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Dez proposições descartáveis acerca do esquizodrama

Publicado em 27 de maio de 2015 por institutogregoriobaremblitt

Gregorio F. Baremblitt*
Abril de 2013

1) Este escrito está destinado a um público que já tem certo conhecimento da


esquizoanálise; por esta razão, emprega muitos esquizoemas sem defini-los. Dada a
extensão deliberadamente sintética destas proposições, essas definições não estão
incluídas neste texto. Convidamos os leitores a ler essas linhas em “diagonal” e consultar as
obras citadas genericamente neste artigo.
O esquizodrama foi criado por Gregorio Baremblitt, em 1973, em Buenos Aires, Argentina e
desenvolvido em vários países de América Latina e Europa desde seu começo ate a
atualidade. Essa práxis funciona como um conjunto difuso de teorias, pragmáticas,
estratégias, táticas, técnicas e klínicas inspiradas em diversas cartografias praticadas na
obra esquizoanalítica de G. Deleuze e Félix Guattari (composta por mais de cinqüenta
textos, entrevistas etc.). A leitura esquizodramática da obra de Deleuze e Guattari aspira
certa singularidade. Isso implica que se trata de uma abordagem peculiar (como o são todos
os que cartografam esse continente com uma vocação inventiva). Essa leitura, que se
propõe produtiva, escolhe textos e partes de textos, assim como omite outros ou partes de
outros, segundo trajetórias que iluminam e, às vezes, até inteligibilizam o percurso de uma
práxis. A isso se acrescentam idéias, conceitos, perceptos, atitudes, movimentos,
intuições…de diversos autores, especialmente, as que versam sobre teatro –e também
algumas invenções nossas. Dentre os teatros que más influencia tiveram sobre o
esquizodrama podemos mencionar os de Artaud, Alcântara, Boal, Beckett, Brecht, Bono,
Cantor, Ionnesco, Jarry, Pavlovsky, o Gó, o Kabuki, o Físico e tantos outros. Entre os
numerosos livros que compõem a obra de D e G, privilegiamos os dois volumes que
constituem Capitalismo e Esquizofrenia – O Anti Édipo e Mil Platôs, de G. Deleuze e F.
Guattari. Também nos interessam, particularmente, escritos tais como: Crítica e Clínica,
Sobre o teatro, O método da dramatização, Proust e os signos, Francis Bacon, Lógica da
sensação, Lógica do sentido, Cinema I e Cinema II, A dobra, de G. Deleuze; A Revolução
Molecular, As três Ecologias, Caosmose –Os novos espaços da Liberdade, O Inconsciente
maquínico -e Cinema, de F. Guattari; Kafka: por uma literatura menor, de F.Guattari e
G.Deleuze. Não obstante, não descartamos nenhum outro escrito desses autores.
Destacarei entre os textos afins: Theatrum Philosophicum, de M.Foucault e Um manifesto a
menos, de G.Deleuze e Bono. Desde logo, nos temos nutrido muito da dramaturgia, assim
como dos teóricos e críticos do teatro.

2) O objetivo principal do esquizodrama consiste em funcionar de maneiras heterólogas e


heterogêneas, multiplicitárias, transversais, maquínicas e imanentes, com recursos
dramáticos tomados das numerosas escolas teatrais e da “apropriação” (dito no melhor
sentido) que muitos e diversos saberes e afazeres fazem deles.
Desde logo, o esquizodrama se “alimenta” (teórica e klinicamente) de outras variadas fontes
de “instrumentos”, tais como: a música, a dança, o canto, o grito, as artes marciais,
massagens, modos de respiração, vídeo, projeções de cinema, misturas de corpos,
encontros e devires-aconteceres… O esquizodrama também se vale criticamente da fala,
mas não entendida como a “natureza” significante do sujeito, senão como regimes de
signos pos significantes, línguas menores, estrangeiras na própria língua maior; tanto como
forma e substância de conteúdo e de expressão produtora de
sentidos–atos-acontecimentos incorporais, assim como, também, transmissão de consignas
ilocutórias e performativas. É preciso reconhecer explicitamente que, sobretudo em nível
técnico, o esquizodrama “rouba” matérias-primas (como gostam de escrever Deleuze e
Guattari), quase que ipsis literis, de sistemas psico-terapêuticos já difundidos, de rituais
primitivos, de cenas cinematográficas e narrações literárias, de todo tipo de eventos
históricos já acontecidos ou contemporâneos etc.
Trata-se de intervir, transversal, capilar, mutiplicitária e intersticialmente nas entidades de
registro-controle da superfície do mesmo nome (segundo os esquizoemas do Anti Édipo).
Empregando aqui uma nomenclatura descritiva, digamos que se trata de trabalhar nos
aspectos físicos, químicos, biológicos, etológicos, sociais, econômicos, políticos, semióticos,
subjetivos e tecnológicos, por meio de dispositivos esquizodramáticos de intervenção.
Formulado em esquizoemas operacionais, esses aspectos são abordados para serem:
desestratificados, descodificados, desobrecodificados, desaxiomatiza-dos. Este trabalho
“negativo” se faz simultaneamente com a tarefa afirmativa de propiciaras linhas flexíveis e
de fuga, a emissão de partículas, a refluidificação de fluxos, a produção de subjetivações
desalienadas (desedipianizadas), tanto de pessoas como de grupos sujeitos, de correntes
organizantes e instituintes etc. Trata-se de ativar micropolíticas desejantes revolucionárias
que militam para atualizar virtualidades que metamorfoseiem os panoramas das relações
vigentes entre o real, o possível e o impossível. Novas dobras, desdobras e redobras.
Novas nômadas nômades. Novos territórios existenciais e universos de valores. É claro
que, em princípio, e sempre, operaremos com infinita prudência e infinita audácia,
lembrando que experimentar é algo que sempre se faz na corda bamba e, às vezes, dentro
de limites variáveis e, amiúde, estreitos e modestos. Dito com outros esquizoemas:
aspiramos tornar nossas teorias e klínicas regimes de signos pós-significantes, línguas,
dramaturgias, movimentos e narrações menores. Tentamos montar agenciamentos
catalizadores de inconscientes realteritários ou caósmicos, produzidos segundo diagramas
ad hoc para maquinar complexos: máquinas abstratas (de guerra, de artes, de amores),
corpos sem órgãos, planos de consistência, de composição e de imanência (segundo os
casos), máquinas concretas, compostas por dispositivos constituídos por agenciamentos
coletivos de enunciação e agenciamentos maquínicos de corpos, produzidos em
pressuposição recíproca e geradores de atualizações, efeitos de individuação por
hecceidade (uma data, um nome, um lugar).
Lembremos, então, que como consta no Anti-Edipo a intervenção esquizodramática se
propõe duas tarefas:

a)Tarefas de “raspagem ou de “demolição”, seletivamente discrimi-nadas, dos aspectos


reacionários, dos conformistas–e, ainda, dos revolucionários absolutistas convencionais.
Como está antecipado acima, trata-se de desmontar a realidade, seus equipamentos de
poder (de Estado ou civis), valores definidores repressivos, tais como o fetichismo das
mercadorias, as mais valias de lucro, renda e ganância, as macro e micro entidades
reprodutivas, suas formas, suas estruturas, seus conjuntos estabilizados, suas crenças,
suas dualidades confrontadas dilemáticas, suas centralizações, hierar-quizações,
transcendentalidades, capturas, linearidades duras, circularidades concêntricas e
ressonantes, seus espaços estriados, seus falsos “desenvolvimentos”, suas subjetividades
alienadas, definidas por seu regime significante e pela “interpretose” e rostidade que lhe são
próprias. Trata-se de atacar (embora com expectativas modestas) com estratégias, táticas e
técnicas, as mais variadas possíveis, as instituições, organismos, organizações e agentes,
subjetividades, individualidades, agrupações, classes, massificações alienadas; processos,
prevalentemente, reprodutivos e antipro-dutivos, macro e micro: do Estado, do capital, das
igrejas, dos sistemas educacionais, de saúde, de comunicação de massas, dos partidos
políticos e sindicatos corruptos, da família nuclear burguesa, da vida cotidiana etc. Em
suma, seus modelos e esquemas, planos e programas, seus respectivos equipamentos de
poder e de administração legal ou ilegal de todo tipo irrestrito de violência. Trata-se de
atacar os aspectos mentirosos, falseadores, sonegadores e hipnóticos do aparato
informacional alienado contemporâneo, que não consegue nem se empenha demasiado em
ocultar as pequenas, nem as colossais destruições que sua servicialidade à “ordem
pública”, ao hiperconsumo, ao voto ignorante ou comprado que lhe requerem. Esse quadro
à ser desarmado se completa com a aceitação passiva do salário anêmico e desigual, com
o pagamento submisso de altos impostos, dos “fabulosos” salários dos altos funcionários,
com a desocupação, o trabalho escravo, precário e insalubre, com o subemprego, a
violência delinqüêncial, a não delinqüêncial e a repressiva; isso para não falar da fome e da
sede e das enfermidades pandêmicas. Mais especificamente falando: se trata de eliminar
todos os planos inconsultos da saúde em especial da mental, seus estabelecimentos, seus
modos de definir normalidade e anormalidade, seus procedimentos e instrumentos da
“cura”. As tarefas positivas consistem em de procurar montar (no lugar das mazelas acima
expostas) complexos, (complexo está dito num sentido similar, por exemplo, ao “complexo
industrial, docente e de pesquisa”); repetindo: complexas “máquinas abstratas” (de guerra,
artística, ecológica…), conectadas com “máquinas concretas”: agenciamentos coletivos de
enunciação e agenciamentos maquínicos de corpos. Esses esquizoemas têm, para o
Esquizodrama, uma variada complicada e polívoca relação com outros, tais como: “corpo
sem órgãos”, “diagrama de forças”, planos de: consistência, imanência ou “composição”,
segundo sustentem dispositivos científicos, filosóficos ou artísticos respectivamente. Todos
estes processos, instâncias etc. estão diversificados de acordo com a singularidade da
atualização e/ou realização -é dizer, de acordo com sua modalidade de travessia pela
composição-passagem caosmótica ou pelo caosmos.
Em suma trata-se do funcionamento combativo do esquizodrama: “a raspagem”, “a
desestruturação”, a “neutralização” dos equipamentos de poder, assim como a catalisação
da atualização-eclosão de funcionamentos caosmóticos.
b) Aqui, cabe aclarar possíveis equívocos. Em diversos textos esquizoanáliticos se emprega
o esquizoema “resistência” – e o verbo correspondente “resistir”. Estes esquizoemas são
empregados, tanto para as funções defensivas, repetitivas e antiprodutivas próprias
(embora que não excludentes de outras produtivas) da realidade, que resistem à mudança,
assim como para as estratégias libertárias elaboradas e atualizadas a partir das potências
da realteridade caótica e caosmótica. Segundo esta distinção, cabe diferenciar estas duas
“resistências”. No caso da resistência oferecida pelos equipamentos de poder a todo tipo de
produção desejante-inventivo-revolucionária, é claro que se trata da série de “mecanismos”,
ou melhor, maquinações, contra toda a produção realteritária. Mas, amiúde, quando a
esquizoanálise se refere aos processos e funcionamentos afirmativos, ativos e combativos
realteritários, usa, também, o mesmo esquizoema “resistência”. É compreensível que
Deleuze e Guattari tenham acunhado esse termo porque evoca as gestas e movimentos
revolucionários, subversivos ou defensores dos direitos das singularidades em formações
de soberania e épocas de terrível crueldade – é preciso lembrar, como muito afins ao
enfoque da esquizoanálise, a resistência republicana durante a guerra civil espanhola, a
francesa contra a Alemanha nazista, a italiana contra Mussolini, a Iugoslava, também
anti-hitleriana, autogestionária, encabeçada pelo Marechal Tito, a da libertação da Argélia
do colonialismo francês e a de toda a América Latina contra os colonizadores etc. Esses
agentes individuais ou coletivos, em geral, lutam contra o poder e a violência gigantesca
das entidades de registro-controle mediante morfologias organizacionais e táticas, na
maioria das vezes, sem grande poder ofensivo, passivas, pontuais, efêmeras, dotadas de
mecanismos de convocatória e de dissolução deliberadamente conjunturais, esquivos e
reformistas.
Impressões similares (embora que secundarias) se insinuam em esquizoemas tais como,
“linha de fuga”, “nomadismo”, “devir imperceptível” e outros. Desde logo que os autores não
pretendem sugerir os citados sentidos como referências a uma pobreza comparativa de
forças, nem cogitam os mencionados possíveis mal entendidos aos que nos referimos.
Alguns esquizoanalistas (ou não-esquizoanalistas) “interpretam” errada ou
oportunisticamente essa terminologia para a justificação de posições e atuações
“escapistas” do tipo do hedonismo, da pura erudição (por exemplo) acadêmica, do
esteticismo aristocratizante, das escapatórias desérticas dos espiritualistas e anacoretas, da
idealização fanática ou falsa das singularidades minoritárias, do “alternativo” (tipo anos
sessenta/setenta nos USA), a confusão entre marginado e marginal etc. Por último, os
esforços válidos para a difusão da esquizoanálise podem virar um uso exibicionista ou
lucrativo da sobre-exposição dos aspirantes a “notáveis”. Ao final, o mal entendido, às
vezes, se apóia na escala e na tessitura da “micropolítica”, que não por micro deve ser
pequena, nem pacífica, nem incondicionalmente “alegre”. No esquizodrama se procura não
cair nesses erros-distorções (não sendo impossível que se caia em outros).
Os complexos: máquinas abstratas e concretas do esquizodrama (do mesmo modo que
todos os bem inspirados pela esquizoanálise) são, por definição, intensos, afirmativos,
ativos e as vezes confrontativos. O esquizodrama poder ser “cruel”, não apenas no célebre
sentido de Artaud. Nas suas tarefas positivas, estes complexos
esquizoanalíticos-esquizodramáticos são geradores de processos e condições para o
alisamento dos espaços, a descronificação dos tempos, a percepção e dissolução das
resistências reprodutivas e antiprodutivas. Essas tarefas também apontam a emissão de
linhas de fuga, quantas, vibrações e outros enementos (neologismo proveniente de
n=infinito) inventivos, mutativos, micro e até macro políticos. Algumas formulações já
consagradas são aplicáveis acerca deste ponto: produção de novos territórios e projetos
existenciais, novos universos de valores, novas potências e preferências vocacionais etc. O
esquizodrama procura aceder ao e instrumentar o inconsciente realteritário
produtivo-desejante-revolucionário, segundo um procedimento bricoleur, cujos componentes
têm como nota em comum, o fato de não terem nada em comum. Se aposta, assim, na
transversalidade heteróloga, multiplicitária e maquínica que conecta forças materiais e
processos muito diferentes entre si, tanto para as lutas libertárias como para as
convivências e experiências da Vida. O esquizodrama pode provocar asceses íntimas
subjetivo-experimentais profundas, mas sua preferência é confessadamente exteriorizante,
coletiva, produtiva e revolucionária.
c) Como adiantamos, o esquizodrama se propõe propiciar que as mencionadas efetuações
se atualizem por: variação contínua, heterogêneses, autopoieses, transversalidades e
funcionamentos maquínicos como acontecimentos, devires e invenções de novos regimes
de signos, novas estratificações, novas territorializações rizomáticas existenciais, novos
universos de valor, em suma, novos estilos de vida produtivo-revolucionário-desejantes,
novas utopias ativas, uma nova Terra.
d) Denominamos o paradigma preferencial do esquizodrama como ético, estético, político e,
secundariamente, como científico, mítico etc. Entendemos tal paradigma como dramático,
num sentido multiplicitário, inclusivo e proliferativo, segundo o qual, o esquizodrama
acontece e devém uma arte, que dramatiza uma filosofia, que, por sua vez, dramatiza
ciências, que, por sua vez, dramatiza mitos e até delírios (com todos os nomes da
história)… Este processo de inclusão metamorfósica transcorre assim, devido às sínteses
conectivas e às disjuntivas inclusas de produção, que não precisam negar dialeticamente as
especificidades para incorporá-las às neoformações práxicas. Os componentes incluídos
funcionam conectando-se segundo a fórmula: …e…e…e…também. É viável dizer, então,
que se trata da dramatização de conceitos filosóficos, que dramatizam funções científicas
ou variedades artísticas, assim como outras variegações diversas, em tempos intempestivos
e em espaços lisos, segundo diversos regimes de signos, semióticas etc.

3) Denominamos klínicas (neologismo proveniente de clinamen ou “desvio”) a um conjunto


aberto de manobras técnicas inventadas pelo esquizodrama, sendo destacável,
especialmente, que a finalidade do procedimento consiste em fazê-las proliferar e conceber
outras sempre singulares e performáticas. O citado conjunto aberto deve ser entendido
como uma multiplicidade, querendo significar que não tem ordem hierárquica, nem espacial,
nem cronológica alguma, ainda que, para expô-lo, seja preciso empregar uma sequência
linear ou arboriforme. O fato de qualificar algumas klínicas de elementares e cruciais ou “de
passagem”, implica apenas numa organização pedagógica e uma disponibilidade
pragmática acessível.

4) É uma aspiração do esquizodrama que o protagonismo dos “destinatários-empíricos” do


desenvolvimento do processo de proliferação de klínicas se intensifique, incessantemente,
durante o mesmo. Por “destinatários-protagônicos” já não entendemos propriamente as
identidades pessoais subjetivas e nominais dos participantes. Consideramos, assim, as
montagens insólitas humanas e não humanas – ou, segundo a expressão nietzschiana
“mais que humanas” – que se geram durante o procedimento, “mais além” ou “mais aquém”
da identidade e das segmentações lineares, binárias, circulares, espiraladas, individuais ou
grupais dos participantes. Em outras palavras: o esquizodrama propõe uma participação
direta e crescente de seus agentes, empiricamente considerados, nas práticas de
dramatização, assim como, por outro lado, propõe que os “destinatários” do esquizodrama,
empiricamente considerados, devenham esquizodramatistas, segundo sua singularidade e
seu desejo, em novas e insólitas individuações por hecceidade. O sentido desta proposta
consiste em que todo esquizodramatista atue como vive e viva como atua. Em nosso
entender, esse propósito é o que inclui o esquizodrama no Movimento Instituinte, cuja
utopia ativa tem como principais valores a auto-análise e a autogestão.
5) Denominamos encontros às sínteses conectivas que operam, entre os “participantes” de
um esquizodrama, processos de afetar e ser afetado, às “entreações” (neologismo que
provém do advérbio entre) e transmutações ante os efeitos favoráveis que assim se geram.

Por efeitos favoráveis entendemos a intensificação das potências e dos atos dionisíacos de
pensamento, inteligência, desejo, sensibilidade, imaginação, intuição, expressividade, ações
e paixões alegres propriamente ditas. Em outros termos, denominamos esses efeitos como
“individuações por hacceidade” ( pela forma e não da forma), compostas de diferenças,
acontecimentos e devires, atualizações do virtual que alteram uma condição vigente do real,
do possível e impossível. Tais processos e efeitos não têm, teoricamente considerados, um
sujeito ou agente específico, ainda que possam, em algumas ocasiões, constituir sujeitos
como peças da produção de subjetivações e outras produções que formam parte de seus
funcionamentos.
As faculdades mencionadas são virtualidades e atualizações dos dispositivos, e se
agenciam segundo suas diferenças por sínteses conectivas e sínteses disjuntivas inclusas,
que se pode conceituar de várias maneiras. Entre as mesmas é interessante entendê-las
como cromatismos, especialmente se os mesmos são musicais (atonias, distonias,
arritmias, disritmias, assonância, dissonância, discordância, desarmonia) a- melodia.

6. O esquizodrama tenta funcionar com teorias e klínicas do simulacro e como simulacro de


teorias e klínicas; dito de outro modo, como práxis de atos de sentido e devires de corpos
em pressuposição recíproca mútua intervenção por irrupção da variação contínua.
Entendemos por simulacro o eterno retorno das diferenças, não como representações -
boas ou más cópias do idêntico, do invariante e do mesmo, quer dizer como semelhanças,
analogias e ainda contradições - mas como produções do novo singular e absoluto.

7) Parece-nos possível afirmar que a esquizoanálise é um procedimento nômade, que,


ainda que tenha um começo, um transcurso e um final empírico real institucionalizado,
organizado, contratuado etc. na realteridade imanente a seus dispositivos, agenciamentos,
devires etc., a esquizoanálise não tem começo nem final, não tem um mapa pré-traçado,
nem transcorre de um ponto prefixado ao outro, senão que é intempestiva, entreacional e
cartográfica.
O campo de análise é sempre empiricamente muito maior que seu campo de intervenção,
mas este, por sua vez, se multiplica, se estende e se difunde entre objetos e campos que
nem sequer consegue predizer, detectar e controlar. O esquizodrama assumido com tal tem
suas potencialidades e seus limites, mas tais potencialidades se ampliam quando estão
incluídas nas situações e circunstâncias em que o esquizodrama acontece não ostensiva ou
contratualmente. Os esquizodramáticos (“agentes” e “destinatários”) de um processo
esquizodramático devem trabalhar, em cada situação, a crítica da dimensão especifista e
profissionalista que sempre afeta, em maior ou menor proporção, a fecundidade de suas
atuações e cartografias.

8) No conjunto difuso e aberto das Klínicas, no rizoma composto pelas mesmas, os


esquizodramáticos podem partir de onde quiserem, continuar por onde lhes pareça melhor,
concluir provisoriamente no momento em que decidirem, reinventar ou inventar as que
conseguirem.
Não obstante, as Klínicas que nós chamamos “elementares”, “encruzilhadas” ou “de
passagem” (quer dizer que freqüentemente são interseccionadas e multiplicadas pelas
outras) são quatro:

a) A Klinica da produção: de produção de reprodução e de antiprodução.


b) A Klínica do Caos, Caosmos, Cosmos.
c) A Klínica da diferença /repetição.
d) A Klínica do acontecimento/devir
e) A Klínica da multiplicitação dramática

Como um comentário apenas resumido diga-se o seguinte:


a) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar avaliar e reagenciar todos os
processos de produção de reprodução e antiprodução equacionando suas dimensões e
modalidades com o objetivo de avaliar quando e o quanto estão a serviço da repetição ou
da pura destruição, e quando e o quanto estão a serviço da diferença, isto é, do novo
absoluto produtivo, desejante, revolucionário.
b) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar, avaliar e reagenciar os
processos e efeitos da repetição da diferença efetuados como o mesmo por (resistência,
captura) coartação, captura ou aceleração ao infinito.
c) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar, avaliar e propiciar os
processos e efeitos de geração da diferença produtivo-desejante/revolucionária.
d) Consiste em inventar dispositivos para intensificar e propiciar a elaboração de novas
individuações por hacceidade, acontecimentos-sentidos e devires, produtivos, desejantes,
revolucionários.
e) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar, avaliar e propiciar os
processos e efeitos da multiplicitação produtiva, desejante e revolucionária.

Uma vez mais sintetizado e para mostrar a transversalidade das klínicas, digamos que as
quatro klínicas de passagem ou cruciais procuram: desmontar as formações cósmicas, sua
destrutividade, resistência e captura para fazer com que as caósmicas sirvam de
precursoras e atratoras seletivas, estranhas, de virtualidades caóticas, que funcionem como
diferenças absolutas, componentes de individuações por hacceidade, integradas por
acontecimentos e devires que fluam livremente por multiplicidades rizomáticas, gerando
efeitos produtivos, desejantes, revolucionários. Segundo uma fórmula já “clássica”, “trata-se
de estudar os coeficientes de afinidade entre realidade e realteridade e intensificar o que
funciona”.

9)As klínicas esquizodramáticas, incessantemente renováveis e transversais às cruciais,


assim como especificações das mesmas, são aqui mencionadas apenas como ilustração:
klínica do corpo sem órgãos, klínica dos corpos plenos, klínica das línguas menores, klínica
dos n sexos, dos grupos sujeitados e sujeitos, klínica dos sujeitos e objetos parciais, klínica
de transduções semióticas (passagens de uma composição de forma e substancias de
expressão a outro) , klínica do devir, dos sujeitos e objetos parciais (elementos básicos,
molécula, célula, animal, criança, certos sexos, raças, psicóticos, magos, nomes da história,
minorias, música etc). Podem ser inventadas, modificadas e acopladas, segundo a
cartografia que se eleja e as que surjam, em variação contínua. Para ver uma descrição
mais detalhada das klínicas do esquizodrama, seria interessante consultar os textos afins
correspondentes.

10) Cabe transcluir (não concluir) afirmando que consideramos o esquizodrama aplicável a
“todos” os domínios e campos teóricos da realidade e de seus interstícios, atuando sempre
segundo o lema esquizoanalítico de “infinita audácia e prudência”. Pode-se fazer
esquizodrama nas práxis de convivência, militância, saúde, educação, indústria, comércio,
justiça, comunicação de massas, esportes, artes, religião, cultura, pesquisa e
experimentação etc. - ditos em sentido amplo.
Cabe ainda recordar que cada um desses campos compõe com os outros um rizoma
transversal e heterogêneo, sendo possível e desejável dramatizá-los em conjunto porque,
no campo imanente da realteridade, todos são inerentes entre si.
Finalmente, não nos esqueçamos de que o esquizodrama não é nem uma profissão nem
uma especialidade formalizada, ou seja, instituída, organizada, estabelecida
(epistemológica, tecno - burocrática, jurídica ou economicamente).
Os dispositivos esquizodramáticos requerem (ou não), cada um deles, a invenção de uma
institucionalização e organização singulares que sejam próprias de sua Utopia Ativa. O
esquizodrama, dito em sentido purista, não se ensina, nem se transmite: se multiplicta e se
“contagia”, cada vez em condições mais apropriadas.
Em suma esquizodramatizar consiste em desmontar o que não funciona (para a Vida de
todos), e intensificar o que funciona com essa finalidade.

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