas visões sobre até que ponto as
evidências examinadas de várias particularidades possam ser expressas na
forma de generalizações.

E esse é um cuidado necessário a toda pesquisa, a fim de evitarem-se as


generalizações indevidas. Beck (apud Moreira e Caleffe, 2008, p. 62) explica que, no
paradigma interpretativo, “o propósito da ciência social é entender a realidade social, como
diferentes pessoas a veem e demonstrar como essas visões determinam suas ações dentro
desta realidade”.
Acerca da pesquisa qualitativa, Lüdke e André (1986) sustentam algumas posições nas
quais também fundamentamos a nossa escolha. São elas:

69
i. a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com
o ambiente e a situação que está sendo investigada;
ii. os dados coletados são predominantemente descritivos; citações são
frequentemente usadas para subsidiar uma afirmação ou esclarecer um ponto
de vista e todos os dados da realidade são considerados importantes;
iii. a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto; nesse
caso, o interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é
verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas
interações cotidianas;
iv. o significado que as pessoas atribuem às coisas e à sua vida são focos de
atenção especial pelo pesquisador; recorre-se, pois, às concepções dos
participantes sobre o fenômeno pesquisado;
v. a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo; em outras palavras, o
pesquisador não se preocupa em buscar evidências que comprovem hipóteses
previamente definidas para o estudo.
Segundo esses mesmos autores, entre as várias formas que uma pesquisa qualitativa
pode assumir, destaca-se a pesquisa do tipo etnográfico. Esse é um outro paradigma adotado
no nosso estudo, cujo foco é “descrever, analisar e interpretar uma faceta ou segmento da vida
social de um grupo e como isso se relaciona com a educação” (MOREIRA e CALEFFE,
2008, p. 86).
Eles seguem definindo algumas características dessa abordagem, tais como: é uma
pesquisa sem igual, pois enfoca o comportamento social no cenário natural; dá crédito a dados
qualitativos; tem uma perspectiva holística, que toma por base a observação e a interpretação
realizadas no contexto das interações humanas; dá abertura para iniciar-se uma pesquisa com
hipóteses; no procedimento e na análise dos dados envolve-se a contextualização em que os
resultados da pesquisa são interpretados. Essas mesmas características foram também
descritas por André (2007).
Sobre a pesquisa etnográfica, encontramos em Lopes (2006, p. 88) a seguinte
definição:
A etnografia da sala de aula é uma descrição narrativa dos padrões
característicos da vida diária dos participantes sociais (professores e alunos)
na sala de aula de línguas na tentativa de compreender os processos de
ensinar/aprender línguas. Para fazer este tipo de pesquisa é necessário
participar na sala de aula como observador participante, escrever diários,
70
entrevistar alunos e professores, gravar aulas em áudio e vídeo etc., para
então, tentar descobrir: a) o que está acontecendo neste contexto; b) como
esses acontecimentos estão organizados; c) o que significam para alunos e
professores...

Para Moreira e Caleffe (2008, p. 88) “o maior apelo da pesquisa etnográfica é poder
construir, melhor do que qualquer outro tipo de pesquisa, um retrato rico e detalhado da vida
humana”.
Perante o exposto, decidimos por uma abordagem interpretativa e qualitativa, do tipo
etnográfico e, tendo por base as características pontuadas por Moreira e Caleffe (2008), assim
como por André (2007), estabelecemos a seguinte correlação com os nossos objetivos de
estudo: (1) investigamos a prática de dois professores de língua portuguesa no contexto da
sala de aula em diferentes escolas; (2) as aulas observadas foram registradas em diários de
campo e algumas delas, gravadas em áudio, havendo ainda entrevistas com os professores; (3)
mesmo com enfoque na prática pedagógica do professor, as observações e as interpretações
foram feitas tendo em conta as interações que ocorriam no espaço da sala de aula; (4) nosso
estudo contou com uma hipótese inicial, ainda que não buscássemos a comprovação ou
negação da mesma ao longo da pesquisa; (5) por meio das observações, buscamos
compreender se os procedimentos pedagógicos davam conta daquilo a que se propunham so
professores no ensino da argumentação escrita; (6) e por meio das entrevistas, observamos as
concepções de professores sobre língua, texto, argumentação e ensino da produção escrita de
texto argumentativo.
Gil (2010, p. 41), sobre a pesquisa etnográfica, acrescenta:

A pesquisa etnográfica apresenta uma série de vantagens em relação a outros


delineamentos. Como ela é realizada no próprio local em que ocorre o
fenômeno, seus resultados costumam ser mais fidedignos. [...] Como o
pesquisador apresenta maior nível de participação, torna-se maior a
probabilidade de os sujeitos oferecerem respostas mais confiáveis.

Esse estudioso nos diz que, embora algumas pesquisas etnográficas possam ser
caracterizadas como estudos de comunidade, a maioria se realiza no âmbito de unidades
menores, tais como as escolas. Em educação, as pesquisas etnográficas podem se utilizar
ainda de técnicas de coletas de dados complementares como a análise de documentos e de
fotografias, e a realização de filmagens.
No que diz respeito aos aspectos da indução e da descrição, André (2007) esclarece
que, na pesquisa etnográfica, o pesquisador faz uso de um produtivo trabalho de descrição e
71
análise de situações de campo, sujeitos, documentos, depoimentos, etc., que por ele são
reconstruídos em forma de palavras ou transcrições literais.
Por essas circunstâncias, a pesquisa etnográfica nos permitiu acompanhar e
compreender o cotidiano de aulas de língua portuguesa na instância pública da rede estadual,
em particular, o eixo da produção de textos. Assim, para além do senso comum que se
estabelece sobre a prática docente e sobre o perfil dos alunos da rede pública, o
acompanhamento realizado nos permitiu um novo olhar sobre o objeto de pesquisa, de forma
a observar conteúdos e competências que são privilegiados no ensino de língua materna, bem
como a resposta dos alunos mediante as práticas exercidas por seus professores.
Adotamos ainda na nossa pesquisa o paradigma metodológico indiciário, que pode ser
também considerado “um tipo específico de pesquisa qualitativa”. (SUASSUNA, 2008a, p.
362).
Esse paradigma foi proposto pelo historiador italiano Carlo Ginzburg a partir da ideia
de que a História tradicional deixou de considerar uma série de detalhes que eram relevantes
para a explicação dos fatos históricos. Nessa direção, Ginzburg (1998) apud Suassuna (2008a)
buscou valorizar as ideias, as crenças e as percepções dos indivíduos ou de grupos sociais
diante dos acontecimentos históricos. Em uma de suas obras, ele defende o princípio de que o
historiador poderia, por esse viés, operar com pistas, sintomas e indícios, e não somente com
fatos explícitos (SUASSUNA, ibidem).
Ginzburg registra que esse paradigma começou a revelar-se nas Ciências Humanas no
século XIX, mas suas origens datam de períodos mais antigos. Suassuna (2008a, p. 364)
afirma que “o que caracteriza esse saber é a possibilidade de o pesquisador, a partir de dados
aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa, não experimental
diretamente”.
Ainda segundo essa autora (ibidem, p. 364), “o paradigma indiciário se apoia na ideia
de que, sendo a realidade opaca, alguns de seus sinais e indícios permitiriam ‘decifrá-la’, no
sentido de que indícios mínimos podem ser reveladores de fenômenos gerais”. Segundo
Suassuna (ibidem), Ginzburg se utiliza do termo “rigor flexível” para caracterizar o
paradigma indiciário. Assim, esse paradigma não trabalha com regras explícitas ou
preexistentes, mas com pistas, indícios que possibilitam perceber elementos da realidade que
possivelmente seriam difíceis de serem captados por outros meios de investigação. É sobre
esse paradigma que Fiad (1997) apud Suassuna (2004, p. 178) argumenta:

72
Dentro do paradigma indiciário, dados singulares e particulares que, em
outra perspectiva teórica, seriam considerados marginais podem vir a tornar-
se reveladores e significativos. Assim, o paradigma indiciário recupera a
possibilidade de examinar pormenores e marcas individuais presentes nas
várias atividades humanas, entre elas, a linguagem: [...] permite ao analista ir
em busca de explicações, mais do que tentar encontrar evidências para
explicações e teorias já existentes.

Um exemplo interessante que encontramos a respeito do paradigma indiciário está em


Pimentel (apud Suassuna, 2008a). A primeira pesquisadora, numa investigação sobre a
produção de textos na escola e partindo da hipótese de que elementos constitutivos da
experiência anterior dos alunos com a linguagem são reconstruídos nos textos que eles
escrevem, procurou verificar nos textos indícios de leituras realizadas na escola e fora dela.
O paradigma indiciário na nossa pesquisa foi fundamental por nos permitir verificar
que não foi a repetição de certas ocorrências que nos ajudou a compreender a realidade do
contexto escolar de produção de texto, e sim o que havia de significativo nessas situações de
produção. Isso porque “o mundo social é um mundo significativo em que os autores
constroem e reconstroem as realidades de suas vidas. Qualquer ordem encontrada é criada
pelos próprios atores [...]” (MOREIRA e CALEFFE, 2008, p. 52). À luz do paradigma
indiciário pudemos observar que elementos constitutivos de experiências anteriores dos
professores sobre o ensino da produção de textos foram evidenciados na sua prática
pedagógica. Ao mesmo tempo, verificamos de que forma as orientações dadas por esses
professores (manifestações verbais sobre como os textos deveriam ser produzidos, modelos
apresentados, estrutura textual a ser seguida etc.) se expressaram como eventuais
aprendizagens significativas nos textos dos alunos. É a defesa de Ginzburg (1999) apud
Suassuna (2008a, p. 368) quando afirma que “manifestações singulares materializam algo das
complexas relações entre os alunos, a língua e a escola”.
Em linhas gerais, portanto o nosso estudo se constitui numa pesquisa de abordagem
qualitativa, descritiva, interpretativa, de cunho etnográfico e indiciário, e que traz como
questão central: o ensino da argumentação tem permitido o desenvolvimento de habilidades
argumentativas?

2.2 Métodos e instrumentos de coleta de dados

73
Uma das considerações de André (2007) sobre a pesquisa qualitativa e etnográfica é a
possibilidade de fazer uso de técnicas como a observação participante, a entrevista e a análise
de documentos. Dessa forma, articulando objeto e objetivos de nossa pesquisa, elegemos
como instrumentos de coleta de dados: 1. a entrevista; 2. a observação; 3. a análise
documental.

2.2.1 Entrevista

Para Richardson et al (2010), em todas as ações que envolvem indivíduos, é


importante que as pessoas compreendam o que ocorre com os outros, e a interação face a face
se constitui na melhor forma de lidar com o outro. É partindo desse pressuposto que ele toma
a entrevista como uma técnica importante que possibilita o desenvolvimento de uma relação
mais íntima entre as pessoas.
Sobre entrevista, Marconi e Lakatos (2010, p. 178) declaram:

A entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de uma delas obter


informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação
de natureza profissional. É um procedimento utilizado na investigação
social, para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento
de um problema social. [...] Trata-se, pois, de uma conversação efetuada face
a face, de maneira metódica; proporciona ao entrevistador, verbalmente, a
informação necessária. Alguns autores consideram a entrevista como o
instrumento por excelência de investigação social.

Esses mesmos pesquisadores acrescentam que o objetivo principal é obter informações


sobre determinado assunto ou problema e elencam, quanto ao conteúdo, tipos de objetivo: a)
averiguação de fatos; b) determinação das opiniões sobre os fatos; c) determinação de
sentimentos; d) descoberta de planos de ação; e) conduta atual ou do passado; f) motivos
conscientes para opiniões, sentimentos, sistemas ou condutas.
Na nossa pesquisa, essa categorização nos orientou quanto à decisão pelo uso da
entrevista. Por meio desse recurso, definimos como critérios de análise: (1) a concepção de
professores de português sobre argumentação e texto argumentativo; (2) formas de condução
didática no trabalho de produção de texto argumentativo.

74
Nesse contexto, precisávamos definir o tipo de entrevista a ser realizado e, para isso,
contamos com a seguinte classificação de entrevistas:
i. entrevista estruturada – definida como aquela em que o entrevistador segue um
roteiro previamente estabelecido; as perguntas feitas ao sujeito são
predeterminadas (MARCONI e LAKATOS, 2010);
ii. entrevista não estruturada – nela, o entrevistador tem liberdade para
desenvolver cada situação em qualquer direção que julgar pertinente, e
adequada (MARCONI e LAKATOS, 2010);
iii. entrevista semiestruturada – nessa entrevista, as questões devem suscitar uma
verbalização que expresse o modo de pensar ou de agir das pessoas, ante ao
tema em foco; para Lüdke & André (1986), esse tipo de entrevista possibilita a
combinação entre perguntas abertas e fechadas, de forma a permitir ao
entrevistado discorrer sobre o tema sugerido.
Isso posto, elegemos a entrevista semiestruturada como aquela que atendia melhor às
nossas pretensões.
As entrevistas foram realizadas em abril de 2011. Na ocasião, entramos em contato,
por meio telefônico, com diversas escolas da rede estadual de Camaragibe (PE), verificando
se ofertavam a modalidade do ensino médio e quais os professores de português que eram
efetivos na própria escola, há pelo menos três anos (tendo por base o ano de realização da
pesquisa). Estávamos presumindo a possibilidade de encontrar professores que estivessem
acompanhando, pelo menos desde o ano anterior, a turma a ser pesquisada.
Após a elaboração de um roteiro prévio (mas não fechado) de perguntas, em
consonância com os objetivos traçados para a entrevista, conversamos com dez professores de
língua portuguesa que se encaixavam no perfil inicialmente traçado, explicando as finalidades
de nossa pesquisa e verificando a possibilidade de realizarmos a entrevista21 com eles, em
momento oportuno para os mesmos e na própria escola. Dos dez professores, oito permitiram
que a entrevista fosse realizada.
Nesse sentido, as entrevistas serviram como elemento que nos permitiu selecionar os
professores cujas turmas seriam observadas. Por meio delas, obtivemos dados quanto à
formação acadêmica dos professores, às turmas e modalidades nas quais lecionavam, à

21
Todas as entrevistas, devidamente autorizadas pelos professores, foram gravadas mediante nosso compromisso
de mantermos em sigilo os nomes da escola e do professor, evitando assim quaisquer constrangimentos futuros
para eles.
75
frequência com que propunham atividades de produção de textos, aos encaminhamentos
didáticos realizados com vistas à produção textual. A essas questões atrelamos o perfil final
de professor desejado, que seria aquele que: (1) realizasse, em termos de produção de texto,
um trabalho sistemático com textos argumentativos; (2) trabalhasse com uma turma do 3º ano
do ensino médio; (3) tivesse lecionado língua portuguesa nessa turma no ano letivo anterior.
De posse desses dados, selecionamos dois sujeitos de pesquisa a quem trataremos, no decorrer
da análise, por Professora A e Professora B.
As entrevistas se configuraram ainda num espaço em que os professores relataram as
dificuldades encontradas na docência de português e apontaram algumas soluções para a
melhoria do ensino de língua.

2.2.2 Observação

A observação é segundo André (1986), uma técnica que ocupa um lugar privilegiado
nas pesquisas em educação, uma vez que, usada como principal método de investigação ou
associada a outras técnicas de coleta, possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador
com o fenômeno pesquisado. Essa autora acrescenta que “a observação permite a coleta de
dados em situações em que é impossível outras formas de comunicação” (ANDRÉ, 1986, p.
26).
No que se refere a essa técnica, Marconi e Lakatos (2010, p. 174) argumentam:

A observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e


utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não
consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou
fenômenos que se deseja estudar. É um elemento básico de investigação
científica, utilizado na pesquisa de campo [...] A observação ajuda o
pesquisador a identificar [...] objetivos sobre os quais os indivíduos não têm
consciência, mas que orientam seu comportamento. (Grifo nosso)

Tendo por base as várias modalidades de observação (quanto aos meios, à participação
do observador, ao nível), realizamos uma observação estruturada ou sistemática, participante
e individual.
Por observação estruturada ou sistemática, Marconi e Lakatos (2010) compreendem
que se trata daquela que se realiza de forma planejada, com cuidado e sistematizada. Nela, o
76
observador conhece o que procura e o que necessita em determinada situação. É a observação
em que o pesquisador precisa articular bem objetivos da pesquisa e aspectos a serem
observados, a fim de eliminar sua influência sobre o que vê ou recolhe. Dessa forma,
desconsidera aspectos observados que não sejam o foco de seu estudo.
Já a observação participante é aquela que se realiza através do contato direto do
pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores
sociais em seus contextos (RICHARDSON, 2010; MINAYO, 1998). Um ponto importante
desse tipo de observação é ganhar a confiança do grupo, permitindo que os indivíduos
compreendam a importância da investigação (MARCONI e LAKATOS, 2010).
Ainda sobre o caráter dessa técnica, a nossa observação foi individual por ser realizada
por um pesquisador. Como vantagem desse tipo de observação, Marconi e Lakatos (2010, p.
177) apontam a possibilidade que tem o investigador de “intensificar a objetividade de suas
informações, indicando, ao anotar os dados, quais são os eventos reais e quais são as
interpretações”.
Para Selltiz (1965) apud Marconi e Lakatos (2010, p. 174), “a observação torna-se
científica à medida que convém a um formulado plano de pesquisa; [...] é registrada
metodicamente [...]”. Por esse pressuposto, nas observações de aula, utilizamos um diário de
campo, no qual pudemos documentar/registrar/acompanhar as ocorrências das atividades de
produção de texto, registrando os aspectos que seriam pertinentes à pesquisa (formas de
condução do professor, orientações dadas aos alunos, materiais utilizados nas aulas, utilização
de um planejamento prévio para as aulas).
As observações transcorreram no período compreendido entre 03 de maio de 2011 e
14 de junho de 2011 e se adequaram aos horários de aula das professoras em suas respectivas
turmas de 3º ano do ensino médio, ao calendário escolar e à influência de alguns fatores
externos22.
Embora o nosso foco de pesquisa fossem os eventos relacionados diretamente à
produção de textos argumentativos, participamos de uma sequência de dez aulas que nem
sempre foram destinadas a esse eixo de ensino. Os encontros foram distribuídos da seguinte
forma:

22
Definimos por fatores externos aqueles que interferem na realização das aulas, mas que fogem ao controle da
ação pedagógica, tais como: mudança repentina de horário de aula por parte da direção da instituição escolar;
ocorrência de fortes chuvas, dando origem a alagamentos dentro do espaço escolar e inviabilizando a ocorrência
das atividades letivas; falta do professor por motivo de doença na família; realização de reunião pedagógica
convocada em caráter extraordinário por afastamento provisório do diretor de uma das escolas-campo.
77
Escola Sujeito Turma Turno Período de observação Carga
maio/11 jun/11 horária total
observada23
Pública Professora 3º Ano A Tarde 10h ------ 10h
estadual A
Pública Professora 3º Ano B Manhã 8h 2h 10h
estadual B
Tabela 1 – Quantitativo de horas-aula observadas por professor

Considerando que a observação é utilizada para conseguirmos informações; que nela


se utilizam os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade; e que nela não se
configura apenas por permitir ao pesquisador ver ou ouvir, mas também examinar fatos ou
fenômenos que se deseja pesquisar (MARCONI e LAKATOS, 2010), elencamos os seguintes
critérios de análise para os dados coletados na observação: (1) situações didáticas em que são
propostas as produções de texto argumentativo; (2) gêneros textuais trabalhados; (3) objetivos
traçados para as aulas; (4) conteúdos que são privilegiados pelo professor no ensino de língua
portuguesa; (5) relação entre as atividades propostas e as atuais orientações para o ensino da
produção de textos24.
Em síntese, ratificamos a escolha da entrevista e da observação no nosso estudo por
meio da afirmação de André (2007, p. 41):

Por meio de técnicas etnográficas de observação participante e de entrevistas


intensivas, é possível documentar o não-documentado, isto é, desvelar os
encontros e desencontros que permeiam o dia a dia da prática escolar,
descrever as ações e representações dos seus atores sociais, reconstruir sua
linguagem, suas formas de comunicação e os significados que são criados e
recriados no cotidiano do seu fazer pedagógico.

No período em que observamos as aulas, presenciamos situações de produção de texto


conforme expresso na tabela a seguir:
Grupo- Quantitativos
classe Alunos Média Eventos de produção
matriculados de Aulas textual Total de
alunos observa eventos
nas das Individual Coletiva
aulas
A/tarde 30 18 10h 01 ----- 01
B/manhã 30 23 10h 01 02 03
Tabela 2: Quadro sintético das situações de produção

23
Na rede estadual, a duração de cada aula é de 50min.
24
Nesse item, consideramos também se os professores privilegiavam atividades que conduziam à adequação do
texto às intenções do seu produtor ou enfatizavam a realização de atividades de metalinguagem.
78
2.2.3 Análise documental

Segundo Flick (2009, p. 232):

Ao decidir-se pela utilização de documentos em um estudo, deve-se sempre


vê-los como meios de comunicação. O pesquisador deverá também
perguntar-se acerca de quem produziu esse documento, com que objetivo e
para quem? [...] Os documentos não são portanto apenas simples dados que
se pode usar como recurso para a pesquisa. [...] o pesquisador deve sempre
focalizar esses documentos enquanto um tópico de pesquisa: quais são suas
características, em que condições específicas foram produzidas.

Em nossa pesquisa, a análise documental parte do pressuposto de que documento é


toda base de conhecimento fixado materialmente e passível de ser utilizado para consulta ou
estudo (CERVO e BERVIAN, 1983). No nosso caso, são as produções escritas dos alunos
que servirão de material de análise. Corrobora a primeira afirmação Severino (2007, p. 124),
que diz:

[...] em ciência, documento é todo objeto (livro, jornal, estátua, escultura,


edifício, ferramenta, túmulo, monumento, foto, filme, vídeo, disco, CD etc.)
que se torna suporte material [...] de uma informação (oral, gestual, visual,
sonora) que nele é fixada mediante técnicas especiais (escritura, impressão,
incrustação, pintura, escultura, construção).

Para tanto, essa técnica visou ao atendimento de dois objetivos: (1) analisar estratégias
utilizadas no ensino da produção escrita de textos argumentativos, identificando de que forma
essas estratégias se revelam nos textos dos alunos; (2) analisar as produções dos alunos,
verificando as estratégias argumentativas utilizadas por eles na produção desses textos. Esse
material foi previamente solicitado a cada professor participante da pesquisa, antes mesmo do
primeiro dia de observação de aula. Dessa forma, logo após a produção, os textos eram
recolhidos pelas docentes e entregues à pesquisadora, que se comprometia a fotocopiá-los e
devolvê-los a esses professores.
De acordo com Lüdke e André (1986), a análise documental é pouco explorada não só
na área de educação como em outras áreas de ação social, sendo, entretanto, uma técnica
valiosa de abordagem de dados qualitativos. Para essas autoras a análise documental

79
representa a possibilidade de identificar informações factuais, podendo completar
informações adquiridas por meio de outras técnicas ou desvelar novos aspectos de um dado
problema de pesquisa. Em nosso estudo, a análise de documentos veio se aliar às entrevistas
realizadas e aos dados obtidos na observação participante.
Em consonância com os objetivos delineados, elegemos os seguintes critérios de
análise dos documentos obtidos: (1) os textos apresentam ponto de vista claro; (2) nos textos
o autor se posiciona com vistas a um interlocutor real/virtual; (3) que estratégias da
argumentação foram mobilizadas pelos alunos.
Na intenção de situar o leitor quanto aos gêneros textuais e ao quantitativo de textos
produzidos, apresentamos a tabela a seguir:

Grupo-classe Gêneros textuais


Resenha Dissertação
argumentativa Quantitativo
Turma A ------ 11 de textos obtidos
Turma B 0925 23
0926
Total de textos coletados 09 43 52
Tabela 3: Caracterização e quantitativo dos textos produzidos

Em função do quantitativo de textos obtidos, estabelecemos critérios de seleção desses


documentos para constituir o corpus (em termos de documentos) de nossa pesquisa. Assim, o
nosso recorte se deu em função do(a):
i. gênero textual trabalhado com maior frequência no período observado;
ii. produção individual do aluno;
iii. frequência/participação do aluno em todas as aulas observadas;
iv. legibilidade do texto.
Nesse sentido, compuseram o corpus do nosso estudo dezessete dissertações
produzidas pelos alunos das turmas acompanhadas.
Adicionalmente, realizamos uma análise documental com vistas a fundamentar a nossa
escolha pela rede estadual de ensino e ao mesmo tempo, verificar as relações entre esses
documentos oficiais e o ensino de língua portuguesa. Constituem esses materiais a Base
Curricular Comum para as Redes Públicas de Ensino de Pernambuco/BCC (PERNAMBUCO,

25
Produção coletiva – geralmente realizada por 09 equipes compostas por 02 ou 03 alunos cada uma.
26
Ver nota anterior
80
2008) e as Orientações Teórico-Metodológicas para os Ensinos Fundamental e Médio/Língua
Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008a; 2008b), nos quais se propõem atividades de produção
de textos argumentativos.

2.4 Caracterização das etapas e critérios para a escolha dos sujeitos/campos de pesquisa

A nossa pesquisa de campo foi realizada em duas unidades de ensino da rede pública
estadual, situadas no centro do município de Camaragibe (PE). A escolha das duas escolas se
deu em função dos critérios definidos para o perfil de professor cujas aulas pretendíamos
observar: (1) aquele que explicitasse na entrevista que, em termos de produção de texto,
realizava um trabalho sistemático com textos argumentativos; (2) aquele que trabalhasse com
uma turma do 3º ano do ensino médio; (3) aquele que tivesse lecionado língua portuguesa
nessa turma no ano letivo anterior.
Nesse sentido, selecionamos dois sujeitos que, por razões éticas nomeamos aqui de
Professora A e Professora B, cujos perfis descrevemos a seguir.
A Professora A é graduada em Licenciatura em Letras pela Faculdade de Formação de
Professores da Mata Sul desde o ano de 2004. Cursou Especialização em Ensino da Língua
Portuguesa, em 2009, na Universidade de Pernambuco/Campus Garanhuns. É professora há
04 (quatro) anos e efetiva da rede estadual de Pernambuco desde 2007. Leciona na Escola A,
desde esse mesmo período, a disciplina de língua portuguesa. No ano da pesquisa (2011), a
professora mencionou estar trabalhando apenas com turmas do 3º ano, o que para ela era um
desafio.
A Professora B é graduada em Licenciatura em Letras pela Universidade de
Pernambuco/Campus Mata Norte, com habilitação para o ensino de língua inglesa e língua
portuguesa desde o ano de 1995. Cursou Especialização em Literatura Brasileira, no Centro
de Artes e Comunicação da UFPE. É professora há 18 (dezoito) anos e efetiva da rede
estadual de ensino desde 1993. Leciona na Escola B desde 2004, trabalhando com as mesmas
disciplinas em que se habilitou e em turmas do ensino fundamental e do ensino médio.
Situando-nos quanto à escola campo de pesquisa A, a referida unidade de ensino está
localizada no centro de Camaragibe (PE), atendendo a, aproximadamente, 1.071 (mil e setenta

81
e um) alunos com perfil socioeconômico baixo, distribuídos nas modalidades do Ensino
Fundamental (8 e 9 anos), Ensino Médio (Educação de Jovens e Adultos), Ensino Médio
(Normal Médio) e Ensino Médio (Regular). Dispõe de 10 (dez) salas de aulas pequenas e
pouco ventiladas, 01 (um) laboratório de informática, 01 (uma) biblioteca, 01 (uma)
secretaria, 01 (uma) sala de direção, 01 (uma) sala de professores, 01 (um) almoxarifado, 01
(uma) cozinha, 04 (quatro) sanitários, 01 (uma) quadra coberta que também é utilizada como
pátio escolar. Conta com um corpo docente formado por 69 (sessenta e nove) professores
efetivos, 02 (dois) secretários, 01 (um) vice-diretor, 01 (diretor). Funciona desde 2001 em três
turnos (manhã, tarde e noite) e é gerenciada pela Gerência Regional de Ensino Metropolitana
Sul, órgão vinculado à Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Conseguimos
autorização por parte da professora A para a realização da pesquisa e ao solicitarmos
autorização formal para adentrarmos no campo, não fomos indagados pelos gestores sobre o
teor do nosso estudo, possíveis implicações para a unidade de ensino em questão nem acerca
do tempo em que estaríamos na escola.
Caracterizando a escola campo de pesquisa B, apresentamos as seguintes informações:
a escola situa-se no centro de Camaragibe, atendendo a aproximadamente 1.182 (mil cento e
oitenta e dois) alunos com perfil socioeconômico baixo. É uma das escolas mais antigas da
rede estadual de ensino nesse município (sua portaria de funcionamento data de 1967) e
oferece as modalidades do Ensino Fundamental Anos Finais (6º ao 9 ano), Ensino Médio
(Educação de Jovens e Adultos), Ensino Médio (Travessia) e Ensino Médio (Regular). Dispõe
de 14 (catorze) salas de aula amplas que podem abranger cerca de 40 (quarenta) alunos,
respeitando-se os limites de metro quadrado por aluno definidos pela legislação de nosso país.
Conta ainda com 01(uma) secretaria, 01 (uma) diretoria, 01 (uma) sala de recursos
audiovisuais, 01 (um) laboratório para aulas de Química, 02 (dois) Núcleos de Ensino de
Línguas (Espanhol e Inglês), 01 (uma) quadra, 01 (um) pátio, 01 (uma) cozinha, (01) sala de
professores, 01 (um) almoxarifado. Funciona nos turnos manhã, tarde e noite, e conta com um
corpo docente formado por 77 (setenta e sete) professores, entre efetivos e contratados, 01
(um) secretário, 01 (um) vice-diretor e 01 (um) diretor27. Avaliamos por bem registrar que, em
relação ao ensino de língua portuguesa, os professores do Ensino Médio promovem,
anualmente, um encontro para socialização de trabalhos nessa área, cuja ênfase é dada à

27
Os profissionais das Escolas A e B responsáveis pelos serviços de limpeza e manutenção assim como, pelo
preparo da merenda escolar, são funcionários de uma empresa privada terceirizada, que presta serviço à
Secretaria de Educação de Pernambuco.
82
pesquisa em Literatura. Podemos ainda citar que a nossa presença na escola não foi de
conhecimento do gestor da mesma, já que todas as vezes em que comparecemos à instituição
para solicitar a permissão para a realização da pesquisa, esse profissional não se encontrava
presente. Desse modo, iniciamos e concluímos nosso estudo com a autorização da professora
B e contamos com o apoio de professores de outras áreas (Matemática e Biologia), bem como
de um funcionário da secretaria da Escola B.
A escolha da rede estadual de ensino de Pernambuco, por sua vez, justifica-se pelos
seguintes fatos: (1) essa rede dispõe de dois documentos-base para o ensino de língua
portuguesa nos ensinos fundamental e médio: a Base Curricular Comum para as Redes
Públicas de Ensino de Pernambuco/BCC (PERNAMBUCO, 2008) e as Orientações Teórico-
Metodológicas para os Ensinos Fundamental e Médio/Língua Portuguesa (PERNAMBUCO,
2008a; 2008b), nas quais se propõem atividades de produção de textos argumentativos; (2) em
Camaragibe, não existem escolas da rede pública municipal destinadas ao ensino médio.
De igual modo, as propostas desses documentos se fundamentam em algumas das
concepções adotadas na nossa pesquisa, tais como:
i. língua como interação social: “As noções básicas que fundamentam a base
curricular na área estão apoiadas na compreensão de que a linguagem é uma
atividade de interação social”. (PERNAMBUCO, 2008, p. 67);
ii. texto como produto da atividade verbal: “Toda língua somente se atualiza sob a
forma de textos, que se manifestam para além da palavra ou da frase isoladas”
(ibidem, p. 69);
iii. gênero textual como instrumentos socioculturais e de aprendizagem: “Os textos
se concretizam em diferentes gêneros [...], cada um com suas particularidades
temáticas, suas intenções específicas [...] e seus modelos de organização[...]”.
(ibidem, p. 69);
iv. argumentação como ação de linguagem que possibilita maior inserção dos
indivíduos na sociedade onde vivem: “[...] muitos dados têm apontado para a
urgência atual de se fortalecer, na escola, competências para a análise, a
reflexão, a crítica e a autocrítica, a argumentação consistente[...]” (ibidem, p.
35).
A BCC-PE enfatiza ainda a necessidade de um trabalho sistemático e articulado com
os eixos de ensino propostos por Geraldi (2004) nas aulas de português. Nela podemos

83
encontrar: “[...] é esperado que as competências em análise, leitura e produção das múltiplas
linguagens sejam as competências prioritárias das atividades realizadas na escola”.
(PERNAMBUCO, 2008, p. 36).
Ainda na BCC-PE, visualizamos uma crítica à concepção de ensino que atribui ao
professor o papel de transmissor de conhecimento, a saber:

Nessa concepção, a aprendizagem é vista como o acúmulo de conteúdos, e o


ensino se baseia essencialmente na “verbalização” do conhecimento, por
parte do professor. Se, por um lado, essa corrente teórica apresenta a
vantagem de possibilitar que um grande número de alunos seja atingido ao
mesmo tempo, por outro lado demanda alunos passivos, obedientes e
dispostos a considerar a palavra do professor como a verdade estabelecida
(PERNAMBUCO, 2008, p. 57).

Acerca das mesmas concepções já mencionadas e de forma mais sintética, as


Orientações Teórico-Metodológicas expõem em sua apresentação:

Através da linguagem como uma atividade de interação social, os


interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros textuais, expressando e
criando os sentidos que marcam as identidades individuais e sociais de uma
comunidade determinada (PERNAMBUCO, 2008a, 2008b, p. 06).

Essas orientações também apontam como eixos organizadores do ensino, nas


modalidades de fundamental e médio, a oralidade, a leitura, a produção de textos e a análise
linguística.
Com foco nas situações de produção de textos argumentativos, optamos por realizar
nosso estudo com turmas de 3º ano do ensino médio, por duas razões: (1) acreditávamos que
pela trajetória de escolaridade percorrida (ao menos doze anos), os alunos já dispusessem de
conhecimentos suficientes para desenvolver um texto argumentativo escrito; (2) encontramos
nas Orientações Teórico-Metodológicas uma ênfase dada ao trabalho com esse gênero de
texto nessa mesma etapa escolar28. Segue abaixo um quadro-resumo (adaptado do original)
com as orientações sobre a produção de textos argumentativos:

28
Mencionamos ênfase porque no documento de orientação para o ensino fundamental (1ª a 8ª série) também
encontramos registros a respeito do trabalho com esse gênero textual. Porém, é no ensino médio que
visualizamos a incidência de orientações em todas as unidades letivas.
84
ENSINO MÉDIO – 3º ANO – EIXO PRODUÇÃO DE TEXTO
Unidades letivas Referências básicas

-Produção de texto argumentativo: carta argumentativa e resenha crítica


-Retextualização: produção escrita de textos a partir de outros textos
1
tomados como base ou fonte.
Reflexão sobre os textos produzidos
-Produção de resumos
-Produção de resenhas
-Produção de pesquisas bibliográficas
-Reelaboração (revisão/reescrita) do texto

2 -Produção de texto informativo: entrevista de emprego


-Produção de texto argumentativo: dissertação escolar
-Retextualização: produção escrita de textos a partir de outros textos
tomados como base ou fonte.
-Reflexão sobre os textos produzidos
-Produção de resumos
-Produção de resenhas
-Produção de pesquisas bibliográficas
-Reelaboração (revisão/reescrita) do texto

-Produção de texto argumentativo: redação escolar29


-Produção de texto informativo:
3
-Reflexão sobre os textos produzidos
curriculum vitae
-Reelaboração (revisão/reescrita) do texto

-Produção de texto argumentativo: redação escolar


-Produção de texto informativo:
4
-Reflexão sobre os textos produzidos
curriculum vitae
-Reelaboração (revisão/reescrita) do texto

Quadro 5: Quadro-resumo com as orientações para o ensino médio/componente curricular Língua Portuguesa –
adaptado das Orientações Teórico-Metodológicas para o ensino médio (PERNAMBUCO, 2008b)

Descritos os instrumentos de coleta e os critérios de análise, vejamos um quadro-


síntese com essas informações:

29
O documento não deixa clara a definição de redação escolar
85
QUADRO-SÍNTESE DOS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DOS DADOS

MÉTODOS DE ENTREVISTA OBSERVAÇÃO ANÁLISE


COLETA DOCUMENTAL

DOCUMENTOS
CORPUS DEPOIMENTOS DAS DIÁRIOS DE CAMPO (TEXTOS DOS
PROFESSORAS ALUNOS)

(1) Concepção das (1) Situações didáticas (1) Os textos apresentam


professoras de português em que são propostas as ponto de vista claro
sobre argumentação e produções de texto
texto argumentativo argumentativo;

(2) Formas de condução (2) Quais gêneros (2) Nos textos o autor se
didática no trabalho de textuais são trabalhados posiciona com vistas a um
produção de texto interlocutor real/virtual;
CRITÉRIOS DE argumentativo
ANÁLISE

(3) Quais os objetivos (3) Que estratégias da


traçados para as aulas argumentação foram
mobilizadas pelos alunos.

(4) Que conteúdos são


privilegiados pelas
professoras no ensino de
língua portuguesa

(5) Relação entre as


atividades propostas e as
atuais orientações para o
ensino da produção de
textos.
Quadro 4: Quadro-síntese dos critérios de análise dos dados

Justificadas as razões pelas quais definimos o nosso campo e os sujeitos de pesquisa,


assim como os instrumentos de coleta de dados, o próximo capítulo é destinado à análise e
discussão destes.

86
3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o
ponto de vista que cria o objeto; aliás, nada nos diz de antemão que uma
dessas maneiras de considerar o fato em questão seja anterior ou superior às
outras. (SAUSSURE, 2006, p. 15)

Esse célebre pensamento de Saussure sugere que as interpretações de um determinado


objeto podem assumir aspectos diversificados em função do olhar do pesquisador sobre esse
mesmo objeto. É esse olhar que vai determinar a singularidade do fenômeno que se quer
analisar.
Na nossa pesquisa, assumindo a singularidade que cada dado pode fazer emergir,
realizamos uma análise dentro de uma perspectiva reflexiva, descritiva e explicativa
(MOREIRA e CALEFFE), à luz dos paradigmas teóricos adotados neste estudo.

3.1 As entrevistas semiestruturadas

As entrevistas foram gravadas e transcorreram com tranquilidade, apesar de o uso do


gravador causar certo desconforto no início de cada uma delas. Nesse contexto, atentando
para o que Moreira e Caleffe (2008) orientam sobre a inevitável formalidade que o gravador
traz à situação, dedicamos os momentos iniciais a esclarecimentos sobre a pesquisa, com o
objetivo de tranquilizar os participantes acerca daquele procedimento (ver roteiro de
entrevista no Apêndice deste trabalho, p. 185).
Assim, após um período que podemos chamar de “adaptação ao gravador” (e, por que
não, ao entrevistador), usamos algumas questões iniciais, tais como: (1) ano e universidade
onde o professor tinha concluído a graduação; (2) curso de aperfeiçoamento ou de pós-
graduação realizado; (3) tempo de exercício da docência na rede estadual; (4) tempo de
docência na unidade de ensino onde estávamos realizando a entrevista; (5)
turmas/modalidades em que lecionava no ano da pesquisa etc.
Após essa introdução, direcionamos a entrevista para questões de caráter mais
subjetivo e relacionadas diretamente aos nossos objetivos de pesquisa. Conversamos, então,
sobre aspectos voltados à prática docente: (1) procedimentos usuais do professor nas aulas de
87
língua; (2) conteúdos trabalhados; (3) planejamento de aula; (4) frequência de atividades de
produção de textos; (5) o que se entende por argumentação e texto argumentativo; (6)
situações didáticas voltadas à produção desse texto; (7) dificuldades identificadas pelo
professor no ensino de língua; (8) dificuldades encontradas no ensino da produção de textos;
(9) soluções e propostas para a melhoria do ensino de língua;
É a partir desse cenário que vamos indicar o que foi possível apreender das
informações fornecidas por nossos sujeitos de pesquisa.
Tendo em conta o referencial teórico, as perspectivas de ensino de língua portuguesa e
o conceito de argumentação e de texto argumentativo assumidos neste estudo, as entrevistas
buscavam revelar: (1) a concepção das professoras de português sobre argumentação e texto
argumentativo; (2) as formas de condução didática no trabalho de produção desse texto.
De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) o discurso argumentativo é uma
ação em que se busca um efeito imediato sobre o auditório, no sentido de levá-lo a concordar
com as opiniões apresentadas pelo orador. Esses mesmos estudiosos afirmam que “é preciso
alguma qualidade para tomar a palavra e ser ouvido”.
De igual modo, Bronkcart (2007, p. 226) assim define o discurso argumentativo:

[...] o raciocínio argumentativo implica, em primeiro lugar, a existência de


uma tese, supostamente admitida, a respeito de um dado tema. [...] Sobre o
pano de fundo dessa tese anterior, são então propostos dados novos [...] que
são objeto de um processo de inferência, [...] que orienta para uma conclusão
ou nova tese.

Por essa mesma linha de pensamento, o texto argumentativo se configura num gênero
que permite ao seu produtor demonstrar o domínio de certas habilidades linguísticas e
intelectuais, no sentido de persuadir o seu interlocutor a adotar uma posição, mudar um
comportamento ou aceitar um princípio.
Ainda, autores como Leal e Morais (2006) vão apontar algumas condições básicas
para o exercício da argumentação, como: (a) existência de um tema passível de debate ou
situações sociais controversas; (b) existência de uma tese a ser defendida; (c) a necessidade de
argumentos que justifiquem ou refutem a tese em questão.
Nesse sentido, no que tange à concepção de argumentação e de texto argumentativo,
os relatos evidenciaram que as professoras:

1. concebem argumentação como a defesa de ideias, opiniões, pontos de vista:

88
“Argumentar é defender suas ideias, se posicionar diante de determinado assunto” (Profª A)
“Argumentar é basicamente defender uma ideia, defender uma opinião diante dos outros” (Profª
B)

2. definem texto argumentativo como aquele em que os alunos se posicionam sobre


um determinado tema
“Porque eles são terceiro ano e têm que desenvolver as ideias, dizer se é a favor ou contra de um
tema” (Profª A)
“Ele vai pegar um texto argumentativo e ele vai dizer se é a favor ou se é contra” (Profª B)

3. associam a argumentação ao texto dissertativo-argumentativo


“Trabalho com argumentação, com dissertação. Eles têm aquela estrutura na cabeça: introdução,
desenvolvimento e conclusão. Aí eu digo para os alunos que não é só isso” (Profª A)
“Eu trago a estrutura do texto e situações corriqueiras pra eles entenderem o que é argumentar, o
que é dissertar” (Profª B)

4. reconhecem algumas condições básicas para a argumentação, tais como:

a. existência de um tema passível de debate ou situações sociais controversas,


mas admissíveis (racismo, violência nas escolas):
“...para trabalhar com textos argumentativos, percebo que a gente tem que tratar com temas
sociais...Vou levar, quer dizer, já levei pra eles um texto sobre racismo” (Profª A)
“Inclusive botei agora um tema sobre a violência nas escolas e tentei aliar com o lado familiar”
(Profª B)

b. existência de uma ideia a ser defendida (proposição, declaração, tese) por


meio de argumentos e com vistas a uma conclusão/adesão do auditório:
“Isso para eles irem construindo os argumentos” (Profª A)
“Ele vai pegar um texto argumentativo e ele vai dizer se ele é favor, se ele é contra. Tem turma
que é maravilhosa na questão de produzir argumento, mas tem turma que até na argumentação
oral tem muita inconsistência” (Profª B)

89
“Por mais que a gente ensine a estrutura do texto argumentativo, eles têm dificuldade em
conseguir organizar as ideias até a conclusão” (Profª B)
Com relação às formas de condução didática no trabalho de produção de textos
argumentativos, o que visualizamos foi:
(1) As professoras estabelecem a necessidade de realizarem leituras prévias sobre os
temas a serem propostos nas produções textuais:
“Assim, a grande dificuldade é que os alunos não leem, não procuram se informar. No terceiro
ano, por se tratar de textos argumentativos, percebo que a desinformação deles é grande. Há falta
de consistência nos argumentos. Falta leitura. Por isso eu faço antes uma sensibilização com
eles” (Profª A)
“Os alunos sentem dificuldade para produzir textos argumentativos e eu imagino que seja pela
falta de hábito com a leitura. Tem poucos que leem. Quem lê mais, com certeza, escreve melhor. A
gente nota que desenvolve o texto com mais facilidade. Quem não tem o hábito da leitura, é
notório que eles têm uma grande dificuldade de escrever, porque não têm ideias, não sabem
organizar as ideias, não têm familiaridade com textos” (Profª B)

De acordo com Geraldi (2004, p. 97):

Tiradas as farpas, entre aspas, que vão mais em razão dos efeitos do que das
propostas, o que se quer salientar é que a leitura do texto como pretexto para
outra atividade define a própria interlocução que se estabelece. Não vejo por
que um texto não possa ser pretexto (para dramatizações, ilustrações,
desenhos, produção de outros textos, etc.). [...] Prefiro discordar do pretexto
e não do fato de o texto ter sido pretexto.

Ainda que concordemos com Geraldi (2003), é notório que as duas professoras
focalizam a atividade de leitura em função da deficiência que dizem perceber nos seus alunos,
por ocasião das situações de produção de textos.
Desse modo, dois aspectos nos chamaram atenção: (1) como os alunos dispõem de
poucas informações se a escola deveria ser o espaço privilegiado para a realização de leituras
diversas?; (2) a leitura somente é proposta se necessariamente estiver a serviço de uma
produção textual? Há que se questionar o espaço destinado à leitura nas aulas desses sujeitos e
refletir sobre a mediação que está sendo desenvolvida acerca desse eixo.
Somando-se a isso, perguntamos: qual o espaço, com efeito, destinado às atividades de
produção de texto argumentativo?; que finalidades são elencadas para as situações de
produção desse texto?

90
(2) Após a realização da leitura prévia, as professoras realizam debates para
socialização de informações ou construção de argumentos:
“Trago tema, faço debates, faço um tribunal. Com temas polêmicos, eu faço um tribunalzinho
assim na sala de aula. Primeiro eu dou um texto-base, eles leem, aí faço um grupinho, eles leem,
debatem, vão criar os argumentos. Depois eu escolho um aleatoriamente para ir fazer o debate.
Isso para eles irem construindo os argumentos. Eles gostam e dizem que aula fica dinâmica”
(Profª A)
“Trago um texto como base, eles leem e depois começa a produção. Geralmente, para trabalhar
com a produção de texto argumentativo, a gente faz a leitura; inclusive porque tem turma que até
na argumentação oral tem muita inconsistência. Depois a gente faz um debate para eles irem
argumentando oralmente. Eles gostam e participam” (Profª B)

A nosso ver, a atividade que suscita o debate oral será válida se, de fato, visar: (1) à
problematização das informações veiculadas nessas situações; (2) a possibilitar o confronto
de opiniões com vistas à formação discursiva dos alunos para a argumentação; (3) a facilitar
a apresentação de ideias com o professor exercendo o papel de mediador e registrando as
diversas teses defendidas e os argumentos a elas correspondentes.

(3) A professora A relata que, após a leitura, propõe a produção de texto por meio de
perguntas.
“Eu começo com questionamentos, porque a partir do momento que eles começam a responder
aquelas perguntas, eles já estão produzindo pequenos textos. E eles vão começar a montar textos
maiores”.

A docente não explicitou outros objetivos para essa didática. No entanto, será bastante
coerente para o ensino da produção textual se essa atividade objetivar que os alunos reflitam
sobre a organização do texto (disposição de ideias nos parágrafos, formas de emprego dos
elementos linguísticos e discursivos) em função dos objetivos que se pretende atingir.
Val (2004, p. 5), comentando sobre aspectos importantes que implicam tanto na leitura
quanto na produção de um texto, lembra que:

Todo texto tem que ser pensado em função de seu contexto. Se isso é
verdade para o funcionamento efetivo dos textos nas trocas linguageiras que
acontecem de fato na vida social, é preciso que os alunos compreendam esse

91
fato e aprendam a lidar com ele, na produção e na interpretação de textos
falados e escritos.

(4) As duas professoras dão ênfase ao estudo da composição estrutural do texto


dissertativo-argumentativo:
“Eu peguei alguns textos argumentativos e mostrei para eles o que era introdução,
desenvolvimento e conclusão” (Profª A)
“Eles viram a estrutura: introdução, desenvolvimento e conclusão. [...]Mostro a eles a estrutura
do texto, falo sobre a estrutura do texto [...]Por mais que a gente ensine a estrutura do texto
argumentativo, eles têm dificuldade em conseguir organizar as ideias até a conclusão” (Profª B)

A estrutura formal do texto dissertativo-argumentativo é apresentada por Xavier


(2010), bem como por Savioli e Fiorin (2001) como abrangendo a introdução, o
desenvolvimento e a conclusão. Precisamos, no entanto, chamar atenção para o fato de que,
somente oferecer aos alunos a composição estrutural desse gênero, sem levá-los a refletir
sobre recursos e efeitos pretendidos com essa organização não vai assegurar que, em situações
de produção, eles desenvolvam as estratégias de argumentação. É necessário que os alunos
compreendam que as diferenças formais que os textos exigem (quanto à seleção de palavras,
estruturação em períodos, parágrafos) decorrem de diferentes funções que esses textos têm a
cumprir.
Ainda acerca da questão de lidarmos com esses aspectos estruturais, Geraldi (2010,
p.116) alerta:

Infelizmente, muitos dos trabalhos com base nos gêneros discursivos,


tomando Bakhtin como fonte de inspiração, seguiram a tradição dos estudos
da linguagem: definir as estabilidades, esconder as instabilidades e fixar a
questão do gênero em sua composição formal, esquecendo que esta, ao se
deixar penetrar pela vida, desestabiliza-se. (Grifo nosso)

De uma forma geral, ainda que com as entrevistas buscássemos compreender as


noções de argumentação e de texto argumentativo das professoras da pesquisa e as formas de
condução didática no trabalho com esse texto, as entrevistas revelaram que:
i. As professoras compreendem a língua como um código, um conjunto de regras
a ser estudado e, desse modo, a ênfase do ensino recai sobre os conhecimentos
gramaticais. Vejamos alguns relatos:

92
“Eu faço leituras, trabalho sempre com textos; interpretação e trago também questões para
trabalhar com gramática.[...] Agora esse ano, eles só produziram texto uma vez, porque eu tinha
outros conteúdos para trabalhar... da gramática” (Profª A)
“Eu planejo minhas aulas bimestralmente e dentro do planejamento vou me guiando pelo livro
didático, que tem muitos textos. Agora, algumas coisas eu trago por fora. Como, por exemplo, a
questão gramatical. Se o livro não se aprofunda muito e eu vejo que eles têm necessidade de algo
mais, eu acabo encaixando esse conteúdo” (Profª B)

De acordo com Geraldi (2011, p. 116), “o retorno ao ensino da gramática pode


produzir a tranquilidade de consciência que o paradoxo do ensino baseado em textos coloca
para a escola e para a sociedade”. Esse autor registra que é como se voltássemos a imaginar
que de um conhecimento gramatical resultasse num bom desempenho linguístico.

ii. As professoras registram que sempre trabalham com textos referindo-se às


atividades de leitura e interpretação. Quando indagadas acerca de atividades de
produção, as mesmas delegam ao texto um papel secundário. Vejamos:
“No segundo semestre, eu trabalho mais com produção, por causa do vestibular.”(Profª A)

Tendo em conta que a entrevista foi realizada em maio/2011 e que já tinham decorrido
aproximadamente quatro meses de período letivo, a mesma Professora registra:
“Agora, esse ano, eles só produziram texto uma vez, porque eu tinha outros conteúdos para
trabalhar... da gramática” (Profª A)

As professoras, comentando sobre o tratamento dado ao texto, em termos de produção,


relatam:
“Trouxe também coesão e coerência para eles observarem. Mostrei o que era cada um”(Profª A)
“Trago um texto como base, eles leem e depois começa a produção” (Profª B)

Desse modo, pressupomos que:


(1) as docentes distanciam-se da concepção de texto como uma atividade dialógica, como
o lugar por excelência da interação entre sujeitos; como afirma Geraldi (2003, p. 98),
“um texto é o produto de uma atividade discursiva onde alguém diz algo a alguém”;
não percebemos indícios dessa noção nas falas das professoras;
93
(2) muito provavelmente, à luz da concepção de língua como um código a ser dominado,
o texto é pensado pelas professoras como um todo, composto por elementos apenas
linguísticos e sua estrutura composicional precisa ser ensinada por meio de outros
textos que servirão como modelo para as produções dos alunos.

iii. Não foram mencionadas atividades de revisão e reescrita de textos, o que nos
indicia que os alunos não são levados a um processo de escrita no qual
construam a sua autonomia, refletindo sobre suas decisões acerca do que, em
seus textos, pode ser retirado, permanecer ou ser reformulado.
No momento das entrevistas, as docentes comentaram sobre as etapas de preparação
para a produção textual. Não mencionaram entretanto que, no decorrer do processo de escrita,
os alunos fossem direcionados a um processo de revisão e reescrita textual. Antunes (2003)
nos chama atenção para alguns aspectos referentes às etapas de um planejamento para a
escrita:
(1) elaborar um texto escrito é uma tarefa cujo sucesso não se encerra
simplesmente pela decodificação das ideias ou das informações;
(2) produzir um texto escrito não é uma atividade que implica apenas o ato de
escrever; em outras palavras, não é apenas a materialização das ideias no papel
por meio de sinais gráficos;
(3) a escrita de um texto supõe várias etapas que se correlacionam e que cumprem
uma função específica em prol do que se pretende alcançar com a produção;
segundo essa mesma autora: “A escrita compreende etapas distintas e
integradas de realização (planejamento, operação e revisão), as quais, por sua
vez, implicam da parte de quem escreve uma série de decisões” (idem, ibidem,
p. 54).
É nesse caminho que, à luz de Antunes (2003), podemos inferir que as propostas de
produção de texto sugeridas pelas professoras assemelham-se ao que Geraldi (2003) vai
chamar de prática de redação escolar (aquelas realizadas num determinado limite de tempo,
geralmente improvisadas e sem objetivos mais amplos que não o de simplesmente escrever).
Por esse caminho, para além das concepções sobre argumentação e texto
argumentativo já mencionadas no início desta seção, pensamos aqui que, em suas falas, as
professoras se preocupavam em demonstrar que as aulas de língua portuguesa tinham por base

94
um trabalho sistemático com textos, no que diz respeito às atividades de leitura e de escrita,
mas não deixavam de lado a constante preocupação em recorrer aos conteúdos de gramática
(e não estamos nos referindo à análise linguística). De acordo com Antunes (2003, p. 41), essa
é “uma tendência centrada na língua enquanto sistema em potencial, enquanto conjunto
abstrato de signos [...], desvinculado de suas condições de realização”. Isso nos leva a
presumir que as professoras estão num impasse entre o conhecimento que já possuem e suas
representações sobre o que significa ensinar português nos dias atuais.
Outro aspecto que nos chamou a atenção foi o fato das duas professoras conhecerem
pouco os documentos curriculares oficiais que norteiam as ações pedagógicas na rede estadual
de ensino de Pernambuco - as Orientações Teórico-Metodológicas (2008a; 2008b) e a BCC-
PE (2008) −, delegando aos autores de livro didático a competência/responsabilidade pela
definição dos conteúdos a serem dados nas aulas de língua.
Partindo dessas análises, procuraremos correlacionar essas informações à etapa
seguinte de nossa pesquisa: a observação de aulas.

3.2 As aulas observadas: situando o leitor

Concluída a fase das entrevistas e devidamente autorizados pelos sujeitos que delas
participaram e que se enquadravam no perfil traçado para as observações de aula, iniciamos a
nossa pesquisa de campo. Nesse período, acompanhamos uma sequência de 10 horas-aula em
cada turma de 3º ano, o que efetivamente se traduziu em 20 horas-aula totais de observação.
Antes do início das mesmas, solicitamos o horário de aulas de cada professora e o
calendário letivo de suas respectivas escolas. A Professora B ministrava aulas nas turmas de
3º ano A, B e C, no turno da manhã da Escola B, sendo a turma B a única em que ela tinha
acompanhado no ano letivo anterior ministrando com aulas de língua portuguesa. A
Professora A lecionava nas turmas A e B da Escola A, ambas no turno da tarde, tendo
acompanhado os alunos que delas faziam parte em 2010. A escolha pela turma A ocorreu em
função de adequação aos nossos horários.
Com base nas considerações de Moreira e Caleffe (2008) que mencionam a
importância de o pesquisador não fazer observações nas primeiras visitas, a fim de que os

95
indivíduos gradativamente se acostumem com a sua presença, estivemos nas respectivas salas
em dois momentos diferentes, no mês de abril/2011, deixando a decisão de informar aos
alunos sobre quem éramos e os motivos pelos quais ali estávamos para as próprias docentes.
Nesse sentido, a Professora A optou por não comunicar aos estudantes sobre as
finalidades de nossas observações de aula, sob o argumento de que eles se comportariam mais
naturalmente se desconhecessem os motivos da pesquisa, o que foi respeitado por nós até o
último momento de observação.
Por outro lado, a Professora B, já no primeiro momento informou aos alunos sobre
alguns dados nossos (nome, profissão etc.) e as razões pelas quais estaríamos com eles
durante um certo período de tempo. A referida Professora justificou que, agindo dessa forma,
os alunos comportar-se-iam mais naturalmente e ela estaria, ao mesmo tempo, evitando
quaisquer especulações que pudessem surgir. De igual modo, realizamos as observações
respeitando a decisão dessa educadora.
Tendo em vista o tipo de observação (sistemática, participante e individual) escolhido
para nosso estudo, as observações de aula tinham como objetivo analisar as situações
didáticas em que são propostas as produções de texto. Para tanto, consideramos os seguintes
critérios de análise: (1) quais as situações didáticas em que são propostas as produções
textuais argumentativas; (2) quais gêneros textuais são trabalhados; (3) quais os objetivos
traçados para as aulas; (4) que conteúdos são privilegiados pelas professoras no ensino de
língua portuguesa; (5) relação entre as atividades propostas e as atuais orientações para o
ensino da produção de textos.
A partir dessa direção, registramos as aulas num diário de campo, tentando
compreender cada evento como uma ação de linguagem que envolve uma metodologia de
ensino articulada a uma opção política (GERALDI, 2004); e a nossa atuação, como uma
forma de descrever e interpretar a realidade, numa tentativa de compartilhar significados com
outros (MOREIRA e CALEFFE, 2008).
Apoiando-nos ainda em Geraldi (2004, p. 40), enfatizamos: “[...] as questões aqui
levantadas procuram fugir tanto da receita quanto da denúncia, buscando construir alguma
alternativa de ação, apesar dos perigos resultantes da complexidade do tema: ensino de língua
materna”. Antes, registramos que não visualizamos problemas de indisciplina nas duas turmas
observadas, o que possivelmente já contribuiria para a realização de atividades pedagógicas
com certa tranquilidade.

96
3.2 1 As aulas observadas da Professora A

As observações de aula na turma da Professora A tiveram início no dia 03/05/2011 e


transcorreram até o dia 18/05/2011. No decorrer desse período, observamos que os
encaminhamentos didáticos consistiam, geralmente, em atividades gramaticais. Esse conteúdo
esteve presente em seis dos dez eventos de aula por nós acompanhados.
Bronckart (2007), ao realizar algumas considerações sobre as abordagens didáticas da
linguagem e seu funcionamento, verificou que estas, quando centradas na unicidade da língua,
articulam-se aos métodos tradicionais de ensino. Segundo ele,

Com efeito, elas preconizam que se realize, em primeiro lugar, uma


abordagem gramatical (no sentido de gramática de frases), destinada a dotar
os alunos de uma consciência explícita das principais categorias e estruturas
do sistema da língua, pensando-se que, com essa base, os alunos
desenvolveriam, posteriormente, uma maestria textual, tanto em relação aos
aspectos de produção quanto aos de compreensão-interpretação.
(BRONCKART, 2007, p. 84).

As ocorrências nas aulas da Professora A e a forma como ela encadeou a sequência de


conteúdos, nos encontros, dão indícios de que sua prática se rege por esse pensamento.
Vejamos as aulas de nº 01 e 02:
Data da aula: 03/05/2011
Aulas nº 01 e 02 Conteúdos trabalhados: leitura, estrutura do enunciado ou do período,
formas nominais do verbo, colocação pronominal
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição
1.1 A professora coloca no quadro a letra da música Xote das meninas, do compositor Luiz Gonzaga
1.2 Justifica o fato de utilizar uma música pela necessidade de otimizar o tempo, já que os alunos
terão de copiá-la
1.3 Quando todos terminam de copiar, a professora inicia a leitura oral do texto, perguntando se os
alunos conhecem o significado da palavra xote
1.4 Uns alunos arriscam a resposta dizendo que era uma música; outros, que era uma música má
1.5 A professora ouve, mas não faz intervenção. Comenta que a música foi escolhida por conta dos
temas a serem trabalhados/discutidos na unidade
1.6 A professora comenta que esqueceu o CD em casa e pergunta sobre as palavras do texto cujos
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significados os alunos desconhecem.
1.7 Na sequência, os alunos dizem: flora, gibão, cintado e surdina
1.8 A professora começa a explicar o significado de cada palavra e coloca questões, intituladas de
Intepretação de texto, no quadro
1.9 Nesse momento, alguns alunos começam a entrar e a sair da sala; a professora parece ficar alheia
à situação
1.10 A professora fala que Luiz Gonzaga compôs várias músicas que retratam o sertão nordestino
1.11 Ao registrar nove questões no quadro sob o título Interpretação de texto, a professora coloca
três que se referem a aspectos gramaticais (estrutura do enunciado ou do período) – ver exercício
no Anexo 1 deste trabalho (p. 187)
1.12 Num determinado momento, um aluno observa que é um exercício de interpretação e solicita
que a professora retire as questões sobre gramática
1.13 A professora responde que as questões fazem parte da interpretação e continua
1.14 A professora dá um intervalo de tempo (aproximadamente dez minutos) e começa a explicar
cada questão
1.15 Vai fazendo os questionamentos e os alunos vão respondendo oralmente
1.16 A professora comenta que muitas vezes lemos um texto, mas não o interpretamos
1.17 Pergunta aos alunos sobre a relação que existe entre os dois primeiros versos e os dois
últimos
1.18 Um aluno responde: que “nada”
1.19 A professora insiste e os alunos tentam relacionar os versos
1.20 Um dos alunos pergunta qual é a resposta
1.21 A professora retoma, falando sobre amadurecimento
1.22 Vai para a terceira questão e alguns alunos comentam sobre o que significa enjoar da boneca
1.23 Alguns alunos dizem que a música fala sobre deixar de comer
1.24 Nesse momento, inicia-se uma pequena discussão sobre o que seriam os sintomas de uma
paixão
1.25 A professora comenta sobre mudanças no comportamento das mulheres quando estas se
encontram apaixonadas
1.26 Um dos alunos comenta que tanto o homem quanto a mulher passam por mudanças no
comportamento quando se apaixonam. Diz ter assistido a uma reportagem sobre isso e argumenta
em defesa de sua posição com informações científicas. Acrescenta que as pessoas ficam
diferentes por sofrerem influências do cérebro
1.27 A professora continua explicando as demais questões e uma aluna brinca, dizendo que a
paixão não pode adoecer; que quem adoece são as pessoas que estão apaixonadas

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1.28 A discussão continua com a condução da professora e os alunos começam a conversar sobre
ações que são consequências de uma paixão
1.29 O sinal toca e a professora encerra a discussão, comentando que na aula seguinte corrigirá as
últimas questões.

Analisando os eventos dessa aula, percebemos que os objetivos traçados para a aula
dividem-se em fazer com que os alunos analisem/interpretem o texto selecionado pela
professora A e, paralelamente, apliquem seus conhecimentos sobre a estrutura do enunciado,
aparentemente, por meio do texto. Considerando que, em sua entrevista, a professora
mencionou trabalhar sempre com textos, verificamos a tentativa de lidar com esse objeto
nessa aula. Faremos aqui algumas considerações.
No que se refere à escolha do texto para leitura, Suassuna (2009, p. 28) afirma:

[...] o que se lê na escola? Geralmente, a decisão sobre que leitura indicar


para os alunos depende menos de critérios linguísticos e cognitivos do que
de condições concretas como a existência de um livro na escola, ou mesmo a
possibilidade de reprodução do texto. Assim, termina-se por ler qualquer
coisa, muitas vezes os textos mutilados dos livros didáticos. Ao lado disso,
há outras questões importantes relativas ao objetivo (para que se lê?) e ao
método (como se lê?).

Por essa ideia e pelo que assistimos, a professora parece não estabelecer critérios
definidos para a utilização do gênero textual música: inicia a aula justificando o fato de
utilizar uma música pela necessidade de otimizar o tempo, já que os alunos terão de copiá-la;
e, logo depois, comenta que a música foi escolhida por conta dos temas a serem discutidos na
unidade, sem explicitar a que temas estava se referindo. Pela última fala inferimos que ela irá
tratar de alguns temas voltados a questões sociais, uma vez que explica que Luiz Gonzaga
compôs várias músicas que retratam o sertão nordestino.
A consideração que ora fazemos é que, ultrapassando a motivação real para o trabalho
com a música nessa aula e o procedimento de copiar o texto/exercício no quadro − o que já
caracteriza perda de tempo pedagógico −, as atividades que teriam por base o texto não
proporcionavam a compreensão das múltiplas funções sociais da leitura (ANTUNES, 2003).
Somando-se a isso, vimos um misto de questões gramaticais que não se inserem em
conteúdos definidos. Atentemos:

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Conteúdos Questões
7. Retire do texto um período simples.
Estrutura da oração ou do 8. Retire do texto dois períodos compostos.
enunciado 9. Existe no texto:
a)Uma conjunção coordenativa, encontre-a, copie a frase e
classifique a conjunção
b)Um pronome oblíquo, encontre-o, copie e classifique segundo a
Colocação pronominal colocação pronominal.

c)Verbos no infinitivo, gerúndio e particípio. Encontre-os e


3. Formas nominais do verbo coloque-os separadamente por forma nominal a qual30 pertencem

A observação desse evento suscitou mais algumas questões relevantes:


i. no que diz respeito ao ensino de gramática, vimos “uma gramática
descontextualizada, amorfa, da língua como potencialidade” (ANTUNES,
2003, p. 31), que se preocupa com a estrutura; que se afasta da reflexão sobre
os usos, da percepção de que ela está a serviço dos interlocutores para atender
às intenções destes na produção de textos. A descontextualização a que nos
referimos ficou evidente na fala de um aluno, que observa tratar-se de um
exercício de interpretação e solicita que a professora retire da atividade as
questões sobre gramática;
ii. nos eventos em que a professora A perguntava aos alunos sobre as palavras
cujos significados lhes eram desconhecidos (1.6, 1.7 e 1.8), esperávamos que a
docente fosse propor alguma atividade que ultrapassasse a busca pela
significação delas; uma atividade metalinguística (GERALDI, 2003) que
possibilitasse a reflexão sobre os diferentes contextos de uso das palavras em
foco, sobre a intenção do compositor ao utilizá-las e sobre a significação dos
recursos linguísticos usados;
iii. outro ponto que destacamos é que a professora A pergunta aos alunos sobre as
palavras que eles desconhecem e ela mesma apresenta as suas significações.
Esse episódio nos faz lembrar as palavras de GERALDI (2009, p. 122), que
acerca do ensino de língua, nas nossas aulas de português, registra: “[...]as

30
A transcrição é fiel ao registro no quadro
100
análises resultantes das teorias gramaticais que inspiram os conteúdos
ensinados são respostas dadas a perguntas que os alunos (enquanto falantes da
língua) sequer formularam”;
iv. não percebemos a realização de um trabalho que, com efeito, pudéssemos
afirmar que foi com o texto. Não houve realização de atividade que permitisse
o aluno refletir sobre o fato de os textos atenderem a finalidades sociais
diversas, estruturando-se, para isso, de diferentes formas, para atingir
determinados objetivos (SUASSUNA, 2009).
Vejamos agora as aulas subsequentes31.
Data da aula: 09/05/2011
Aulas nº 03 e 04 Conteúdo trabalhado: concordância verbal
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição
2.1. A professora entra na sala e não retoma o que havia ficado pendente na aula anterior
2.2. Comenta com os alunos que irá trabalhar concordância verbal
2.3. Começa a registrar no quadro um exercício sobre o referido conteúdo (exposto nos anexos desta
pesquisa)
2.4. Após o registro, inicia a leitura das questões
2.5. Enfatiza que a regra geral é o verbo concordar com o sujeito em número e pessoa
2.6. A maioria dos alunos não se mostra envolvida com a aula
2.7. Inicia-se mais uma vez o entra-e-sai de alunos
2.8. A professora sai da sala para solicitar que os alunos entrem e participem da aula
2.9. Alguns entram, outros permanecem do lado de fora e a aula continua
2.10. Não há perguntas por parte dos alunos
2.11. Uma aluna se dispõe a copiar o exercício no quadro, alegando que a professora demora muito
2.12. A mesma aluna pergunta o motivo pelo qual a professora não leva as atividades xerografadas
e menciona que seria muito melhor se ela fizesse dessa forma
2.13. A professora ouve, mas não responde
2.14. Os alunos começam a responder o exercício, mostrando que têm muitas dificuldades para
resolvê-lo

31
No período de 04 a 07/05/2011, não houve aulas na Escola A, em virtude de fortes chuvas na cidade, que
culminaram com a entrada excessiva de água na escola. Por decisão dos órgãos públicos locais, responsáveis por
acompanhar situações como essa, a escola foi interditada, já que o esgoto das áreas circunvizinhas misturava-se
às águas que penetravam no espaço escolar. Por conta disso, as aulas foram retomadas somente no dia
09/05/2011.
101
2.15. Antes do término da aula, a professora vai colocando as respostas no quadro e vez por outra,
pede para os alunos justificarem o emprego de uma ou outra forma verbal no exercício
2.16. A professora justifica junto à pesquisadora que não trabalhou com texto na aula, porque os
alunos estavam com dificuldade para responder a questões sobre concordância verbal
2.17. Encerra-se a aula

Para além da preocupação de mostrar a realização de atividades fundamentadas no


texto, o que verificamos foi a ênfase no processo de ensino-aprendizagem de uma “gramática
fragmentada, de frases inventadas, da palavra e da frase isoladas, sem sujeitos interlocutores,
sem contexto, sem função; frases feitas para servir de lição, para virar exercício”.
(ANTUNES, 2003, p. 31).
Suassuna (2009, p. 30), comentando sobre as considerações de Neves (1991) acerca
das formas de trabalho com a gramática na escola, registra: “a programação escolar (...)
reflete, na sua compartimentação, o desprezo pela atividade essencial de reflexão e operação
sobre a linguagem”.
No período de 10 a 14/05/2011, a professora A não ministrou aulas na escola por estar
em gozo de uma licença. Por conta disso, voltamos a realizar as observações, no 3º ano A, no
dia 16/05/2011. Um dos aspectos que nos chamou atenção foi o fato da professora A ter
conhecimento do nosso objeto de estudo, ter afirmado na entrevista que lidava sempre com
textos em sala de aula e ter enfatizado que estava aguardando a nossa chegada para continuar
o trabalho sistemático com produção de textos. Ainda assim, estávamos concluindo a
observação da quarta aula e não havia sinais dessa prática pedagógica. Sendo otimistas,
porém, continuamos as observações.
Data da aula: 16/05/2011
Aulas nº 05 e 06 Conteúdo trabalhado: concordância verbal
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição
3.1 A professora inicia a aula realizando a correção da atividade do dia 09/05
3.2 Coloca primeiramente a quarta questão, comentando que é necessário explicá-la para depois
voltar para a terceira questão
3.3 Aborda as regras de concordância verbal (verbo anteposto ao sujeito)
3.4 Alguns alunos, mais uma vez, retiram-se da sala

102
3.5 A professora registra no quadro uma anotação intitulada Casos especiais de concordância
(material exposto nos anexos deste estudo) – Ver Anexo 3 (p. 189) deste estudo

Dada a semelhança com os eventos ocorridos nas aulas nº 03 e nº 04, acrescentamos


apenas que, no espaço de algumas unidades de ensino, “seja com preocupação normativa, seja
com preocupação descritiva, as atividades relativas ao ensino da gramática são atividades de
exclusiva exercitação da metalíngua”. (NEVES apud SUASSUNA, 2009, p. 30). Novamente,
são privilegiados como objeto de ensino conteúdos gramaticais, e os objetivos de ensino não
se articulavam com as orientações dos documentos oficiais da rede estadual de ensino, a
exemplo do que defende a BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008, p. 67):

A proposta de Língua Portuguesa na BCC-PE deverá considerar as


modalidades oral e escrita da língua e, nelas, as habilidades de compreensão
e produção. As noções básicas que fundamentam a base curricular na área
estão apoiadas na compreensão de que a linguagem é uma atividade de
interação social pela qual interlocutores atuam por meio de diferentes
gêneros textuais, expressando e criando os sentidos que marcam as
identidades individuais e sociais de uma comunidade.

O que percebemos é um estudo da língua portuguesa fragmentado e, se pensarmos nas


considerações de Bakhtin acerca da história da língua, da fala e da enunciação, vemos que na
perspectiva didática da professora A, o estudo de português “torna-se a história das formas
linguísticas separadas (fonética, morfologia, etc.) que se desenvolvem independentemente do
sistema como um todo e sem qualquer referência à enunciação concreta” (BAKHTIN, 2010,
p. 109).
Na sequência, temos agora:
Data da aula: 18/05/2011
Aulas nº 07 e 08 Conteúdo trabalhado: Modernismo; leitura e interpretação de texto
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição
4.1. A professora inicia a aula falando que é preciso ver literatura também e que, no 3º ano, o
assunto é Modernismo
4.2. Informa que colocará um poema no quadro para conversar sobre o assunto, mas que antes quer
ouvir um pouco sobre o que seria Modernismo
4.3. Uma das alunas comenta que diz respeito a algo moderno

103
4.4. A professora comenta que é uma escola literária e que o Romantismo havia sido a escola
literária que antecedeu o Modernismo
4.5. Lembra que no Romantismo a figura da mulher é idolatrada, exaltada e cita como exemplo a
música de Cazuza (“Exagerado, jogado a seus pés, eu sou mesmo exagerado”)
4.6. Ressalta que no Modernismo a mulher é uma figura real
4.7. Registra no quadro o seguinte trecho: “Quando os portugueses chegaram aqui foi debaixo de
uma baita chuva aí vestiram o índio. Se fosse dia de sol o índio teria despido o português”.
Obs.: está escrito conforme o registro da professora no quadro
4.8. Solicita aos alunos que analisem o trecho e falem sobre ele
4.9. A professora lembra ainda que os modernistas se expressavam de forma diferente, não
obedecendo a regras
4.10. Questiona os alunos sobre o trecho. Indaga se as palavras utilizadas foram usadas no sentido
literal
4.11. Faz perguntas sobre o que significa vestir, despir, ...enfim, sobre o que o autor quis dizer
4.12. Os alunos não conseguem explicar o trecho e a professora vai comentando sobre o significado
do mesmo
4.13. Antes, no entanto, comenta que é isso o que os autores modernistas vão cobrar: a
interpretação do que foi dito para além do que foi dito
4.14. Continua dando as boas-vindas ao Modernismo e diz que a partir daquele momento, os alunos
teriam de se esforçar mais para compreender os textos modernistas.
4.15. Registra no quadro o poema Autopsicografia (de Fernando Pessoa) para que os alunos
copiem (ver anexo 2)
4.16. Logo após o texto, coloca uma atividade de interpretação para os alunos responderem
4.17. Na correção das atividades, os alunos não conseguem ultrapassar as informações superficiais
do texto; apenas um dos alunos, respondendo a terceira questão, registra que a relação que
existe entre o leitor e o autor é que o leitor se envolve tanto com o texto que chega a se colocar
no lugar do poeta. Esse foi o mesmo aluno que em aula anterior argumentou sobre as
influências do cérebro no comportamento de pessoas apaixonadas.

Considerando a tentativa de introdução de um tema literário, julgamos pertinente


expor no corpo desta análise a atividade proposta. Segue, então:

104
1) Na primeira estrofe do poema, Fernando Pessoa trabalha com um jogo de palavras. Quais são
essas palavras? O que o autor nos transmite?
2) O poema afirma que o poeta sente dores. Explique quais são e como se manifestam.
3) Qual a relação estabelecida entre o poeta e os leitores?
4) Na segunda estrofe temos vários verbos, alguns no singular, outros no plural. Interprete os vários
sujeitos, substituindo os pronomes por substantivos.
5) Explique a relação estabelecida entre coração e razão na última estrofe.

Primeiramente, chamamos atenção para a informação da professora A sobre a


necessidade de os alunos estudarem literatura no 3º ano, dando-nos indício de que no ano
anterior essa área da linguagem não havia sido estudada. Outra situação é que mesmo assim, a
docente atribui aos alunos a responsabilidade por interpretar textos e, nesse caso, textos
modernistas que, segundo ela, vão exigir a interpretação de informações além da linearidade
do texto. Embora não se constitua objeto de nosso estudo, pensamos que “a literatura é
fundamentalmente a palavra e que, portanto, estudar literatura significa também estudar a
língua e vice-versa” (LEITE apud GERALDI, 2004, p. 18).
Sobre o ensino de literatura na escola, Martins (2006, p. 85) pontua:

Ao longo da trajetória escolar, da educação infantil ao ensino médio, a


leitura literária deveria ser mais valorizada como meio de o aluno
desenvolver a criatividade e a imaginação na interação com textos que
inauguram mundos possíveis, construídos com base na realidade
empírica.[...] Se a teoria da literatura tivesse uma maior penetração em sala
de aula, a voz do aluno, no ato da recepção textual, não seria recalcada pelos
roteiros de interpretação, pelas fichas de leitura, [...] e pela leitura já
instituída pelo professor.

Atentos para esses aspectos, acreditamos que aulas de língua portuguesa em que se
articulem todos os eixos atualmente definidos para o ensino dessa língua possibilitariam aos
alunos a construção e a reconstrução de interpretações, de forma a aguçar não só a
criatividade, mas o seu senso crítico.
Com a finalidade de analisar se os objetivos e conteúdos traçados para essa aula
estavam em consonância com os documentos norteadores do currículo na rede estadual de
ensino, analisamos as Orientações Teórico-Metodológicas para o ensino médio/língua
portuguesa (PERNAMBUCO, 2008b, p. 36) e encontramos a seguinte proposição:

105
UNIDADE: 2 LITERATURA
A literatura e a construção da modernidade e do moderno
A crítica de valores sociais no texto literário
Romance de tese
Poema e denúncia social
Teatro contemporâneo
A literatura modernista de 22
A Semana de Arte Moderna
A literatura modernista de 30: poesia

Em termos de adequação de conteúdo ao currículo, a professora A não se distanciou


do que estava assinalado no referencial para o ensino de língua portuguesa da rede estadual; a
dificuldade que percebemos se efetiva na inserção do texto como objeto de ensino. Como nos
diz Martins (2006), o texto acaba por se tornar objeto de análises superficiais, na escola,
sendo tratado de modo isolado, como espécie de expressão artística que por si só carrega
significação própria e que independe da atualização do aluno-leitor.
Pensando sobre as práticas pedagógicas em torno das ações de linguagem, poderíamos
ainda comentar sobre as seguintes ocorrências: Os alunos não conseguem explicar o trecho e a
professora vai comentando sobre o significado do mesmo/Na correção das atividades, os alunos não
conseguem ultrapassar as informações superficiais do texto; apenas um dos alunos, respondendo a
terceira questão, registra que a relação que existe entre o leitor e o autor é o de perceber que o leitor
se envolve tanto com o texto que chega a se colocar no lugar do poeta.
Temos a impressão de que esse fator se constitui no que Geraldi chama de atividade
linguística artificial. De acordo com ele:
Na prática escolar assumem-se papéis de locutor/interlocutor durante o
processo, mas não se é locutor/interlocutor efetivamente. Essa artificialidade
torna a relação intersubjetiva ineficaz, porque a simula. Não estou querendo
dizer que inexiste interlocução na sala de aula; estou querendo apontar seu
falseamento, dado que os papéis básicos da interlocução estão estaticamente
marcados: o professor e a escola ensinam; o aluno aprende [se puder]
(GERALDI, 2004, p. 89).

É nesse contexto que nos encaminhamos para as últimas aulas observadas, quase
convictos de que teríamos que iniciar uma nova fase de entrevistas em busca de um novo
sujeito, uma vez que até o momento havíamos acompanhado 8 horas-aula e não tínhamos
presenciado situações de produção textual. É fato que já tínhamos obtido elementos

106
suficientes que nos permitiam configurar o que a professora A prioriza como objeto de ensino,
mas nosso foco de observação constituía-se na produção textual.
A professora A informou que os alunos ficariam uns dias sem assistir aulas em virtude
de um conserto nas instalações elétricas na sala deles. Dessa forma, acompanhamos as aulas
descritas a seguir.
Data da aula: 25/05/2011
Aulas nº 07 e 08 Conteúdos trabalhados: leitura e discussão sobre vários temas; produção
de texto dissertativo-argumentativo
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição
5.1. A professora entra na sala e solicita que os alunos dividam-se em grupos de 4 ou 5 componentes
5.2 Entrega aos alunos jornais para a leitura de notícias do domingo anterior (22/05/11)
5.3 Os alunos devem escolher um texto e, após a leitura, socializar as suas impressões sobre cada um
5.4 Quatro equipes fazem apresentação sobre os gêneros de texto lidos: (a) poesia; (b) crônica; (c)
texto de opinião sobre a descriminalização da maconha; (d) texto informativo sobre a legalização da
maconha
5.5 A professora faz perguntas às equipes, tais como: qual a pertinência de cada tema para a
sociedade? Qual o tema de cada texto? Que tipo de texto vocês leram? Que tipo de linguagem era
predominante em cada texto? O que cada um de vocês achou do texto?
5.6. Verificando que o tema da legalização da maconha “rendeu” uma boa discussão, a professora
pergunta a opinião deles sobre o tema em questão
5.7 A professora chama a atenção dos alunos para os argumentos utilizados pelos organizadores dos
últimos eventos acerca da legalização da maconha
5.8 Os alunos começam a expor e defender suas ideias
5.9 Há alunos que concordam com a legalização e, para justificar, apresentam alguns argumentos
como: (a) todos têm direito à liberdade de escolha; (b) possibilidade de diminuir o tráfico; (c) as
brigas entre as gangues que disputam o poder sobre as drogas não iriam mais existir
5.10 Há, por outro lado, alunos que discordam, sob os argumentos: (a) a sociedade vai sofrer as
consequências, pois haverá mais crianças dependentes; (b) liberando-se a maconha, serão liberados
outros tipos de drogas; (c) o tráfico não vai acabar, porque nem sempre os viciados vão ter dinheiro
para comprar a maconha e vão procurar outras drogas mais potentes; (d) ocupação de espaço público
de forma indevida por fumantes de maconha, incentivando o uso dessa droga; (e) as pessoas não estão
pensando nas consequências que a maconha traz para o organismo de quem é dependente dela; (f)
esqueceram-se de pensar nas famílias que sofrem com os usuários de maconha

107
5.11 Um dos alunos toma a palavra e se expressa alertando a turma de que o problema não é a
maconha e, sim, as flores e folhas dessa erva, que tem nome científico de Cannabis sativa. Segue,
informando que a maconha pode ser fumada ou ingerida em forma de bebida e que, na maioria das
vezes, é usada para causar sensação de alívio. O aluno acredita que quem usa a maconha faz isso para
fugir da realidade. Lembra, porém, que o uso repetitivo da erva pode causar dependência química e
levar à morte. Diz que uma das características do usuário de maconha é a falta de vontade de se
cuidar e de cuidar de sua higiene. Registra que, de acordo com a Organização das Nações Unidas
(ONU), entre os anos de 2006 e 2007, houve um aumento de 8 milhões de usuários (população
adulta) de maconha
5.12 Os colegas aplaudem esse aluno e dizem que ele está com tudo. Ele sorri e diz que leu essas
informações numa revista sobre o assunto
5.13 Nesse instante, a professora se posiciona, dizendo que também é contra a legalização da
maconha, lembrando a dificuldade de, no Brasil, das pessoas seguirem regras. Não retoma, entretanto,
as falas dos alunos (nem do último) para ponderar sobre as informações veiculadas.
5.14 Comenta, então, que irá propor a produção de um texto dissertativo-argumentativo sobre o
último tema que foi discutido
5.15 No quadro, ela registra o seguinte trecho: “Todos os direitos da humanidade foram conquistados
pela luta...” (VON IHERING)
5.16 Ela explica que o trecho é para que eles reflitam um pouco mais sobre o tema que acabaram de
debater
5.17 Lembra aos alunos sobre a estrutura do texto dissertativo (introdução, desenvolvimento e
conclusão), assim como, sobre a distribuição de parágrafos em cada uma das partes
5.18 Os alunos perguntam sobre a quantidade de linhas
5.19 A professora informa que o texto deverá ter entre 20 e 25 linhas e deverá ser entregue a ela ao
final da aula
5.20 Os alunos começam a produzir os seus textos
5.21 Alguns alunos saem da sala e não retornam
5.22 A aula se encerra, os alunos destacam as folhas com as suas produções e entregam à professora.

As situações didáticas aqui descritas parecem nos possibilitar enfim, tecer alguns
comentários sobre contextos de produção de texto argumentativo. Comecemos então pelas
orientações atuais para o ensino da produção de texto.
O documento Orientações Teórico-Metodológicas para o Ensino Médio
(PERNAMBUCO, 2008b) institui que as orientações teórico-metodológicas da prática
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pedagógica do professor de língua portuguesa são voltadas para a formação de estudantes nos
contextos de interação autor-texto-leitor e nas práticas socioculturais contemporâneas de usos
da escrita.
Esse mesmo referencial apresenta como finalidade do eixo produção de texto:

Desenvolver nos estudantes habilidades de produzir textos escritos que


exigem maior complexidade em sua elaboração, de gêneros variados e com
diferentes funções, adequados aos interlocutores pretendidos, a seus
objetivos, à natureza do assunto e às condições gerais de produção.
(PERNAMBUCO, 2008b, p. 06).

Temos assim a proposta de que, em situações de sala de aula, o professor diversifique


o trabalho com gêneros de forma a garantir aos alunos uma maior possibilidade de usar a
linguagem em diferentes ações de comunicação. Mas esse encaminhamento pedagógico não
se encerra apenas nisso: é preciso ir além e mostrar-lhes concretamente que existe um
“projeto de dizer”, tal como foi explicitado por Geraldi (2003), que se correlaciona
intimamente com as orientações. Nesse projeto, o autor estabelece um certo quadro de
condições necessárias à produção de um texto: (a) ter o que dizer; (b) ter uma razão para dizer
o que se tem a dizer; (c) ter a quem dizer; (d) constituir-se como locutor, enquanto sujeito que
diz o que diz para quem diz; (e) escolher as estratégias para realizar as demais proposições.
Com base nessas reflexões, poderíamos dizer que, grosso modo, a professora A tentou
possibilitar aos alunos o que está posto no item “a”, a partir do momento em que oportunizou
a leitura de alguns materiais sobre o tema que, no decorrer da aula, foi definido como a
temática para dar origem à produção textual. Não vamos aqui avaliar a ideia de que foi a
melhor ou a pior estratégia por ela adotada, mas tão somente registrar essa que foi uma
ocasião em que os alunos foram chamados a uma reflexão sobre o assunto.
Presenciamos ainda a discussão acalorada entre os alunos no momento em que foi
suscitado o debate oral. Como nos diz Suassuna (2010, p. 154), “o ponto de partida para a
produção de texto pode ser uma discussão, um outro texto, garantida a sua função de
confronto e/ou mediação entre o sujeito e o mundo”. De forma singular, assistimos a uma rica
exposição e defesa de ideias e, diferentemente do que se possa imaginar, os alunos que eram a
favor da legalização da maconha, na ocasião das discussões, não se renderam ao “discurso
autorizado” na/da escola (SUASSUNA, 2009) e expuseram com veemência as suas posições.
Por outro lado, a professora A deixou que passassem sem serem perceptíveis as
demais proposições das estratégias do dizer. Como implicações pedagógicas dessa ação na
109
aprendizagem dos alunos, temos o que Suassuna (2009) aponta como artificialismo nas
produções textuais. Conforme evidencia essa autora:
A existência de investigações e textos em torno desse tão polêmico tema, no
entanto, não impede que a prática da redação ainda seja marcada pelo
artificialismo e por resultados considerados, em sua maioria, insatisfatórios.
Um dos elementos desse artificialismo é o fato de que o aluno escreve para
um único interlocutor − o professor − do qual tem uma imagem feita. E essa
imagem, evidentemente, será determinante da qualidade do texto que ele
produz (ibidem, p. 86).

É nesse sentido que temos: “A atividade da escrita é, então, uma atividade interativa
de expressão, (ex- ‘para fora’), de manifestação verbal das ideias, informações, intenções,
crenças ou dos sentimentos que queremos compartilhar com alguém para, de algum modo,
interagir com ele” (ANTUNES, 2003, p. 45).
Ainda fazendo algumas considerações sobre a escrita de textos e numa articulação
com a concepção de língua e texto já assumidas neste estudo, Antunes (2003) sustenta que a
escrita não é uma atividade que se faça de qualquer modo; numa abordagem semelhante à de
Geraldi (2003) indica que os sujeitos necessitam traçar um planejamento de escrita.
Outro ponto que podemos destacar é que uma das orientações se refere à estrutura
composicional da dissertação argumentativa (introdução, desenvolvimento e conclusão), sem
haver abordagem alguma sobre os aspectos discursivos que poderiam ser priorizados nesse
tipo de texto (necessidade de apresentação de um ponto de vista claro; levantamento de
argumentos que sustentem o ponto de vista; utilização de contra-argumentos na possibilidade
de serem levantadas questões que se contraponham ao que foi explicitado; estabelecimento de
relação entre as ideias do texto; efeitos de sentido, etc.).
Embora a professora tenha proposto uma situação de produção a partir de um tema
passível de debate (LEAL e MORAIS, 2006), a apresentação de argumentos, no texto escrito,
não foi potencializada a partir dos argumentos que emergiram no momento do debate. Não
houve, portanto, discussão sobre a importância de escrever sobre o tema proposto nem sobre o
processo de argumentação a ser desenvolvido
Em linhas gerais, não houve indícios de uma situação significativa de aprendizagem
da produção escrita de textos argumentativos, na qual pudessem ser desenvolvidas algumas
competências básicas já citadas nesta pesquisa e que correspondessem ao que diz Geraldi
(2009, p. 66): “E escrever é ser capaz de colocar-se na posição daquele que registra suas
compreensões para ser lido por outros e, portanto, com eles interagir”.

110
3.2 2 As aulas observadas da professora B

As observações de aula na turma da professora B tiveram início no dia 12/05/2011,


transcorrendo até o dia 14/06/2011 e, ainda que acompanhássemos uma sequência de 10
aulas, houve muitas situações em que chegamos à unidade de ensino e retornamos, por
alterações no horário de aulas dessa escola.
Nesse espaço de tempo, notamos que os encaminhamentos didáticos correspondiam a
uma tentativa constante de integrar a leitura e a produção de textos, havendo pistas de uma
prática pedagógica que se pretende caracterizar pela mudança, mas não consegue
efetivamente se desprender das bases do ensino tradicional.
A seguir, analisamos esses aspectos.

Data da aula: 12/05/2011


Aulas nº 01 e 02 Conteúdo trabalhado: produção de texto dissertativo
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição
1.1. A professora inicia a aula solicitando aos alunos que se agrupem em trios
1.2. Informa que cada aluno irá escrever algumas ideias sobre um tema dado
1.3. Após a produção, cada grupo irá resumir as ideias em um único texto
1.4. Cada grupo deverá produzir um texto dissertativo-argumentativo, resumindo as
produções individuais
1.5. Em seguida, cada grupo socializará as produções, lendo os textos em voz alta
1.6. A professora coloca algumas orientações no quadro sob o título Orientações adicionais
São elas: o texto argumentativo contém opiniões e defesa dessas opiniões
Tema: Possíveis causas e consequências da situação de desemprego no país
Máximo: 30 linhas/Mínimo: 25 linhas
Introdução: foco em relação ao tema abordado. Aponta para o leitor o seu ponto de vista
Desenvolvimento: esclarece e fundamenta o ponto de vista exposto
Conclusão: fecha a sequência de ideias
1.7. Alguns alunos perguntam se é para entregar o texto
1.8. A professora orienta os alunos a deixarem a produção inicial no caderno e a entregarem a
versão final para ela
1.9. Alguns alunos comentam que são um desastre na redação
111
1.10. Um aluno orienta um grupo que está próximo ao dele sobre o uso da terceira pessoa e
sobre a importância de apontar sua opinião
1.11. A professora comenta sobre o que deve conter cada parte do texto e esclarece a
divisão em parágrafos
1.12. Assim, os alunos devem destinar um parágrafo para a introdução, dois parágrafos
para o desenvolvimento e um, para a conclusão
1.13. Acrescenta que os alunos devem pôr um título e evitar repetições indevidas, uso de
interrogações e de expressões que façam menção a Deus, religião, sexo, raça; não
justifica, entretanto, os motivos pelos quais os alunos deveriam evitar o uso desses termos
1.14. Os alunos começam a debater em seus respectivos grupos
1.15. Um aluno comenta que é melhor escrever 25 linhas com qualidade do que 30 linhas
sem nada. Enfatiza que, para ele, quantidade de linhas é nada
1.16. Um grupo sente dificuldade para iniciar o texto, ao que um aluno se posiciona
dizendo que, se soubesse começar, já o tinha feito
1.17. Esse mesmo aluno diz que tem ideias, mas que para ele o tema está fora do contexto
1.18. Um outro aluno apaga o primeiro parágrafo do seu texto e comenta que as ideias
estavam vagas
1.19. A professora informa que, trinta minutos antes do término da aula, os alunos deverão
formar um grande grupo para socialização dos textos
1.20. Um outro aluno diz que tem muitas informações e não sabe como sintetizá-las num
texto
1.21. A professora intervém, relacionando a dificuldade de escrita à falta de leituras
1.22. Lembra que nos dias atuais é preciso estar informado
1.23. Retoma a fala dos alunos quando diz que há conteúdos que eles aprendem e não
sabem para que servem
1.24. No caso da argumentação, diz ela, que os alunos fazem isso constantemente
1.25. Pontua que eles defendem ideias e opiniões com os colegas e não se dão conta de que
estão argumentando
1.26. Ressalta que, quem gosta de ler, gosta de escrever e, por isso, escreve bem
1.27. Nesse momento, uma aluna comenta em seu grupo que quer usar o termo emergente e
pergunta a seus pares se o Brasil é um país emergente
1.28. Os colegas não sabem responder e uma das colegas pede para ela parar de usar
palavras difíceis na redação
1.29. Um dos colegas explica qual o significado de emergente
1.30. No decorrer das produções, a professora vai circulando pelos grupos e dando mais

112
algumas orientações
1.31. O tempo não foi suficiente para a socialização das leituras
1.32. A professora recolhe os textos e comunica que, na aula seguinte, dará início à
socialização das produções.

Na observação dos eventos dessa aula, destacamos os seguintes aspectos:


O objetivo traçado para o conteúdo da aula (produção de texto) dizia respeito,
aparentemente, ao desenvolvimento de habilidades para a escrita de textos dissertativos. Essas
habilidades estão propostas na BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008), no item que trata das
competências básicas para a produção desses textos. De igual modo, as Orientações Teórico-
Metodológicas definem a dissertação como um gênero textual a ser trabalhado na segunda
unidade letiva do 3º ano do ensino médio. Assim, conteúdo, objeto e objetivos estavam em
conformidade com os documentos oficiais da rede estadual de ensino.
Entretanto, a BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008, p. 93) ainda define:

Espera-se que o professor, no trabalho com a produção de textos escritos (em


gêneros selecionado para cada etapa da escolaridade), oriente o aluno no
desenvolvimento de competências para: responder ao objetivo específico
previsto para o texto [...], ajustar-se às regularidades linguísticas e
discursivas de cada tipo de texto [...], adequar-se aos modos típicos de
organização, sequência e apresentação que caracterizam os diferentes
gêneros [...]

Analisando, pois, essa orientação e os encaminhamentos pedagógicos da professora B,


notamos que a situação de produção de texto não proporcionou uma discussão sobre as
especificidades do gênero proposto. Vimos que os comandos para a atividades eram mais
prescritivos (evitar repetições indevidas, uso de interrogações e de expressões que façam
menção a Deus, religião, sexo, raça) do que reflexivos sobre a língua. Que objetivos
específicos poderiam, então, ser atendidos pelos alunos por meio dos textos se esses mesmos
objetivos não lhes foram apresentados? Não houve explicitação de propósitos claros e
destinatários definidos, o que foi percebido por um dos alunos ao argumentar que o tema está
fora do contexto (1.17).
Atentando para isso, será que não poderíamos dizer que a situação de produção de
texto é que estava descontextualizada? Que relação de interlocução foi estabelecida? Quais as
funções da escrita envolvidas na atividade de produção que foi proposta? Com quem os

113
alunos iriam dialogar por meio dos seus textos? Eles queriam se manifestar sobre o
desemprego? Viam sentido nisso?
Na visão da professora B, porém, as dificuldades apontadas por seus alunos (não
conseguir sintetizar as muitas informações de que dispunham ou, simplesmente, não
conseguir iniciar o texto) eram todas decorrentes da falta de leitura por parte deles. Esse
pensamento dá espaço para refletirmos sobre dois aspectos: (1) qual o papel do professor
como mediador de práticas de leitura, de forma a ampliar o repertório de informação dos seus
alunos? (2) Existe, de fato, uma relação direta estabelecida entre leitura e escrita, tal como foi
apontada pela docente (item 1.26), já que essas atividades exigem o desenvolvimento de
habilidades diferentes?
Acerca desses fatores, em Suassuna (2010, p. 152), lemos: “o professor tem um
importante papel a desempenhar no processo de leitura, seja como leitor, seja como orientador
da leitura do aluno”.
Para Geraldi (2003, 2010), a perspectiva de trabalho que se pode assumir nas aulas de
língua é que grande parte do trabalho com a leitura esteja integrada à produção de texto em
dois direcionamentos: um que diz respeito àquilo que se tem a dizer e outro, às estratégias do
dizer. É assim que leitura e escrita se inter-relacionam, sendo evidente que a primeira subsidia
o processo de construção de texto, mas um bom leitor não implica, necessariamente, um bom
produtor.
Conforme nos diz Suassuna (2010, p. 154):

Há uma relação entre ler e escrever, de tal forma que uma prática leva à
outra, num processo permanente; evidentemente, essa relação não é
automática, direta e necessária, mas a escrita interfere na constituição do
leitor e a leitura determina as formas de escrever. (Grifo nosso)

Ainda sobre o contexto em que foi solicitada a produção, visualizamos mais alguns
elementos: (a) um aluno orienta um grupo que está próximo ao dele sobre o uso da terceira
pessoa e sobre a importância de apontar sua opinião; (b) uma aluna comenta em seu grupo
que quer usar o termo ‘emergente’ e pergunta a seus pares se o Brasil é um país emergente;
(c) uma das colegas pede para ela parar de usar palavras difíceis na redação. Temos
algumas marcas da preocupação dos alunos no sentido de atender às exigências da escola.
Isso, provavelmente, porque, “as crenças generalizadas na sociedade, seguramente,
representam menos riscos para eles” (SUASSUNA, 2009, p. 90), mesmo que essas crenças
não façam menor sentido para esses alunos.
114
No que se refere ao uso de palavras difíceis, Pécora (2002, p. 51) lembra que a escola,
em vez de fornecer aos alunos

um conhecimento das especificidades da linguagem, que não é espontânea, a


fim de que também aí seja capaz de significar, de atuar sobre o outro, de
construir referências para a própria experiência , o processo escolar tende a
confinar a escrita nos limites de alguns modelos prévios, impermeáveis, [...]
A partir daí, se o caso é escolher entre uma certa casta de palavras e não
escolher aquelas para as quais o aluno tem um determinado emprego, ele
trata logo de sapecar meia dúzia delas, quanto mais difíceis melhor.

Analisando mais um pouco os dados, vimos o que Leal e Albuquerque (2007, p. 100)
registram: “para muitos de nós, [...] o ato de escrever está relacionado a uma ação dolorosa e,
por vezes, traumática, vinculada a lembranças de experiências de escrita, vivenciadas
principalmente na escola”. Basta observarmos o depoimento de alguns alunos ao comentarem
que são um desastre na redação (1.9).
Na continuação das observações, temos as aulas de nº 03 e 04 da professora B.

Data da aula: 17/05/2011


Aulas nº 03 e 04 Conteúdo trabalhado: leitura de textos produzidos/debate
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição
2.1. A professora solicita que os alunos façam um grande círculo e pede para que eles leiam
os textos produzidos
2.2 A orientação é que os alunos devem expor as ideias e defendê-las
2.3 Na sequência de cada apresentação, a turma deverá debater as ideias apresentadas
2.4 A discussão começa com a leitura dos textos de cada equipe, seguindo-se uma defesa de
ideias
2.5 A certa altura da discussão, a professora chama atenção para os argumentos usados por
uma determinada equipe e pergunta se as alunas que dela fazem parte gostam de ler
2.6 Na resposta afirmativa, a professora argumenta que o texto das alunas é rico em
vocabulário
2.7 Grande parte dos textos tem início com expressões do tipo: “Nos dias de hoje, hoje em
dia, nos dias atuais”,...
2.8 A professora chama a atenção dos alunos para tomarem cuidado com as fugas ao tema
2.9 Após o término das leituras/discussões, a professora lembra de que há um fator comum
que foi apontado nas redações: a falta de qualidade profissional

115
2.10 Nesse momento, abre-se um novo debate sobre os responsáveis pela baixa qualificação
profissional em nosso estado
2.11 Opiniões divididas entre responsabilidades atribuídas ao governo estadual e aos próprios
cidadãos comuns, alunos da rede pública; a professora enfatiza que os estudantes de hoje têm muitas
oportunidades e as perdem de vista
2.12 Diz que a proposta do tema foi para eles refletirem e aguçarem o senso crítico sobre o
tema em questão
2.13 Comenta que gostaria muito de que, no tempo dela, as oportunidades fossem as mesmas
2.14 A aula é encerrada.

Na abordagem dessa aula, pudemos registrar alguns pontos, em especial:


i. As dificuldades anteriormente apontadas pelos alunos acerca da textualização
das ideias foram explicitadas em alguns textos. Vejamos:
“Uma das principais consequências do desemprego no país é a falta de mão de obra
qualificada” (trecho – ver texto completo no anexo 4, p. 190)
“São vários os fatores que contribuem para esta triste realidade, como por exemplo, a
desigualdade social” (trecho – ver texto completo na p. 191)
“O desemprego relata gatos sobre causas, e consequência isto existe por causa de
pessoas que não tem experiência, qualificação adequada e o preconceito”. (trecho – ver
texto completo na p. 192)

Essas construções nos dão a impressão de que a artificialidade da situação de


produção determina a má qualidade dos textos. Apesar de ser um tema que
poderia proporcionar um bom debate sobre a questão da empregabilidade, as
conduções pedagógicas não possibilitaram a reflexão sobre o aspecto social
nem sobre as práticas de linguagem do dia a dia. Desse modo, a organização do
texto respeitando a sequência de ideias, a manutenção da unidade temática, o
empréstimo ao texto de algum aspecto de novidade e de criatividade
(PERNAMBUCO, 2008) não pode ser visto em várias das produções da turma
do 3º ano B.
ii. Apesar de a professora B ter mencionado o motivo que a levou à escolha do
tema, parte dos alunos estavam alheios às informações expostas, atendendo,

116
apenas, à realização de mais uma tarefa eminentemente didática. Os alunos
desconheciam o objetivo e as finalidades do texto; não se sentiram motivados
para a produção escrita. Sobre isso, Geraldi (2003, p. 126) declara:

Normalmente, nos exercícios e nas provas de redação, a linguagem deixa de


cumprir qualquer função real, construindo-se uma situação artificial, na qual
o estudante, à revelia de sua vontade, é obrigado a escrever sobre um assunto
em que não havia pensado antes, no momento em que não se propôs e, acima
de tudo, tendo de demonstrar (esta é a prova) que sabe. E sabe o quê?
Escrever.

iii. Revivemos a argumentação da professora em defesa da relação automática e


direta leitura-escrita.
iv. Sobre a socialização dos textos, Suassuna (2010) afirma que este se constitui
numa atividade importante de recuperação do caráter interlocutivo do ato de
escrever. Sendo assim, é válida a leitura oral dos textos dos alunos,
dependendo da forma como é conduzida e mediada pelo professor;
v. Refletindo sobre situações didáticas de produção textual e sua relação com o
desenvolvimento das habilidades argumentativas, presenciamos um ensino que
não consegue favorecer a defesa de pontos de vista sobre os diferentes temas
que podem emergir nas relações sociais.
Seguem os próximos eventos de aula:

Data da aula: 18/05/2011


Aulas nº 05 e 06 Conteúdos trabalhados: produção de resenha; apresentação de seminários
sobre a 2ª fase do Modernismo
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição

3.1 A professora entrega um jornal aos alunos


3.2 Os alunos deverão se dividir em grupo com 3 pessoas
3.3 Os mesmos deverão escolher um tema jornalístico e elaborar uma resenha sobre o assunto
lido
3.4 As orientações gerais estabelecem: mínimo de 20 linhas; máximo de 30 linhas
3.5 Os alunos leem atentamente os textos e debatem com os colegas de seus respectivos
grupos

117
3.6 Os alunos recebem a orientação para concluírem seus textos no decorrer da 1ª aula
3.7 Os alunos não fazem muitas perguntas sobre o gênero
3.8 Encerra-se a primeira aula e as equipes entregam os textos à professora
3.9 Há um intervalo de 20min entre as duas aulas
3.10 No início da 2ª aula, ocorre uma apresentação de seminários sobre a 2ª fase do
Modernismo
3.11 Os alunos expõem os seus trabalhos e a professora faz algumas intervenções.

Sobre o gênero textual resenha, as Orientações Teórico-Metodológicas


(PERNAMBUCO, 2008b) indicam atividades direcionadas à leitura e à produção de textos
desse gênero na Unidade I (p. 31-32) e na Unidade II (p. 35). Nesses termos, identificamos
que a professora B estava em consonância com as sugestões desse documento, no que se
refere ao conteúdo do bimestre.
Quanto às condições de produção, percebemos que os alunos não faziam muitas
perguntas, o que, aparentemente, indica que eles produzem resenhas com frequência. O
destaque que fazemos, nesse caso, é novamente o fato de a produção ter sido encaminhada de
forma muito artificial. Não foram discutidas ou explicitadas as razões para essa produção nem
os possíveis interlocutores para os textos. Não percebemos reflexões acerca dos espaços
sociais onde circulam resenhas32, nem sobre os tipos de resenha e as finalidades a que esse
gênero pode atender.
Se lidamos com a argumentação, as situações didáticas para a produção de texto
argumentativo partiriam de uma condição básica, que seria o conhecimento daqueles que se
pretende conquistar (PERELMAN e OLBRECTHS-TYTECA, 2005).
Nesse sentido, acreditamos que, nos encaminhamentos didáticos, o professor deve se
colocar na posição de facilitador e organizador da produção textual, problematizando temas e
se constituindo, de fato, como interlocutor do texto de seus alunos (SUASSUNA, 2009;
2010).
Participamos, pois, de vários eventos em que alguns gêneros argumentativos foram
introduzidos no trabalho escolar, a despeito do que a professora B havia relatado por ocasião
da entrevista. O que vimos também foi a referida docente se apropriar do discurso da

32
Segundo Xavier (2010), a resenha é um gênero textual comum na academia e sua função é avaliar e analisar de
forma sintética a importância de uma obra.
118
necessidade de oferecer aos alunos uma ampla diversidade de textos, inserindo-a nas aulas de
língua portuguesa, sem refletir muitas vezes sobre as reais contribuições destes para a
ampliação da capacidade comunicativa de seus alunos.

Data da aula: 25/05/2011


Aulas nº 07 e 08 Conteúdo trabalhado: produção de texto dissertativo-argumentativo
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição

4.1 A professora solicita que os alunos abram o livro didático de Português 33


4.2 O capítulo a ser estudado diz respeito ao texto dissertativo-argumentativo
4.3 Nele estão alguns textos-suporte que versam sobre o preconceito linguístico. A saber: (1) O novo
caipira (Chico Graziano, O Estado de São Paulo, 22/06/2004); (2) As pessoas sem instrução falam
tudo errado (Marcos Bagno, Preconceito linguístico: o que é, como se faz)
4.4 Além disso, o capítulo traz algumas definições sobre o texto dissertativo-argumentativo, sobre
argumentos e orientações acerca da articulação entre palavras e ideias
4.5 Após a leitura dos textos-suporte, a professora abre um debate sobre o que os alunos consideram
ser preconceito linguístico.
4.6 Algumas das questões postas no debate são: há preconceito no nosso país? Que tipos de
preconceito existem? E sobre preconceito linguístico: onde é mais marcante? Você já presenciou
alguém sendo discriminado do ponto de vista do uso da linguagem?
4.7 Os alunos participam da discussão, expondo as formas pelas quais o preconceito se efetiva
4.8 Uma aluna relata ter sido vítima de preconceito quando viajou a Fortaleza (CE)
4.9 Finda a discussão, a professora solicita a produção de um texto dissertativo individual
4.10 O tema é exposto no quadro: O preconceito linguístico: verdade ou mentira no Brasil?
4.11 Orienta que a produção deve ter entre 20 e 25 linhas
4.12 Um dos alunos comenta que a professora “está fogo”... nesse mês já solicitou que eles
produzissem 04 textos
4.13 Duas alunas pedem ajuda à professora, alegando não saberem produzir o texto solicitado
4.14 A professora responde, lembrando às alunas a estrutura do texto dissertativo
4.15 Os alunos começam a produzir os seus textos. Alguns ficam meio perdidos, sem saber como

33
CEREJA, W. R. e MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. Volume único: ensino médio. São Paulo:
Atual, 2009.
119
nem por onde começar a produção
4.16 A aula é encerrada e os alunos entregam os textos produzidos à professora

Acerca dos eventos dessa aula, vimos que a motivação para escrever teve por base
dois outros textos e foi suscitada a partir de reflexões e discussões sobre o tema dado. Na
exposição oral, os alunos participaram ativamente, ora dando exemplos de situações já
vivenciadas por eles, ora comentando sobre os seus pontos de vista acerca do preconceito
linguístico. Ainda: o debate indicou que os alunos se envolveram na atividade e que, nesse
ponto, os aspectos sociointerativos foram privilegiados pela professora.
Contudo, consideramos que o texto 1 (ver cópia no Anexo 4, p. 189) dava margem
para um trabalho bem mais aprofundado em relação ao tema que estava sendo proposto para
produção. Tomando por base a noção de dissertação argumentativa como um texto em que o
autor procura persuadir seu leitor a adotar uma posição, mudar um comportamento ou aceitar
um princípio (XAVIER, 2001), não foram explorados, por exemplo, aspectos relacionados ao
ponto de vista do autor, aos argumentos e contra-argumentos por ele utilizados, às intenções
explícitas e implícitas no texto, à conclusão apresentada, aos elementos que o autor tomou por
base para fundamentá-la, ao(s) possível(is) destinatários de seu texto. Em suma, não
visualizamos reflexões sobre as estratégias de convencimento usadas pelo autor.
Pensamos que nessas duas aulas, nas quais se pretendia um trabalho voltado ao
desenvolvimento da argumentação dos alunos, a professora B poderia promover a exploração
dos elementos linguísticos e discursivos presentes no texto. No entanto, não houve estímulo à
atividade de pesquisa para permitir ampliação de informações, já que o texto 1 possibilitava
relações com outras disciplinas, por envolver aspectos históricos, geográficos, econômicos e
sociais; também não houve abertura para um confronto com as ideias explicitadas no texto 2.
É importante registrar que, para além da abordagem superficial presente no livro
didático e da mediação docente, os alunos conseguiram argumentar oralmente sobre o que
consideravam ser o preconceito linguístico, embora tenham se detido nas características
fonético-fonológicas da língua falada pelos nordestinos e à dicotomia língua padrão e não-
padrão. Nesses termos, eram comuns argumentos com base em relatos de alunos que se
consideravam como vítimas de preconceito linguístico.
Por essa razão, esse tema pareceu-nos um pouco mais próximo da realidade dos
alunos, já que percebemos um nível de envolvimento maior na ocasião do debate oral. Desse
120
modo, alguns estudantes falavam sobre as diferenças de dialeto entre falantes do nordeste, do
sul e do sudeste do Brasil; comentavam sobre o “tchê” que se fala no Rio Grande do Sul;
outros alunos falavam da divisão entre Pernambuco e Bahia em termos de fatores culturais e
linguísticos, e a professora ia registrando no quadro.
Considerando que a intenção era tomar os dois textos-suporte como leituras para a
introdução do tema e posterior produção dos alunos, vimos pouca alusão às ideias presentes
nos referidos textos e nenhuma reflexão sobre as possíveis relações entre o que estava sendo
explicitado pelos alunos e essas ideias, nem sobre os modos de estruturação dos textos-base.
Os entraves foram estabelecidos na ocasião da produção escrita: o depoimento de duas
alunas (4.13) deixou evidências de que elas (e possivelmente outros) ainda não tinham
desenvolvido as habilidades mínimas para produzirem textos dissertativo-argumentativos
escritos. Como as produções solicitadas em aulas anteriores eram sempre feitas em equipes,
há uma enorme possibilidade de que essas alunas tenham participado da escrita do texto de
forma muito superficial.
É nesses termos que Leal e Morais (2006, p. 82) enfatizam que:

As reflexões conduzidas em sala de aula podem ajudar os alunos a construir


as representações sobre as expectativas das professoras enquanto mediadoras
das situações e a ativar as representações sobre os interlocutores que estão
fora da esfera escolar de interação [...]

Acerca desse mesmo aspecto, Souza (2003, p. 77) enfatiza que “se argumentar é
defender um ponto de vista e discutir posições, é necessário que o tema e a situação de
produção deem condições para que o debate ocorra”.
Dessa forma, a permanência de um ensino que não possibilita a reflexão sobre os
modos de dizer e não permite aos alunos que tomem a palavra tem contribuído para a baixa
qualidade dos textos que recebemos: artificiais, padronizados e carregados de erros
gramaticais e problemas (SUASSUNA, 2009).
Refletindo sobre todas essas circunstâncias, recordamos a necessidade de se
estabelecer a relação interlocutiva no processo de produção textual: precisamos, com efeito,
possibilitar ao aluno o direito de assumir-se como locutor do seu texto e sermos, de fato,
interlocutores dos textos por eles produzidos (SUASSUNA, 2009).
Ao final desse encontro, a professora B nos informou que, por razões particulares,
estaria ausente da Escola B por um período de dez dias, a partir de 27/05. Por esse motivo,

121
voltamos a realizar as observações de aula no dia 14/06/2011, momento em que encerramos o
nosso acompanhamento.
Não sabemos exatamente por quais razões, mas a impressão que tivemos foi de que o
último dia de observação participante também se assemelhou a dias de término de semestre
letivo: os alunos estavam muito agitados e pareciam não aguentar mais aula alguma. Situando
esse último momento, estão descritos abaixo os eventos das aulas acompanhadas nº 09 e 10.

Data da aula: 14/06/2011


Aulas nº 09 e 10 Conteúdos trabalhados: estrutura dos parágrafos
Duração 2 horas-aula – 1h e 40min
Descrição

5.1 Após alguns momentos de conversa com os alunos sobre o tempo em que estivera afastada, a
professora põe um informe no quadro
5.2 Escreve: avaliação dia 30/06/2011
Assuntos: concordância nominal e concordância verbal
A prova será realizada em duplas e constará de 20 questões
5.3 A professora solicita que os alunos abram o livro de português
5.4 O conteúdo a ser trabalhado diz respeito à organização dos parágrafos em textos dissertativos
5. 5 Pede que os alunos leiam o texto introdutório que está com o título “A falta de comunicação
prejudica alguma coisa?”
5.6 Lê as orientações dadas no livro-texto e orienta os alunos a responderem as três questões
propostas no exercício
5.7 A professora corrige as questões com os alunos e encerra a aula

Inicialmente, considerando que os conteúdos sobre concordância nominal e verbal


foram identificados na observação de aulas das turmas A e B, analisamos a BCC-PE
(PERNAMBUCO, 2008) e as Orientações Teórico-Metodológicas de língua portuguesa para
o ensino médio (PERNAMBUCO, 2008b) para verificar se, de alguma forma, esses
conteúdos estavam contemplados nesses documentos. Constatamos, então, o que já
supúnhamos: nenhuma referência explícita nem fragmentada aos dois. Evidentemente, dentro
da perspectiva adotada por esses referenciais curriculares − (a) a língua na perspectiva de seus
usos; (b) o texto como norteador do processo de linguagem; (c) a diversidade de textos
122
atendendo a finalidades, contextos, interlocutores, objetivos diferentes − teríamos mínimas
chances de identificar os conteúdos predominantemente prescritivos da gramática tradicional.
Esse aspecto não impediria a professora de, a partir dos textos dos próprios alunos, propor o
estudo da concordância nominal e verbal; falamos acerca da análise linguística (cf.
GERALDI, 2003, e SUASSUNA, 2012).
De igual modo, registramos que em nenhum dos eventos de aula presenciamos a
introdução dos conteúdos gramaticais elencados para a avaliação do bimestre letivo.
Considerando a nossa participação numa sequência de dez aulas, pressupomos que os
conteúdos em questão tenham sido trabalhados antes da nossa inserção no campo de pesquisa,
porque nem mesmo nos exercícios propostos pelo livro didático e realizados no período de
observação havia a sugestão de atividades que se relacionassem às concordâncias nominal e
verbal.
O que na realidade nos inquietou foi o fato de esses assuntos terem sido privilegiados
para a avaliação do bimestre. Mais que isso: serem a própria avaliação! Então, como essa
professora concebe avaliação de língua portuguesa? Que critérios ela estabelece na avaliação
de seus alunos? Os eixos leitura e produção de texto não são considerados no processo
avaliativo? Existe alguma articulação entre esses dois eixos e o estudo de gramática?
Não iremos nos aprofundar essa discussão acerca dos modos de avaliação da
professora B, mas de forma superficial, apontamos algumas considerações de Gatti (2003, p.
3) sobre o processo avaliativo em sala de aula:
i. para ter sentido, a avaliação em sala de aula deve ser bem fundamentada
quanto a uma filosofia de ensino que o professor espose;
ii. é de todo importante que o professor possa criar atividades diversas que
ensejem avaliação de processos de aquisição de conhecimentos e
desenvolvimento de atitudes;
iii. o professor deve despender algum tempo na identificação de quais aspectos de
sua disciplina foram realmente trabalhados em classe no período a ser avaliado,
quais dentre estes serão incluídos na prova e por quê.
Para além dessas observações sobre a aula e retomando o foco de nosso estudo, vimos
que o livro didático propunha a leitura de um texto cujo título favorecia a discussão em sala.
Afinal, concordamos em que a falta de comunicação pode interferir em diversos aspectos de
nossas vidas. Seria possível, então, levantar questionamentos sobre pontos de vista variados:

123
na relação professor-aluno e vice-versa, na família, no trabalho, nas inúmeras relações que
emergem nos espaços sociais etc. Nesse caso, ainda que fosse uma discussão oral, seria
possível o trabalho com a construção de argumentos a partir do tema em questão.
Provavelmente, essa temática estaria um pouco mais próxima à realidade dos alunos que a
anteriormente utilizada para a produção argumentativa, já que, não raro, encontramos alunos
que se queixam, por exemplo, acerca de professores que têm muito conhecimento, mas não
conseguem comunicá-lo.
Pensamos também que a professora B não oportunizou atividades que visassem ao
desenvolvimento de algumas competências, em termos de leitura e interpretação de textos,
correlacionadas com estratégias típicas da argumentação e orientadas pela BCC-PE
(PERNAMBUCO, 2008), a saber: (1) estabelecer relações entre o ponto de vista do autor e o
argumento ou argumentos oferecidos para sustentá-lo; (2) reconhecer os critérios de
ordenação ou de sequência do texto na apresentação das ideias e informações; (3) fazer a
distinção entre um fato e uma opinião relativa a esse fato; (4) identificar elementos
indicadores das condições do locutor e do interlocutor do texto.
Geraldi (2003, p. 95), abordando questões acerca de atividades que se podem realizar
com/por meio da leitura de textos, comenta sobre a leitura-estudo do texto e afirma: “um
roteiro que me parece suficientemente amplo e ao mesmo tempo útil, no estudo de textos, é
especificar: a tese defendida no texto; os argumentos levantados em teses contrárias; coerência entre
tese e argumentos”.
De uma forma geral, na nossa análise das aulas, tentamos ultrapassar os eventos dos
dias observados e procuramos levantar algumas questões mais gerais que dizem respeito às
práticas das professoras A e B: (1) por que a recorrência dos conteúdos de gramática nas aulas
de língua? (2) que concepção de língua subjaz à prática das professoras? (3) por que
professoras, que se mostraram preocupadas em contribuir para o desenvolvimento do senso
crítico de seus alunos, não desvinculavam de suas práticas pedagógicas a abordagem
gramatical puramente normativa? (4) afinal, o que é de fato ensinar língua portuguesa? (5) o
que efetivamente é um trabalho com textos? (6) e o que se entende por desenvolver a
criticidade dos alunos, permitindo-lhes serem sujeitos na sociedade onde vivem? (7) por que
não se refletia sobre pontos de vista e argumentos utilizados pelos autores dos textos que
serviram para introduzir as temáticas das dissertações-argumentativas?
É fato que não conseguiremos responder a todas essas perguntas por meio do
acompanhamento e das análises de aula que foram feitas, mas podemos realizar algumas
124
considerações acerca do processo de ensino-aprendizagem da produção de textos escritos
argumentativos (ou efetivamente no processo de produção de textos na escola), tomando por
base alguns teóricos enfocados neste estudo. Desse modo, articulando os procedimentos
pedagógicos das docentes às concepções de língua e de textos, temos:
i. “Toda atividade pedagógica de ensino de português tem subjacente, de forma
explícita ou apenas intuitiva, uma determinada concepção de língua”
(ANTUNES, 2003, p. 39). Pelas observações, as professoras têm uma
concepção de língua como comunicação, o que implica que há emissores e
receptores, codificadores e decodificadores (cf. GERALDI, 2004). Nessa
perspectiva, os alunos devem se apropriar do código para dele fazerem uso.

ii. No que diz respeito à finalidade do ensino de português, as professoras


acreditam que é por meio dos textos que a língua deve ser ensinada. Desse
modo, assistimos a tentativas das docentes de desenvolverem um trabalho com
a linguagem através da leitura e da produção de textos, na intenção de
conduzirem os alunos a assumirem crítica e criativamente o seu papel de
sujeito do discurso, seja como falante ou escritor, ouvinte ou leitor (GERALDI,
2004). No entanto, as suas práticas nos fizeram pressupor que as mesmas não
conheciam teoricamente alguns conceitos que lhes permitissem refletir sobre as
suas práticas pedagógicas; as professoras sentiam-se inseguras e vez por outra,
estavam associando o texto e a gramática de forma descontextualizada.

iii. Em termos de texto, adotamos uma concepção que, tendo por base, a interação
entre sujeitos, compreende a produção textual como manifestação verbal,
constituída de elementos linguísticos e discursivos, selecionados a partir das
necessidades dos interlocutores, e que fundamenta a própria interação como
prática sociocultural (KOCH, 2011). No decorrer das aulas, a ideia de texto
que pudemos observar foi a de texto como uma unidade de sentido, que possui
uma estrutura fixa a ser observada e copiada pelos alunos por meio da
manipulação de outros textos. Nesse sentido, aspectos linguísticos eram
privilegiados e sobrepostos aos aspectos textuais e discursivos.

125
iv. Não são explorados, sistemática e intencionalmente, os diferentes gêneros
textuais. Havia uma introdução de um gênero diferente (música, resenha,
resumo, poema,...) a cada aula, sem necessariamente observarmos a existência
de um planejamento de aula (conteúdo, objetivos, aspectos metodológicos,
recursos, tempo previsto, avaliação).

v. No que se refere aos procedimentos didáticos, as práticas de atividade oral que


serviam de discussão sobre os temas propostos eram significativas. Na maioria
das ocasiões, os alunos se posicionavam sem temer o discurso autorizado pela
escola (SUASSUNA, 2009). Não havendo, entretanto, por parte das
professoras, uma retomada das discussões, nem reflexões sobre como as
informações/ideias veiculadas naqueles momentos poderiam ser textualizadas,
os posicionamentos eram por vezes silenciados/apagados nos textos escritos.

vi. Percebemos nas atividades orais, que os alunos se posicionavam como


locutores para seus interlocutores (alunos e professora); organizavam pois os
seus discursos, tendo como medida o outro, que era real. Apoiando-nos em
Bakhtin (2010, p. 118), podemos dizer que “a situação e os participantes mais
imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação”.

vii. Tendo por base que o texto argumentativo tem seu conteúdo revelado por um
processo que implica sucessivas regulações, fazendo com que as ideias nele
defendidas sejam construídas, reconstruídas, analisadas e organizadas
(CITELLI, 1994), não foram contempladas discussões acerca das teses
defendidas pelos alunos nas discussões orais e sobre as formas pelas quais eles
poderiam textualizar essas teses no texto escrito (estratégias da argumentação
escrita).
De forma geral, as observações indiciaram:
(a) um modelo de escola que se pauta no ensino tradicional (aprendem-se as regras e
depois aplicam-se os conceitos);
(b) um controle social do discurso dos alunos;
(c) pouca prática de escrita;

126
(d) uma prática de leitura sem “desconstrução” do texto (proposição apenas de
perguntas superficiais);
(e) desinteresse pela palavra do outro;
(f) orientações artificiais para as produções dos textos argumentativos;
(g) ausência de retomada dos textos produzidos para serem melhorados;
(h) as professoras, provavelmente, não eram produtoras de texto e não concebiam as
aulas de português como espaço para uso-reflexão-uso de práticas de linguagem.
É preciso, no entanto, de acordo com Geraldi (2009, p. 66):

[...] pensar a relação de ensino como o lugar de práticas de linguagem e a


partir delas, com a capacidade de compreendê-las, não para descrevê-las
como faz o gramático, mas para aumentar as possibilidades de uso exitoso da
língua.

Dessa forma, pensamos que, quando o professor compreende os processos de


constituição da linguagem, mais facilmente opera com e por meio desta. Ao mesmo tempo,
concordamos com Suassuna (2009) que sustenta que uma diferente compreensão sobre a
linguagem implica uma mudança nos objetivos do professor de língua materna.

3.3 Análise documental: os textos dos alunos

Na análise documental dos textos argumentativos produzidos pelos alunos do 3º ano


do ensino médio envolvidos na pesquisa, consideramos as situações de produção em que os
mesmos foram elaborados.
Por meio dessa análise, buscamos identificar as estratégias argumentativas
mobilizadas pelos alunos na produção de seus textos.
Nesse sentido, por razões já explicitadas, lidaremos com textos dissertativo-
argumentativos e nos apoiamos nos seguintes critérios em relação a esses documentos: (1) os
textos apresentam ponto de vista claro; (2) nos textos o autor se posiciona com vistas a um
interlocutor real/virtual; (3) que estratégias da argumentação foram mobilizadas pelos alunos.
Na intenção de apresentar ao leitor uma caracterização mais detalhada sobre os
contextos de produção, elaboramos um quadro-resumo com as principais informações. Os

127
dados, entretanto, dizem respeito apenas aos textos dos alunos que, após passar pelos critérios
de seleção, seguiram para a fase de análise.
Desse modo, temos:

Gênero textual: dissertação


Grupo- Nº de Data da Tema Instruções Destinatário/
classe textos produção controverso interlocutor

3º Ano A 09 25/05/11 Legalização da A partir das discussões Sem


maconha suscitadas na aula sobre o destinatário
tema e da frase “Todos os definido
direitos da humanidade
foram conquistados pela
luta...”, os alunos deveriam
produzir um texto contendo
de 20 a 25 linhas
Quadro 6: Síntese dos contextos de produção textual – 3º Ano A

Gênero textual: dissertação


Grupo- Nº de Data da Tema Instruções Destinatário/
classe textos produção interlocutor

3º Ano B 08 26/05/11 Preconceito A partir das discussões Sem


linguístico: suscitadas na aula sobre o destinatário
verdade ou tema e de textos-suporte do definido
mentira no livro didático, os alunos
Brasil? deveriam produzir um texto
dissertativo contendo entre
25 e 30 linhas.
Quadro 7: Síntese dos contextos de produção textual – 3º Ano B

3.3.1 Análise dos textos do 3º ano A

128
Texto 1 – Turma A
Embora o uso dos pronomes seus/seu cause certa ambiguidade logo no primeiro
parágrafo, o texto 1 corresponde ao tema proposto e às orientações mais gerais da professora
A: quantidade dos parágrafos, escrito em prosa etc. Há problemas referentes à articulação
entre título e ideia no texto, porque, mesmo nomeando o texto de Conscientização é tudo, o
autor só aponta para essa ideia no terceiro parágrafo.
Se atentarmos, ainda, para o que nos diz Pécora (1999), é no texto dissertativo que a
argumentação se manifesta de forma mais evidente e, diante do que assumimos como texto
dissertativo-argumentativo nesta pesquisa, veremos que a ideia de persuadir o interlocutor por
meio de argumentos consistentes não se efetiva. Apesar de o aluno expor seu ponto de vista

129
no segundo parágrafo, os argumentos apresentados no seu texto não são suficientes para
defender a sua opinião. O autor do referido texto se posiciona de forma muito geral.
Com a aprovação da lei a favor do uso da droga, pessoas que não participam desse
meio podem ser prejudicadas/ porque ao fumar em um lugar público, o drogado
prejudica a terceiros.

Analisando o terceiro parágrafo, observamos a introdução de uma informação muito


vaga que, mesmo assim, vai servir de suporte para um contra-argumento.
Outros países já aprovaram a lei/ mas as condições são diferentes nos países
desenvolvidos [...]

No quarto parágrafo, o autor introduz mais um elemento (a conscientização) e tenta


articulá-lo ao título; vemos uma possível apresentação do ponto de vista com argumento que,
entretanto, não convence.
A conscientização é importante para que as pessoas entendam que uma droga mais
“leve” como essa pode abrir as portas para outras mais pesadas

No que tange aos elementos coesivos, estes aparecem em todos os parágrafos, mas não
garantem necessariamente a linearidade do texto, conforme orienta a BCC-PE
(PERNAMBUCO, 2008, p. 94): “empregar os diferentes recursos da coesão textual, de forma
a assegurar a continuidade do texto”.
No último parágrafo, o autor deveria concluir o raciocínio que fora iniciado no
segundo, mas a abordagem que faz é bastante confusa.
Então, cada um com suas ideias devem repensar o assunto/mas desta vez colocar-se
em segundo plano [...]

O texto deixa pistas que nos conduzem a pensar que o aluno tentou mostrar que é
contra a legalização da droga. Como professores, mesmo que discordássemos de sua tese,
poderíamos/deveríamos ajudá-lo a sustentá-la: a maconha faz mal a quem usa e a legalização
pode estender o mal a quem não usa. Outra: o usuário pode até ter prazer com a droga, mas
deve pensar no coletivo. Afinal, para argumentar um sujeito necessita conhecer e utilizar
algumas estratégias linguístico-discursivas que têm como papel desenvolver um debate
130
coerente, visando à modificação de opinião de seu interlocutor. A mediação docente para o
aluno desenvolver essas estratégias, no entanto, não aconteceu.
Analisemos o texto seguinte.

Texto 2 – Turma A
Para além da organização formal do texto 2 e de outros (muitos) problemas
relacionados à apropriação das regras do sistema ortográfico da língua portuguesa, o autor
inicia a sua produção deixando dúvidas sobre o seu posicionamento:
Falar sobre esse assunto é complicado, pois não é algo que envolve apenas um lado.

No segundo período do primeiro parágrafo, ele apresenta seu ponto de vista:


Caso a maconha seja legalizada, vai calsar muitos problemas seguintes, como
descriminação, desrespeito e muitos outros.

131
Apresenta um argumento de forma sucinta e situa o leitor na discussão, utilizando
elementos de referenciação a seu favor.
Não pode-se falar de legalização sem planejamento, planejamento esse de “leis” e de
“normas” para usuários e para os vendedores.

Ainda que não identifiquemos um vocabulário amplo, o autor aparenta ter domínio do
conteúdo que lhe foi proposto como tema para produção. Sente dificuldade, porém, em
ampliar as informações que anuncia. É nesse momento que atividades de leitura, revisão e
reescrita do texto vão contribuir para abranger um nível de informatividade e a organização
dos argumentos com foco na adesão do interlocutor à tese defendida.
No último parágrafo, o aluno confirma a oposição à legalização, utilizando-se para
isso do argumento já utilizado e implementando uma nova informação, com a qual finaliza o
seu ponto de vista:
“...para essa legalização se concretizar, teria que haver muito planejamento./ Coisa
que no Brasil não existe”

O aluno segue a estrutura composicional instruída pela professora (introdução,


desenvolvimento e conclusão), atendendo à orientação sobre o quantitativo de parágrafos
definidos como o ideal para a dissertação argumentativa.
Chama-nos a atenção o fato de que esse texto foi de um dos alunos que se destacou na
discussão sobre o tema, apresentando, além das informações aqui expressas, dados científicos
sobre os efeitos da maconha e dando exemplos estatísticos dos percentuais de usuários dessa
erva no mundo. No debate oral, o aluno trouxe vários discursos, o que, segundo Souza (2003)
é um aspecto da atividade argumentativa: o caráter polifônico. No texto escrito, contudo,
essas informações não estavam presentes. Questionamos, então: que fatores contribuíram para
o desaparecimento desses discursos?
Algumas de nossas hipóteses para o fato são:
(a) a possibilidade do aluno não saber lidar com as estratégias do dizer, de forma a
encadear os argumentos do seu texto escrito;
(b) o aluno não se sentir motivado para escrever à professora, ou o debate oral, apenas
os colegas foram os seus interlocutores, já que suas considerações e as de seus
pares acerca do tema não foram retomadas pela docente;

132
(c) a professora não registrou no quadro as diferentes posições e informações dos
alunos, que poderiam ter sido potencializadas na formação de estratégias da
argumentação; desperdiçou a oportunidade de lidar com reflexões sobre tomada de
posições, argumentos de sustentação e de refutação, argumentos com foco nas
conclusões de textos dissertativo-argumentativos (noções difundidas por
PÉCORA, 1999; PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005; LEAL e
MORAIS, 2006);
(d) a professora não tinha embasamento teórico que lhe permitisse realizar essas
operações com os alunos;
(e) na prática escolar, o “eu” é sempre o mesmo; o “tu” é sempre o mesmo; o sujeito
se anula em benefício da função que exerce (GERALDI, 2004);
(f) no didática da escola, não são levadas em consideração as especificidades dos
processos/mecanismos de textualização no discurso oral e no discurso escrito

Analisemos agora o texto a seguir.

133
Texto 3 – Turma A

O produtor do texto 3 utiliza um início de texto muito comum em textos dissertativo-


argumentativos: “Hoje,...”.
Apresenta seu ponto de vista de forma clara, ainda que não o faça num estilo solicitado
pelo gênero, ao mesmo tempo em que deixa indícios de que sua professora será sua
interlocutora. Vejamos o nível de envolvimento com o texto e as evidências de que seria a
professora (que estava presente no momento das discussões e que receberia o seu texto) o
destinatário da sua produção.
“Eu particularmente acho isso muito ruim e que não deve ser legalizado.../Imagine só
se legalizarem...”

134
Apresenta argumento e contra-argumento:
“...pois a droga mexe com a cabeça das pessoas...”
“E se legalizarem, vai ter viciados fumando por toda a parte. A todo instante e a
qualquer hora.”

Ao final do texto reafirma sua posição contrária à legalização, retomando também o


primeiro argumento utilizado. Os argumentos apresentados poderiam ser consistentes se
melhor fundamentados. Identificamos nesse texto que o autor tem ideias formadas sobre o
tema em questão, mas revela dificuldade na adequação vocabular e nas estratégias que utiliza
para textualizar suas informações. Sente-se em determinado momento muito próximo do seu
possível interlocutor, usando também expressões corriqueiras da linguagem oral na escrita:
“Onde este mundo vai parar? Com tantos jovens se drogando e se acabando com as
drogas!”

Acerca desse aspecto, Marcuschi (2010, p. 19) esclarece que:

Inevitáveis relações entre escrita e contexto devem existir, fazendo surgir


gêneros textuais e formas comunicativas, bem como terminologias e
expressões típicas. Seria interessante que a escola soubesse de algo mais
sobre essa questão para enfrentar sua tarefa com maior preparo e
maleabilidade, servindo até mesmo de orientação na seleção de textos e
definição de níveis de linguagem a trabalhar.

Supomos, mediante o que acompanhamos nas aulas dessa turma, que a professora não
desenvolve nenhum trabalho com vistas à reflexão sobre os textos escritos pelos alunos, não
proporcionando, desse modo, aprendizagem sobre aspectos presentes na oralidade que não
devem constar em algumas situações da escrita. Compreendemos que tanto a oralidade quanto
a escrita são imprescindíveis na nossa sociedade. Precisamos então refletir com os alunos
sobre os diferentes papéis e contextos de uso.
Poderíamos afirmar que o autor do texto recorre a “noções de totalidade indeterminada
e noções semiformalizadas”, que, segundo Pécora (1999), usadas em dissertações-
argumentativas, direcionam-se a um discurso que por si só nada acrescenta ao texto.
Analisemos agora, após a transcrição, os textos 4 e 5.

135
Texto 4 – Turma A

136
Texto 5 – Turma A

Considerando que esses textos foram produzidos por alunos que se encontravam no 3º
ano do ensino médio e que já frequentaram, no mínimo, durante onze anos os espaços
escolares, aceitamos o que está expresso nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio
(BRASIL, 1998, p. 21):
Na escola, o modo autoritário de ser não permite o diálogo. Como posso
dizer, se não sei o que nem como dizer?[...] Toda fala/escrita é histórica e
socialmente situada, sua utilização demanda ética. Onde se aprende isso? A
experiência escolar é necessária e, mais, deve ser uma necessidade sentida
pelo próprio aluno.

137
Para continuar fundamentando nossa posição, nem precisaremos recorrer à noção de
texto dissertativo-argumentativo; basta que nos guiemos pela ideia de texto adotada em nosso
estudo:

O texto é considerado como manifestação verbal, constituída de elementos


linguísticos de diversas ordens, selecionados e dispostos de acordo com as
virtualidades que cada língua põe à disposição dos falantes no curso de uma
atividade verbal, de modo a facultar aos interactantes não apenas a produção
de sentidos, como a fundear a própria interação como prática sociocultural.
(KOCH, 2011, p. 31):

Veremos que não temos a composição de texto. As causas disso podem estar na falta
de propósito para a escrita, na ausência de discussões sobre a importância de escrever sobre o
tema sugerido, na dificuldade dos alunos de se colocarem no papel de sujeitos escritores e,
paralelamente, na falta de reflexão sobre a situação de interlocução que norteia a produção de
textos.
Os autores dos textos 4 e 5 se utilizam de informações que são inverdades e lidam com
esses dados naturalmente, ferindo o princípio da aceitabilidade. Pensando sobre isso,
pressupomos algumas situações de ensino que contribuam para a ocorrência desse problema:
(a) os alunos escrevem os textos, mas suas produções não lhes são devolvidas; dessa
forma, imaginamos que eles acreditem que os seus textos não são lidos pela
professora;
(b) se não há interlocutor (auditório presumido, segundo PERELMAN e
OLBRECHTS-TYTECA, 2005), não há motivos para os alunos se esforçarem em
busca da adesão de um auditório que não existe;
(c) produzem texto para atender às exigências do currículo; assim, escrevem qualquer
coisa para atender às solicitações da professora;
(d) no processo de ensino, poucas leituras são propostas com vistas à formação do
sujeito; se não se lê (ou se lê pouco) e não se reflete sobre os textos, os alunos não
são levados a pensar sobre interpretações possíveis que dos textos se possa
depreender.
Em outras passagens, os autores dos textos tentam expressar seus pontos de vista, mas
não conseguem estabelecer o locutor desses textos; ora se posicionam com distanciamento,
ora com maior aproximação.

138
Ainda: não conseguem estabelecer uma sequência de ideias que atribuam à dissertação
argumentativa a qualidade de texto, dada a incoerência que nela está estabelecida.
Observemos alguns desses trechos:
Texto 4:
“O governo legalizou o uso da maconha”.
“Enfim, este ato traz muitos pensamentos, pois a sociedade não é composta apenas
por um, mas por milhares e milhares, o próprio governo vai ter muita dor de cabeça, e hoje
em dia é assim “os outros que se dane”, toda ação tem uma reação”.
Texto5:
“Na humanidade existe muitas pessoas á favor e não afavor, 60% não a favor lutam
para combater á maconha, e 40% lutam para que a maconha seja favorecida”.
“Eu por exemplo sou a favor, não fumo, mas não vai mudar em nada ser proibida ou
não”.

Esses enunciados se dispõem de forma a se traduzirem em “literalmente segmentos


congelados de linguagem”, que não guardam relação com uma situação de produção escrita
(PÉCORA, 1999, p 105). No caso dessas produções, o problema real se configura na falta de
ensino sobre a argumentação escrita.
Perante o exposto, perguntamo-nos: que práticas de leitura, escrita e análise linguística
são exercidas na escola?
Para Suassuna (2010), “a quantidade de leituras pode ser determinante na constituição
de uma ampla e diversificada história de leitor” (p. 150), assim como, “o aprendizado da
escrita é permanente e se traduz no desenvolvimento e na ampliação de sistemas simbólicos
de referência” (p.154).
Os textos observados poderiam ser ferramentas excelentes para o estudo de aspectos
da produção do gênero argumentativo. Teríamos como ponto de partida o texto dos próprios
alunos para pensar sobre aspectos da argumentação: a) que informações e afirmações são
válidas nesses textos?;b) em que momento os seus autores expressam os seus pontos de
vista?; c) esses pontos de vista convencem?; d) há argumentos plausíveis? e) o que pode ser
feito para que os textos convençam os seus leitores?; f) por que é importante conseguir
argumentar na sociedade em que vivemos?

139
Além desses aspectos mais específicos da argumentação, os textos abrem
possibilidade para o estudo de aspectos da textualidade e da análise linguística. Geraldi
(2004), por exemplo, sustenta que a prática da análise linguística deverá partir da leitura dos
textos produzidos pelos alunos nas aulas de produção de texto, enfatizando que, no
planejamento das aulas de análise, o professor deverá elencar apenas um problema por vez.
Em suma, se relacionarmos esses textos ao ensino da argumentação, vemos que não
houve ensino e, numa relação estreita (talvez não direta), também não houve aprendizagem da
produção escrita.
Observemos o texto a seguir.

Texto 6 – Turma A

140
O autor do texto 6 se posiciona claramente sobre o assunto, inclusive utilizando-se da
primeira pessoa do singular para marcar seu ponto de vista:
“Eu particularmente não concordo”.

Inicia seu texto contextualizando o assunto e segue apontando argumentos que visam à
sustentação de sua defesa.
“Sabemos que a maconha não é a pior droga que existe, mais se for legalizada
abrirar o caminho para as outras também serem legalizadas”.

Tenta introduzir uma informação que nos dá pistas de que tentou contra-argumentar:
“...mas no entanto a droga vai ficar ainda mais cara,...vão passar de bandidos para
comerciantes”.

Ao final de sua produção, rompe com tudo o que vem defendendo e não consegue
concluir a defesa de ponto de vista explicitado veementemente no início do texto. A
introdução do operador “mas” no último parágrafo dificulta o estabelecimento de qualquer
articulação com qualquer ideia dos parágrafos anteriores.
No que tange a esses aspectos, é importante registrar que, no ensino da argumentação:
(a) a contradição emerge da própria temática; o aluno teve dificuldade de articular
vozes e isso é aprendido (quando ensinado) na escola;
(b) também é possível trazer a contradição para o texto, desde que isso seja feito de
forma coerente;
(c) a escola tem que orientar a dizer o tempo todo qual é a tese defendida, bem como
negar teses contrárias (exigências da argumentação);
Ao longo do texto deixa transparecer vários problemas de ordem linguística que
poderão ser resolvidos com atividades de reflexão sobre a língua.
Um ponto nos chama a atenção: apesar do uso do “eu” em determinada circunstância,
mantém um discurso tão distante do interlocutor, que nos permite pensar que se relaciona com
um interlocutor qualquer, sem ter a preocupação maior de atender à especificidade do gênero
textual que está produzindo: “convencer ou persuadir através do arranjo dos diversos recursos
oferecidos pela língua é, numa formulação muito simples, a marca fundamental do texto
dissertativo-argumentativo”, (CITELLI, 1994, p. 07).
141
Vejamos o texto que segue.

Texto 7 – Turma A

Apesar de problemas na escrita das palavras (ferindo as convenções ortográficas da


língua portuguesa), temos um texto em que o aluno, aparentemente, não está tão
desinformado para falar do tema em questão, apresentando dados ainda não visualizados em
outros textos.

142
“Mesmo com um forte apoio da bancada de deputados esse direto ainda não foi
concedido...”.
“...porque por um fumante o seu parceiro chega a fumar 3 cigaros a mais”.

Expõe no 2º, 3º e 4º parágrafos argumentos favoráveis e não-favoráveis ao tema, sem


ainda deixar marcas de seu ponto de vista. Perde-se um pouco, quando tenta estabelecer uma
relação de causa e consequência entre a legalização do uso da maconha e a diminuição do
número de assaltos.
“Se a maconha for legalizada diminuiria o trafico e as guerras de guangue reduzindo
o numero de mortos, também de certa forma diminuiria os assaltos por dependência a
maconha”.

Identificamos algumas marcas do discurso orientado pela professora A, no que diz


respeito a algumas expressões básicas a serviço da coesão textual, tais como, “contudo”, “em
resumo”, “temos também”.
O autor conclui o texto expressando sua opinião, sustentando-a nos argumentos
apresentados anteriormente e reafirmando um destes:
“...pela falta de extrutura e por razões de modo d convivência dentro da sociedade”.

Ao longo do texto, o aluno apresenta dificuldade de articular algumas ideias, deixando


transparecer marcas da oralidade na produção escrita.
Mediante o exposto, pressupomos que, se as situações de produção favorecessem os
diversos aspectos implicados na produção textual da argumentação escrita, tais como reflexão
sobre o gênero dissertativo-argumentativo, tomadas de ponto de vista, estratégias de
convencimento, os alunos conseguiriam se posicionar no papel de locutores de seus textos,
sendo capazes de desenvolver estratégias argumentativas com vistas a atenderem as
finalidades e os objetivos pretendidos (conseguir a adesão do auditório). Somando-se a isso,
pensamos que atividades (de fato) sistemáticas de escrita de textos, revisão e reescrita
contribuam para uma melhor qualidade das produções.
Vejamos mais outro texto.

143
Texto 8 – Turma A

Sem fugir às dificuldades de escrita já apresentadas em outros textos, essa produção


segue a distribuição em parágrafos orientada pela professora A; o autor tentou desenvolver o
texto no esquema básico apresentado pela docente: introdução, desenvolvimento e conclusão.
Esse esquema também é orientado por alguns teóricos que pesquisam sobre a argumentação
escrita (CITELLI, 1994; SAVIOLI e FIORIN, 2001; XAVIER, 2001). Entretanto, essa

144
estrutura não é apresentada com ênfase nos aspectos formais, levando-se também em conta os
aspectos discursivos nela implicados.
Considerando a artificialidade da situação de produção, sem definição de propósitos e
interlocutores para a atividade, o texto é extremamente vazio. O autor, para não deixar de
cumprir a atividade didática proposta, mal consegue explicitar o que acabara de ler no jornal
que lhe foi apresentado: (1) traz noções bem vagas sobre uma passeata que aconteceu em
algum lugar; (2) sugere dados baseados no senso comum de quem é contra a legalização da
maconha; (3) apresenta ideias circulares.
Em Geraldi (2003, p. 197), lemos: “pelas operações de argumentação, o enunciador
traz para o interior de seu texto ‘fatos’, ‘dados’, ‘conhecimentos’ que no texto se constituem
como argumentos”. Percebemos que o autor não consegue mobilizar essas estratégias no seu
texto.
Notemos:
“Fizeram uma passeata com a enteção de que a lei fosse aprovada ...”
“...como os evangélicos que não querem de jeito nenhum a legalização dessa droga,
eles alegam que se o Brasil já está assim com a maconha proibida imagine como ficari o pais
com ela legalizada....”
“A sociedade é divida em vários grupo.../Mas cada pessoa age e pença diferente e o
Brasil fica assim dividido...”

O autor do texto consegue explicitar seu ponto de vista, mas não consegue sustentar
sua tese. Falta-lhe a palavra.
Ao fim do texto, apenas consegue expressar uma posição que não corresponde à
pergunta que lhe foi feita (é para legalizar ou não o uso da maconha?). Assim, o aluno expõe:
“Mas eu acho que essa lei nunca vai ser aprovada nunca, porque se as outras leis não
funcionam imagine essa”.

Na prática, alguns encaminhamentos didáticos poderiam ser propostos para essa


produção, como:
(a) reconhecimento e análise de estratégias básicas presentes em textos
argumentativos;

145
(b) estudo das formas de utilização de recursos linguísticos e organização do discurso
por diferentes autores em textos diversificados que tratassem de mesmos temas ou
de temas diferenciados;
(c) exploração dos aspectos discursivos com vistas à adesão de interlocutores nos
textos argumentativos;
(d) leitura dos textos produzidos pelos alunos e reflexão sobre os mesmos,
possibilitando a revisão e a reescrita dessas produções.

Observemos o texto seguinte.

Texto 9 – Turma A
146
O autor do texto 9 divide sua produção em apenas dois parágrafos. Entretanto,
consegue explicitar um ponto de vista claro e sustentá-lo por meio de um argumento e da
justificativa desse argumento.
“Na nossa opinião a maconha não deve ser liberada/pois com a organização que o
Brasil tem seria um caos/ Ira aver muito mais crimes por conta do efeito da droga e
também para consumir mais drogas”.

Contudo, introduz um contra-argumento que, ao invés de assegurar a posição


assumida, vai gerar uma incoerência interna no texto:
“Mais por outro lado acabaria com boa parte das mortes por trafico de drogas, e na
nossa opinião acho que iria aver mais organização das bocas de fumo...”.

O autor usa marcas das orientações da professora como “na nossa opinião”, “mais
por outro lado”, “mas”, “porem”. Interessante é que, com essas fórmulas de produção
textual, o aluno teve dificuldade de lidar com o que conseguia operar como locutor e, ao
mesmo tempo, como as instruções que lhe foram repassadas, embora mobilizasse esses
operadores em favor do seu “projeto de dizer” (GERALDI, 2003).
Numa das construções, ele se posiciona como “na nossa opinião − utilizando o
possessivo ‘nosso’ como indicador de opinião compartilhada – e, em momento posterior,
utiliza o verbo ‘acho’ (1ª pessoa do singular). Em seguida, se distancia novamente e introduz
a 3ª pessoa do singular “de acordo com a sociedade...” – dando a ideia de impessoalidade − e
retoma a outra voz: “mais como isso é um assunto que não somos ...”
Ao final do texto, após expressar que sua voz não será ouvida, tenta concluir e acaba
introduzindo mais uma nova informação:
“Logo após a liberação da maconha, não teríamos mais paz com o tanto de drogados
na rua”.

A atividade de produção sugerida tinha referência em situações do cotidiano e todos os


alunos tinham opinião sobre a legalização da maconha, já que esse é um discurso
ideologizado, que está posto na sociedade. O que não houve foi a promoção de uma atividade

147
que, tomando os discursos dos alunos, favorecesse o desenvolvimento da argumentação
escrita.
Seria pertinente, por exemplo, a professora reunir os textos e relê-los coletivamente,
fazendo um exercício de argumentação e contra-argumentação. Depois, poderia ser proposta
uma atividade de reescrita em que aqueles que são contra a legalização da maconha
incorporassem os contra-argumentos para dentro dos seus textos, refutando-os. Ainda: poderia
ser proposto o mesmo a quem tivesse sido a favor. Se não existissem teses favoráveis à
legalização, nesse caso, partir-se-ia para uma situação de “simulação” com o objetivo de
exercitar/manipular a linguagem em diversas operações discursivas.

3.3.2 Análise dos textos do 3º ano B

Na análise dos textos dessa turma, precisamos ponderar sobre em que medida o tema
em questão se caracterizaria como um tema controverso (aquele passível de debate, polêmica,
que gera discussão), sem desconsiderarmos, entretanto, que houve a realização de leitura de
textos-suporte e de um debate sobre o assunto em questão, cuja finalidade era dar subsídio
teórico aos alunos para as suas produções escritas.
Vejamos, então, as produções.

148
Texto 1 – Turma B

O autor do texto não consegue atender às orientações sobre o gênero solicitado: nem
em termos estruturais nem, principalmente, no que diz respeito às estratégias do discurso
argumentativo, na medida em que tenta expressar que existe no Brasil o preconceito
linguístico, elaborando tentativas de ilustração com informações imprecisas.
É possível percebermos a tentativa de produção textual e de adequação ao tema, mas o
texto é muito vago, circular, com noções confusas.
Leiamos:
“No Brasil temos uma plena verdade sobre esta questão, que iniciou com a realidade,
como tem sido o preconceito no nosso país...”

149
“Os povos, nações, tribos, tem uma variedade linguística diferente dos outros, sendo
que isso tem causado muita discussão...”
“Queremos as vezes ver erro na fala das outras pessoas...”

Não há expectativa de posicionamento sobre o assunto, nem pistas no discurso que nos
levem a perceber uma relação interlocutiva. Há falhas no projeto de produção textual, desde o
que dizer ao como dizer. É provável que esse seja um dos alunos que manifestou ser um
“desastre” na redação ou que estavam sem saber como iniciar a sua dissertação; ou ainda, que
mencionaram que o tema estava fora de contexto. Situações artificiais de produção textual
conduzem, inevitavelmente, a construções artificiais.
Nessa linha de reflexão, Suassuna (2009, p 54) registra:

Escrever na escola reduz-se, quase sempre, a produzir um texto acerca de um


tema proposto ou imposto [...] De outra parte, nossos alunos escrevem, via
de regra, para só um interlocutor. Ou, ainda, estão sugestionados pela
imagem feita desse interlocutor, que é o professor. Assim, colocados para
escrever, eles procuram fazê-lo de forma a agradar ao professor, ora dizendo
o que este já lhes dissera antes, ora fazendo considerações genéricas acerca
das coisas do mundo, através de um estilo escolar.

Visto que lidamos, neste estudo, com o ensino de textos argumentativos escritos,
indagamos: (1) que estratégias argumentativas foram desenvolvidas a partir dessa situação de
produção? (2) As condições de produção favoreceram a tomada de posicionamento por parte
dos alunos? (3) O encaminhamento didático em torno da relação leitura-escrita possibilitou a
apropriação de informações suficientes para os alunos desenvolverem seus textos? Que outras
estratégias didáticas contribuiriam para o desenvolvimento do senso crítico, da tomada de
posição, da defesa consistente de pontos de vista?
Algumas sugestões seriam:
i. realizar leituras diversas sobre o tema que, de fato, contribuíssem para a
ampliação do repertório de informações, à luz da argumentação como ação de
linguagem;
ii. conduzir os alunos a descobrirem/conhecerem sentidos possíveis de serem
extraídos dos textos;
iii. levar os alunos a refletirem, por meio da análise das marcas linguísticas
impressas nos textos, sobre os sentidos que não poderiam ser conferidos às
leituras realizadas;
150
iv. ponderar sobre essas questões e relacioná-las ao texto escrito a ser produzido
pelos alunos;
v. observar estratégias de discurso para conseguir a adesão dos interlocutores;
vi. analisar com os alunos os aspectos constitutivos do texto escrito argumentativo
(tese, argumentos, contra-argumentos, refutações, conclusões);
vii. observar como e quais elementos linguísticos podem favorecer a argumentação
escrita, em função do gênero solicitado e dos interlocutores de cada texto.

Analisemos outra produção.

Texto 2 - Turma B

151
Observando o texto 2, temos o reflexo de uma produção com a apresentação de
informações imprecisas:
“O preconceito no Nordeste se basea muito na fala da língua portuguesa, por falar
um pouco errado e se expressar de maneira errada”.

Pensemos: a que informação o autor faz referência quando menciona “se basea muito
na fala da língua portuguesa”? Afinal, de que outra língua se estaria falando senão da nossa
língua materna? É possível que ele esteja querendo fazer referência ao português padrão, já
que a leitura do segundo texto-suporte sugeria isso. Mas, a falta de clareza na apresentação
dessa ideia compromete a introdução.
O aluno segue fazendo tentativas de adequação ao tema, mas não consegue ultrapassar
a dimensão das dicotomias certo/errado e falar/escrever. Busca atender às orientações em
torno da estrutura da dissertação, utilizando a noção de parágrafos (introdução –
desenvolvimento – conclusão) apresentando no último a convencional forma de conclusão
“enfim”, sem conseguir apresentar um ponto de vista claro e nem estabelecer uma relação
coesiva entre as informações expressas.
No decorrer do texto, apresenta um dado que até seria interessante, se fosse utilizado
como argumento e defendido de maneira consistente:
“...então, a fala nordestina que é retratada de forma errada nas novelas de televisão...”.

Essa informação, entretanto, é posta de forma muito superficial e, dentro de um texto


vago, não vem contribuir para o que poderia ser um indício de argumentação.
Identificamos marcas de uma insuficiência de dados que nos fazem pressupor que nem
o tema, nem os encaminhamentos didáticos em relação à leitura/escrita contribuíram para a
construção desse texto.
Em linhas gerais, sintetizando as impressões sobre os textos 1 e 2, encontramos em
Suassuna (2009, p. 74) que “[...] a manutenção das condições ‘escolares’ de produção do texto
escrito pouco alterou a qualidade das redações que recebemos, as quais continuam artificiais,
padronizadas e carregadas de erros gramaticais e problemas”. Nesse sentido, os alunos não
conseguiram realizar a produção do gênero solicitado.

152
Texto 3 – Turma B

O texto 3 nos conduz a indícios de um texto dissertativo. O autor contextualiza a


questão do preconceito linguístico e expõe, logo no primeiro parágrafo, de forma não incisiva,
a existência deste; não se posiciona, contudo, em relação ao tema. Nos dois parágrafos que
seguem, argumenta sobre o fato de existir “certa forma de preconceito”, citando exemplos de
situações que ocorrem com nordestinos e acrescentando uma informação, retirada do texto
que havia acabado de ler, sobre a linguística, sem fazer, no entanto, as referências devidas.
“A linguística defende que uma vez entendida a mensagem, não há questionamento...”

153
Ao mesmo tempo, antecipa um contra-argumento, justificando em outras palavras, que
o fato de uma ciência da linguagem admitir a variação não implica dizer que os usuários de
uma língua devam “falar errado”. Assim, argumenta:
“...mas isso não justifica que uma pessoa tenha que falar errado”.

Por esses discursos, vemos que a noção de preconceito linguístico apontada pelo aluno
está associada à noção equivocada do falar certo ou errado; o autor não consegue sustentar a
sua tese com base em outros argumentos ligados à variação linguística: região geográfica,
questão histórica, grau de escolaridade dos nordestinos, etc., o que mereceria, portanto, uma
intervenção didática.
No último parágrafo, o aluno deixa marcas de uma possibilidade de conclusão, não
configurando necessariamente numa afirmação de base argumentativa consistente, mas
apresentando uma solução para o problema exposto no texto − preconceito. Aliás, essa
orientação acerca de apresentação de solução/soluções para possíveis problemas explicitados
nas dissertações era uma das orientações da Professora ao circular na sala entre os alunos.
Vemos ainda pistas linguísticas que asseguram o atendimento às orientações da
professora B na organização estrutural do texto: um parágrafo para a introdução, dois para o
desenvolvimento e um para a conclusão. É um texto previsível, que se caracteriza mais pela
reprodução do que foi lido nos textos-suporte que pela própria autoria do sujeito. É o lugar-
comum que, segundo Pécora (2002, p. 106), “é, na verdade, um lugar de ninguém[...]”.
Lembramos aqui a nossa pergunta de pesquisa: o ensino da argumentação tem
possibilitado o desenvolvimento de habilidades argumentativas? Se argumentar é defender
ideias, com vistas à adesão do interlocutor e para isso o enunciador precisa elaborar
estratégias de persuasão, onde está o posicionamento desse locutor?
Em termos de texto produzido, vemos que:
i. essa redação tem um bom padrão de textualidade, com informações que não
fogem à temática sugerida;
i. há poucos problemas relacionados à grafia e à pontuação, de forma que se o
texto fosse lido em voz alta, o ouvinte não perceberia nele qualquer problema.
Mas, no aspecto discursivo o texto é frágil. O que lhe falta, então, para ser um texto
argumentativo de verdade? Diríamos que, diante das atividades escritas propostas em sala de
aula e fortemente marcadas pelo ensino tradicional, falta voz ao autor do texto.

154
Nesse sentido, Val (2006, p. 109) nos lembra: “o aluno acaba por entender que, para a
escola, o mais proveitoso é fazer uma redação certinha, ainda que frágil de conteúdo”.
Atentemos para mais algumas produções.

Texto 4 – Turma B

Na leitura do texto 4, vimos o atendimento aos aspectos estruturais do texto


dissertativo-argumentativo, tal como havia sido orientado pela professora B: quatro
parágrafos e as respectivas divisões estabelecidas para eles, além da adequação ao tema
proposto. A questão é que o atendimento à forma não garante a boa qualidade do conteúdo.
À luz de vários teóricos já citados nesta pesquisa, a proposta do ensino de língua
portuguesa com base nos gêneros de texto se sustenta na ideia de que, por meio deles, o
professor tem grandes possibilidades de desenvolver um planejamento de escrita com os

155
alunos, buscando, acima de tudo, a reflexão e o entendimento sobre os aspectos discursivos
implicados nos diferentes gêneros.
É assim que sugerimos que um trabalho metódico e sistemático com gêneros textuais
permitiria uma maior abertura para vislumbrar questões acerca da produção de textos. Entre
esses aspectos, estão as diferentes funções da linguagem, a variedade de formas de
organização textual e as possibilidades de uso dos recursos linguísticos como resultado das
escolhas de quem produz o texto e das necessidades de cada situação de produção (p.25)
Somando-se a isso, nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio (BRASIL,
1999, p. 22), afirma-se:

De qualquer forma, o sujeito que produz a linguagem é único, bem como a


situação de produção. O uso depende de se ter conhecimento sobre o
dito/escrito (a leitura/análise), a escolha de gêneros e tipos de discurso. Tais
escolhas refletem conhecimento e domínio de “contratos” textuais não
declarados, mas que estão implícitos. Tais contratos exigem que se
fale/escreva desta ou daquela foram, segundo este ou aquele modo/gênero.
Disso saem as formas textuais.

Mediante o exposto e relacionando-o com o texto 4, podemos dizer que o aluno não
tem o domínio dos “contratos textuais” que estão implicados no gênero dissertativo-
argumentativo, em termos linguísticos e discursivos.
Essa produção se desvela numa descrição das formas de preconceito sem que esse
recurso seja utilizado como um argumento para dar consistência ao ponto de vista do autor.
Este, por sua vez, entende que o preconceito se dá por conta do sotaque34, não conseguindo
estabelecer uma visão que ultrapasse o aspecto fonético da língua. Não estamos aqui
desconsiderando o sotaque dos falantes de uma língua como um fator que evidencia a
diferença, mas observando a inabilidade do produtor do texto de lidar com outros fatores
linguísticos.
Uma outra característica do texto 4 é o envolvimento emocional do autor, deixando
indícios de que foi uma possível vítima de preconceito linguístico.
“isso acontece muito e as pessoas não veêm que é importante para nos, pois elas
podem não perceber mais magoam agente, com palavras, com ate mesmo um simples olhar,
fazem nos sentir indiferentes”.

34
Trask (2001, p. 281) declara: “É importante ter consciência de que todo mundo tem um sotaque: é impossível
falar uma língua sem usar um ou outro. Naturalmente, cada um de nós considera certos sotaques como mais
próximos do que outros, ou como mais prestigiosos do que outros, mas essa é outra história: apenas os sotaques
que diferem fortemente do nosso próprio chamam mais a nossa atenção”.
156
O professor deveria, então, problematizar essa “solução” que é segregadora,
aproveitando o momento para lidar com questões sobre a produção de argumentos
consistentes, quando se deseja a adesão dos interlocutores.
Por fim, numa tentativa de concluir a exposição de informações, o autor enfatiza:
“Podem ter o sutaque deles, e nós temos o nosso”.

É um texto marcado pela circularidade e pela ausência de tomada da palavra pelo


autor, que se coloca na posição de vítima da situação e não consegue atender ao objetivo
maior numa argumentação: usar a linguagem para agir sobre o outro (KOCH, 2006).

Texto 5 – Turma B
157
O texto 5 dá indícios de que o autor tem dificuldade na manipulação do código escrito
(convenções da língua portuguesa) o que prejudica a leitura e a compreensão dessa produção.
Ainda que manifeste no primeiro parágrafo a sua posição acerca da existência do
preconceito linguístico, não consegue desenvolver estratégias de persuasão, comprometendo a
sequência de ideias por meio da forma inadequada de uso de conectivos.
“Existe preconceito linguístico com os nordestino/ e sofre muito com as pessoas do
Sul e Suldeste...”

Contudo, na tentativa (acreditamos) de atender à atividade solicitada pela professora,


mobiliza algumas informações oriundas da discussão que ocorreu em sala, ainda que o faça de
forma muito confusa. Vejamos alguns pontos:
(1) a introdução do termo “educação formal” e o acesso aos bens culturais da elite,
deixando implícita a ideia de que somente as pessoas que têm ascensão social
dispõem do que seria uma “linguagem bonita”;
“...as pessoas do Suldeste pensam que nos não temos uma educção formal e aos bens
cultural da elite, e por isso a linguagem é considerada feia, pobre,...

(2) a reprodução de um argumento que foi mencionado no decorrer das discussões


sobre o tema: as novelas insistem em expor um perfil de nordestino que
necessariamente não corresponde à realidade desse povo, argumento esse que vai
ser utilizado pelo autor em sua conclusão;
“E um verdadeiro aciente aos direitos humanos, por exemplo, o modo como a fala
nordestisna é retratada nas novelas, minissérie no plano linguístico, e também atores não-
nordestino apresenta-Se num arremendo de língua que não e falada em lugar nenhum do
pais, muito menos no nordeste”.

Parece-nos que nosso produtor arrisca-se, num processo (diríamos) meio intuitivo a
dar conta da tarefa sugerida na escola e, dessa forma, vai lidando com as informações que por
ora lhes são permitidas. Agrega as informações mais gerais sobre a estrutura do texto
dissertativo e lança mão das estratégias que conhece para não deixar de elaborar a sua
produção.

158
Pensamos que, se os contextos de produção textual nessa turma fossem vivenciados
dentro de uma prática articulada de linguagem (oralidade/leitura/escrita/reflexão sobre a
língua), o autor desse texto teria a possibilidade de operar com os elementos que a língua lhe
oferece para, com efeito, argumentar por escrito sobre variados temas.
Vejamos o texto a seguir.

Texto 6 – Turma B

159
Temos mais um texto que não foge à regra da estrutura da dissertação: parágrafos bem
definidos para cada parte desse gênero. No entanto, em termos de conteúdo, também não se
distancia da falta de conteúdo visualizada em outras produções: baixo nível de
informatividade e imprecisão nas ideias colocadas.
Analisemos alguns aspectos:
(1) o texto deixa pistas de que, para o autor, são os “erros da fala” os responsáveis
pelo preconceito linguístico;
“...pois somos muitos apontados pelos erros da nossa fala...”

(2) o aluno reproduz a fala da professora B, no que se refere à relação da leitura com
a fala e com a escrita: quem lê, monitora o seu discurso e assim não erra; de igual
modo, quem lê, escreve bem;
“Em muitos casos falos Errados porque não somos um bom leitor, um bom leitor
não Escreve Errado e prestar muito atenção quando vai falar”.
“Para que isso não aconteça, temos que se dedicar a ler mais um pouco...”

(3) o aluno afirma sem fundamento algum que o nordestino não tem tempo para ler;
aparenta desejar escrever qualquer coisa que lhe permita encerrar a tarefa de
produzir o seu texto;
“O nordestino Ele não tem tempo para ler e sim trabalhar e nem para Estudar”.

(4) ainda: em decorrência da falta do que dizer, apresenta um vocabulário pobre e de


um esvaziamento semântico que impressiona por se tratar de um estudante no
último ano de sua escolaridade básica; sobre esse aspecto, Pécora (1999, p. 50)
registra: “o vocabulário é pobre porque, ao mesmo tempo que preenche espaço,
esvazia semanticamente o texto”.
“Para que isso não aconteça, temos que se dedicar a ler mais um pouco e prestar
mais atenção Em mudanças nas formas que a língua Portuguesa aborda para não
sofre mais um pouco de preconceito”.

Para além dos vários problemas que podem ser visualizados (não-atendimento às
convenções ortográficas da língua, dificuldade de expor e estabelecer uma sequência entre as
160
ideias, dificuldade de usar recursos coesivos, etc.) os textos são de uma insuficiência de dados
tal, que parece que os alunos estavam (ou são) alheios ao tema em questão.
As ideias ora se agregam ao senso comum e às generalizações (os nordestinos sofrem
preconceito), ora se fundamentam em informações inválidas (os nordestinos não têm tempo
para ler), que nos levam a questionar: de onde se originam essas informações? O que faz os
leitores expressarem informações que não podem ser confirmadas?
Silva (2002, p. 68) comentando sobre algumas questões de produção textual, expõe a
ocorrência de “Frases sem sentido, parágrafos sem ligação, problemas de concordância,
incoerência, estorinhas banais, tentativas poéticas etc.”. E acrescenta: “será que esses alunos
jamais redigiram? Será que a escrita perdeu mesmo a sua utilidade nesta sociedade imagética?
Será que não houve orientação de redação em níveis educacionais anteriores? [...]”
Esses também são algumas perguntas que nos fazemos, mediante as produções por ora
analisadas.
Vejamos mais algumas produções.

161
Texto 7 – Turma B

No texto 7, o autor já relaciona (como os demais) o preconceito ao povo nordestino


logo no primeiro parágrafo.
“No Nordeste a muitas pessoas que sofrem com o preconceito só pelo modo de se
expressar...”
O diferencial (se assim podemos comentar) é que ele vai fazer uma espécie de
denúncia a alguém (seu possível interlocutor) sobre a postura dos paulistanos e dos cariocas.
“Os paulistanos, cariocas são um dos principais a crítica o nordestino”.

162
Nesse sentido, apresenta justificativas para argumentar sobre o fato de os nordestinos
terem o direito a se expressarem como quiserem, mas não argumenta sobre a existência do
preconceito ou não.
“Mas não sabe eles que cada um tem seu modo de expressar, porque nordeste não tem
pessoas papagaios para ficar imitando o modo de outras pessoas de se expressar.

Se estivéssemos lidando com um gênero textual que permitisse uma abertura a uma
linguagem mais informal, a alusão que o autor faz ao papagaio, por exemplo, não seria
efetivamente um problema. Mas, em se tratando de um texto dissertativo-argumentativo, a
adequação à linguagem formal é uma dos requisitos do sucesso do texto.
Vemos, nesse caso, a possibilidade de um bom trabalho de reflexão sobre a língua, em
termos dos discursos que nos são autorizados em determinadas situações. Basta lembrar-nos
que Geraldi (2003) sugere sobre levar os alunos a perceberem que o que pode ser defeito em
um texto pode ser qualidade em outro. Eis uma das funções do professor de língua portuguesa
no eixo produção textual.
Considerando que os textos analisados até o momento davam indícios de que os
alunos escreviam unicamente à professora solicitante da tarefa, esse texto apresenta uma
relativa de originalidade em termos de orientar o discurso a um interlocutor que
necessariamente não seja a referida docente. Não podemos, entretanto, afirmar que o aluno
fez isso de forma consciente.
Notemos:
“Mas isto deve mudar porque cada um tem seu modo de se empor e só porque se
emponhe um pouco melhor ou fala melhor que outro não critique...”

Podemos visualizar, também, um indício da ideia dicotômica certo/errado em relação à


variedade padrão e a não-padrão, assemelhando-se ao discurso elaborado quando o tema é
variação linguística.
No que se refere à adequação ao tema, vimos que o aluno atende a essa exigência,
utilizando recursos coesivos para encadear a sua argumentação. Há problemas de atendimento
às normas da língua de ordens diversas (pontuação, acentuação, concordância) que marcam
todo o texto.

163
Por fim, o autor tenta concluir o seu texto, momento em que nos deixa dúvidas sobre o
interlocutor com quem ele está se relacionando.
“...porque pode chegar o seu dia de ser criticado e a sua crítica pode ser maior do
que a que você fez. Não seja um preconceituoso, lute contra o preconceito que a no Brasil.
Principalmente no Nordeste”.
A nosso ver, no final de tudo, não se constitui, de fato, uma dissertação argumentativa.
Mas, com um pouco mais de trabalho sistemático em torno da escrita, talvez pudesse ser uma
crônica bem interessante (e a argumentação estaria aí presente). O que lhe falta então para ser
um bom texto argumentativo? Não há respostas por enquanto, mas acreditamos que possamos
ao final deste estudo apontar alguns caminhos em direção a mudanças.

Texto 8 – Turma B

164
O texto 8 é um texto bem previsível e, portanto, marcado pela pouca informatividade,
seu autor não consegue se posicionar sobre o tema com clareza, nem argumentar de forma a
persuadir o outro.
“O preconceito linguístico existe em todos os lugares do Brasil mais quem sofre esse
preconceito maior ainda são o povo nordestino”.

Pauta-se pelas generalizações, pelo senso comum e pela circularidade de informações.


Vejamos:
(1) Reforça a ideia de que o “povo do Sul” é o maior responsável pelo preconceito em
relação aos nordestinos.
“No Brasil o preconceito linguístico mais o lugar que mais sofre é o nordeste e quem
faz essa discriminação são o povo do Sul que diz que as pessoas do nordeste fala
errado”.

(2) Vê a diferença de sotaque como a causa do preconceito.


“O nordestino quando sai daqui pra outros lugares como exemplo São Paulo ele sofre
grande preconceito porque o povo de São Paulo tem um sutaque diferente...”

(3) Deixa implícita uma informação equivocada ao mencionar “povo do Sul” e, logo
depois, fazer referência a São Paulo. Repete a mesma ideia no primeiro, segundo e
último parágrafos do texto.
“Concluir que o nordeste é um dos lugares que mais sofrem preconceito linguísticos
por causa da sua maneira de falar e quem faz essa discriminação são mais o povo do
Sul”.

Temos aqui o que Pécora (1999) chama de problemas de argumentação, atentando


para o fato de que esses problemas não devem ser entendidos como problemas na
manipulação de artifícios linguísticos, mas como problemas que afetam as próprias condições
de produção do discurso.
Ainda segundo esse autor, uma das razões pelas quais os textos fracassam se dá em
função da dificuldade do produtor de intuir ou prever as especificidades de seu interlocutor.

165
Vemos que vários são os problemas do texto (tanto linguísticos como discursivos) e
estes não permitem ao leitor estabelecer quais as intenções do produtor ao escrevê-lo.
Interessante é que nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio (BRASIL,
1999, p. 22) encontramos:
A competência do aluno depende, principalmente, do poder dizer/escrever,
de ser alguém que merece ser ouvido/lido. A escola não pode garantir o uso
da linguagem fora do seu espaço, mas deve garantir tal exercício de uso
amplo no seu espaço, como forma de instrumentalizar o aluno para o seu
desempenho social. Armá-lo para poder competir em situação de igualdade
com aqueles que julgam ter o domínio social da língua.

Nessa mesma perspectiva, a BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008, p. 61) indica: “As


escolhas efetuadas pelo professor é que determinam, de certa maneira, a qualidade das
aprendizagens realizadas pelos alunos”. De igual modo, esse documento referenda que o
aluno da rede pública estadual seja levado a saber adequar-se às condições de interação, o que
significa ser capaz de ajustar-se à imensa variedade de situações sociais em que o evento
comunicativo se insere.
Corroborando essas noções, as Orientações Metodológicas para o ensino de língua
portuguesa no ensino médio (PERNAMBUCO, 2008b, p. 6) recomendam ao professor:

Desenvolver nos estudantes habilidades de produzir textos escritos que


exigem maior complexidade em sua elaboração, de gêneros variados e com
diferentes funções, adequados aos interlocutores pretendidos, a seus
objetivos, à natureza do assunto e à condições gerais de produção.

Considerando, pois, todos os textos analisados, vimos que pouco do que está definido
ou sugerido no que diz respeito ao ensino-aprendizagem da produção de textos (no nosso
caso) da produção de textos argumentativos escritos está sendo efetivado nas aulas de língua
portuguesa.
Para Suassuna (2009, p. 79), “a escola controla as condições de produção escrita,
padronizando os discursos, negando a diversidade de tipos de textos, com suas respectivas
especificidades e funções”.
Quando, contudo, tenta-se inserir essa variedade de textos, na sala de aula, propicia-se
uma entrada equivocada, marcada por situações superficiais de leitura e de produção textual.
É assim, que artificializado o ensino, as produções de texto dos alunos se configuram também
em produções artificiais, que pouco informam, pouco dizem e nada acrescentam aos seus
leitores.

166
No caso da argumentação, perde-se o foco do desenvolvimento das estratégias
discursivas que propiciem aos estudantes o posicionamento em relação ao outro. Aliás, eis um
grande problema: quem é o outro nessas circunstâncias?
Na maioria das vezes, os alunos foram levados a produzir os seus textos sem
conhecimento das finalidades de escrita, das razões pelas quais poderiam ou deveriam
escrever e mesmo de seus destinatários e, portanto, de alguém com quem os locutores
pudessem dialogar ou argumentar. Afinal de contas, não se diz algo para ninguém. Ninguém
se sente motivado a argumentar sobre o que não conhece, acerca do que não acredita e sem
saber para quem e para que irá argumentar.
Ora, a língua é dialógica, mas nas relações de produção de texto argumentativo aqui
descritas, a dialogia ficou somente no discurso das docentes, porque aos alunos, nas situações
de produção de textos escritos, esse conhecimento ainda não foi permitido.
Apoiando-nos em Geraldi (2003, p. 137) dizemos: “a observação mais despretensiosa
do ato de escrever para a escola pode mostrar que, pelos textos produzidos, há muita escrita e
pouco texto (ou discurso)”.
Perante o exposto, os resultados indicaram que:
(a) tendo em vista a noção de argumentação do nosso estudo, os alunos conseguiram
mobilizar, por vezes, a tese que desejavam defender; entretanto, na falta de uma
prática docente que favorecesse a apresentação de argumentos, poucos alunos
justificaram suas posições de maneira a garantir a persuasão dos interlocutores;
(b) não havendo ensino sobre as “estratégias do dizer” nos textos escritos, os alunos
elaboraram argumentos pouco ou nada convincentes;
(c) as leituras sugeridas e as suas formas de condução, nas aulas de português, foram
insuficientes para assegurar o repertório de informações que pudesse ser utilizado
no decorrer da defesa das teses;
(d) ainda sobre as leituras, podemos dizer que estas se esgotavam na busca de
informações superficiais; em momento algum, foram utilizadas em favor dos
alunos de modo a que eles construíssem estratégias de defesa ou refutação de
teses;
(e) os alunos não foram levados a confrontarem suas posições, de forma a favorecer a
construção de argumentos e contra-argumentos; os debates, embora ricos,

167
encerravam-se na exposição de ideias; não havia problematização quando os
argumentos não eram aceitáveis;
(f) atividades de estudo dos textos produzidos, revisão e reescrita não eram
proporcionadas aos alunos;
(g) como havia um apego das professoras aos aspectos estruturais do texto
dissertativo-argumentativo (introdução, desenvolvimento e conclusão), os alunos
realizavam tentativas de atendimento a essa estrutura sem, muitas vezes, fazerem
isso em função de seus “projetos de dizer”;
(h) as professoras falavam sobre coesão e coerência como se fossem aspectos fixos
dentro de textos e de textos argumentativos. Não havia discussão no que se refere à
compreensão de como os elementos coesivos poderiam colaborar no
estabelecimento de efeitos pretendidos com o texto; nos textos dos alunos, vimos
algumas passagens em que os operadores argumentativos não funcionam a favor
da argumentação.

Após a análise e discussão dos dados de nossa pesquisa, o tópico seguinte destina-se à
apresentação de nossas reflexões gerais sobre o que visualizamos no ensino da argumentação
escrita e sua relação com as estratégias desenvolvidas por alunos nos momentos de produção
textual.

168
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As inquietações que levaram à realização de nossa pesquisa acabaram por suscitar


outras a partir dos dados encontrados. Por conta disso, as considerações que ora fazemos
dizem respeito às impressões que tivemos no decorrer de todo o percurso e não podem se
configurar em generalizações acerca do ensino de língua portuguesa, até porque o nosso
corpus contemplou uma pequena parcela de ações e de atores envolvidos no dia a dia de duas
escolas apenas.
No decorrer deste estudo, entretanto, obtivemos um material bastante interessante no
que diz respeito ao ensino de produção de textos/textos argumentativos, o qual não poderia ser
transcrito em toda a sua amplitude.
A nossa pesquisa de campo transcorreu em duas escolas da rede pública estadual de
ensino de Pernambuco, situadas no município de Camaragibe (PE) e definidas a partir de
critérios já citados neste estudo; nelas observamos eventos de aula de português em duas
turmas de 3º ano do ensino médio.
Em termos gerais, a nossa pesquisa objetivou analisar práticas de ensino de produção
de textos argumentativos escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as
estratégias argumentativas utilizadas pelos alunos.
Por esse caminho, apoiando-nos na concepção de argumentação como uma ação de
linguagem que se estabelece numa relação dialógica com vistas à adesão de um auditório
particular (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005), buscávamos compreender as
relações de sala de aula e a resposta para uma questão: o ensino da argumentação tem
favorecido o desenvolvimento de habilidades argumentativas? Para isso, tomamos por base
determinadas noções teóricas de (1) língua, (2) texto, (3) argumentação e (4) texto escrito
argumentativo.
Nesse sentido, adotamos a concepção de língua como discurso, na perspectiva de
Bakhtin (2010); de texto como unidade significativa, com fundamento nos estudos de
Bronckart (2007), Marcuschi (2009), Savioli e Fiorin (2001), Val (2006) e Koch (2006); de
texto argumentativo como aquele que se configura na apresentação de uma tese, a ser
defendida por meio de argumentos com vistas a conseguir a adesão do interlocutor (LEAL e

169
MORAIS, 2006; PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005; SCHNEUWLY e DOLZ,
2010).
Inicialmente, nosso olhar estava direcionado para os discursos das professoras de
língua portuguesa envolvidas nesta pesquisa, com vistas a identificar as concepções de língua,
texto e argumentação que fundamentavam as práticas dessas docentes. Assim é que, por meio
das entrevistas semiestruturadas, observamos que:
i. as professoras tinham um discurso elaborado acerca do trabalho com textos
e definiam o texto argumentativo como um gênero que pode favorecer o
desenvolvimento do senso crítico dos alunos;
ii. as falas evidenciaram que as professoras se preocupavam em desenvolver
atividades com esse texto que ora se destinavam ao desenvolvimento da
tomada de posição e da defesa de argumentos, ora se concentravam nos
aspectos formais do texto: introdução, desenvolvimento e conclusão; estes
últimos, por sinal, foram mais evidenciados;
iii. aspectos referentes à textualidade eram trabalhados na perspectiva
conceito-exemplo-uso e não na ordem uso-reflexão-conceito, o que nos fez
pressupor que a concepção de língua que estava subjacente à prática das
docentes era a de língua como estrutura e não como interação; isso, de
alguma forma, foi explicitado nos encaminhamentos didáticos das
professoras A e B, por ocasião do período de observação de aulas;
iv. embora dissessem priorizar o desenvolvimento das habilidades
argumentativas dos alunos com vistas à formação de sujeitos críticos e
reflexivos, as professoras tinham uma preocupação essencial com a
preparação dos estudantes para a aprovação no ENEM e em concursos
vestibulares locais, não deixando indícios de que o objetivo maior era, com
efeito, o desenvolvimento dessas competências para assegurar a palavra aos
alunos;
v. ambas as professoras concebiam a leitura como base para uma boa
produção escrita, estabelecendo uma relação direta entre esses dois eixos;
por conta disso, as atividades de produção textual eram sempre precedidas
da leitura de textos-suporte sobre os temas por elas selecionados;

170
vi. como consequência da relação estabelecida entre leitura e escrita, as
professoras A e B atribuíam a má qualidade dos textos produzidos à falta
de leitura dos alunos; não conseguiam, entretanto, se sentir parte integrante
do processo de mediação de leitura a ser desenvolvida na instituição
escolar, e mais especificamente, nas aulas de LP;
vii. as docentes promoviam sessões de debate em pequenos e grandes grupos,
com vistas a desenvolver a argumentação dos alunos; segundo elas, essa
atividade contribuía para a construção de argumentos que, por sua vez,
seriam utilizados no momento da produção escrita;
viii. as professoras concebiam algumas condições básicas para o
desenvolvimento da argumentação, tais como a necessidade de um tema
passível de debate, a apresentação de pontos de vista e a importância de
justificativas que sustentassem a tese a ser defendida; de igual modo, nos
deram indícios de que trabalhavam com a produção de textos de forma
sistemática, o que implicaria mais leituras de textos;
ix. as docentes deram pistas de que estavam num processo de transição entre o
ensino tradicional, cujas bases estão na gramática normativa, e as novas
perspectivas pedagógicas que situam o texto como objeto de estudo; em
seus depoimentos, evidenciaram que lidar com o texto é importante (tanto
em termos de leitura como em termos de escrita), mas que o domínio da
norma padrão é que iria assegurar aos seus alunos as competências
necessárias para os processos de leitura e de produção textuais.
De uma forma geral, as entrevistas nos levaram a pressupor que as professoras A e B
estavam num momento de conflito de identidade docente (MENDONÇA, 2006). Isso porque
faziam tentativas constantes de situar o texto como o centro das atividades pedagógicas, ao
mesmo tempo em que não conseguiam se desvincular dos conteúdos de gramática na
perspectiva do ensino das normas e das regras de emprego da variedade culta da língua.
Na segunda fase de nosso estudo, procuramos analisar as situações didáticas em que
eram propostas as produções de texto. Dessa forma, realizamos as observações de aula, que
foram registradas em diários de campo.
Para fundamentar as nossas análises, buscamos subsídio teórico nas pesquisas
desenvolvidas sobre o ensino de língua portuguesa, assim como sobre o ensino da produção

171
de textos na escola. Nessa perspectiva, encontramos suporte basicamente em Suassuna (2009,
2010), Geraldi (2003, 2004), Antunes (2003), Leal e Albuquerque (2007).
Os registros de aula nos apontaram que:
i. as tarefas propostas pelas professoras A e B não tinham referência nas práticas
de linguagem do dia a dia; ainda que os textos produzidos (dissertação e
resenha) se configurassem em gêneros textuais que circulam em espaços
sociais e historicamente constituídos (XAVIER, 2001), as produções
solicitadas não partiam da reflexão sobre as funções de escrita implicadas
nesses textos;
ii. as discussões que antecediam as produções eram momentos ricos de
interlocução e de interação; os alunos, diante dos seus pares e vivenciando
situações reais de aprendizagem, viam-se na função de apresentar e defender
seus pontos de vista acerca de determinado tema e, nesse contexto, faziam
emergir argumentos diversos e consistentes para conseguirem a adesão dos
seus interlocutores reais; entretanto, nas produções escritas esses discursos
eram praticamente silenciados;
iii. em todas as situações didáticas de produção textual, as professoras
encaminhavam atividades de leitura como pretextos para a escrita, o que, de
acordo com Geraldi (2003), não se configura num problema em si, uma vez
que estabelece a própria relação de interlocução;
iv. não visualizamos objetivos definidos para os eventos de aula, o que nos fez
inferir que as aulas não eram necessariamente planejadas;
v. em termos de conteúdos privilegiados no ensino, observamos posturas que,
inicialmente, acreditávamos serem distintas, mas que, ao término das
observações, convergiram para o ensino da gramática normativa; a professora
A privilegiou, na maioria de suas aulas, a abordagem de conteúdos gramaticais,
dedicando apenas duas delas à produção textual; já a professora B favoreceu a
produção de textos na maior parte dos encontros; as lacunas se estabeleceram
nas situações didáticas em que eram propostas as produções textuais, dada a
artificialidade desses contextos de produção; essa professora, ao orientar os
alunos para a avaliação da unidade, elencou conteúdos da gramática como o
objeto dessa avaliação;

172
vi. ainda que os textos-suporte selecionados como introdutórios às temáticas das
aulas propiciassem a exploração de diversos aspectos, os elementos discursivos
nunca eram privilegiados; as análises propostas pelas professoras limitavam-se
à identificação das ideias principais contidas nos textos; os alunos não eram
levados a pensar sobre os textos lidos, buscando identificar neles estratégias de
argumentação, posicionamento dos autores, efeitos de sentido pretendidos etc.;
vii. os alunos não sabiam dos objetivos e das finalidades das produções de texto
que lhes eram propostas, não havendo discussão sobre o que era argumentação,
nem sobre a importância de escrever acerca dos temas sugeridos;
viii. as orientações mais específicas para as produções de texto diziam respeito ao
atendimento da divisão do texto em parágrafos e às respectivas partes de uma
dissertação: introdução, desenvolvimento e conclusão; eram privilegiadas as
instruções sobre o que os alunos não deveriam apresentar em seus textos, em
detrimento de orientações relativas às estratégias propriamente ditas do dizer;
ix. tendo por base os paradigmas atuais para o ensino de língua portuguesa, não
vimos uma articulação entre os eixos leitura, oralidade, produção de texto e
análise linguística; na realidade, as professoras não deram indícios de que
tinham clareza/conhecimento dessa proposição metodológica;
x. para além do senso comum que existe em torno do perfil de discente nas redes
públicas de ensino, assistimos a eventos de aula em que os alunos explicitavam
o desejo de aprender a lidar com a sua própria língua em diversificadas
situações de comunicação. A dificuldade consistia no fato de que uma das
professoras, percebendo o desejo dos alunos de aprender a serem sujeitos
críticos, dava indícios de que não conseguia ultrapassar a perspectiva
normativo-prescritiva do ensino de língua portuguesa; consequentemente, não
efetivava uma prática pedagógica que propiciasse uma aprendizagem
significativa aos estudantes;
xi. ainda que nosso objeto de estudo não se relacionasse especificamente ao lugar
ocupado pelo livro didático nas aulas de língua materna, não poderíamos
deixar de registrar que as docentes envolvidas tinham esse instrumento como
suporte fundamental para as suas aulas; nesses termos, o que percebemos é que
o livro didático orientava os planos de ensino das professoras A e B, e lhes

173
dava pistas para os encaminhamentos pedagógicos a serem desenvolvidos em
sala; nessa perspectiva, os autores dos livros didáticos utilizados se
configuraram em verdadeiros docentes de aulas de português.
Em síntese, as professoras tentavam, por vezes, realizar um trabalho diferenciado com
gêneros textuais argumentativos, mas acabavam se distanciando das práticas de ensino que
priorizam a apropriação dos gêneros numa perspectiva reflexiva e de constituição de
subjetividades.
Na sequência, realizamos a análise das produções de texto dos alunos, considerando os
contextos em que foram propostas essas produções. Nosso objetivo era analisar os textos dos
aprendizes, verificando as estratégias argumentativas mobilizadas por eles em suas produções.
Para tanto, tomamos por base os estudos de Pécora (1999), Val (2006), Geraldi (2003) e
Suassuna (2009; 2010).
As produções evidenciaram que:
i. contextos artificiais de produção textual conduzem a produções igualmente
artificiais (SUASSUNA, 2009);
ii. os alunos não conseguiram transpor as posições e os argumentos que eram
explicitados nas discussões orais para os seus textos escritos; desse modo, as
diferentes vozes que emergiam de um mesmo aluno por ocasião dos debates
eram silenciadas no momento da produção escrita;
iii. as leituras prévias propostas não conseguiram dotar os alunos de informações
suficientes para a construção dos seus textos;
iv. esses estudantes, ainda que no seu último ano de escolaridade básica,
demonstraram diversos problemas no trato com o texto argumentativo, tais
como: falta de domínio do código escrito, problemas de adequação ao tema,
informações imprecisas, incoerência, baixo nível de informatividade,
generalizações indevidas, falhas na estrutura e no encadeamento lógico de
ideias etc.;
v. acreditamos que, em virtude da ausência de reflexão sobre os aspectos
linguístico-discursivos implicados nos textos, os alunos desconheciam as
especificidades dos gêneros que foram instados a escrever;

174
vi. diferentes sujeitos expostos às mesmas condições de produção escolar
transformam-se quase que em sujeitos semelhantes na elaboração de seus
textos: parecem querer atender ao discurso da escola.
Por tudo isso que foi exposto, o que de fato visualizamos?
(1) As mudanças no ensino de língua portuguesa estão começando a ocorrer e são,
possivelmente, resultados de pesquisas e discussões sobre linguagem e ensino de
língua. Contudo, esses processos de mudança ainda são lentos e sugerem uma
revisão de ideologias e metodologias por parte das professoras envolvidas na
pesquisa (e provavelmente de outros docentes também).

(2) O texto tem ocupado um lugar de destaque nas aulas de português, mas a sua
inserção no ensino por vezes tem sido equivocada.

(3) Alguns professores se apropriaram do discurso sobre a importância e a necessidade


de um sistemático trabalho com gêneros textuais com vistas ao desenvolvimento
de habilidades linguísticas e discursivas dos alunos, mas não têm conseguido
efetivar uma prática diferenciada, de modo a atender à nova proposta para o ensino
de língua portuguesa. Em virtude disso, temos um ensino de produção textual
centrado, predominantemente, nos aspectos composicionais dos textos.

(4) As situações de produção de texto argumentativo distanciam-se das finalidades


propostas no currículo para o ensino-aprendizagem desse gênero e não favorecem
significativamente o desenvolvimento das habilidades argumentativas dos alunos
em textos escritos.
Nessa perspectiva, defendemos que as situações de produção textual na escola sejam
significativas para os alunos; que se origem de temas nos quais os alunos estejam imersos (e
se não estiverem que lhes sejam apresentadas e discutidas as razões pelas quais será
importante escrever); que possibilitem aos estudantes se constituírem como sujeitos autores
dos seus próprios discursos.
O que percebemos, entretanto, é que, entre discursos e metodologias adotadas, temos
uma lacuna no processo de ensino-aprendizagem, materializada na manutenção das antigas

175
práticas escolares de produção textual, cuja ênfase recai sobre os aspectos
formais/composicionais do texto e relegam a um plano secundário os elementos discursivos.
Nesse sentido, encontramos produções que se pretendiam dissertações argumentativas,
mas estiveram longe de se estabelecerem como tais, porque seus produtores tinham o que
dizer, mas não conheciam as razões para dizer nem seus interlocutores; também
desconheciam as estratégias de dizer (GERALDI, 2003). Geraldi (idem) fala ainda da
necessidade de constituir-se como sujeito e de ter a quem dizer.
Argumentar por escrito na prática escolar não tem se constituído numa ação de
linguagem inerente ao processo de ensino-aprendizagem. Antes, tem se configurando como
uma prática escolarizada na qual se desvelam os discursos autorizados por essa instituição
social (ou os “não-discursos”).
Nessa direção, o que sugerimos, por enquanto?
(1) O desenvolvimento de mais pesquisas com foco no ensino da produção de textos
argumentativos escritos contemplando a modalidade do ensino médio e cujos resultados
possam ser efetivamente articulados a uma proposta de mudança nas metodologias adotadas
nas aulas de língua portuguesa.

(2) A garantia, a docentes de língua portuguesa, de um aprofundamento teórico a


respeito das concepções de língua, texto e argumentação que são explicitadas nas orientações
curriculares atuais para o ensino desse componente curricular.

(3) Uma reflexão sobre as condições objetivas e materiais de trabalho de professores


da rede pública que, na maior parte das vezes, são obrigados a se submeter a baixos salários, à
desvalorização profissional e a uma carga horária excessiva. Esses fatores culminam,
normalmente, na falta de tempo para planejamento de aulas, aprofundamento teórico e
reflexão sobre a sua própria prática pedagógica.

(4) A realização de estudos mais detalhados sobre o ensino da argumentação na


educação básica, com vistas a dotar professores de língua de subsídios teóricos que possam
lhes permitir uma reflexão e uma revisitação de suas próprias práticas pedagógicas.

176
Como mencionamos anteriormente, as conclusões desta pesquisa não têm a pretensão
de esgotar as questões levantadas. Por esse viés, deixamos aqui alguns questionamentos que
surgiram no decorrer do trabalho:
(1) Por que, diante de toda a literatura existente, há um desconhecimento acerca do
que se constitui num trabalho articulado com os diferentes eixos de linguagem (leitura,
escrita, oralidade e análise linguística)? O que tem se ensinado em termos dessas práticas de
linguagem nos cursos de graduação em Letras?

(2) Se, nos anos iniciais do ensino fundamental, o ensino da produção de textos é
normalmente ministrado por graduados em Pedagogia, como os eixos de linguagem têm sido
discutidos no currículo desse curso?

(3) O que pensam e sabem os professores de português sobre atividades de revisão e


reescrita de textos?

(4) Que relação (in)existe entre currículo oficial e currículo vivido em aulas de
português no ensino médio da rede pública de Pernambuco?

(5) Que elementos estão implicados na ideia de que a formação do aluno como leitor é
responsabilidade do próprio aluno? Por que há professores de português que não se veem nem
agem como mediadores da formação do aluno-leitor?

(6) Que fatores contribuíram para que as diferentes vozes que emergiram no discurso
dos alunos por ocasião dos debates desaparecessem nos textos argumentativos escritos?
Imaginamos que não sejam questões simples de serem respondidas, mas consideramos
que sejam passíveis de investigação.
Esperamos ao término (diríamos parcial) desta pesquisa que tenhamos conseguido
alcançar ao menos alguns objetivos: contribuir com os estudos sobre as condições de
produção de texto argumentativo em nossas instituições de ensino; possibilitar reflexões sobre
a relação ensino-aprendizagem desse texto; chamar a atenção dos atores envolvidos nesse
processo de ensino para uma possível análise de práticas pedagógicas desenvolvidas em torno

177
desse tema e para a consciência de que argumentar, como ação de linguagem, pressupõe uma
relação dialógica.

178
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185
APÊNDICE

ROTEIRO DA ENTREVISTA REALIZADA COM PROFESSORES DE PORTUGUÊS


(Algumas questões que nortearam a entrevista semiestruturada)

1 Apresentação do entrevistador e explicação sobre o objetivo da entrevista


2 Nome do professor entrevistado

3 Instituição onde cursou a graduação/ano de conclusão

4 Realização de curso de aperfeiçoamento ou de pós-graduação

4.1 Em caso afirmativo, instituição e ano de conclusão

5 Tempo de docência na rede estadual

6 Tempo de docência na escola onde está sendo realizada a entrevista

7 Turma em que leciona aulas de LP

8 Se mencionar que trabalhou com o 3º ano, perguntar sobre o fato de ter sido professor
dessa turma em 2010, ministrando aula de LP

9 Procedimentos usuais utilizados pelo professor para dar aulas de LP

10 Conteúdos costumeiramente trabalhados nas aulas de LP

11 Com que frequência o professor trabalha com textos?

12 E com produção de textos?

13 Que dificuldades são identificadas pelo professor no ensino de LP?

14 Encontra dificuldades para trabalhar com produção textual?

15 Trabalha com textos argumentativos? Por quê?

16 Como o professor encaminha as atividades de produção de textos argumentativos?

17 Os alunos produzem bons textos argumentativos?

18 Que problemas o professor encontra nos textos argumentativos escritos?

19 O que o professor acha que favorece a ocorrência de problemas nos textos?

20 Que propostas tem o professor para melhoria no ensino de produção de texto


argumentativo escrito?

186
ANEXO 1: ATIVIDADE DAS AULAS Nº O1 E 02 DA PROFESSORA A

Transcrição da atividade colocada no quadro pela Professora A


Obs.: em todos os momentos, a transcrição foi fiel ao registrado na lousa pela professora.

Turma: 3º ano do EM A
Data: 03/05/2011

Atividade de interpretação de texto

O Xote Das Meninas (Luiz Gonzaga)


Mandacaru
Quando fulora na seca
É o siná que a chuva chega
No sertão
Toda menina que enjôa
Da boneca
É siná que o amor
Já chegou no coração...

Meia comprida
Não quer mais sapato baixo
Vestido bem cintado
Não quer mais vestir timão...

Ela só quer
Só pensa em namorar
Ela só quer
Só pensa em namorar...

De manhã cedo já tá pintada


vive suspirando
Sonhando acordada
O pai leva ao dotô
A filha adoentada
Não come, nem estuda
Não dorme, nem quer nada

Mas o dotô nem examina


Chamando o pai do lado
Lhe diz logo em surdina
Que o mal é da idade
Que prá tal menina

187
Não tem um só remédio
Em toda medicina...
Questões

1. Qual região Luiz Gonzaga retrata nessa música e em outras tantas de sua autoria? Por
quê?
2. O que, provavelmente, Luiz Gonzaga quis dizer com os quatro primeiros versos?
3. Segundo Luiz Gonzaga, qual é o sinal que uma menina está apaixonada? Você
concorda com ele?
4. Havia diferença nas meninas antes e depois de se apaixonar? Cite algumas dessas
diferenças na música.
5. Por que o pai pensou que a menina estava adoentada? A paixão pode adoecer?
Explique.
6. Segundo o médico na música, “...que pra tal menina não há um só remédio em toda
medicina”. E você, acha que tem remédio? Justifique.
7. Retire do texto um período simples.
8. Retire do texto dois períodos compostos.
9. Existe no texto:
a) Uma conjunção coordenativa, encontre-a, copie a frase e classifique a conjunção.
b) Um pronome oblíquo, encontre-o, copie e classifique segundo a colocação
pronominal.
c) Verbos no infinitivo, gerúndio e particípio. Encontre-os e coloque-os separadamente
por forma nominal a qual pertencem.

188
ANEXO 2: REGISTRO ESCRITO – AULAS Nº 04 E 05 DA PROFESSORA A
Transcrição da anotação colocada no quadro pela Professora A
Turma: 3º ano do EM A
Data: 16/05/2011

Casos Especiais de Concordância

1) Sujeito composto anteposto ao verbo (o verbo fica no plural)


“Aqui, o governo , serviços secreto e a polícia têm mais poderes legais para bisbilhotar o
cidadão”.
2) Sujeito composto resumido por palavras como ninguém, cada um, tudo, nada, alguém (o
verbo permanece no singular, pois prevalece a ideia de síntese)
“Crianças chorando, ambulância chegando, pessoas machucadas, tudo contribuía para
aumentar o desespero”.
3) Sujeito composto posposto ao verbo
“Durante o tumulto, brigaram o juiz, os jogadores e alguns torcedores”.
“Durante o tumulto, brigou o juiz, os jogadores e alguns torcedores”.
Obs.: ambas são corretas. Para o sujeito composto que vem depois do verbo, há duas
construções corretas:
 O verbo vai para o plural.
 O verbo concorda com o núcleo mais próximo.
Se o núcleo mais próximo vier no plural, o verbo só poderá vir no plural.
Ex.: Durante o tumulto, brigaram juízes, os jogadores e alguns torcedores.

189
ANEXO 3: TEXTO DAS AULAS Nº 05 E 06 DA PROFESSORA A
Transcrição da atividade colocada no quadro pela Professora A
Turma: 3º ano do EM A
Data: 18/05/2011

AUTOPSICOGRAFIA
(Fernando Pessoa)

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é do
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

190
ANEXO 4: TEXTOS PRODUZIDOS POR ALGUMAS EQUIPES NA AULA DO DIA
17/05/2012 – PROFESSORA B
CONTEÚDO DA AULA: PRODUÇÃO DE RESENHAS

Resenha 1 – Turma B

191
Resenha 2 – Turma B

192
193
ANEXO 5: TEXTO 1 UTILIZADO COMO SUPORTE PARA A INTRODUÇÃO DO
TEMA PRECONCEITO LINGUÍSTICO – AULAS Nº 07 E 08 DA PROFESSORA B
Data: 25/05/2012
O Novo Caipira
Chico Graziano

Monteiro Lobato deve estar chateado. O grande escritor, com certeza, não imaginou
que seu personagem mais famoso, o Jeca-Tatu, pudesse servir ao preconceito contra o campo.
Pior, provocar a mistificação rural.
Consagrado nas páginas de estórias escritas há 90 anos, o caipira do Vale do Paraíba
inspirava um sentimento generoso, uma forma de Lobato homenagear o homem rural,
valorizando, como escreveu certa vez, os silenciados da história.
O personagem de livros infantis transmitia bondade, pouco letrado, porém astuto, sem
riquezas, mas cheio de felicidade. Sua ingenuidade peculiar sensibilizou crianças e adultos,
permitindo iluminar o ser humano na atividade rural. Nobre caráter.
Mais tarde, chegou o cinema. E o cândido Jeca-Tatu acabou caricaturado na
interpretação do famoso Mazzaropi. Foi quando inventaram o chapéu de palha desfiado, a
calça de pernas curtas mostrando a botina desbocada. A imagem cinematográfica desvirtuou o
sentido simbólico construído por Monteiro Lobato. O caipira virou gozação.
Nessa época, anos 60, iniciou o fortíssimo ciclo da urbanização brasileira, em
simbiose com a industrialização, ambas alimentadas pelo tremendo êxodo rural. Em pouco
tempo, como nunca se imaginara, o pais passou de rural para urbano, arrebentando o mundo
caboclo.
Talvez a rapidez desse processo tenha estimulado um viés na cultura urbana,
exacerbando sua pretensão modernizadora. O fato é que os citadinos, mesmo sem querer,
passaram a olhar os agricultores como quem "ficou para traz" na corrida do progresso. O
campo passou a representar o atraso.
Quando as festas juninas começaram a ser dominada pelos representantes da cidade,
aconteceu a deformação maior: juntaram a caricatura do caipira com o folclore nacional. Os
festejos, nascidos no Nordeste com o bumba-meu-boi do século XVIII, aqui no Sudeste
incorporaram elementos depreciativos, carregados de preconceito.
Afinal, o que podem significar a roupa cheia de remendos fingidos, aquelas sardas
esquisitas nas faces das meninas e, Deus do céu, o dentinho pintado de preto nas crianças,
justo na frente, para parecer banguela.
Essa imagem deformada da gente da roca induz crianças e jovens, especialmente, a
acreditar que os homens do campo são malvestidos, sujos, desdentados, atrasados. A
trancinha que se bota no cabelo das meninas ate que e simpática. O conjunto parece bonitinho.
Esconde, todavia, um terrível engano, ajudando a turvar a realidade. Essa mania
urbanoide de rotular as mulheres e os homens rurais como caipiras bregas provoca
sentimentos chauvinistas, desagregadores. Alguém já perguntou para um agricultor o que ele
acha desse negocio de vestir calca pula-brejo?
Ocorre um enorme equivoco quando se supõe que as festas caipiras tipo Jeca-Tatu
fazem parte do folclore popular. Nada a ver. Folclore significa conhecimento popular,
tradição, patrimônio cultural. Só pode ser folclore aquilo que brota da criatividade, da
manifestação espontânea de um povo.
Estória romanesca não é folclore, pois neste inexiste identificação de autoria. Sem anonimato
não ha cultura popular, como são as lendas, as crendices, as danças regionais, o artesanato.
194
Cantiga de roda, por certo, pertence ao folclore nacional, tanto quanto os rituais
festivos que reverenciam Santo Antônio, São João e São Pedro, com seus mastros pintados.
Isso tudo é lindo. Horrível ficou a mistura do preconceito urbano, recente, com a graça
popular, antiga.
Apos décadas de esquecimento, a agropecuária dos pais passa por um processo de
revalorização, quase um redescobrimento. Com certeza, a crise das metrópoles, atoladas na
criminalidade, sujas pela poluição e perdidas no caos do transito, induz ao olhar distante,
idílico que seja rumo ao interior. As coisas mais simples da vida, como conversar na calcada
da rua ou olhar as estrelas do céu, provocam ciumentas fissuras na dureza da mente urbana.
Por outro lado, há anos do campo brotam boas noticias: recordes de safras,
exportações aquecidas, supremacia no crescimento econômico, empregos, divisas fartas.
Felizmente, a modernização superou, a duras penas, o sistema latifundiário do Brasil, gerando
um modelo tropical de agricultura, capaz de obter elevadas produtividades, garantir
sustentabilidade e competir no mercado internacional.
Falta muito, é verdade, para se afirmar que a agricultura rompeu com o atraso.
Injustiças ainda permeiam pelos campos, exigindo politicas de inclusão produtiva e social. Ha
que se reduzirem as desigualdades.
O futuro, porém, supera o passado. Empresários rurais substituem a velha oligarquia.
Agricultores familiares se organizam, investem em tecnologia e começam a sair, eles também,
da pobreza secular. Forma-se alhures grupos de pequenos empreendedores, gente olhando
para frente, confiante na sua sorte.
Não vê quem não quer. No interior do Brasil surge um novo caipira. Pode falar puxado
no erre, mas não se inferior com quem sibila o esse. Caipira, sim, mas estudado, bonito,
vivendo com qualidade de vida.
Lembre-se disso, principalmente se estiver pensando, na próxima festa junina, em
vestir um chapéu desfiado daqueles que o presidente Lula ostentou noutro dia. Esqueça o
adereço. Tome seu quentão, dance quadrilha, curta o foguetório, mas reverencie o campo,
valorizando-o ao invés de estimular as diferenças.
E se encontrar alguma criança com dentinho pintado de preto, denuncie: preconceito é
crime constitucional.

Disponível em http://apaddi.tripod.com/apaddi/index.blogastart=1088866742. Acessado em


04/02/2012.

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