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Tropeços do grupo EBX no setor de infraestrutura servem de alerta para apurar as

novas concessões

Lista de projetos que o governo vai licitar parece tão ampla quanto o otimismo de
Eike ao assumir riscos em petróleo, gás, minério, porto, ferrovia, estaleiro

13/3/2013 - 03:06 - Antonio Machado

O inferno astral do empresário Eike Batista, visível como reality show graças à
transparência obrigatória para “empresas abertas”, ou seja, com ações na bolsa,
reforçada pelo seu lado midiático, merece reflexão. Não pelo sobe e desce de sua fortuna
nos rankings globais dos bilionários, assunto cativo das colunas mundanas da imprensa.

Eike investe em projetos bilionários de infraestrutura nos setores de petróleo, gás e


minério de ferro, além de toda a estrutura anexa de logística, envolvendo ferrovia e porto,
e até estaleiro próprio para a construção de plataformas petrolíferas. São as mesmas
áreas de infraestrutura, em linhas gerais, priorizadas pelo governo para licitar a
construção e a gestão ao setor privado.

O seu estilo de administração e o baixo sucesso na exploração dos blocos de petróleo


são contingências também possíveis para qualquer interessado nas licitações que virão, e
não algo fortuito. O atraso na liberação de licenças ambientais, por exemplo, bate em
Chico e em Francisco, implicando custos não compensados pelos resultados.

Quase como um espelho das oportunidades em logística e petróleo, áreas com licitações
já agendadas pelo governo para este ano, cada projeto do empresário é tocado por uma
empresa autônoma, batizada sempre com a letra X, como OGX (petróleo), MMX
(mineração) e LLX (responsável pelo porto de Açu, no litoral do Rio, concebido para ser o
hub dos campos de petróleo da Bacia de Campos e do pré-sal).

Não há no setor privado nacional nada com tal magnitude, meio como uma mini Vale e
Petrobras reunidas, nem seu modelo de capitalização – essencialmente voltado às
chamadas de capital no mercado de ações junto a grandes investidores, com a banca
estatal de coadjuvante, embora com volumes de financiamento expressivos, R$ 5 bilhões
só do BNDES, além de R$ 2 bilhões da Caixa Econômica Federal.
As cinco empresas abertas de sua holding, a EBX, carregam dívida líquida superior a R$
16 bilhões no fim de 2012, e de R$ 24 bilhões de dívida bruta, segundo análise de
Fernando Torres, do Valor. Em contrapartida, essas cinco empresas investiram R$ 9,7
bilhões só em 2012. Ele faz o perfil do empresário-investidor ousado e destemido, que o
governo procura para as licitações de infraestrutura, com um volume de investimento total
de R$ 470 bilhões, quase 11% do PIB.

Risco de muito otimismo

Ousadia é algo escasso na narrativa dos investimentos brasileiros. Os governos buscam


compensá-la com crédito subsidiado e aportes de capital ou, em certas situações
históricas, como no governo Geisel, estatizando a execução e a gestão. Destemor
costuma ser visto como atributo temerário, relacionado à pouca importância aos
problemas.

Eike compôs os dois perfis, mas talvez tenha sido otimista demais com os riscos
operacionais, parte derivada de atrasos burocráticos que não dependem de sua iniciativa,
parte ou de má avaliação ou má sorte dos resultados dos blocos de petróleo explorados
pela OGX.

É essa a principal razão da queda de suas ações na bolsa. Mas parece haver algo mais: a
concentração de muitos projetos com maturação no longo prazo e custos pesados. É o
que serve de reflexão ao governo.

Compromissos excessivos

A lista de obras públicas que o governo cogita licitar talvez seja excessiva sob vários
ângulos. O desafio para fechar os editais das licitações demonstra por si só o baixo
consenso no governo.

Pior, a indecisão, ampliada pelo viés da chamada “modicidade tarifária”, um parâmetro de


preço imposto pela presidente Dilma Rousseff, que leva o governo a tentar compensar
com dívida subsidiada a rentabilidade da concessão não assegurada pela receita
operacional.
À luz das dificuldades das empresas de Eike, que, além de trânsito no governo, dispõe da
flexibilidade de uma operação privada, podem-se antever os obstáculos a superar pelos
futuros concessionários. É o que constataram as autoridades enviadas duas semanas
atrás a Nova York e Londres para sondar potenciais investidores. Foram cobrados sobre
os ricos regulatórios, ambientais e cambiais. O que fazer?

Fatiar para não arriscar

A ideia cogitada por setores influentes do governo seria fatiar as licitações, pondo menos
ativos em leilão que o previsto, de maneira a avaliar melhor a receptividade, os valores de
tarifa propostos e a qualidade executiva dos grupos interessados. Ao se lançar em sua
empreitada, Eike começou sozinho e depois foi atrás de sócios para bancar com ele os
investimentos. O governo não pode fazer igual.

Ou licita tudo ou não licita nada. O meio termo é a ideia em pauta – começar devagar. O
ônus é chegar a 2014 com menos obras a exibir. O benefício é mitigar os riscos e
potencializar os resultados.

Eike mostrou o caminho

A crônica de Eike Batista no mundo da infraestrutura fornece outra indicação relevante: o


interesse, suposto nulo por muita gente, do mercado de ações por projetos de longo
curso. Eike construiu o que tem com os fundos oscilantes da bolsa, implacáveis com a
frustração de resultados, mas sem contraindicação. Ao contrário: eles forçam o gestor a
não relaxar para continuar empregado.

A emissão de ações e de papéis de dívida privada respondeu em 2007 por 12,2% dos
investimentos, contra 11,4% do BNDES e 17% do capital estrangeiro. O mercado de
capitais é o caminho para não se fabricar déficits em conta corrente, a contrapartida de
alto risco do modelo de crescimento movido a fundos externos.

Com tributação adequada, o capital de risco pode permitir ao BNDES partilhar


responsabilidades no processo de desenvolvimento e dedicar-se a projetos com retorno
social. A Fazenda tem uma reforma pronta, apoiada pelo BNDES, nesta direção. Que
faça. O provável é que alivie a tensão do governo.

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