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O movimento escolástico caracteriza-se, primeiramente, pela heterogeneidade


teórica. A relação entre a razão e a fé, refletidas já por Agostinho, foi um dos pontos
cernes debatidos pelos escolásticos sobre diferentes perspectivas. O platonismo-
agostiniano esteve presente nesse movimento filosófico, mesmo com o advento do
aristotelismo no Ocidente.
A periodização do escolasticismo, juntamente com a determinação do primeiro
filósofo desse movimento não é um consenso entre os intelectuais. De qualquer forma, a
filosofia escolástica desenvolveu-se durante toda a Idade Média, caso consideremos
Boécio como o primeiro pensador da escolástica, essa longa duração situa-se
exatamente entre os séculos V e XIV, e pode ser dividida em três períodos diferentes:
Primitiva escolástica (séc. V ± XII), Alta escolástica (séc. XII) e Escolástica posterior
(séc. XIV ± XV).
A escolástica, em sentido restrito, refere-se à especulação filosófico-teológica
desenvolvida nas escolas da Idade Média e ensinada pelos mestres chamados
escolásticos. Em sentido mais amplo, designa o pensamento desse período adotado pela
Igreja, essa modalidade de pensamento cristã visava demonstrar que os ensinamentos da
fé não estavam em oposição com a razão, mas que eram úteis para comprovar o que a fé
declarava como verdadeiro e a sua logicidade.
A noção de filosofia cristã, embora constantemente empregada, a rigor
representa uma contradição em termos, pois o cristianismo é religião e a filosofia é
conhecimento racional. Historicamente, porém, a escolástica consiste nesse paradoxo de
uma filosofia que é, ao mesmo tempo, racional e religiosa, motivo pelo qual seu
problema mais grave é o das relações entre a razão e a fé. Surgindo em um mundo
cristão, seus pressupostos eram as crenças básicas em que o mundo então se
fundamentava. Os problemas que se apresentavam à filosofia eram suscitados pela
Revelação. A idéia de Deus uno e trino ao mesmo tempo, da criação do mundo a partir
do nada, da imortalidade pessoal, do homem à imagem e semelhança de Deus, a noção
de história, implícita no relato bíblico, criação, pecado original, redenção e juízo final
são idéias religiosas que provocavam especulação tipicamente metafísica ou filosófica.
Antes da criação das escolas promovidas na época do Império Carolíngio,
vêem-se raízes do movimento escolástico em Severino Boécio (480 ± 524 d.C.),
considerado como o último dos romanos e o primeiro dos escolásticos, que possibilitou
aos latinos o conhecimento da cultura grega por meio de suas obras, traduções e
comentários de livros da antiguidade. Boécio será a única fonte de conhecimento sobre
Aristóteles até pelo menos o século XIII.
Carlos Magno visando promover a unidade interior, espiritual ao seu império
promoveu a construção de escolas para educar intelectual, moral e religiosamente os
povos de seu império. A difusão e elaboração da cultura estavam, doravante, confiadas
às Escolas monacais (surgem nos mosteiros e normalmente anexas a uma abadia),
episcopais (surgem nas cidades, anexas a uma catedral) e palatinas (fundada junto à
corte imperial). Carlos Magno convocou Alcuíno de York, em 781, para elaborar a
organização dessas escolas. O programa de Alcuíno abrangia o V  (gramática,
retórica e dialética) e o   (aritmética, geometria, astronomia e música). O
ensino nas escolas medievais baseava-se na
V (lição ± só o mestre falava) e na
 VV (livre discussão entre mestre e discípulos).
Alguns dos intelectuais mais relevantes dessa primeira fase da filosofia
escolástica são: Escoto Eriúgena, Anselmo de Aosta e Pedro Abelardo. Nesse período
observa-se também um grande debate sobre a controvérsia dos universais
A filosofia de Eriúgena, pensador de maior destaque do século IX, inspira-se
no pensamento neoplatônico. Eriúgena parte da revelação divina para, posteriormente,
adentrar nos mistérios utilizando a razão concedida e iluminada por Deus. Para ele a
verdadeira filosofia e a verdadeira religião correspondiam à mesma coisa.
Anselmo de Aosta (1033 ± 1109) é considerado por alguns intelectuais como
³o primeiro escolástico autêntico´, ³o pai da escolástica´, devido que com ele a teologia
centrada na razão teria nascido. Ele era um platônico-agostiniano que tinha como lema
³creio para compreender´, Anselmo considerava que se deveria esclarecer com a razão
aquilo que já se possui com a fé. A razão auxiliaria na compreensão da revelação divina,
demonstrando sua coerência, conveniência e necessidade.
Pedro Abelardo (1079 ± 1142), ao contrário de Agostinho, considerava que o
corpo humano não estava poluído estruturalmente pela concupiscência e nem estava
tomado pela presença inevitável do mal. Abelardo considerava a dúvida positiva, pois o
questionamento constante levaria à sabedoria. A lógica teria autonomia própria e se
apropriadamente desenvolvida levava á fé, não obstante a razão nunca chegaria a
verdades definitivas somente a um conhecimento que seria acessível à razão humana e
não contrário a Deus (verossimilhança).
Abelardo foi primeiro um filósofo antes de tornar-se um teólogo, a sua
participação no movimento dos goliardos (estudantes que percorriam a Europa) é
incerta. Foi acusado por Bernado de Clairvaux de utilizar a argumentação dialética para
atacar a fé.
A controvérsia sobre os universais refere-se à relação entre linguagem e
realidade, entre o pensamento e o ser, aspecto central nos estudos gramaticais e da
dialética. As soluções desse problema oferecidas pela escolástica são três: o realismo
transcendente, o realismo moderado, o nominalismo e o conceitualismo.
O realismo transcendente afirma que a idéia de uma realidade em si existe
tanto de forma independente da mente quanto independentemente do objeto, esta
concepção platônica afirma, assim, a existência dos universais antes das coisas.
O realismo moderado afirmava que os universais existem antes da coisa (na
mente de Deus), nas coisas (como formas), e depois das coisas (na mente dos homens).
O universal existe fora da mente, mas é inseparável dos objetos
Para o nominalismo, o universal seria um conceito que designa uma
multiplicidade de indivíduos. As palavras e os conceitos não estão vinculados as coisas,
pois as coisas existentes seriam únicas e individuais e não contendo algo em comum e
idêntico como outros seres que lhe são semelhantes.
O conceitualismo, de Pedro Abelardo, afirmava que os universais não existem
na natureza, mas na mente humana. O universal seria algo comum entre indivíduos
semelhantes, criando um conceito universal para esses seres semelhantes. Esse conceito
é parte da realidade, que só pode ser conhecida em sua totalidade por Deus.
No século em que Abelardo viveu (XII), a escola de Chartres, criada no século
X, tornou-se o principal centro científico, de orientação platônica, apesar do estudo do
V  não ser desprezado, essa escola enfatizava o estudo do  . Os
intelectuais de Chartres acreditavam que para filosofa necessitavam dos instrumentos de
interpretação adquiridos pelo trivium e da iluminação oferecida pelo quadrivium. Esses
estudiosos valorizaram o estudo da natureza (natureza dos animais, vida das plantas,
fora do vento, conformação do globo).
Alguns dos intelectuais dedicaram-se a compreensão das relações entre a
natureza e Deus, visando explicar racionalmente os fenômenos, suas finalidades e
utilidades. Essa atitude engendrou uma dessacralização da natureza e uma crítica ao
simbolismo, característica marcante da mentalidade medieval. O espírito de chartrense
coloca o homem como o centro da criação, não resultado de um mero acidente, mas
elaborado previamente por Deus.
Outra escola importante foi a de São Vitor, dos cônegos agostinianos de Paris,
que apesar de abordar os aspectos filosóficos e científicos da cultura, os funde com o
misticismo. O grande representante dessa escola foi Hugo de São Vitor. A contribuição
de Hugo encontra-se na sua concepção sobre a interpretação da Bíblia (a exegese das
sagradas escritura deveria ser cautelosa ao utilizar tanto os alegorismos quanto as
interpretações literais), e na inserção do estudo das artes mecânicas juntamente com o
trivium e o quadrivium, reflexo da vida nas cidades, do crescimento das atividades
artesanais e da vida burguesa. Apesar de representar uma inovação na época, todos
esses tipos de conhecimento estavam, entretanto, subordinados à teologia e à mística.
O auge da filosofia escolástica situa-se no século XIII, esse século assiste à
criação das universidades, à instituição das ordens mendicantes (dominicanos e
franciscanos), ao contato do Ocidente com as obras filosóficas até então desconhecidas,
e à difusão do pensamento aristotélico.
As universidades medievais surgiram das escolas construídas desde o Império
Carolíngio. Os grupos docentes dispersos pelas cidades aos poucos foram se reunindo, e
assim, nos séculos XII-XIII surgem em Bolonha e em Paris as primeiras universidades
sob a forma de associações de mestres e estudantes. A primeira universidade foi a de
Bolonha, dedicada mais ao direito do que a teologia. A universidade de Paris foi a
primeira e mais importante centro de estudo de filosofia e teologia, servindo,
posteriormente, como modelo para as universidades de Oxford e Cambridge.
As universidades se caracterizam como centros urbanos de saberes,
diferentemente das escolas monacais, por exemplo. Sob este aspecto, saliente-se que o
renascimento comercial, a divisão do trabalho entre o campo e as comunas, a
organização do trabalho citadino sob a forma de corporação de ofício e o surgimento de
ordens religiosas mendicantes (dominicanos e franciscanos) essencialmente citadinas,
tudo isso faz com que a vida medieva se processe cada vez no ambiente das cidades. A
disputa pelo poder entre a realeza e o papado, que reivindicavam o governo da
sociedade, influenciou sobremaneira o surgimento das universidades.
A universidade medieval se constitui de duas formas, ou espontaneamente ou
por bula papal ou imperial. Segundo alguns analistas, aqui termina a fase espontânea da
criação das universidades, e elas passam a ser o produto de estratégias de papas ou
imperadores. Como as universidades enfrentavam conflitos com os poderes locais da
Igreja ou do governo, sucessivos papas ou imperadores começaram a atribuir privilégios
às universidades para preservar sua autonomia. O Papa, um imperador, um rei, ao
criarem uma Universidade estariam, em última instância, criando as bases teóricas de
sustentação de seu poder. Esses governantes procuram nas Universidades não só
quadros administrativos, mas, efetivamente, verdadeiros defensores de seu governo.
Se as disputas políticas estimularam e asseguraram, pelas mais diversas razões,
a existência das universidades, a introdução e a difusão nelas das obras de Aristóteles,
no século XIII, foram igualmente importantes. Desde o século anterior, com as escolas
parisienses, com as Cruzadas e com as traduções árabes verifica-se uma crescente e
constante influência do filósofo no Ocidente. Entretanto, foi somente a partir do século
XIII que suas principais obras foram traduzidas e se tornaram objetos de estudo e ponto
de referência nas investigações da natureza e da sociedade.
Os árabes, e secundariamente os hebreus, levaram ao conhecimento do mundo
latino-cristão a filosofia de Aristóteles. Os árabes, após terem conquistado o oriente
helenista, entraram em contato com a cultura grega, especialmente na Síria. Em seguida,
estendendo suas conquistas até o ocidente europeu, trouxeram-lhe a própria cultura
impregnada de aristotelismo. Os maiores filósofos árabes conhecedores de Aristóteles e
que influíram profundamente sobre o Ocidente latino-cristão, foram Avicena e
Averroés. Avicena tentou harmonizar a filosofia aristotélica com a religião islâmica.
Averroés afirmava, ao invés, a subordinação da religião a filosofia quando as
argumentações delas fossem contrastantes, e considerava a religião como uma filosofia
simbólica para o vulgo.
Era preciso traduzir do árabe para o latim as obras de Aristóteles e os
comentários árabes. Foi o que fez, nos meados do século XII, uma sociedade de homens
cultos surgida em Toledo, na Espanha. Mais tarde sentiu-se a necessidade de traduzir
diretamente do grego as obras de Aristóteles, e, por conselho de Tomás de Aquino,
Guilherme de Maerbeke fez essa tradução, que proporcionou aos latinos o
conhecimento do genuíno pensamento do Estagirita.
Nas universidades entraram e tiveram preponderância professores pertencentes
às duas ordens religiosas surgidas no século XIII: os Dominicanos, fundados por São
Domingos de Gusmão, espanhol, e os Franciscanos, fundados por São Francisco de
Assis, italiano. A característica nova e comum destas duas ordens religiosas foi a
pobreza individual e coletiva, donde o nome de mendicantes a elas atribuído, e também
certa liberdade a respeito das obrigações conventuais, para melhor facultar o cultivo do
estudo e a pregação apostólica entre o povo. Os dominicanos dedicaram-se mais ao
estudo, à ciência, inspirando-se no pensamento aristotélico, exercendo, destarte, sua
maior influência entre as classes sociais elevadas; os franciscanos, ao contrário,
propuseram-se como finalidade principal a caridade ativa e tiveram uma enorme
influência sobre o povo, inspirando-se na mentalidade agostiniana.

c Referências Bibliográficas:
HIRSCHBERGER, Johannes. História Da Filosofia Na Idade Média. São Paulo:
Herder, 1959.
LE GOFF, Jacques. Los Intelectuales em La Edad Media. 4ªed. Barcelona:
Editorial Gedisa, 1996.
PERRY, Marvin. Civilização Ocidental: uma história concisa. 3ª ed., São Paulo:
Martins Fontes, 2002
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: patrística e
escolástica, v.2. São Paulo: Paulus, 2003.
VERGER, Jacques. Homens e Saber na Idade Média. São Paulo: EDUSC, 1999.

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