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Pesquisas mostram a sociedade à espera de como ficam a inflação, o salário real e

o emprego

Desemprego segue baixo e estável em janeiro. A renda média real cai pelo 2º mês. E
o crédito ao consumo e taxa de inadimplência também diminuem

27/2/2013 - 03:16 - Antonio Machado

Embora seja cedo para cravar a tendência da economia, depois que o governo se
assustou com a inflação, os indicadores de conjuntura já mostram a sociedade
aparentemente ajustando o nível de gasto, dando um tempo para ver como ficam a
carestia, a sua renda e o emprego.

É para desconfiar, se o próprio ministro da Fazenda se sentiu na obrigação de declarar


algo tão básico, tipo não atravessar uma rua com o farol aberto. “Jamais relaxaremos no
controle da inflação”, avisou Guido Mantega num evento sobre infraestrutura em Nova
York.

A inflação e a inadimplência, tal como a enxaqueca por excessos à mesa ou pela tensão,
entre outros motivos, indicam que o mundo real se encarrega de chamar o corpo à razão,
tratando o que o bom senso ignorou e a política monetária não preveniu no tempo devido.

A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE relativa a janeiro, por exemplo, chama a
atenção não bem pelo que informa sobre a taxa de desemprego nas seis regiões
metropolitanas pesquisadas. Ela passou de 4,6% em dezembro para 5,4% em janeiro,
indicando alta, mas ainda o menor registro para o mês desde março de 2002.

Descontado o efeito sazonal, a taxa praticamente não variou, indo de 5,4% para 5,5%. Se
a política econômica combinar com o juízo de parcimônia do consumidor, especialmente
em relação à contratação de dívida, em vez de buscar induzi-lo a gastar o que,
temporariamente, sua renda não comporta, essa faceta da economia tende a se ajustar.

Sobre o poder de consumo recai a própria inflação, como demonstra a pesquisa do IBGE.
Esse é o dado que chama atenção. A renda média real em janeiro atingiu R$ 1.820,
desacelerando o seu crescimento, em relação a igual mês de 2012, de 3,2% em
dezembro para 2,4%.
Depois de registrar aumento de 1%, mês contra mês, em novembro, o rendimento médio
recuou 0,4% em dezembro e 0,3% em janeiro. Como resultado, provocado também pela
acomodação do indicador sobre a população empregada, a massa salarial desacelerou
seu crescimento interanual de 6,5% em dezembro para 5,6% em janeiro.

O menor poder de compra do salário é exemplificado pela evolução da carestia da cesta


dos 35 produtos de maior consumo, segundo a Abras, a associação dos supermercados.
Essa medida de cesta básica custava R$ 316,88 em janeiro de 2012 e, um ano depois,
R$ 348,90 – ou seja, 10,10% mais, enquanto o IPCA subiu 6,15% em igual período.

Cafuné na juba do leão

Se a percepção sobre o aumento da carestia vai se disseminando aos poucos, quando se


torna corrente fica mais difícil impor a razão. A inflação mensal tende a perder força, por
exemplo, mas ainda não o suficiente para também desinflar a sua métrica em doze
meses, que é a considerada nas negociações salariais e revisões contratuais.

Equivale a fazer cafuné na juba do leão convencer os sindicatos a moderar suas


reivindicações porque o INPC, segundo o boletim Focus, do Banco Central, projeta para o
fim de 2013 aumento anual de 5,6%, contra 6,2% em 2012 – trajetória cadente, portanto.
Mas a inflação média estimada para o ano, conforme o economista Fernando Montero,
indica, neste cenário, aumento de 5,4% em 2012 para 6,3% este ano.

Evitando novas dívidas

Salários indexados à inflação passada perdem a corrida contra os reajustes de preços


durante um processo de alta da inflação, mas, dada a situação de mercado de trabalho
apertado, diz Montero, “a inflação passada exacerba os pleitos de reajustes nominais”.
Esse é um problema que a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, e os
empresários já podem antever: o aumento do ativismo sindical.

De algum modo, por tais razões, o abrandamento em janeiro do ritmo das novas
concessões de crédito, indicador da velocidade do endividamento de empresas e
pessoas, não é inconveniente.
Para o BC, tal resultado corresponde ao que reluta fazer: aumentar a taxa básica de juro
para reduzir eventual pressão de demanda agregada sobre os preços. Para o
consumidor, diminui a ansiedade devido à renda que compra menos em termos reais.
Mas, ao menos, não é pressionada por novas dívidas, sobretudo no crediário e no cartão
de crédito.

A economia da cautela

É a isso que chamamos de ajuste instintivo da macroeconomia, pois não induzida pela
política econômica e, sim, eventualmente, com a sociedade intuindo que deve divergir do
que pretende o governo. É o que se vê no mapa do BC sobre o desempenho do crédito
em janeiro.

As novas concessões de crédito para pessoas diminuíram 1,1% sobre dezembro, embora
estejam 21,6% acima das liberações em janeiro de 2012. Esse pequeno desafogo no
ritmo do endividamento explica, em parte, a lenta reversão da taxa de inadimplência. Foi
de 5,5% em janeiro, contra 5,6% em dezembro e 5,9% em igual mês de 2012.

Como os problemas do crédito não estão no nível das empresas, é lícito esperar a
retomada do endividamento à frente. Se, como previsto, o emprego não piorar e a inflação
desinflar.

Muita teoria e pouca ação

Em todo o mundo se estuda o divórcio entre a acuidade dos cenários dos economistas e
a realidade, incomum antes da crise de 2008. A suspeita é que a suposta racionalidade
econômica ignore as pessoas.

Hoje, a Europa é um fragrante desses desatinos. A dissintonia é vista no Brasil entre o


que espera o governo do que faz para alçar o investimento e a reação do empresariado.
O que cogitar quando as multas da Receita sobre grandes empresas chegam a R$ 300
bilhões (bilhões, não milhões), 6,7% do PIB? Multas contestadas na Justiça.

Não espanta que o ambiente empresarial esteja tenso. A presidente faz um esforço
enorme para reduzir o custo da energia, desonerar a previdência, cortar juros, enquanto
cresce o passivo contingente das empresas por questões fiscais, ambientais, trabalhistas.
Isso é real, porque desfalca o lucro, como a inflação desidrata o salário. São sintomas de
governo com teoria demais e prática de menos.

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