Você está na página 1de 4

Se não servir para induzir as expectativas sobre a inflação, a ata do Copom não

serve para nada

BC não vai atrás do destino. Ele o faz, ou, ao menos, precisa fazer com que
achemos que o controla. Se quebrar o encanto, será difícil se impor só no gogó

17/3/2013 - 01:49 - Antonio Machado

Se não servir para induzir as expectativas sobre a inflação, a ata do Comitê de Política
Monetária (Copom) do Banco Central, principal instrumento de coordenação dos
movimentos da economia, perde a sua razão. E, por consequência, o próprio regime de
metas de inflação.

A arte desse método adotado em vários países não é o sobe-desce da taxa básica de
juros, aqui chamada de Selic, mas a ameaça de o BC vir a acioná-la caso a inflação se
distancie da meta definida pelo governo (não pelo BC) - 4,5% de variação anual, com teto
de 6,5%.

Antes de o consumo ser afetado devido ao encarecimento do crédito, os detentores de


fundos livres – o caixa de empresas, a tesouraria de bancos, grandes investidores –
poderão sofrer perdas relativas, já que o grosso de seus recursos está aplicado em
papéis (sobretudo do Tesouro, os de maior liquidez e segurança) que vão depreciar-se
em relação ao novo nível dos juros. O sistema tem suas vantagens.

A Selic percebida como uma arma de persuasão, usada com moderação, age,
primeiramente, sobre as renda do capital, sem sequelas sobre o nível de emprego
corrente. Para ser eficaz, ela deve espraiar-se por todo o mercado financeiro, o que não
acontece no Brasil, já que ficam de fora as operações dos bancos públicos com juro
subsidiado e fixo, tornando-as imunes à variação da Selic.

Além disso, também há a indexação, que aumenta a resistência da inflação, e parte dos
papéis do Tesouro é indexada à Selic, protegendo-os contra perdas.

Apesar destas distorções, o sistema de metas tem se mostrado, onde é adotado, superior
ao modelo antigo de combate à inflação, operado com o controle quantitativo do crédito e
da emissão de moeda, cujos efeitos invariavelmente levam à recessão. Na prática, a
inflação só cedia quando começavam as demissões, derrubando o salário real.

O controle da inflação pelos juros é menos nocivo, embora tenha os seus problemas: o
BC depende da cumplicidade dos gestores de fundos – ou seja, do sistema financeiro – e,
conforme seja a rentabilidade operacional das empresas, pode parar os projetos de
investimentos. O corte da demanda começa por ai e não, como é comum se supor, pelo
aumento do custo do crédito, que chega depois.

Horizonte embaçado

É esse arcabouço de razões, ignoradas até por muitos que operam o mercado de títulos
ou analisam as ações do BC, que foi comprometido pela dificuldade do governo de
influenciar o curso da inflação.

A última ata do Copom, divulgada na quinta-feira, mais confundiu que explicou. Mostrou
um BC vacilante, descoordenando as percepções dos gestores do mercado de títulos.
Para o mercado, lato sensu, o que importa é o que o BC fará com a Selic. E eles
entenderam o quê?

A “ata do Copom reforça nossa expectativa de manutenção dos juros em abril e ao longo
de 2013”, informou um banco aos seus clientes, referindo-se à reunião do BC agendada
para 17 de abril. Uma grande consultoria destacou que a “a ata do Copom reforça a
aposta de alta da Selic em maio”, mês da reunião do Copom em seguida à de abril.

E ficou assim: o horizonte embaçado, cada um dizendo uma coisa, o que é ruim para a
atividade e para o emprego, não para a especulação.

O BC pisa em ovos

A ata é esmiuçada pelos economistas e analistas da banca com esses propósitos. Uns
procuram sinais de aperto ou de laxismo monetário – indicativos da fluência dos negócios,
começando pelo crédito e pelo custo-oportunidade do investimento. Se a Selic alçar a
taxa de juro privada acima da rentabilidade estimada dos projetos de expansão, o
provável é que as empresas desacelerem os seus investimentos.
Isso não é desejado numa economia lenta e que está articulada para crescer graças aos
incentivos ao investimento público e privado. É tão ruim quanto as apostas do mercado
financeiro de que a inflação vai continuar pressionada, apesar das medidas
administrativas para suavizá-la (redução da conta de luz, desoneração da cesta básica,
adiamento do aumento de tarifas de ônibus, cabresto sobre o preço da gasolina e do
diesel), exigindo ao BC descongelar a Selic.

Controle do destino

Um documento prospectivo sobre a inflação fica estranho quando o encarregado de zelar


pelas metas afirma, como se lê na ata, que as pressões recentes de aumentos de preços
podem não ser passageiras, “mas uma eventual acomodação da inflação em patamar
mais elevado”.

Entende-se que ou a meta (central) deixou de existir ou o BC quer esperar antes de agir,
explicado pelo emprego da palavra “cautela” quanto à Selic. Só que um BC não vai atrás
do destino. Ele o faz, ou, ao menos, precisa fazer com que acreditemos que o controla.
Se quebrar o encanto, será difícil impor a ordem só com o gogó.

Ponto de irritação

A dispersão de expectativas é um processo em evolução, sendo hoje o mais sério


problema enfrentado pelo governo. Ela mistura questões de fé e de confiança. A falta de
fé de que a economia crescerá mais este ano que em 2012 (0,9%) alarma o governo e
constrange o BC.

Não se dá importância ao fato de que a conjugação do nível muito baixo da atividade em


2012 com o estimulo ao investimento e a recuperação da agricultura já garante um
crescimento próximo a 3% e 3,5%.

A confiança, por sua vez, fala do esgarçamento das relações entre o empresariado e o
governo quase ao ponto de irritação mútua. É ai que a coisa pega, vindo não só das
questões objetivas da economia (o chão movediço da inflação, o ziguezague do câmbio,
os custos em contraponto ao lucro), mas de sutilezas ligadas ao bolso (bolsa em queda,
autuações da Receita e das agencias regulatórias, dirigismo sobre o preço e as taxas de
retorno nas concessões).
A presidente pensa de um jeito, a burocracia faz de outro, o empresariado não é ouvido,
se ouvido não abre o que pensa, e fica essa algaravia.

Você também pode gostar