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Resumo
A pesquisa tem como objetivo geral demonstrar a mutação territorial que ocorre com o processo
de implantação de grandes projetos de desenvolvimento, considerando as diferentes
racionalidades do setor empresarial, do poder público e de comunidades ancestrais. Para tal, além
do vasto referencial teórico sobre territórios e projetos de desenvolvimento, foram/estão sendo
acompanhados todo decorrer da implantação da Usina Termoelétrica do Itaqui em São Luís -
Maranhão. Percebemos que os conflitos acendem em grupos locais a (re)elaboração de
identidades e discursos no processo de luta pelo reconhecimento e pela defesa de seus direitos
territoriais. Os sujeitos formam seus próprios territórios e a destruição ou alteração destes significa
uma forma de “diluição” desses sujeitos, colocando as lutas por recursos ambientais como parte
de uma luta simbólica, para redefinir ou manter relações de poder, já que na esfera do conflito, o
ator que impõe suas práticas espaciais é quem detém o controle sobre o território. Os territórios
podem assumir diversos usos, aspectos, atribuições, funções, funcionalidades e enquadrar-se em
inúmeros contextos. Entretanto os estudos sobre os mesmo devem ultrapassar a visão que se tem
de fixidez, baseados em traçados e passar a (re)conhecer a existência dos territórios produzidos
por atores que lhes determinam suas atribuições. A percepção deve considerar os aspectos
simbólicos que ligam os sujeitos a seus territórios e que lhes fazem afirmar a sua posse sobre os
mesmos.
1 Introdução
Este trabalho está enquadrado no âmbito de uma pesquisa maior financiada pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) e pela Fundação de Amparo a Pesquisa e ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), intitulada “Projetos de
Desenvolvimento e Conflitos Sócio-Ambientais no Maranhão”, realizada pelo Grupo de Estudo:
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) da Universidade Federal do
Maranhão (UFMA), no qual estou enquadrada enquanto auxiliar de pesquisa. Também constitui
parte das pesquisas que estão desenvolvidas para serem inclusas na dissertação do mestrado em
Geografia da Universidade de Brasília (UnB), que tem sido realizado com o apoio da bolsa da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
O termo território tem sido usado de forma central na ação de politicas públicas e privadas,
a partir de diferentes abordagens e concepções, embora muitas vezes seja confundido com outros
termos, como “terra”. As políticas formam diferentes modelos de desenvolvimento que causam
impactos socioterritoriais e criam formas de resistência, produzindo constantes conflitualidades.
Pensamos que os diferentes tipos de territórios, produtores e produzidos por distintas relações
sociais, são disputados cotidianamente por inúmeros atores no choque de opiniões sobre modelos
de desenvolvimento e de sociedade. Deste modo, a classe território é inseparável das questões
de conflitualidades, sobretudo porque a compreensão do território tem ido bem além do traçado do
espaço de governança. O território compreendido por diferenças pode ser utilizado para a
compreensão das diversidades e das disputas territoriais.
A pesquisa tem como objetivo geral demonstrar a mutação territorial que ocorre com o
processo de implantação de grandes projetos de desenvolvimento, considerando as diferentes
racionalidades do setor empresarial, do poder público e de comunidades ancestrais. Para tal, além
do vasto referencial teórico sobre territórios e projetos de desenvolvimento, foram/estão sendo
acompanhados o decorrer da implantação do projeto: desde sua fase de anúncio, passando pela
etapa de estudos e produção de relatórios (EIA/RIMA); realização de audiências públicas;
negociação da área escolhida; deslocamentos populacionais; conquista de licenças; fase de
instalação (etapa na qual se encontra o projeto); bem como a realização de pesquisas in loco e
entrevistas semi-estruturadas com alguns agentes que habitam a localidade.
Para melhor compreensão o trabalho será exposto da seguinte forma: abordagens sobre o
território (segundo capítulo); território e conflitos socioambientais (terceiro capítulo); metamorfoses
do território: entendendo o caso (quarto capítulo); considerações finais (quinto capítulo) e as
referências.
Falar sobre território requer a compreensão da polissêmia da palavra que tem sido
entendida, dependendo, dentre outros fatores, da posição filosófica do investigador, do momento
histórico de que se fala e da ciência e/ou área do conhecimento que a estuda. Nesse sentido,
pode-se falar, também, sobre a indefinição de expressões que estão intrinsecamente ligadas à
percepção que se tem do território, tais como: territorialização, desterritorialização,
reterritorialização, multiterritorialização, territorialidade, ordenamento territorial.
A compreensão que se tem ou que se tenta alcançar sobre território busca ir além do
estrito reconhecimento do poderio do Estado-Nação ou como dominação de áreas, antes muito
presente em obras de caráter geográfico, e começa a perceber que o que se pensa em torno das
relações de poder também modifica o entendimento que se tem sobre território. Esse fato ocorre
com maior relevância por volta do final da década de 1960, quando se passa a ver o território
como produto das relações sociais realizadas entre os homens. A dimensão territorial passa a
ganhar centralidade na ciência geográfica.
O território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em rede: São,
todavia, os mesmos lugares que formam redes e que formam o espaço banal. São os
mesmos lugares, os mesmos pontos, mas contendo simultaneamente funcionalidades
diferentes, quiçá divergentes ou opostas (SANTOS, 2005, p. 256).
Milton Santos ainda nos leva a pensar sobre a reterritorialização, quando destaca a
valorização do lugar como espaço vivido, espaço local, contrapondo um espaço global, habitado
por um processo racionalizador. Nesse contexto, com uma visão voltada não somente à
desmistificação do fim dos territórios, abrindo a possibilidade de indicar territórios no movimento
ou pelo movimento, mas também a favor da compreensão de que o grande dilema deste milênio
seja a multiterritorialização, Haesbaert afirma que os territórios são reconstruídos constantemente.
“Territorializar-se significa também, hoje, construir e/ou controlar fluxos/redes e criar referenciais
simbólicos num espaço em movimento, no e pelo movimento” (HAESBAERT, 2006, p. 280).
Saquet (2010) nos leva ao raciocínio do território como produto das relações sociedade-
natureza, bem como um espaço de organização e luta, de vivência da cidadania e do caráter
participativo da gestão do diferente e do desigual. Acredita que a desterritorialização e a
reterritorialização são contraditórias, mas se complementam, são inseparáveis e movidas pela
relação economia-política-cultura. Com referência a uma produção anterior, publicada em 2003,
Saquet afirma:
Cada território, independentemente de sua extensão/tamanho/escala, deve ser estudado na
tentativa de apreensão de suas singularidades, de seus tempos e territórios e de suas
articulações externas, a partir da dinâmica no nível da unidade produtiva e de vida em que
se dão as territorialidades e as temporalidades, a cristalização das relações do homem com
suas naturezas interior e exterior e com o seu outro. Somente o estudo do movimento e das
contradições, no tempo e no espaço, permite-nos conhecer a especificidade de cada lugar,
espaço, território (SAQUET, 2010, p. 131).
O autor esforça-se em nos mostrar que cada sociedade produz seus territórios e
territorialidades, com suas atividades cotidianas, crenças, valores, ritos, normas, regras. Trabalha
para contribuir na tentativa de superar visões simplistas que apresentam concepções do território
sem sujeitos, demonstrando a necessidade de se apreender a complexidade e a unidade do
mundo da vida. Faz um destaque extremamente importante ao afirmar que precisamos conhecer
melhor as abordagens e concepções, e a ligação de tal reflexão no nível de pensamento do
cotidiano, elaborando procedimentos, entre outros pontos, para a concretização de projetos de
desenvolvimento territorial que considerem os novos elementos societários e novos arranjos
territoriais.
Concordamos com a visão apresentada de território que tem seus “limites” traçados não só
por uma questão areal, do poderio do Estado, mas também ligado à questão afetiva, cultural,
simbólica, em que os atores que vivem e vivenciam determinados territórios revelam seus
aspectos identitários. Por desenvolverem diferentes racionalidades, os atores que possuem
objetos de disputa configurados em uma determinada localidade, têm como objetivo principal a
conquista territorial, vez que na condição do conflito, o ator que determina suas práticas espaciais
é o detentor do controle sobre o território. Tal aspecto será abordado no item a seguir, que
relacionará o território aos conflitos socioambientais.
Segundo Saquet:
Becker (2009) situa a fase inicial do planejamento regional datado de 1930 a 1966, mas
afirma que o planejamento só é efetivado entre 1966 e 1985. No primeiro período se dá a “Marcha
para Oeste”, a criação da Fundação Brasil Central, a inserção de um Programa de
Desenvolvimento para a Amazônia, a delimitação oficial da região, a criação da Superintendência
de Valorização Econômica da Amazônia, a implantação das rodovias Belém-Brasília e Brasília-
Acre.
No segundo período, as lentes que revelavam um olhar sobre um país de grande potencial
econômico, ainda assim com atrasos e déficits em seu processo de desenvolvimento, tornou-se
evidente na época do regime ditatorial, que via na intensa atuação do Poder Público (Estado)
formas para suprir tais deficiências através da dinamização da industrialização. O Governo
Federal passa a articular maciçamente a instalação de infraestrutura básica (construção de
grandes estradas, portos, aeroportos, ferrovias, usinas hidrelétricas) que somadas a outras
medidas desenvolvimentistas intencionavam promover a dinamização econômica, objetivando
proporcionar a modernização brasileira.
Foram implantados, até 1985, a Zona Franca de Manaus, o Programa Grande Carajás, a
usina hidrelétrica de Tucuruí, construção redes de circulação rodoviária, de telecomunicações,
oferta de incentivos fiscais e créditos a baixos juros, indução de fluxos migratórios voltados ao
povoamento e formação de mercado de trabalho. Becker (2009) vê a Calha Norte como o último
grande projeto enquadrado no método desenvolvimentista amazônico, tendo o choque do petróleo
e a escalada da dívida externa como os fatos que conduzem ao esgotamento do modelo.
Em São Luís (em meados dos anos 1970), foi elaborado e aprovado o Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado que tinha como principal objetivo orientar o crescimento físico
decorrente da implantação de grandes plantas industriais e redes de infraestrutura. Vários tipos de
incentivos foram dados para a implantação de grandes empreendimentos, fazendo com que a
cidade fosse atingida diretamente por essas trajetórias que tinham o intuito de promover o
“desenvolvimento”.
Desde o final da década de 70, a capital maranhense assumiu uma nova vocação
econômica a partir da implantação de grandes projetos envolvendo a exploração mineral,
que se expressaram na construção da EFC (Estrada de Ferro Carajás) e no terminal da
CVRD em São Luís. Ao longo da década de 80 do século XX foram efetivadas também
propostas de constituição de polos de produção siderúrgica e de ferro ligada ao longo do
corredor dessa estrada, em adição à implantação da fábrica ALUMAR e ao projeto Usimar.
Estas propostas foram reforçadas com um protocolo assinado na década de 90 pelo
Governo do Estado para a instalação de outra usina siderúrgica (DUFERCO). Porém, a
especialização desta “vocação econômico-industrial” esteve voltada, prioritariamente, para
o mercado externo (SÃO LUÍS, 2006, p. 34).
Desde então, o Maranhão (como um todo) e São Luís (como específico do estudo) vêm
sendo focos de interesse de empreendimentos que denominamos de “grandes projetos
desenvolvimentistas”, considerando, sobretudo, a quantidade maciça de recursos destinados aos
mesmos, os discursos que são efetuados em seus processos de implantação e o apoio do poder
público através de parcerias, de caráter totalmente ou parcialmente público.
A UTE Porto do Itaqui foi lançada em 2007 e é um dos projetos do PAC caracterizado de
grande importância para o governo. Para que a UTE fosse implantada em São Luís, duas
comunidades já foram diretamente afetadas, Vila Madureira e Camboa dos Frades. Como
trabalhado em estudos anteriores (realizados pelo GEDMMA), o Plano Diretor da cidade recebeu
uma alteração que possibilitou a conversão de 1.064 hectares de Zona Rural II para Zona
Industrial (Lei Municipal nº 4.548, de 09 de dezembro de 2005), o que passa a possibilitar a
utilização da área para implantações industriais.
A Vila Madureira, já que a partir de então passou a ser industrial e por não possuir o título
de propriedade da terra, teve que se deslocar para ceder lugar à implantação da termoelétrica.
Antes localizada às margens da BR-135 na área Itaqui-Bacanga, foi remanejada para o Paço do
Lumiar em abril de 2009 (de forma bastante tensa), para um local denominado de Vila Residencial
Nova Canaã, habitando casas construídas pela empresa. Foi construído também, pela empresa,
um polo agrícola (Polo Agrícola Nova Canaã), já que a comunidade necessita realizar os plantios
feitos tradicionalmente (base de seu sustento).
Segundo Pereira, que realizou uma bateria de entrevistas na Vila Madureira para a
realização do seu trabalho, a comunidade não se vê satisfeita com os deslocamentos:
Os relatos demonstram certa insatisfação quanto ao período atual por parte dos
entrevistados se comparado à fase preparatória do deslocamento, talvez em função da
disposição e habilidade da empresa em proferir as promessas. A distância do residencial
Nova Canaã do centro de São Luís (30 km) e do antigo local de moradia (40 km) e a
confirmação da empresa de que os moradores tiveram a possibilidade de escolha do local a
serem reassentados aparece como alguns aspectos dessa insatisfação. Alguns
entrevistados afirmam que não tiveram escolha sobre seus destinos após saírem de Vila
Madureira (PEREIRA, 2010, p. 51).
A comunidade Camboa dos Frades não foi deslocada, pelo menos até o momento, já que
vive constantemente sob tal ameaça. Entretanto, além de passar por problemas resultantes da
ação das empresas já instaladas, também sofreu/sofre com a instalação da UTE, que logo de
início foi responsável por impedir um direito garantido constitucionalmente, o direito de ir e vir. Tal
fato ocorreu quando a única via de acesso, que possibilitava o deslocamento dos residentes, foi
interrompida pelas obras do projeto. Graças a um Termo de Ajuste Conduta (TAC) solicitado pelo
Ministério Público, a empresa foi obrigada a construir outra via para que a comunidade não ficasse
isolada. Para nós, o isolamento inicial da comunidade foi algo estratégico para que a população se
sentisse obrigada a sair de suas terras, tendo em vista a impossibilidade de seu deslocamento e
de todas as dificuldades que passariam para sobreviver naquele local. Considerando, sobretudo, a
proximidade da área do Porto do Itaqui, não é difícil, que se encontrem mais estratégias que a tire
do seu território, mesmo ressaltando seu caráter em ser habitado ancestralmente.
5 Considerações finais
Assim como já se apresentou, acreditamos que o principal fator de disputa no âmbito dos
conflitos socioambientais são os territórios, considerando, sobretudo, as racionalidades
divergentes que se têm em torno deles. Também pensamos que não há possibilidades de um
sujeito sem território e que mesmo aqueles que são desterritorializados, fazem-se
reterritorializados posteriormente e consequentemente, ou até mesmo multiterritorializados.
Entretanto é importante considerar que esse processo de des-re-territorialização pode causar
modificações profundas nos modos de vida das comunidades.
A metamorfose do território pode e tem sido relacionado à sua função no cerne dos
conflitos socioambientais. Geralmente em uma disputa binária, mas não simplista (como já dito),
os conflitos ocorrem entre comunidades e grandes empresas (apoiadas por muitas vezes pelo
poder público), apresentando divergências marcantes em relação aos usos que se atribuem aos
territórios.
BECKER, B. K. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
SANTOS, Milton. O retorno do territorio. In: OSAL: Observatorio Social de América Latina. Ano 6
nº 16 (jun.2005). Buenos Aires: CLACSO, 2005.
SÃO LUÍS. São Luís: uma leitura da cidade. Prefeitura de São Luís/ Instituto de Pesquisa e
Planificação da Cidade. São Luís: Instituto da Cidade, 2006.