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TRABALHO E ESCOLA:
A APRENDIZAGEM FLEXIBILIZADA
Acacia Zeneida Kuenzer¹

RESUMO aluno, apresenta como contraponto a flexi-


bilização dos tempos e espaços de aprendi-
Este artigo tem por objetivo analisar a zagem, mediados pelas novas tecnologias;
emergência da concepção de aprendiza- o protagonismo do aluno; a construção
gem flexível, crescentemente incorporada colaborativa do conhecimento e a prática
ao discurso e às práticas pedagógicas da docente como organização de conteúdos
educação escolar e da educação profis- e produção de propostas inovadoras de
sional. Justificada pela crítica à rigidez de aprendizagem. Essa concepção compõe-se
modelos únicos para alunos com diferentes de categorias que aparentemente se confun-
trajetórias e interesses, ao conteudismo, à dem com as que constituem as teorias críti-
disciplinarização, a centralidade no profes- cas, o que remete à necessidade de analisar
sor e ao pouco ou nenhum protagonismo do as bases materiais que a geraram, para que

1. Doutora em Educação pela PUC de São Paulo, professora titular aposentada da UFPR e professora do Doutorado em Diversidade e Inclusão
Social da Universidade Feevale.

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se compreenda suas raízes, e por consequ- Nesse sentido, a aprendizagem flexível é


ência, os interesses a que serve. justificada pelas mesmas razões que justifi-
cam a flexibilização curricular: as críticas ao
PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem flexí- modelo único para alunos com diferentes
vel. Novas tecnologias em educação. Educa- trajetórias e interesses, ao conteudismo, à
ção. Acumulação flexível. disciplinarização, a centralidade no profes-
sor e ao pouco ou nenhum protagonismo do
Introdução aluno.

A aprendizagem flexível tem sido referida O contraponto seria uma organização


para expressar um refinamento das metodo- curricular mais flexível, baseada na pesquisa
logias de Educação à Distância; mesmo res- e no diálogo, a partir da valorização do alu-
trita a esse contexto, contudo, essa concep- no como sujeito critico e não como receptor
ção tem se prestado a várias interpretações. de conteúdos, viabilizada pela construção
A mais comum, e utilizada com mais frequ- colaborativa e solidária do conhecimento.
ência pelas Instituições de Ensino Superior
que oferecem cursos em EAD como diferen- Nessa perspectiva, a Fundação Uniban-
cial, tem sido a flexibilização dos tempos de co, a partir das críticas aos modelos rígidos,
aprendizagem; neste caso, a justificativa é aponta a construção da Base Nacional Co-
autonomia do aluno para definir seus horá- mum, estimulada pelo MEC, como oportu-
rios de estudo, em contraposição à rigidez nidade para a flexibilização curricular do
dos tempos dos cursos presenciais. Ensino Médio, uma vez que o documento
preliminar propõe 60% de conteúdos co-
Outra forma de conceber a aprendiza- muns. Os demais 40% serão definidos por
gem flexível é como resultado de uma me- cada sistema de ensino, abordando conte-
todologia inovadora, que articula o desen- údos que atendam às especificidades regio-
volvimento tecnológico, a diversidade de nais. A partir da proposta, aponta a Fundação
modelos dinamizadores da aprendizagem e Unibanco a necessidade de abrir possibilida-
as mídias interativas; neste caso, ela se justi- des de escolha pelo aluno, o que realmente
fica pela necessidade de expandir o ensino caracterizaria a flexibilidade. Essas escolhas
superior para atender as demandas de uma contemplariam conhecimentos vinculados à
sociedade cada vez mais exigente e compe- trajetória pretendida pelo jovem: ensino téc-
titiva. nico ou área de conhecimento que preten-
de seguir no ensino superior.
Em sua versão amplamente pedagógica,
a aprendizagem flexível se materializa nas Assim, a flexibilidade, tanto do currícu-
comunidades de aprendizagem, em rede, lo quanto da aprendizagem, respeitaria a
formadas por grupos de interesse, geralmen- dimensão vivencial de cada aluno no pro-
te de profissionais, que pesquisam, trocam cesso de construção do conhecimento, a
experiências e colaboram na solução de integração à prática profissional numa pers-
problemas, de forma aberta e constante. pectiva reflexiva e a construção colaborati-
va e solidária do conhecimento.

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A forma de participação do aluno nessa dessa proposta, para ser adequada, precisa
proposta muda bastante: de espectador, pas- buscar suas raízes nas bases materiais que a
sa a ser sujeito de sua própria aprendizagem, geraram, o que extrapola os limites da tecno-
o que exigirá dele iniciativa, autonomia, disci- logia, atingindo as relações de produção que
plina e comprometimento. Nas modalidades configuram o regime de acumulação flexível,
de aprendizagem flexível disponibilizadas, cimentado pela ideologia pós-moderna.
ele fará seu próprio horário de estudo, esta-
belecerá as condições e o ritmo em que irá Esse movimento é necessário, uma vez
estudar, segundo seu perfil e suas possibili- que a concepção apresentada, aparente-
dades. Em tese, ao gerenciar seus tempos e mente, se confunde com as categorias do
espaços, aprenderia a aprender, sozinho ou materialismo histórico. Há portanto, que su-
em colaboração, o que conduziria a um me- perar o nível fenomênico para buscar as re-
lhor aproveitamento; e, lações que explicam esse
nas práticas colaborati- novo discurso, e assim,
vas, deixaria de ser iso-
lado em suas tarefas e
“A forma de participação ao completar o seu ca-
ráter lacunar, evidenciar
leituras, de modo tam- do aluno nessa seu caráter ideológico.
bém a superar posturas proposta muda bastante:
individualistas. de espectador, passa a O discurso pedagógi-
co do regime de acumu-
Na aprendizagem
ser sujeito de sua própria lação flexível
flexível, o conceito de aprendizagem, o que
comunidade de apren- exigirá dele iniciativa, A aprendizagem flexí-
dizagem implica o des- vel surge como uma das
autonomia, disciplina
locamento do professor expressões do projeto pe-
e do conteúdo para o e comprometimento ” dagógico da acumulação
grupo, que participa, se flexível, cuja lógica conti-
envolve, pesquisa, inte- nua sendo a distribuição
rage, cria, com a mediação de algum orien- desigual da educação, porém com uma for-
tador. O professor passa a ser organizador de ma diferenciada.
conteúdos e produtor de propostas de curso,
de abordagens inovadoras de aprendizagem, Assim é que o discurso da acumulação fle-
em parceria com especialistas em tecnolo- xível sobre a educação aponta para a neces-
gia; a relação presencial passa ser substituída sidade da formação de profissionais flexíveis,
pela tutoria, que acompanha a aprendiza- que acompanhem as mudanças tecnológicas
gem dos alunos. decorrentes da dinamicidade da produção
científico-tecnológica contemporânea, ao in-
Em princípio, essa concepção seria resul- vés de profissionais rígidos, que repetem pro-
tante do avanço da base microeletrônica; cedimentos memorizados ou recriados por
reduzi-la, contudo, a essa dimensão, é uma meio da experiência. Para que esta forma-
simplificação que atende apenas a interes- ção flexível seja possível, torna-se necessário
ses de caráter ideológico. A análise acurada substituir a formação especializada, adquiri-

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da em cursos profissionalizantes focados em


ocupações parciais e, geralmente, de curta
duração, complementados pela formação
no trabalho, pela formação geral adquirida
por meio de escolarização ampliada, que
abranja no mínimo a educação básica, a ser
disponibilizada para todos os trabalhadores.
A partir desta sólida formação geral, dar-se
-á a formação profissional, de caráter mais
abrangente do que especializado, a ser com-
plementada ao longo das práticas laborais.

Como a proposta é substituir a estabilida-


de, a rigidez, pela dinamicidade, pelo movi-
mento, à educação cabe assegurar o domí-
nio dos conhecimentos que fundamentam as
práticas sociais e a capacidade de trabalhar
com eles, por meio do desenvolvimento de
competências que permitam aprender ao
longo da vida, categoria central na pedago-
gia da acumulação flexível. Se o trabalhador
transitará, ao longo de sua trajetória laboral,
por inúmeras ocupações e oportunidades de
educação profissional, não há razão para in-
vestir em formação profissional especializada;
a integração entre as trajetórias de escolarida- Embora a expansão da oferta de educa-
de e laboral será o elo entre teoria e prática, ção básica continue sob a responsabilidade
resgatando-se, desta forma, a unidade rompi- da escola, na modalidade presencial, as po-
da pela clássica forma de divisão técnica do líticas públicas estimulam, cada vez mais, a
trabalho, que atribuía a uns o trabalho opera- utilização das novas tecnologias de informa-
cional, simplificado, e a outros o trabalho inte- ção e comunicação tendo em vista imple-
lectual, complexo. mentar uma nova qualidade à aprendiza-
gem, aproximando-a dos novos padrões de
Ao afirmar que o novo disciplinamento para comportamento social e de práticas laborais
o trabalho flexível em uma sociedade atraves- da sociedade informatizada. O objetivo da
sada pela microeletrônica exige a capacidade nova pedagogia é formar subjetividades fle-
de trabalhar intelectualmente, o regime de xíveis que se relacionem, produzam e consu-
acumulação flexível reconhece a importância mam em uma sociedade cuja base técnica, a
da ampliação da escolaridade em nível básico mover o mercado, é a microeletrônica.
e em nível superior, acompanhada da capaci-
tação profissional continuada para atender às Para a ampliação do ensino superior, em
novas demandas do mercado de trabalho. particular pela iniciativa privada, a aprendi-

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zagem flexibilizada pelos cursos à los pré-estabelecidos, sendo definidas e rede-


distância atende, ao mesmo tem- finidas segundo as estratégias de contratação
po, a redução dos custos e dos va- e subcontratação que são mobilizadas para
lores cobrados dos alunos, o que atender à produção puxada pela demanda
tem se configurado como eficien- do mercado.
te estratégia de mercantilização
desse nível de ensino. São combinações que ora incluem, ora
excluem trabalhadores com diferentes qua-
A formação profissional con- lificações, de modo a constituir corpos co-
tinuada também é amplamente letivos de trabalho dinâmicos, por meio de
atendida por essa modalidade, uma rede que integra diferentes formas de
com oferta abundante e diver- subcontratação e trabalho temporário e que,
sificada, que abrange desde os ao combinar diferentes estratégias de extra-
cursos básicos de informática aos ção de mais-valia, asseguram a realização da
cursos de línguas, pós-graduação lógica mercantil.
em nível de especialização e ca-
pacitação profissional em níveis Se há combinação entre trabalhos desi-
mais complexos, para atender às guais e diferenciados ao longo das cadeias
novas necessidades do mercado. produtivas, há também demandas diferen-
ciadas, e desiguais, de qualificação dos tra-
O que o discurso da pedagogia balhadores, que podem ser rapidamente
da acumulação flexível não revela atendidas pelas estratégias de aprendizagem
é que, ao destruírem-se os víncu- flexível, o que permite que as contratações
los entre capacitação e trabalho sejam definidas a partir de um perfil de tra-
pela utilização das novas tecno- balhador com aportes de educação geral e
logias, que banaliza as competên- capacidade para aprender novos processos,
cias, tornando-as bastante parecidas e com e não a partir da qualificação.
uma base comum de conhecimentos de au-
tomação industrial, a par da estratégia toyo- Daí o caráter “flexível” da força de tra-
tista de definir a produção pela demanda, o balho; importa menos a qualificação prévia
mercado de trabalho passa a reger-se pela do que a adaptabilidade, que inclui tanto as
lógica dos arranjos flexíveis de competências competências anteriormente desenvolvidas,
diferenciadas. (Kuenzer, 2007) cognitivas, práticas ou comportamentais,
quanto a competência para aprender e para
Diferentemente do que ocorria no tayloris- submeter-se ao novo, o que supõe subjeti-
mo/fordismo, onde as competências eram vidades disciplinadas que lidem adequada-
desenvolvidas com foco em ocupações pre- mente com a dinamicidade, com a instabili-
viamente definidas e relativamente estáveis, dade, com a fluidez.
a integração produtiva se alimenta do con-
sumo flexível de competências diferenciadas, O discurso da necessidade de elevação
que se articulam ao longo das cadeias produ- dos níveis de conhecimento e da capacida-
tivas. Estas combinações não seguem mode- de de trabalhar intelectualmente, quando

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adequadamente analisado a partir da lógica tanto do ponto de vista cognitivo quanto


da acumulação flexível, mostra seu caráter ético, por meio de educação geral comple-
concreto: a necessidade de ter disponível mentada com capacitações profissionais
para consumo, nas cadeias produtivas, for- disponibilizadas de forma diferenciada por
ça de trabalho com qualificações desiguais e origem de classe, que os levem a exercer, e
diferenciadas que, combinadas em células, aceitar, de forma natural, as múltiplas tare-
equipes, ou mesmo linhas, atendendo a di- fas no mercado flexibilizado. Ser multitarefa,
ferentes formas de contratação, subcontra- neste caso, implica exercer trabalhos dispo-
tação e outros acordos precários, assegurem nibilizados pelo mercado, para os quais seja
os níveis desejados de produtividade, por suficiente um rápido treinamento, a partir da
meio de processos de extração de mais-va- educação geral, seja no nível básico, técnico
lia que combinam as dimensões relativa e ou superior. Para a maioria dos trabalhado-
absoluta. res, significará exercer trabalhos temporários
simplificados, repetitivos
Esta forma de consu- e fragmentados.
mo da força de trabalho “… a pedagogia
ao longo das cadeias A aprendizagem fle-
produtivas aprofunda a
da acumulação flexível xível, como metodolo-
distribuição desigual do tem como finalidade gia, é uma das formas
conhecimento, onde, a formação de de atender à finalidade
para alguns, depen- de formação desses pro-
dendo de onde e por
trabalhadores com fissionais, cuja força de
quanto tempo estejam subjetividades flexíveis trabalho poderá ser con-
integrados nas cadeias tanto do ponto sumida de forma mais ou
produtivas, se reserva menos predatória, ao
o direito de exercer o
de vista cognitivo longo das cadeias pro-
trabalho intelectual inte- quanto ético...” dutivas, segundo as ne-
grado às atividades prá- cessidades da produção
ticas, a partir de extensa puxada pela demanda.
e qualificada trajetória de escolarização; o
mesmo não ocorre com a maioria dos traba- Os pressupostos da aprendizagem flexí-
lhadores, que desenvolvem conhecimentos vel: para além do discurso
tácitos pouco sofisticados, em atividades la-
borais de natureza simples e desqualificada Já se afirmou anteriormente que um dos
e são precariamente qualificados por proces- problemas trazidos pelo discurso da pe-
sos rápidos de treinamento, com apoio nas dagogia da acumulação flexível, que tem
novas tecnologias e com os princípios da na aprendizagem flexível a sua metodolo-
aprendizagem flexível. gia, é a confusão semântica causada pela
utilização de termos iguais para expressar
Em resumo, a pedagogia da acumulação concepções diferentes. Para trazer clare-
flexível tem como finalidade a formação de za a esse debate, necessário se faz uma
trabalhadores com subjetividades flexíveis, abordagem hermenêutica que articule as

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dimensões epistemológica e ontológica, A primeira análise a ser feita diz respeito


que remeta tanto à interpretação do dis- ao processo de produção do conhecimen-
curso quanto à sua análise a partir de uma to; no marco conceitual do materialismo
dada realidade. Feitas as considerações de histórico, o conhecimento resulta da recria-
ordem ontológica no item anterior, mesmo ção, ou seja, da reprodução da realidade
que de forma sintetizada, resta a necessida- no pensamento, o que ocorre através da
de de analisar o discurso da aprendizagem atividade humana; é através desse proces-
flexível do ponto de vista epistemológico, o so que a realidade adquire significado para
que remete ao confronto entre as concep- os seres humanos.
ções de conhecimento e aprendizagem da
modernidade e da pós-modernidade. Homens e mulheres só conhecem aquilo
que é objeto de sua atividade, e conhecem
porque atuam praticamente; por isso, a pro-
dução ou apreensão do conhecimento pro-
duzido não pode se resolver teoricamente
através do confronto dos diversos pensa-
mentos, ou seja, pelo trabalho intelectual,
e sim através do confronto entre teoria e
prática, do qual emergem novas sínteses
com potencial transformador da realidade.
(Marx e Engels, 2008)

Dessa compreensão emerge a concep-


ção de práxis, atividade teórica e prática
que transforma a natureza e a sociedade;
prática, na medida em que a teoria, como
guia da ação, orienta a atividade humana;
teórica, na medida em que esta ação é
consciente. (Vázquez, 1968)

A prática, contudo, não fala por si mes-


ma; os fatos, ou fenômenos, têm que ser
identificados, contados, analisados, interpre-
tados, já que a realidade não se deixa revelar
através da observação imediata; é preciso
ver para além das aparências, que mostram
apenas os fatos superficiais, aparentes, que
ainda não se constituem em conhecimen-
to. Para conhecer é preciso superar o que é
aparente, para compreender as relações, as
conexões, as estruturas internas, as formas
de organização, as relações entre parte e to-

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talidade, as finalidades, que não se deixam lam através do movi-


conhecer no primeiro momento. mento do pensamento
que se debruça sobre o
Ou seja, o ato de conhecer necessita do mundo das ações e das
trabalho intelectual, teórico, que se dá no relações que elas ge-
pensamento que se debruça sobre a reali- ram.
dade a ser conhecida; é neste movimento
do pensamento que parte das primeiras Já a atividade pode
e imprecisas percepções para relacionar- se constituir em ações
se com a dimensão empírica da realidade repetitivas, as vezes au-
que são construídos os significados. Quan- tomatizadas, resultan-
do resulta da ação humana desencadea- tes da memorização, as
da pela vontade de atingir uma finalida- quais nem sempre são
de, o trabalho intelectual também é uma compreendidas; nestes
das formas de prática, desde que referido casos, onde pouco inter-
à realidade, para compreendê-la e trans- vém a reflexão, a ativida-
formá-la; como mero exercício do pensa- de humana não se cons-
mento, é apenas reflexão. Assim, quando titui em prática.
o docente planeja uma atividade para que No entanto, por se
os alunos, a partir da apropriação da teo- configurar como um mo-
ria, enquanto conhecimento já produzido, vimento no pensamento,
desenvolvam uma ação intelectual para por mais que a ativida-
refletir sobre uma prática social ou de tra- de teórica se aproxime
balho, com a finalidade de apreendê-la, da prática, com ela não
compreendê-la e reconstruí-la, e desta se confunde, guardando
forma, mudar a realidade, integrando o especificidades que se
conhecimento novo a suas experiências e resumem na produção
conhecimentos anteriores, temos uma prá- de ideias, representa-
tica. (Vázquez, 1968). ções e conceitos. E, em
decorrência de ser um
A partir desta concepção, definem-se processo de apropriação
as dimensões constituintes do processo de da realidade pelo pensa-
produção do conhecimento em suas rela- mento, não transforma,
ções: a teórica, que se mantém no plano por si, a realidade. Ainda que a atividade teó-
da reflexão, e a prática, que se mantém no rica mude concepções, transforme represen-
plano dos fazeres. Não há prática que não tações, produza teorias, em nenhum destes
esteja respaldada por algum tipo de ativi- casos transforma, sozinha, a realidade. É pre-
dade cognitiva, e portanto, por alguma ati- ciso que as ideias se transformem em ações.
vidade teórica. A atividade teórica só exis-
te a partir e em relação com a prática; não A concepção de aprendizagem flexível,
há pensamento fora da ação humana, pois ao apresentar a produção de conhecimentos
a consciência e as concepções se formu- como resultante da interlocução dos alunos

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nas redes, nas comu- há discursos desinteressados, uma vez que


nidades de prática, são produzidos a partir de uma dada cultura
mediada pelas tecno- e manifestam relações de poder.
logias, inscreve-se em
outro campo episte- Nos processos amplamente pedagógicos,
mológico, o das teo- a aprendizagem flexível, ao criticar o acade-
rias pós-modernas. micismo, acaba por reduzir a necessidade de
domínio da teoria, uma vez que concebe o
Do ponto de vista conhecimento como resultante dos discur-
dessas teorias, o co- sos que ocorrem nas redes, foruns ou chats.
nhecimento é uma Essa mesma simplificação ocorre, de modo
impossibilidade histó- geral, nos cursos à distância, em que se pro-
rica, uma vez que ao põe um único percurso: são apresentadas
pensamento humano leituras selecionadas pelo conteudista, que
é impossível apreen- serão interpretadas em exercícios previamen-
der a realidade, por- te propostos, que geralmente não atingem os
que está demarcado níveis mais complexos dos comportamentos
por diversidades cul- cognitivos, atendo-se, na maioria das vezes,
turais; assim, as inter- à reprodução de conhecimentos já constru-
pretações são diver- ídos para o reconhecimento de fatos ou si-
sas, sendo verdadeiras tuações comuns, por operações mentais tais
apenas no contexto como descrição, identificação, indicação;
cultural que lhe deu ou ao estabelecimento de relações que per-
origem. O que há são mitem tecer explicações para os fenômenos
interpretações, narrati- observados. São pouco frequentes os exer-
vas atreladas à prática cícios que demandem operações mentais
cotidiana, reduzindo- mais complexas, como avaliar, criticar, criar
se o conhecimento soluções para situações inéditas, solucionar
à linguagem, do que casos complexos que ensejem múltiplas res-
decorre que a teoria postas, criticar resultados, fazer diagnósticos
se constrói mediante o e assim por diante.
embate de discursos
intersubjetivos, ao ní- Tem-se, como resultado, a superficializa-
vel da superestrutura; ou seja, pelo confronto ção do processo educativo, reduzindo-se o
de discursos, e não pelo confronto entre pen- conhecimento a narrativas sobre as ativida-
samento e materialidade. des cotidianas, fenômeno denominado por
Moraes (2003), de recuo da teoria; essa pre-
Assim, não há verdade, não há possibilida- carização da formação atinge a formação
de de conhecer, o que resulta no ceticismo docente, o que fecha o círculo da fragilização
epistemológico (Moraes, 2003). Importante dos processos educativos sistematizados:
destacar que não há negação da realidade e acesso restrito à teoria por trabalho intelectu-
sim da possibilidade de apreendê-la, pois não al pouco complexo.

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Por outro lado, a afirmação do conheci- é tomada em seu sentido de atividade, desti-
mento como resultante do confronto de dis- tuída de caráter teórico.
cursos, ao não reconhecê-lo como resultante
da relação entre teoria e prática, entre traba- Sem a mediação da teoria, e sem referên-
lho intelectual e atividade, põe por terra a cia à materialidade, o conhecimento resulta
concepção de práxis, o que conduz a duas da reflexão prática sobre a prática, sem que
dimensões que caracterizam o pós-moder- se supere o senso comum ou o conhecimen-
nismo: o presentismo e o pragmatismo, que, to tácito, resultante da negação da teoria;
não por coincidência, alimentam o consumo declarada a impossibilidade de conhecer, e
e portanto, sustentam a lógica mercantil. desta forma, negado o caráter científico do
conhecimento produzido em decorrência
A negação da praxis de seu viés cultural e
enquanto possibilidade de exercício de poder,
de transformação a par- adentramos ao campo
tir da relação entre teoria “Aqui, a prática da epistemologia da prá-
e prática (a teorização
é uma impossibilidade)
é tomada em tica, que teve em Schön
um de seus principais
implica na negação da seu sentido propositores no início da
centralidade da catego- década de 1990.
ria trabalho, compreen- de atividade,
dido em sua dimensão destituída de Esse autor, a partir de
geral, ontológica, como seus estudos sobre edu-
constituinte do ser so- caráter teórico” cação profissional, apre-
cial; nessa concepção, senta uma nova episte-
passa a ser substituído mologia, que advém do
pela categoria cultura, conhecimento que os
dimensão superestrutural que se constitui a profissionais constroem a partir da reflexão
partir de diferentes modos de vida, que por sobre as suas práticas, "pensando o que fa-
sua vez constituem múltiplas identidades a zem, enquanto fazem", em situações de in-
partir da coexistência de múltiplos papéis vi- certeza, singularidade e conflito.
vidos pelos sujeitos.
Ao afirmar "que os problemas da prática
A dimensão pragmatista da aprendiza- do mundo real não se apresentam aos pro-
gem flexível fissionais com estruturas bem-delineadas" e
que, "na verdade, eles tendem a não se apre-
A prática é tomada como ponto de par- sentar como problemas, mas na forma de es-
tida e ponto de chegada do conhecimento, truturas caóticas e indeterminadas" (2000, p.
mas não na perspectiva materialista histórica, 16), Schön destaca que há situações em que
que supõe a reflexão teórica sobre a prática, não há respostas certas ou procedimentos
que leva a sínteses teóricas mais elaboradas, -padrão, fugindo das estratégias convencio-
que por sua vez orientam práticas diferencia- nais de explicação. Propõe, então, um ensino
das, de caráter transformador. Aqui, a prática prático reflexivo, baseado numa epistemolo-

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gia da prática que abra espaço para o talento dade que ele conhece.
artístico, apresentando outros dois conceitos: O problema que esta concepção apresen-
conhecimento-na-ação e reflexão-na-ação. ta, é a redução da formação ao conhecimen-
to tácito e à prática, ao seu caráter meramen-
Ao desenvolver o ensino prático reflexivo, te instrumental.
Schön esclarece que é "um ensino prático vol-
tado para ajudar os estudantes a adquirirem A epistemologia da prática, contrapondo-
os tipos de talento artístico essenciais para se à concepção de práxis, desvincula a práti-
atuarem em zonas indeterminadas da prática" ca da teoria, que passa a supor-se suficiente;
(2000, p. 25). As principais características do a prática, tomada em seu sentido utilitário,
ensino prático-reflexivo são o aprender fa- contrapõe-se à teoria, que se faz desnecessá-
zendo, a instrução e o diálogo de reflexão- ria ou até nociva. Neste caso, a teoria passa a
na-ação entre instrutor e estudante. O autor ser substituída pelo senso comum,
utiliza a expressão "talento artístico profissio-
nal" para referir-se "aos tipos de competências que é o sentido da prática, e a ela não
que os profissionais demonstram em certas se opõe. Em decorrência, justifica-se uma
situações da prática que são únicas, incertas formação que parte do pressuposto que
e conflituosas" (SCHÖN, 2000, p. 29 - grifos no não há inadequação entre o conhecimento
original). do senso comum e a prática, o que con-
fere uma certa tranquilidade ao profissio-
Conhecer-na-ação revela-se, para Schön, nal, posto que nada o ameaça; o contrário
por um tipo de inteligência tática e espontâ- ocorre com relação à teoria, cuja intromis-
nea que somos incapazes de tornar verbal- são parece ser perturbadora. ( KUENZER,
mente explícita. Já a reflexão-na-ação agrega 2003, p.9).
uma função crítica, questionando a estrutura
dos pressupostos do ato de conhecer-na-ação.
Para ele, ao pensarmos criticamente na ação,
podemos reestruturar as estratégias de ação
(SCHÖN, 2000, p. 33).

Na epistemologia da prática sugerida por


Schön, o talento artístico profissional é enten-
dido em termos de reflexão-na-ação e cumpre
um papel central na descrição da competên-
cia profissional (SCHÖN, 2000, p. 38). Revela
que na base dessa visão da reflexão-na-ação
está uma visão construcionista da realidade,
na qual novas visões, apreciações e crenças
estão enraizadas em “mundos construídos
por nós mesmos”, contrapondo-se à raciona-
lidade técnica, que se baseia numa visão ob-
jetivista da relação do profissional com a reali-

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Do ponto de vista do pensamento filosó- A dimensão presentista da aprendiza-


fico, a epistemologia da prática corresponde gem flexível
ao pragmatismo, que, ao reconhecer que o
conhecimento está vinculado a necessidades A negação da praxis enquanto possibili-
práticas, infere que o verdadeiro se reduz ao dade de transformação anula os projetos,
útil. Como afirma Moraes, o processo cogni- as possibilidades, e a historicidade: o que
tivo plasma-se no interior de limites que se vale é o presente. A experiência histórica é
definem pela eficácia, pela manipulação do substituída pela experiência do momento; as
tópico e do imediato. O conhecimento limita- organizações históricas e suas experiências
se à prática imediata e reduz-se à experiên- acumuladas são substituídas pelo ativismo,
cia sensível, aos limites do empírico enquan- onde a sensação do ineditismo nas ações vo-
to fim em si mesmo, e não enquanto ponto luntaristas torna-se a referência maior das es-
de partida e ponto de chegada da produção colhas das posturas e das posições políticas.
do conhecimento na perspectiva da transfor- (Debord, 2013)
mação. (MORAES, 2003)
A História é compreendida como uma for-
ma específica de discurso, a forma narrativa,
que, segundo um roteiro previamente defini-
do, atribui um efeito de verdade aos fatos e
dados históricos, revestindo-os de uma racio-
nalidade que não existe na realidade; portan-
to, a História não existe. Em consequência,
também não existe o universalismo e nem o
coletivo, pois os fenômenos sociais não po-
dem ser explicados por referências externas a
eles, uma vez que essas referências são atra-
vessadas por leituras particularistas, diversas
culturalmente.

Se não há história, não há valores, nem


princípios ou fundamentos e não há futuro;
só o presente, que deve ser vivido em sua
completude. Reforça-se o individualismo, re-
duzindo-se a sociedade à interação entre in-
divíduos e as relações sociais são reduzidas
ao plano individual (escolhas pessoais).

Consequentemente, não há teorias sociais,


pois estas são ilusões que disfarçam interes-
ses particulares; a totalidade passa a ser um
recurso metodológico impossível, pois não
há como estabelecer relações causais entre

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fenômenos sociais. A totalidade é substituída A relação entre aluno, professor e co-


pela fragmentação. nhecimento

Esse discurso revela apenas a aparência A aprendizagem flexível, ao criticar a con-


das relações sociais e produtivas no regime de cepção tradicional que centra a prática peda-
acumulação flexível. A análise aprofundada gógica do professor, reforça o protagonismo
dessa teoria remete a outra tese de Debord do aluno no ato de aprender: de espectador,
sobre a sociedade do espetáculo: a questão passa a ser sujeito de sua própria aprendiza-
do controle das massas, que segundo o autor, gem, o que exigirá dele iniciativa, autonomia,
se exerce pelo poder concentrado que impõe, disciplina e comprometimento. Essa concep-
pelas novas tecnologias de informação e co- ção extrapola a liberdade para definir tempos
municação, um padrão de valores que regu- e espaços para os modos de aprender: sozi-
lam toda a sociedade pela conformação de nho ou em processos colaborativos, mas sem-
uma única identidade; assim, os valores são pre mediados pela tecnologia, com foco no
criados pelo poder (do capital), que apresenta método, e não no objeto do conhecimento, o
como universal seus interesses particulares. O que se traduz pelo aprender a aprender. Des-
controle difuso complementa o controle con- taque-se que, nos processos colaborativos,
centrado, ao induzir a uma falsa liberdade de em tese, o individualismo seria superado.
escolha pela superprodução de mercadorias
cada vez mais tecnologicamente sofisticadas, Há vários pontos a analisar acerca dessa
cujo consumo também responde a padrões concepção, do ponto de vista epistemológi-
de comportamento favoráveis ao processo de co, de modo a esclarecer os pontos lacuna-
acumulação. (Debord, 2013) res desse discurso.

Assim é que, sob o discurso da heteroge- Inicialmente, há que retomar o proces-


neidade, do respeito às diferenças, esconde- so de construção do conhecimento. Como
se o processo de homogeneização cultural; apontou-se nos itens anteriores, a base teó-
nega-se a universalização no discurso, mas rica do aprender a aprender é a epistemolo-
as formas de controle a produzem e reprodu- gia da prática, que tem como fundamento
zem no plano da materialidade, uma vez que a reflexão sobre a prática, o que resulta no
a cultura tornou-se produto, como afirma Ja- ceticismo epistemológico; como o conheci-
meson (2006), para quem o pós-modernismo mento é uma impossibilidade histórica, cons-
é uma dilatação imensa da esfera da merca- truindo-se as explicações pelo confronto de
doria: é o coroamento do mercado e de seu discursos mediados pela cultura, e não a par-
estilo de vida. tir da relação entre pensamento e materiali-
dade, estabelece-se uma diferença de fundo
A partir dessa análise, é possível afirmar entre o que se entende por protagonismo do
que a aprendizagem flexível é uma nova for- aluno nesta concepção, em relação ao mate-
ma de mercadoria que, para ser produzida e rialismo histórico.
consumida, demanda a formação de subjeti-
vidades flexíveis: pragmatistas, presentistas e Em resumo, na epistemologia da prática,
fragmentadas. o pensamento debruça-se sobre as práticas

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não sistematizadas, derivadas das respostas como totalidade ricamente articulada e com-
criativas para resolver os problemas do co- preendida, mas também como prenúncio de
tidiano do trabalho e das relações sociais, novos conhecimentos que estimulam novas
no esforço de compreendê-las e sistematizá buscas e formulações. (Kosik, 1976)
-las, mas sempre a partir delas mesmas. Ou
seja, à medida em que conhecimentos táci- No processo de construção do conheci-
tos vão sendo desenvolvidos pela experiên- mento, o ponto de partida é apenas formal-
cia, serão objetos de reflexão em busca de mente idêntico ao ponto de chegada, uma
sua sistematização, sem a mediação da te- vez que, em seu movimento em espiral cres-
oria; esse processo leva a aprendizagens no cente e ampliada, o pensamento chega a um
próprio processo – o aprender a aprender, a resultado que não era conhecido inicialmen-
criar soluções pragmáticas que podem ser in- te, e projeta novas descobertas. O ponto de
tercambiadas pela linguagem, uma vez com- partida para a aprendizagem é sincrético,
preendidas pela reflexão. As aprendizagens nebuloso, pouco elaborado, senso comum;
colaborativas, mediadas pelas tecnologias, o ponto de chegada é uma totalidade con-
serão resultantes desse processo de troca de creta, onde o pensamento recapta e com-
experiências práticas sem, necessariamente, preende o conteúdo inicialmente separado
reflexão sustentada teoricamente. e isolado do todo; posto que sempre síntese
provisória, esta totalidade parcial será novo
No campo epistemológico do materialis- ponto de partida para outros conhecimen-
mo histórico, ao se afirmar que o conheci- tos. Os significados vão sendo construídos
mento resulta da ação do aluno, tem-se uma através do deslocamento incessante do pen-
compreensão radicalmente diferente. A ação samento a partir das primeiras e precárias
do aluno resulta de um movimento no pen- abstrações para o conhecimento elaborado
samento, mas a partir da materialidade para através da articulação entre teoria e prática,
apreendê-la, compreendê-la em suas múlti- entre sujeito e objeto, entre o indivíduo e a
plas dimensões e inter-relações. sociedade em um dado momento histórico.
(Kosik, 1976)
Em síntese, o método de produção do
conhecimento é um movimento que leva o A ação do aluno, portanto, diferentemen-
pensamento a transitar continuamente entre te da concepção da epistemologia da práti-
o abstrato e o concreto, entre a forma e o ca, refere-se ao movimento do pensamen-
conteúdo, entre o imediato e o mediato, en- to da prática para a teoria, e desta para a
tre o simples e o complexo, entre o que está prática, para ressignificá-la; esta explicação
dado e o que se anuncia. Esse processo tem é necessária para que fique claro que, em-
como ponto de partida um primeiro nível de bora em ambos os casos se defenda a ação
abstração composto pela imediata e nebulo- do aluno, as concepções, a ação docente e
sa representação do todo e como ponto de as metodologias que delas decorrem, são,
chegada as formulações conceituais abstra- mais do que distintas, opostas. No materia-
tas; nesse movimento, o pensamento, após lismo histórico, situam-se no campo da prá-
debruçar-se sobre situações concretas, volta xis; na aprendizagem flexível, no campo do
ao ponto de partida, agora para percebê-lo pragmatismo decorrente do ceticismo epis-

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temológico. voluntárias e deliberadas, depende de pro-


A concepção de prática docente, em cessos sistematizados de aprendizagem.
decorrência, também se diferencia, em que
pese seja comum a crítica à centralidade na Ainda segundo Vigotski, as ações peda-
prática docente. gógicas implicam em práticas pedagógicas
sistemáticas que conduzam os aprendizes
Na aprendizagem flexível, o professor pas- a atitudes metacognitivas, o que vale di-
sa a ter reforçadas as atribuições de planeja- zer, passam a ter domínio e controle cons-
mento e acompanhamento mediante tutoria, ciente do sistema conceitual, bem como a
assumindo papel secundário nas relações de compreender as suas próprias operações
aprendizagem; sua função principal fica des- mentais, desenvolvendo a capacidade de
locada para o grupo, que interage com seu refletir sobre e de reconstruir seus con-
apoio. ceitos cotidianos a partir de sua intera-
ção com os conceitos
No materialismo histó- científicos. Para tanto,
“Na aprendizagem flexível,
rico, ele assume o papel deve se estabelecer
de mediador, que orga-
o professor passa a ter reforçadas
um permanente movi-
nizará situações significa- as atribuições de planejamento mento entre o sujeito
tivas de aprendizagem e acompanhamento mediante que aprende e o ob-
em que teoria e prática tutoria, assumindo papel jeto da aprendizagem,
estejam articuladas, quer o interno e o externo,
secundário nas relações de
pelo tratamento de situa- o intrapsicológico e o
ções concretas mediante
aprendizagem; sua função
interpsicológico, o in-
exemplos, casos, proble- principal fica deslocada dividual e o social, a
mas, simulações, labora- para o grupo, que interage parte e a totalidade.
tórios, jogos, quer pela com seu apoio”
inserção do aprendiz na Estas relações entre
prática laboral, através o objeto a ser apren-
de visitas, estágios ou práticas vivenciais. dido e o sujeito da aprendizagem, para o
mesmo autor, são sempre mediadas por
Para Vigotski (1984), a transição do senso outros indivíduos; a interação do sujeito
comum e dos saberes tácitos para o conheci- com o mundo se dá pela mediação de ou-
mento científico não se dá espontaneamen- tros sujeitos, os docentes, não ocorrendo
te, conferindo à intervenção pedagógica de- a aprendizagem como resultado de uma
cisivo papel; ou seja, se o homem é capaz de relação espontânea entre o aprendiz e o
formular seus conceitos cotidianos esponta- meio; da mesma forma, a aprendizagem é
neamente, tal não se dá no caso do desen- sempre uma relação social, resultante de
volvimento de conceitos científicos, que de- processos de produção que o homem co-
mandam ações especificamente planejadas, letivo foi construindo ao longo da história.
e competentes, para este fim. Portanto, o de- Mesmo quando a aprendizagem parece re-
senvolvimento das competências complexas, sultar de uma ação individual, ela sintetiza
que envolve intenção, planejamento, ações a trajetória histórica.

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Em resumo, a concepção de conhecimen- remete à sua formação; na epistemologia da


to do materialismo histórico aponta os seguin- prática, essa formação se dá a partir da apren-
tes pressupostos para os processos educati- dizagem flexível, com baixa densidade teóri-
vos: os processos sociais e de trabalho como ca, centrada apenas na reflexão da prática a
ponto de partida para a seleção e organização partir da prática, reforçando o aligeiramento e
dos conteúdos, superando a lógica que rege a fragmentação, como evidencia a expansão
as abordagens disciplinares, que expressam a dos cursos de formação docente na modali-
fragmentação da ciência e a sua separação dade a distância, a expressiva maioria de qua-
da prática; os princípios metodológicos de lidade discutível.
articulação entre teoria e prática, entre parte
e totalidade e entre disciplinaridade e interdis- As críticas a essa concepção de formação
ciplinaridade; a integração entre saber tácito docente remontam aos anos 2000, porém
e conhecimento científico; a transferência de com reduzida eficácia; a citação de Pimenta
conhecimentos e experiências para novas si- explicita com clareza a posição dos intelec-
tuações. tuais histórico-críticos; a autora critica a apro-
priação generalizada e acrítica dos
Essa diretriz aponta a necessidade de supe- termos ‘professor reflexivo’ e ‘pro-
rar o trabalho educativo enquanto contempla- fessor pesquisador’, nas reformas
ção, absorção passiva de sistemas explicativos educacionais de diversos países:
complexos desvinculados do movimento da
realidade histórico-social, apontando a práxis “diversos autores têm apre-
como fundamento dos projetos pedagógicos. sentado preocupações quan-
to ao desenvolvimento de um
De fato, o processo que faz a mediação possível “praticismo” daí de-
entre teoria e prática é o trabalho educativo; corrente, para o qual bastaria
é através dele que a prática se faz presente a prática para a construção do
no pensamento e se transforma em teoria; do saber docente; de um possível
mesmo modo, é através do trabalho educa- “individualismo”, fruto de uma
tivo que a teoria se faz prática, que se dá a reflexão em torno de si própria;
interação entre consciências e circunstâncias, de uma possível hegemonia
entre pensamento e bases materiais de produ- autoritária, se se considera que
ção, configurando-se a possibilidade de trans- a perspectiva da reflexão é su-
formação da realidade. ficiente para a resolução dos
problemas da prática; além
A partir da práxis, entende-se a prática de um possível modismo, com
sempre como ponto de partida e ponto de uma apropriação indiscrimina-
chegada do trabalho intelectual, através do da e sem críticas, sem com-
trabalho educativo, que integra estas duas di- preensão das origens e dos
mensões. contextos que a gerou, o que
pode levar a banalização da
Essa forma de conceber os processos pe- perspectiva reflexão”. (PIMEN-
dagógicos, e em particular a ação docente, TA, 2002, p. 22).

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Na concepção materialista histórica, dife- Jogar a criança fora com a água do ba-
rentemente da concepção de epistemologia nho?
da prática que inclusive fundamentou as di-
retrizes curriculares em suas distintas versões, A de análise levada a efeito nos itens an-
o processo de formação de professores deve teriores, em que se afirma a vinculação da
abranger não apenas o desenvolvimento aprendizagem flexível ao regime de acumula-
de competências técnicas para o exercício ção vigente, no qual o ceticismo pedagógico,
profissional, mas o desenvolvimento da capa- o pragmatismo utilitarista, a fragmentação,
cidade de intervenção crítica e criativa nos o presentismo, a individualização, desem-
processos de formação humana, porque esta penham o papel de cimento ideológico ao
é a própria natureza dos processos educati- acirramento do processo de exploração em
vos. E, na perspectiva da simetria invertida, curso, pode levar à constatação da impossibi-
a objetivação desta relação no percurso for- lidade de utilização das tecnologias de infor-
mativo melhor capacitará o futuro professor mação e comunicação nos processos de en-
para exercê-la em sua prática laboral. sino, o que seria um equívoco. Se contudo,
por contradição, há positividades, elas só po-
dem ser adequadamente percebidas a partir
da radicalização – ida às raízes – da crítica.
Uma vez a crítica realizada, necessário se faz
o resgate das possibilidades pedagógicas das
novas tecnologias.

A primeira questão a considerar é se os


processos pedagógicos de base microeletrô-
nica servem a todos os potenciais alunos, em
todos os níveis e modalidades de ensino, em
particular à distância. Ou há uma clivagem a
ser considerada?

Sobre essa questão, Castels (1999) mostra,


a partir de extensa pesquisa empírica, o cará-
ter seletivo das novas tecnologias de informa-
ção e comunicação.

Inicialmente, o autor aponta a difusão da


diferenciação social e cultural, levando à seg-
mentação dos usuários; as mensagens não
são apenas segmentadas pelo mercado, mas
cada vez mais diferenciadas em função dos
interesses do usuário; as comunidades virtu-
ais são uma das expressões desta diferencia-
ção; reforça-se, desta forma, uma crescente

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fragmentação das identidades e individuali- a informação sobre o que procurar e o


zação dos sujeitos, contrariamente aos valo- conhecimento sobre como usar a mensa-
res de solidariedade e produção coletiva das gem será essencial para se conhecer verda-
condições de existência, sobre os quais cons- deiramente um sistema diferente da mídia
truiu-se a pedagogia contemporânea. de massa padronizada. Assim, o mundo
da multimídia será habita-
do por duas populações
essencialmente distintas: a
interagente e a receptora da
interação, ou seja, aqueles
capazes de selecionar seus
circuitos multidirecionais de
comunicação e os que rece-
bem um número restrito de
opções pré-empacotadas;
e quem será o que, será
determinado amplamente
pelas diferenças de classe,
raça, sexo e país ( CASTELS,
1999, p. 393-394).

A análise feita por esse


autor remete a constatar
que diferentes grupos de
interesse e participantes de
diferentes classes sociais
têm relações diferenciadas,
e portanto, aprendizagens
diferenciadas em proces-
sos pedagógicos mediados
pelas tecnologias. O que
remete aos conhecimen-
tos e experiências prévios,
condições essenciais para a
A crescente estratificação social entre os construção de significados a partir de conhe-
usuários é outra característica apontada por cimentos novos.
Castels (1999); esta opção não só se restringe
aos que têm tempo e dinheiro para o aces- Para que a aprendizagem aconteça, as
so, aos países e regiões com infraestrutura e atividades deverão ter como ponto de par-
com mercado potencial, mas principalmente tida os conhecimentos prévios dos alunos,
aos educativa e culturalmente favorecidos; para em seguida apresentar os conhecimen-
segundo o autor, tos novos; nessa transição, são desenvolvi-

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dos novos significados a partir de estruturas ção, a certificação pode se dar a partir do
cognitivas pré-existentes. Nesse processo, que cada aluno, no exercício de sua indivi-
ambos os conhecimentos se modificam: o dualidade, pode alcançar. Reforça-se, dessa
novo passa a ter significado, é compreendi- forma, o aligeiramento do processo educati-
do e passível de aplicação; é assimilado ao vo, bem como seu caráter meramente certifi-
conhecimento prévio, que, por sua vez, fica catório. Por outro lado, sendo bem definidos
mais elaborado. O resultado é uma síntese de os critérios de avaliação, pode haver número
qualidade superior, que se objetiva em novas significativo de alunos que não alcancem os
formas de pensar, de sentir e de fazer. objetivos propostos e não sejam certificados,
que não interessa aos cursos cuja finalidade
Em resumo, há que organizar ativida- seja mercantil.
des em que se parta do conhecido para o
novo, da parte para a totalidade, do simples Outra característica apontada por Castels
para o complexo; isso só será possível pela é a integração de todos os tipos de mensa-
ação teórico-prática do aluno nas situações gens em um padrão cognitivo comum:
de aprendizagem planejadas pelo profes-
sor, com base, sempre, em práticas sociais diferentes modos de comunicação
e de trabalho que deverão ser analisadas tendem a trocar códigos entre si... crian-
e transformadas a partir de aportes teóricos do um contexto semântico multifaceta-
cada vez mais amplos e mais complexos. do composto de uma mistura aleatória
Nas atividades presenciais o professor terá de vários sentidos... reduzindo a dis-
condições de identificar os conhecimentos tância mental entre as várias fontes de
prévios dos alunos e organizar e reorganizar envolvimento cognitivo e sensorial: pro-
atividades que viabilizem a aprendizagem, gramas educativos parecem videoga-
de modo a enfrentar diferenças de acesso ao mes; noticiários são construídos como
conhecimento e a experiências significativas espetáculos audiovisuais, julgamentos
derivadas de condições materiais de existên- parecem novelas (CASTELS, 1999, p.
cia desiguais. E, a partir da identificação das 394).
desigualdades, ter como horizonte a univer-
salização do acesso à educação como direito Em decorrência, o usuário precisará
fundamental. ter um amplo domínio sobre as diferen-
tes formas de linguagem para exercer a
Na aprendizagem flexível, o atendimento diferenciação crítica sobre seus usos e
individualizado só se dá no que tange a tem- finalidades não explicitadas, assim como
pos e espaços; no mais, o percurso metodo- autonomia para trabalhar intelectual e
lógico é padronizado, independentemente eticamente, o que não é a realidade de
das condições de vida e conhecimentos pré- expressivo número de estudantes, dadas
vios; as diferenças até podem ser objeto de as clivagens acima apontadas, em parti-
tratamento pelo tutor, mas há limites a essa cular a de classe social, que define formas
intervenção, que pode ser efetiva quando desiguais de acesso ao conhecimento e
as diferenças são pouco significativas. A não desenvolvimento de competências cogni-
haver critérios bem estabelecidos de avalia- tivas complexas.

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Outra dimensão a considerar, apontada das injustiça fazem parte da sociedade do es-
desde os anos 90, é o risco da banalização petáculo. (Debors, 2013)
do esforço, da passividade cognitiva, da per-
da de interesse pela leitura, características Nesse contexto, a motivação, o esforço e a
cada vez mais presentes entre os estudantes disciplina necessários ao trabalho intelectual
de todos os níveis e modalidades educativas. são rapidamente descartados.
Aprender depressa e sem esforço, é o desejo
permanente manifesto. Para atendê-lo, de- Finalmente, Castels aponta o que denomi-
senvolve-se uma pedagogia mercantilizada na de característica mais importante da multi-
que oferece opções de curta duração, baixo mídia: a captação da maioria das expressões
custo e reduzida qualidade, presenciais e à culturais, em toda a sua diversidade,
distância, e que o pouco esforço intelectual
é recompensado com um certificado tão va- equivalendo ao fim da separação entre
zio de significado quanto incapaz de facilitar mídia audiovisual e mídia impressa, cultu-
a inclusão. ra popular e cultura erudita, entretenimen-
to e informação, educação e persuasão;
Ainda há que considerar que a relação todas as expressões culturais, da melhor à
com o conhecimento mediada pelas novas pior, da mais elitista à mais popular, vêm
tecnologias se dá de outras formas, em par- juntas neste universo digital que liga, em
ticular em face da fragmentação caleidoscó- um supertexto histórico gigantesco, as
pica propiciada pelos avanços tecnológicos, manifestações passadas, presentes e futu-
amplamente disponibilizados em equipa- ras da mente comunicativa; com isto, elas
mentos de todos os tipos e preços; ao nave- constroem um novo ambiente simbólico;
gar no hipertexto, perde-se o foco e esque- fazem da virtualidade a nossa realidade (
ce-se do objetivo inicial com facilidade; desta CASTELS, 1999, p. 394).
forma, as informações, muitas de qualidade
discutível tanto do ponto de
vista científico quanto ético, se
sucedem rapidamente; perde-
se a capacidade de reflexão e
de crítica, em nome do espetá-
culo. O que a mídia reproduz é
a verdade; os ídolos midiáticos
definem formas de linguagem,
posturas e padrões de consu-
mo; a ética é substituída pela
estética e o que atrai e motiva é
a conjugação de movimentos,
cores, formas e sons, integrados
pelas mídias de forma cada vez
mais espetacular. A estetização
da violência e a banalização

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A análise levada a efeito nos parágrafos comportamento que movem a acumulação


anteriores traz sérias consequências para a flexível. O discurso da diversidade apenas
educação, particularmente do ponto de vis- falseia sensação de liberdade e de respeito
ta dos países pobres e dos que vivem do tra- às diferenças para esconder o processo de
balho, ou dele são excluídos, demandando homogeneização em curso. Há que buscar,
rediscussão das categorias linguagem, iden- portanto, as possibilidades trazidas pelas
tidade, autonomia, em suas relações com as contradições estruturantes do modo de pro-
finalidades dos processos educativos. dução capitalista.

A fragmentação e a individualização fun- Sem a pretensão de aprofundar o estudo


damentam o discurso da pós-modernidade, desse tema tão complexo, que tem sido ob-
esvaziando o discurso pedagógico, que pas- jeto de pesquisas em todas as áreas, muitas
sa a ser instado à redefinição; sem uma críti- de caráter interdisciplinar, gostaria de apre-
ca mais consistente sobre estas categorias, de sentar alguns pontos para estimular o deba-
modo a apreendê-las como parte da ideolo- te, a partir da concepção materialista histó-
gia que confere coerência ao regime de acu- rica.
mulação flexível, o novo discurso pedagógico
defende a flexibilização dos processos edu-
cativos, para o que organizações curriculares
generalistas se apresentam como solução.

No contexto dessas críticas, resta pergun-


tar se há positividades no uso das novas tec-
nologias de informação e comunicação.

A primeira observação a fazer é que, em


relações sociais e de produção mediadas
pela base microetrônica, a não utilização
das novas tecnologias nos processos edu-
cativos é uma hipótese que não se coloca,
uma vez que permeiam, mediam e mesmo
determinam as ações humanas a partir dos
anos 80, processo esse irreversível e tenden-
te ao aprofundamento constante, uma vez
que são a alma do regime de acumulação
flexível. A questão é como utilizá-las em
processos educativos emancipatórios, dado
que não são neutras, como afirma Castels,
acima citado; há uma determinação do ca-
pital acerca de quem acessa e utiliza o que,
além do estímulo ao desejo de consumir e
da construção de padrões culturais e de

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Inicialmente, há pelo menos duas possi- nova forma de re-


bilidades de uso das novas tecnologias nos lacionar-se com
processos especificamente pedagógicos: o conhecimento,
nas atividades presenciais e nas atividades individualmente e
à distância, desde que não se abra mão de forma colabora-
da função mediadora do professor na or- tiva, compartilhan-
ganização de atividades significativas que do aprendizagens,
estimulem o aluno a relaciona-se com o acessando infor-
conhecimento. mações e produ-
tos culturais, anali-
Nas duas possibilidades, o uso das tec- sando criticamente
nologias pode estimular o desenvolvimen- as relações sociais
to da capacidade de análise crítica e da e produtivas para
autonomia intelectual e ética, a partir do construir suas pró-
estudo de situações reais fundamentadas prias concepções,
em sólida teoria, desde que o professor valores e formas de
esteja formado para tal, o que implica em conduta, contra-
domínio epistemológico, teórico e meto- pondo-se à homo-
dológico em sua área de docência, com- geneização cultu-
plementada pelo letramento digital. ral tendo em vista
O que se observa, contudo, pela super- a compreensão e
ficialidade que os projetos de formação a intervenção em
têm apresentado, é que essas competên- uma sociedade que
cias não se desenvolvem para a maioria precisa ser transfor-
dos docentes. mada.

Em decorrência, nas atividades pedagó- Nesse sentido,


gicas os docentes têm usado as tecnolo- as tecnologias são
gias apenas como suporte para preparar novas formas de
e fazer apresentações e induzir os alunos mediação entre
a realizar pesquisas, nas quais, na maioria o ser humano e o
das vezes, a cópia do texto da enciclopé- conhecimento, e
dia é substituída pelo copiar e colar textos seu uso na prática
que nem sempre têm a densidade teórica pedagógica, com base nas categorias do
desejada. materialismo histórico, poderá estimular o
desenvolvimento de identidades compro-
Com formação adequada, o profes- metidas com a construção de relações so-
sor será capaz de superar o uso das no- ciais e produtivas mais justas.
vas tecnologias como suporte e defini-las
não só como material didático tendo em Na educação à distância, cumpre desta-
vista a construção de atividades que via- car que ainda predomina a reprodução do
bilizem a aprendizagem, mas como uma pior das aulas presenciais: vídeo-aulas in-

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35

termináveis, leitura e interpretação de tex- aluno à compreensão da realidade a partir


tos com apoio de tutor. As atividades pro- de sólida formação teórica, desenvolven-
postas , de modo geral não ultrapassam os do competências cognitivas complexas,
níveis mais básicos da taxionomia de com- demanda um novo esforço dos professo-
petências cognitivas, responsáveis pela res, para o que devem ser adequadamente
reprodução de conhecimentos já constru- formados.
ídos para o reconhecimento de fatos ou
representações de problemas comuns. Su- E, neste caso, não basta formação na área
perar este modelo para construir roteiros específica acrescida de formação tecnológi-
em educação à distância que conduzam o ca; ela deverá ser respaldada por formação

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36

epistemológica e pedagógica que permita KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de


compreender como o aluno se relaciona Janeiro, Paz e Terra, 1976.
com o conhecimento pela mediação das
novas tecnologias, para que possa construir KUENZER. A. Z. Competência como Prá-
percursos formativos compostos por ativida- xis: os dilemas da relação entre teoria e práti-
des integradas que levem ao conhecimento ca na educação dos trabalhadores. Boletim
e à participação social, pelo desenvolvimen- Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 29, n.1,
to de competências cognitivas complexas a jan/abr., 2003b.
partir do acesso à teoria.
_______________. Da dualidade assumida
As possibilidades, por contradição ao à dualidade negada; o discurso da flexibiliza-
pretendido pela acumulação flexível, estão ção justifica a inclusão excludente. Educação
postas; há, contudo, um longo caminho a e Sociedade, São Paulo, v. 28, p.1153-1178,
percorrer, para que processos educativos, 2007.
presenciais e à distância, possam ser desen-
volvidos por docentes qualificados e com- MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideolo-
prometidos com a emancipação humana. gia alemã. São Paulo, Martins Fontes, 2008.
A começar pela formação dos professores,
pela democratização do acesso aos meios MORAES. M. C. M. M. (org.) Iluminismo às
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