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Políticas nacionais e o campo da Alimentação e Nutrição

ARTIGO ARTICLE
em Saúde Coletiva: cenário atual

National policies and the field of Food and Nutrition


in Collective Health: the current scenario

Elisabetta Recine 1
Ana Beatriz Vasconcellos 2

Abstract It is presented a review of the guidelines Resumo É apresentado um balanço da imple-


implementation of the National Food and Nutri- mentação das diretrizes da Política Nacional de
tion Policy (PNAN) contextualizing the actions Alimentação e Nutrição (PNAN) contextualizan-
in the Brazilian Unified Health System (SUS) do as ações no cenário do Sistema Único de Saúde
scenario. At ten years of its publication, PNAN (SUS). Aos dez anos de sua publicação, a PNAN se
faces challenges both to expand and qualify the defronta com desafios tanto para expandir como
shares of food and nutrition on health. It is chal- para qualificar as ações de alimentação e nutri-
lenging to stand as interlocutor and legitimate ção na saúde, e também para se apresentar como
representative of the area of health, political and interlocutora e representante legítima da área da
institutional context of food security and nutri- saúde, no contexto político e institucional da se-
tion. Issues related to the articulation of PNAN gurança alimentar e nutricional. Questões rela-
and future National Policy on Food and Nutri- cionadas à articulação da PNAN e da futura Po-
tion Security will be analyzed to demonstrate the lítica Nacional de Segurança Alimentar e Nutri-
convergence of agendas among the priorities for cional são analisadas para demonstrar a confluên-
the guarantee of the SAN. The authors identify cia de agendas entre as prioridades para a garan-
the potential of this field of action, from the cur- tia da SAN. São apontadas as potencialidades des-
rent institutional setting, and the need for com- se campo de ação, a partir do atual cenário insti-
prehensive solutions that address the complexity tucional, e a necessidade de soluções abrangentes
of food and nutrition in health. que atendam à complexidade da alimentação e
1
Observatório de Políticas
Key words Food and Nutrition Policy, Health nutrição em Saúde Coletiva.
de Segurança Alimentar e
Nutrição, Departamento de System, Food and nutrition security, Collective Palavras-chave Política Nacional de Alimenta-
Nutrição, Faculdade de Health ção e Nutrição, Sistema Único de Saúde, Segu-
Ciências da Saúde,
Universidade de Brasília.
rança alimentar e nutricional, Saúde Coletiva
Campus Universitário
Darcy Ribeiro, Asa Norte.
70910-900 Brasília DF.
recine@unb.br
2
Coordenação Geral da
Política de Alimentação e
Nutrição, Departamento de
Atenção Básica, Secretaria
de Atenção à Saúde,
Ministério da Saúde.
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Recine E, Vasconcellos AB

A Política Nacional de Alimentação alimentos; garantia da segurança e da qualidade


e Nutrição hoje dos alimentos e da prestação de serviços; moni-
toramento da situação nutricional e alimentar;
As políticas desenvolvidas pelo Estado brasilei- promoção de práticas alimentares e estilos de vida
ro, cujo objeto envolve as dimensões múltiplas saudáveis; prevenção e controle dos distúrbios
da alimentação e nutrição, ganharam novo dire- nutricionais e de doenças associadas à alimenta-
cionamento a partir da Lei Orgânica de Seguran- ção e nutrição; promoção do desenvolvimento
ça Alimentar Nutricional (Losan) – Lei nº 11.346, de linhas de investigação; e desenvolvimento e
de 15 de setembro de 2006, que criou o Sistema capacitação de recursos humanos2.
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional As características da implementação de uma
(Sisan)1. De acordo com o conceito adotado na política revelam seu verdadeiro significado, e o pro-
legislação brasileira, A segurança alimentar e nu- cesso percorrido pela PNAN2 não é diferente, ense-
tricional – SAN – consiste na realização do direito jando desafios para os profissionais, pesquisado-
de todos ao acesso regular e permanente a alimen- res e gestores. Estudo realizado pelo Ministério da
tos de qualidade, em quantidade suficiente, sem Saúde acerca do desempenho da PNAN2 demons-
comprometer o acesso a outras necessidades essen- trou seu papel de referência regulatória, política,
ciais, tendo como base práticas alimentares pro- técnica e ética para os profissionais de nutrição
motoras de saúde que respeitem a diversidade cul- que trabalham na área da Saúde Coletiva. São con-
tural e sejam ambiental, cultural, econômica e so- siderados méritos: a configuração e o desenvolvi-
cialmente sustentáveis (art. 3º da Lei nº 11.346, de mento da vigilância alimentar e nutricional, a pro-
15 de setembro de 2006)1. dução regular de informações sobre estado nutri-
A dimensão nutricional do conceito incorpo- cional, por meio de pesquisas de base populacio-
ra questões relativas à composição, à qualidade, nal, a construção da agenda de promoção da ali-
à utilização biológica e à promoção da saúde, mentação saudável e a capacitação de recursos
apontando a abrangência das políticas que con- humanos. Permanecem desafios importantes a ins-
vergem para o alcance da segurança alimentar e titucionalidade da área, a organização do processo
nutricional. Entre elas, está a Política Nacional de de trabalho, o financiamento e o controle social4.
Alimentação e Nutrição (PNAN)2 como elo po- No âmbito da vigilância alimentar e nutricio-
tencial entre o Sistema Único de Saúde (SUS)3 e o nal, o aperfeiçoamento e a expansão do Sistema
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nu- de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan)5
tricional (Sisan)1. respondem aos esforços de programar um siste-
A Política Nacional de Alimentação e Nutri- ma operativo na rotina das unidades de saúde
ção, publicada no final dos anos 90, marca uma que possa favorecer o planejamento racional de
etapa importante para a configuração da área ações do nível local, contribuindo para efetivida-
no campo da saúde, evidenciando as transições de da PNAN2. As medidas sensíveis da fome e
epidemiológica, nutricional e demográfica com a seus determinantes, da desnutrição, da deficiên-
convivência no país de situações extremas de des- cia nutricional resultante de diversas causas, da
nutrição e deficiências nutricionais ao lado de al- mudança do perfil de consumo de alimentos e
tas prevalências de obesidade e doenças associa- consequências como excesso de peso e obesidade
das à alimentação. A PNAN2 projeta um modelo são indicadores de como a sociedade atravessa
de segurança alimentar e nutricional fundamen- as etapas de desenvolvimento social e econômico
tado no direito humano à alimentação, desta- e incorpora ou abandona padrões de consumo
cando a alimentação e a nutrição como requisi- de alimentos e práticas de saúde. Monitorar a
tos de promoção e proteção da saúde 2. situação de saúde, alimentar e nutricional de
Reposicionando, na época, a questão alimen- maneira sistemática revela desigualdades entre
tar e nutricional na agenda das políticas públicas regiões geográficas, grupos populacionais e po-
do setor saúde, a PNAN2 assume o propósito, pulações vulneráveis e permite subsidiar inter-
com o estímulo a ações intersetoriais, de garantir venções voltadas para a prevenção e o controle
a qualidade dos alimentos consumidos no país, de distúrbios nutricionais e doenças associadas à
promover práticas alimentares saudáveis, pre- alimentação e nutrição e para a promoção de
venir e controlar distúrbios nutricionais. A Polí- práticas alimentares e estilos de vida saudáveis.
tica articula sete diretrizes, que orientam a elabo- Para tal, permanece como desafio a construção
ração e implantação dos programas e projetos de indicadores cujo conteúdo informativo asso-
em alimentação e nutrição: estímulo às ações in- ciado seja capaz de incorporar as dimensões das
tersetoriais com vistas ao acesso universal aos iniquidades em saúde6.
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O Sisvan tem sua base de informações oriun- nâmica de informações sobre alimentação e nu-
da da rotina da atenção básica de saúde, em es- trição, contribuir para a formação da opinião
pecial das equipes de saúde da família, e é atual- confiável sobre os princípios e recomendações
mente utilizado para medir os resultados alcan- da alimentação saudável. E neste contexto, a aten-
çados pelos gestores de saúde das esferas estadu- ção básica se constitui em um locus privilegiado
al e municipal no cumprimento das metas de ali- para se avançar na promoção da alimentação
mentação e nutrição assumidas no Pacto Nacio- saudável12.
nal de Saúde. Os dados gerados pelo Sisvan in- Os conceitos e recomendações do Guia8 fo-
formam o perfil nutricional de uma dada popu- ram ainda referência para a proposta de Progra-
lação vinculada geograficamente a uma determi- ma Intersetorial de Promoção da Alimentação
nada unidade de saúde, consolidando sua voca- Adequada e Saudável apresentada pelo Conse-
ção como sistema de informação de base local lho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricio-
para a segurança alimentar e nutricional5,7. nal13. Esta convergência em torno de uma agen-
A realização de pesquisas nacionais periódi- da de promoção da alimentação adequada e sau-
cas compõe o sistema de monitoramento alimen- dável configura-se como elemento de diálogo
tar e nutricional. Nos últimos cinco anos, foram propositivo entre movimentos da sociedade civil
realizadas pesquisas importantes para o campo de SAN e de Saúde Coletiva.
da alimentação e nutrição em Saúde Coletiva. A A criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da
Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde incluiu Família (NASF)14, com o objetivo de ampliar a
o primeiro estudo nacional sobre a prevalência abrangência e o escopo das ações da atenção bá-
de anemia e hipovitaminose A; as Pesquisas de sica, bem como sua resolutividade, é passo im-
Orçamento Familiar dos anos de 2008 e 2009 trou- portante para impulsionar a organização das
xeram como inovação a incorporação de um ações de nutrição nos serviços de saúde. Entre as
módulo sobre o consumo direto de alimentos, o atribuições do nutricionista no NASF encontram-
que irá atualizar, após mais de três décadas, em se: o cuidado nutricional no curso da vida, as
âmbito nacional, dados de consumo. A Pesquisa respostas às principais demandas assistenciais
Nacional de Avaliação do Impacto da Iodação (distúrbios alimentares, deficiências nutricionais
do Sal, elaborada nos moldes propostos pela e desnutrição), os planos terapêuticos nas doen-
Organização Mundial da Saúde, poderá incluir o ças crônicas; conhecimento e estímulo à produ-
Brasil na relação de países que eliminaram as ção e ao consumo dos alimentos saudáveis; a
doenças por carência de iodo. articulação intersetorial para viabilizar hortas e
A agenda de promoção da alimentação saudá- pomares comunitários; a organização da refe-
vel foi qualificada com a edição do Guia alimentar rência e contrarreferência do atendimento. A in-
para a população brasileira8, que assume o conceito corporação do nutricionista para prestar apoio
de alimentação saudável como resultado da inte- matricial às equipes de saúde da família no de-
ração entre o biológico e o sociocultural. A abor- senvolvimento de atribuições amplas, desde o
dagem multifocal dirigida às famílias, aos profissi- diagnóstico coletivo ao cuidado individual, deve
onais de saúde, aos gestores e formuladores de aumentar a demanda por qualificação profissi-
políticas públicas e setor produtivo de alimentos onal em Saúde Coletiva, implicando adequação
ilustra como atuar nos fatores determinantes da futura dos cursos de graduação em nutrição.
alimentação, explicitando as responsabilidades dos No processo de capacitação de recursos hu-
diferentes setores sociais, indicando que apenas manos, muito se deve aos Centros Colaborado-
ações de educação em saúde não são suficientes res de Alimentação e Nutrição do Ministério da
para o alcance do impacto necessário na promo- Saúde. Compostos por dez universidades fede-
ção da alimentação saudável. São definidas medi- rais (Universidade Federal do Pará, Universidade
das regulatórias referentes à rotulagem de alimen- Federal de Pernambuco, Universidade Federal da
tos e à publicidade de alimentos com altos conteú- Bahia, Universidade Federal de Minas Gerais, Es-
dos de açúcar, gordura e sal; que orientam o eixo cola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fun-
de alimentação saudável proposto na Política Na- dação Oswaldo Cruz/Ministério da Saúde, Uni-
cional de Promoção da Saúde9 e as ações de avalia- versidade de São Paulo, Universidade Federal do
ção nutricional e promoção da saúde do Progra- Paraná, Universidade Federal de Pelotas, Universi-
ma Saúde na Escola10, programa conjunto do Mi- dade de Brasília, Universidade Federal de Goiás),
nistério da Saúde e do Ministério da Educação. esses centros configuram uma rede de apoio às
Estudo realizado11 mostra o quanto o setor ações de alimentação em nutrição nas cinco re-
saúde pode, com base no processo de troca di- giões brasileiras buscando integrar ensino, pes-
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quisa e serviço. Com esse marco de atuação, os saúde, a Losan explicita, em seu artigo 6º, que a
centros, de forma autônoma, contribuem para SAN abrange a promoção da saúde, da nutrição e
disseminação dos princípios do SUS e da PNAN e da alimentação da população, incluindo-se grupos
da atenção primária em saúde; participam em populacionais específicos e populações em situa-
projetos de pesquisas multicêntricas em saúde e ções de vulnerabilidade social”1.
nutrição, contribuem na análise dos bancos de A partir da III Conferência Nacional de SAN,
dados de pesquisas nacionais, aprofundando a realizada em 2007, o Conselho Nacional de SAN
análise regional, sub-regional ou local, e promo- (Consea) instituiu um processo de elaboração,
vem o conhecimento e a avaliação de programas com base nas resoluções finais do encontro, de
e políticas de segurança alimentar e nutricional. um documento com os princípios e diretrizes que
Ressalta-se a liderança em projetos de pesquisas deverão compor a Política Nacional de Segurança
nacionais e a vocação para renovação de quadros Alimentar e Nutricional. As resoluções finais da
para a área de nutrição e Saúde Coletiva. CNSAN16 foram organizadas em três eixos temáti-
O apoio a linhas de pesquisa e estudos em cos: SAN nas estratégias nacionais de desenvolvi-
áreas estratégicas do conhecimento em nutrição mento; Política Nacional de SAN; e Sistema Nacio-
foi viabilizado por meio da publicação de dois nal de SAN. No segundo eixo foram propostas
editais nacionais. O Edital sobre Alimentação e seis diretrizes: (1) promover o acesso universal à
Nutrição foi lançado no ano de 2004 em conjunto alimentação adequada; (2) estruturar sistemas
pelo Ministério da Saúde e o Conselho Nacional justos, de base agroecológica e sustentável de pro-
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico dução, extração, processamento e distribuição de
(CNPq). Este edital, cujas linhas temáticas estão alimentos; (3) instituir processos permanentes de
voltadas às diretrizes da PNAN, gerou o financia- educação e capacitação em segurança alimentar e
mento de 85 projetos, com um investimento que direito humano à alimentação adequada; (4)
ultrapassou os R$ 4 milhões, fato inédito no cam- ampliar e coordenar as ações de segurança ali-
po da alimentação e nutrição no Brasil15. Em 2005, mentar e nutricional voltadas para povos indíge-
o Edital Alimentação, Nutrição e Promoção da nas e comunidades tradicionais; (5) fortalecer as
Alimentação e Modos de Vida Saudáveis, lançado ações de alimentação e nutrição em todos os ní-
de forma similar ao anterior, pelo Ministério da veis da atenção à saúde, de modo articulado às
Saúde e o CNPq, apoiou 97 projetos em diferentes demais políticas de segurança alimentar e nutri-
áreas temáticas, incluindo as intervenções em nu- cional; (6) promover a soberania e a segurança
trição e Saúde Coletiva, buscando consolidar um alimentar e nutricional em âmbito internacional.
modelo de fomento à pesquisa. A avaliação deste O documento foi enviado à Câmara Inter-
processo apontará em que medida os institutos ministerial de SAN (CAISAN)17,18 em outubro de
de pesquisa e universidades brasileiras irão trazer 2009. A CAISAN, composta pelos ministros ou
inovações e consolidá-las para um maior diálogo seus representantes, atualmente, de 19 áreas de
entre a academia e as políticas públicas de alimen- governo, é responsável por propor e articular a
tação e nutrição em saúde e oportunizar, tanto no implementação da PNSAN.
âmbito acadêmico quanto no sistema de saúde, Neste documento do Consea, “Subsídios para
investigações e pesquisas que aprimorem o cami- a construção da Política Nacional de Segurança
nho da nutrição nas políticas públicas brasileiras Alimentar e Nutricional”17, está proposto que o
em seu sentido abrangente e intersetorial. objetivo geral da PNSAN é assegurar o direito
humano à alimentação adequada a todas e todos
os habitantes do território brasileiro, promovendo
A futura Política Nacional a soberania e a segurança alimentar e nutricional
de Segurança Alimentar e Nutricional de modo que tenham acesso regular e permanente
a alimentos de qualidade, em quantidade suficien-
Com a sanção da Losan, em 2006, fica instituído te, sem comprometer o acesso a outras necessidades
o Sistema Nacional de SAN (Sisan)1, que tem essenciais, tendo como base práticas alimentares
como objetivos: (1) a formulação da Política promotoras de saúde, que respeitem a diversidade
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional cultural e que sejam ambiental, cultural, econô-
(PNSAN) nas diferentes esferas de governo; e (2) mica e socialmente sustentáveis.
a inclusão de princípios e diretrizes de segurança A quinta diretriz referente ao campo da ali-
alimentar e nutricional nas políticas referentes às mentação e nutrição no âmbito da saúde, “For-
áreas abrangidas pela definição de SAN adotada talecer as ações de alimentação e nutrição em to-
no Brasil. Particularmente em relação à área da dos os níveis de atenção à saúde, de modo arti-
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culado às demais políticas de SAN”, resgata a Neste contexto, são destacados como impres-
“Promoção da Alimentação Saudável” como eixo cindíveis o fortalecimento e a institucionalização
estruturante de todas as ações a serem efetivadas da área e das ações de alimentação e nutrição no
pela PNSAN17, entendendo que a promoção da interior do SUS, recuperando os eixos da PNAN17
alimentação saudável compreende todas as eta- e incentivando sua capacidade de construir diá-
pas do ciclo do alimento (da produção ao con- logos intra e intersetoriais. É, ainda, explicitado
sumo) e deve ser implementada em todas as fa- que o fortalecimento necessário e concreto da
ses do curso da vida e níveis de atenção em saúde PNAN deve se refletir no financiamento adequa-
e de maneira articulada com diferentes setores de do para a implementação de suas diretrizes.
governo e da sociedade. Com a inserção, a regulamentação e a orga-
As ações derivadas dessa diretriz deverão im- nização das ações de nutrição em todos os níveis
pactar: (1) na promoção do acesso a uma ali- de atenção à saúde, o setor saúde poderá atuar
mentação adequada e saudável; (2) na qualidade de maneira qualificada na perspectiva de uma
sanitária e nutricional dos alimentos e da alimen- atenção nutricional abrangente, inclusive em re-
tação; (3) na integração de programas que con- lação à promoção da saúde, contribuindo para a
tribuem na melhoria do acesso à alimentação; mudança de paradigma do modelo de atenção à
(4) no acompanhamento da situação alimentar saúde como um todo e contribuindo efetivamente
e nutricional da população brasileira; (5) na pro- para a garantia da SAN.
dução do conhecimento sobre alimentação e nu- Como consequência desse processo, a CAI-
trição; (6) na visibilidade, valorização e fortaleci- SAN elaborou uma proposta de projeto de lei
mento da área de nutrição no SUS; (7) na elabo- sobre a PNSAN17. A proposta foi discutida pela
ração de políticas de alimentação e nutrição para plenária do Consea em dezembro de 2009 e está
povos e comunidades tradicionais; (8) na con- em fase de aprimoramento e definição dos trâ-
cepção de programas para pessoas com anemia mites para envio ao Congresso Nacional.
falciforme e outras necessidades alimentares es-
peciais; e (9) na implementação e ampliação do
controle social. Possibilidades de cenário futuro
Considerando a “Promoção da Alimenta-
ção Saudável” (PAS) como eixo estruturante da A PNAN17 completou dez anos e acumulou um
PNSAN e as repercussões que essa decisão trará conjunto importante de conquistas mas também
para todas as áreas relacionadas com a SAN, o de desafios apontados no documento de subsí-
fortalecimento das ações de alimentação e nutri- dio19 para os seminários estaduais de alimenta-
ção no Sistema Único de Saúde (SUS) adquire ção e nutrição no SUS, etapa do processo de dis-
uma importância estratégica. A dimensão amplia- cussão e formulação de recomendações para uma
da de PAS conferida pelo conjunto de proposi- nova edição do texto. A PNAN foi elaborada a
ções da III CNSAN destacou a Política PNAN17 partir de evidências epidemiológicas fortes – que
como elemento fundamental para a construção nortearam a argumentação e a definição de suas
dessa trajetória, em razão de ela articular ações diretrizes. Apesar de ser formulada em uma épo-
que reafirmam a segurança alimentar e nutricio- ca de fortalecimento dos argumentos por um “es-
nal e o direito humano à alimentação adequada tado mínimo”, valorizou a intersetorialidade, con-
como valores indissociáveis da promoção da saúde textualizou-se como elemento de contribuição da
e da cidadania. É, portanto, necessário que tais SAN e adotou o Direito Humano à Alimentação
valores perpassem as ações de promoção, aten- Adequada como princípio. Além disso, de vários
ção e vigilância à saúde. Apresentam-se também pontos de vista, a Política antecipou várias reco-
como estratégicas a disseminação de informações mendações presentes posteriormente na Estra-
no campo da alimentação saudável e da nutrição, tégia Global para a Atividade Física e Dieta20.
a importância da formação profissional qualifi- No momento em que, por um lado, defla-
cada e específica para atuação nessa área e a ne- gra-se um processo organizado de balanço de
cessidade de uma educação permanente dos pro- sua implementação e, por outro, destacam-se
fissionais de saúde. A vigilância da situação nutri- aspectos em relação ao papel da alimentação e
cional da população brasileira e o estabelecimen- nutrição na saúde na SAN, é imprescindível o
to de um controle social democrático dessa polí- compromisso de identificar os desafios e lacunas
tica, em suas diferentes instâncias de execução, e as estratégias que atendam a eles. O detalha-
foram também considerados questões funda- mento das instâncias e o modus operandi do Si-
mentais para o avanço desse processo. san somam aspectos concretos aos já identifica-
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dos ao longo desta década de implementação da quação da formação dos profissionais que atu-
PNAN. Há necessidade de serem respondidas al- am em nutrição em Saúde Coletiva para que es-
gumas questões: como e o quanto a Saúde se vê tes se coloquem em uma posição de formulação
no campo da SAN, sua contribuição, seu papel, e liderança.
tanto no desenvolvimento de ações como tam- Há claramente uma confluência de agendas
bém disputando e decidindo agenda; como e o entre as prioridades para a garantia da SAN e os
quanto a SAN vê a saúde como parceira legítima, avanços necessários para a efetiva implementa-
como se articulam esses espaços políticos e insti- ção e atualização das ações de alimentação e nu-
tucionais; como os dois sistemas, SUS e Sisan, se trição no SUS – representadas pela PNAN17 . Cabe
articulam em suas prioridades, agendas e pro- compartilhar estratégias para que os avanços
cessos; como a PNAN e a futura PNSAN17 se ar- sejam efetivos e ágeis.
ticulam e se coordenam. Em suma, o investimento político e progra-
No âmbito da saúde, são inadiáveis a expan- mático no campo da alimentação e nutrição em
são e a qualificação das ações de alimentação e Saúde Coletiva configura-se como uma janela de
nutrição no Sistema Único de Saúde, para que a oportunidades importante em um cenário no
área da saúde ocupe e responda por suas res- qual explicações da realidade e busca de soluções
ponsabilidades no desafio de promover a SAN precisam ser abrangentes para responder às no-
da população brasileira. Este esforço deve ser vas complexidades da nutrição e da inserção da
acompanhado por uma profunda reflexão e ade- alimentação na esfera dos direitos humanos.

Colaboradores

E Recine e AB Vasconcellos foram responsáveis


pela concepção e elaboração do texto. As autoras
agradecem a Paula Jeane Araújo pela revisão das
referências bibliográficas.
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