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ANTONIO MACHADO

Revisão realista dos parâmetros de desempenho da economia encerra


a época das projeções oníricas

Formulação temerária é a mãe dos excessos fiscais, ao criar o senso de que o


orçamento da União é de borracha, todo gasto tem guarida e a receita é infinita
7/12/2014 - 00:22 - Antonio Machado

A mudança radical dos parâmetros de desempenho da economia em 2015 inseridos


na proposta orçamentária enviada à avaliação do Congresso atesta que os novos
ministros da área econômica do segundo governo de Dilma Rousseff não estão em
Brasília a passeio nem serão simples figurantes tais como os atuais titulares da pasta
da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior.
A mudança destinada a ter maior impacto é a que introjeta no miolo da formulação
econômica do governo metas realistas, expurgando das contas públicas as projeções
oníricas que degradaram a confiança em Mantega e, por extensão, no próprio governo.
Projeções oficiais não são palpites desprovidos de consequências, tipo papo de
botequim.
Se o governo diz que a economia deve crescer 3%, como afiançou na Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) enviada ao Congresso em abril como primeiro ato do
processo de discussão do orçamento de 2015, a projeção da receita refletiu a mesma
taxa. E, como peças de dominó, a imprudência da Fazenda e do Planejamento - pois o
PIB já murchava àquela altura do ano - inflou os gastos e contaminou os políticos.
Esse processo temerário de planejamento fiscal é a mãe das muitas distorções
acumuladas na aprovação de despesas, sobretudo ao criar o senso de que o
orçamento é de borracha, todo gasto tem guarida e a receita é infinita. O que distingue
a equipe econômica que entra da que está de saída é o gosto por fazer conta.
O desprezo pela aritmética e pelas regras básicas da contabilidade explica o grosso
dos insucessos da política econômica. Se a métrica fiscal fosse respeitada, boa parte
dos projetos de lei nem passaria da primeira cancela do rito parlamentar: a Comissão
de Constituição e Justiça. Os novos ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da
Fazenda, Joaquim Levy, esperam quebrar essa cultura de leniência.
Ambos validam a revisão da meta de crescimento da economia na LDO para 2015 dos
3% chutados em abril por Mantega e Belchior para mero 0,8% - número em linha com
o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) da ordem de 0,2% este ano e também com o
seu resultado ano que vem, já refletindo o arrocho fiscal e monetário. A Selic acaba de
ser elevada pelo Banco Central, passando de 11,25% ao ano para 11,75%.
Ajuste para cabeça fria
A Lei Orçamentária Anual (LOA) estima a receita da União e fixa a despesa em igual
valor para o ano seguinte, o que faz tais contas depender das premissas da dinâmica
do PIB, da inflação, dos juros e do preço do dólar, entre outros indicadores. PIB menor,
juro maior e dólar caro levam a dois desfechos, conforme o pulso do governo.
Se o governo não tremer enquanto se processa a reversão das fontes de dinamismo
do crescimento, a economia deve murchar mais um pouco antes de ganhar embalo,
impulsionada pelo investimento em produção e em infraestrutura (e com a inflação
convergindo à meta anual de 4,5%).
Qualquer dúvida no meio do caminho, algo mais normal do que se pensa, o
crescimento poderá até voltar por alguns meses, mas a recidiva do mal não sanado
virá mais forte, precipitando a terapia de choque descartada ao se optar pelo
gradualismo. O que será?
Erro foi de diagnóstico
Não há meia dose para corrigir as causas que debilitam a economia. O problema é
mais do setor público que do privado e nasceu de erros de previsão do crescimento
econômico, tratado com terapia aplicada a deficiências de demanda (desoneração de
impostos no consumo, juro subsidiado, laxismo social), quando a fraqueza estava na
oferta.
Se dúvidas havia sobre o mau resultado da política pró-cíclica dos gastos públicos,
elas se dissiparam ao se constatar a estagnação da economia e a situação deplorável
das contas do Tesouro, forçando a presidente a ir ao Congresso pedir autorização para
ignorar a meta de superávit primário do ano (que virou déficit). E, noutra ação, usar o
caixa financeiro da União para pagar gastos obrigatórios.
Dinheiros mal aplicados
O quadro não é bom, mas seria pior se o governo dobrasse a aposta na política
econômica anterior. Cabe agora uma boa discussão sobre como se sai do enrosco.
É óbvio que há gasto público a cortar, mas nem tanto pelos motivos defendidos pelo
mercado financeiro, que só enxerga a solvência fiscal, e sim pela baixa qualidade da
alocação produtiva dos recursos orçamentários disponíveis nos últimos anos.
Tivessem tido outros fins, e não se falaria de apertar o cinto. Na China e Coréia do Sul
também houve gasto público expressivo, só que mais bem empregado, dando maior
retorno social à demanda subtraída para criar a poupança investida para expandir a
riqueza do país.
As ações executadas nos últimos anos, entre subsídios a empresas e transferências
de renda, terão de passar por um filtro antes que se defina o aumento de carga
tributária – a pior solução. Vai-se saber se o ajuste tem condições de funcionar em um
semestre, se tanto. É melhor que dê certo. Outro recomeço será mais amargo.
Como temperar o purgante
Interlocutores dos novos ministros Levy e Barbosa dizem que ambos expressam
tranquilidade quanto ao apoio político de Dilma, de Lula, que os indicou, e do ministro
da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o maior quadro e referência petista na linha de
frente do governo.
Nada do que eles vão fazer não foi tratado antes com Dilma. Ambos também sabem
que o desgaste de encerrar a farra fiscal será assunto principal enquanto estiver em
fase de implantação. Mas sem prejuízo dessa prioridade ainda há boa margem para o
governo executar ações com baixo impacto para o orçamento e com potencial de alto
retorno.
Discute-se é se tais ações não poderiam correr ao lado do purgante fiscal a fim de
induzir o empresariado a sair do modo stand-by. Tal é o desafio do ajuste, concebido
para durar dois anos, mas podendo entregar resultado já em 2015 e abreviar o
tratamento conforme seja o resgate da confiança. Será como matar um leão por dia.

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