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Metamorfoses do Território: o (re)surgimento de conflitos na

implantação de grandes projetos de desenvolvimento

Fernanda Cunha de Carvalho (e-mail: fer_nandacunha@yahoo.com.br)

Geógrafa pela Universidade Federal do Maranhão, Mestranda em Geografia pela Universidade de


Brasília, Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente
(GEDMMA/UFMA)

Resumo

A pesquisa tem como objetivo geral demonstrar a mutação territorial que ocorre com o processo
de implantação de grandes projetos de desenvolvimento, considerando as diferentes
racionalidades do setor empresarial, do poder público e de comunidades ancestrais. Para tal, além
do vasto referencial teórico sobre territórios e projetos de desenvolvimento, foram/estão sendo
acompanhados todo decorrer da implantação da Usina Termoelétrica do Itaqui em São Luís -
Maranhão. Percebemos que os conflitos acendem em grupos locais a (re)elaboração de
identidades e discursos no processo de luta pelo reconhecimento e pela defesa de seus direitos
territoriais. Os sujeitos formam seus próprios territórios e a destruição ou alteração destes significa
uma forma de “diluição” desses sujeitos, colocando as lutas por recursos ambientais como parte
de uma luta simbólica, para redefinir ou manter relações de poder, já que na esfera do conflito, o
ator que impõe suas práticas espaciais é quem detém o controle sobre o território. Os territórios
podem assumir diversos usos, aspectos, atribuições, funções, funcionalidades e enquadrar-se em
inúmeros contextos. Entretanto os estudos sobre os mesmo devem ultrapassar a visão que se tem
de fixidez, baseados em traçados e passar a (re)conhecer a existência dos territórios produzidos
por atores que lhes determinam suas atribuições. A percepção deve considerar os aspectos
simbólicos que ligam os sujeitos a seus territórios e que lhes fazem afirmar a sua posse sobre os
mesmos.
1 Introdução

Este trabalho está enquadrado no âmbito de uma pesquisa maior financiada pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) e pela Fundação de Amparo a Pesquisa e ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), intitulada “Projetos de
Desenvolvimento e Conflitos Sócio-Ambientais no Maranhão”, realizada pelo Grupo de Estudo:
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) da Universidade Federal do
Maranhão (UFMA), no qual estou enquadrada enquanto auxiliar de pesquisa. Também constitui
parte das pesquisas que estão desenvolvidas para serem inclusas na dissertação do mestrado em
Geografia da Universidade de Brasília (UnB), que tem sido realizado com o apoio da bolsa da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

O termo território tem sido usado de forma central na ação de politicas públicas e privadas,
a partir de diferentes abordagens e concepções, embora muitas vezes seja confundido com outros
termos, como “terra”. As políticas formam diferentes modelos de desenvolvimento que causam
impactos socioterritoriais e criam formas de resistência, produzindo constantes conflitualidades.
Pensamos que os diferentes tipos de territórios, produtores e produzidos por distintas relações
sociais, são disputados cotidianamente por inúmeros atores no choque de opiniões sobre modelos
de desenvolvimento e de sociedade. Deste modo, a classe território é inseparável das questões
de conflitualidades, sobretudo porque a compreensão do território tem ido bem além do traçado do
espaço de governança. O território compreendido por diferenças pode ser utilizado para a
compreensão das diversidades e das disputas territoriais.

Esse trabalho retratará alguns aspectos sobre a implantação de um projeto específico, a


Usina Termoelétrica Porto do Itaqui em São Luís - Maranhão, por acreditar que esteja enquadrado
na linha dos grandes projetos desenvolvimentistas, por apresentarem semelhanças em seus
processos discursivos e por corresponderem a um processo de “trocas” econômicas mundiais.
Duas comunidades têm sido lesadas diretamente pela implantação da termoelétrica, passando por
alterações bruscas em seus modos de vida. Estas são as comunidades Vila Madureira, já
deslocada para outra localidade e Camboa dos Frades, que tem enfrentado problemas de
diversas ordens, tendo seu modo de vida ameaçado.

A pesquisa tem como objetivo geral demonstrar a mutação territorial que ocorre com o
processo de implantação de grandes projetos de desenvolvimento, considerando as diferentes
racionalidades do setor empresarial, do poder público e de comunidades ancestrais. Para tal, além
do vasto referencial teórico sobre territórios e projetos de desenvolvimento, foram/estão sendo
acompanhados o decorrer da implantação do projeto: desde sua fase de anúncio, passando pela
etapa de estudos e produção de relatórios (EIA/RIMA); realização de audiências públicas;
negociação da área escolhida; deslocamentos populacionais; conquista de licenças; fase de
instalação (etapa na qual se encontra o projeto); bem como a realização de pesquisas in loco e
entrevistas semi-estruturadas com alguns agentes que habitam a localidade.

Percebemos que os conflitos entre os quais se contrapõem tentativas de


desterritorialização e reterritorialização promovidas pelo Estado, juntamente com grandes
empresas privadas, acendem em grupos locais a (re)elaboração de identidades e discursos no
processo de luta pelo reconhecimento e pela defesa de seus direitos territoriais. Os atores
produzem trajetórias divergentes e diferentes estratégias de reprodução socioterritorial. Os
sujeitos formam seus próprios territórios e a destruição ou alteração destes significa uma forma de
“diluição” desses sujeitos, colocando as lutas por recursos ambientais como parte uma luta
simbólica, para redefinir ou manter relações de poder, já que na esfera do conflito, o ator que
impõe suas práticas espaciais é quem detém o controle sobre o território.

Para melhor compreensão o trabalho será exposto da seguinte forma: abordagens sobre o
território (segundo capítulo); território e conflitos socioambientais (terceiro capítulo); metamorfoses
do território: entendendo o caso (quarto capítulo); considerações finais (quinto capítulo) e as
referências.

2 Abordagens sobre o território

Falar sobre território requer a compreensão da polissêmia da palavra que tem sido
entendida, dependendo, dentre outros fatores, da posição filosófica do investigador, do momento
histórico de que se fala e da ciência e/ou área do conhecimento que a estuda. Nesse sentido,
pode-se falar, também, sobre a indefinição de expressões que estão intrinsecamente ligadas à
percepção que se tem do território, tais como: territorialização, desterritorialização,
reterritorialização, multiterritorialização, territorialidade, ordenamento territorial.

Dentro do contexto geográfico a utilização do conceito de território, também e ainda, nos


leva à diversidade. Variando de acordo com a evolução do pensamento desta ciência que é
formada por continuidades, descontinuidades, fragmentações, rupturas, formações de novos
paradigmas e novos discursos, antagonismos e dualidades. De forma bastante grosseira podemos
fazer duas considerações marcantes: a primeira seria o território conhecido como área de
delimitação do poder de quem governa, uma espécie de traçado elaborado e a segunda quando
se pensa na presença do território a partir de uma visão que reconhece a possibilidade de se
terem outros aspectos que podem definí-lo, tais como aspectos simbólicos, pretendendo
ultrapassar visões simplistas e reducionistas.

A compreensão que se tem ou que se tenta alcançar sobre território busca ir além do
estrito reconhecimento do poderio do Estado-Nação ou como dominação de áreas, antes muito
presente em obras de caráter geográfico, e começa a perceber que o que se pensa em torno das
relações de poder também modifica o entendimento que se tem sobre território. Esse fato ocorre
com maior relevância por volta do final da década de 1960, quando se passa a ver o território
como produto das relações sociais realizadas entre os homens. A dimensão territorial passa a
ganhar centralidade na ciência geográfica.

Vez que se acreditava na fixidez do território, os processos de mundialização e


globalização levaram alguns pesquisadores a falar sobre sua dissolução, apresentando um
movimento que encarava as redes como substituintes do território. Em combate a essas e outras
formulações, autores brasileiros como Milton Santos, Haesbaert e Saquet apresentam estudos
que demonstram suas visões sobre o território, oferecendo contribuições bastante valiosas para a
ciência.

Dentre os inúmeros estudos de Milton Santos destacamos “O retorno do território”, no qual


ele propõe o espaço geográfico como sinônimo de território usado, destacando a necessidade de
diferençarmos o que ele chama de território de todos (território normado), do território das
empresas (território como recurso). Para ele, o território pode ser formado por lugares contíguos e
lugares em rede, entretanto a ideia de espaço banal deve ser resgatada em oposição à noção de
rede.

O território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em rede: São,
todavia, os mesmos lugares que formam redes e que formam o espaço banal. São os
mesmos lugares, os mesmos pontos, mas contendo simultaneamente funcionalidades
diferentes, quiçá divergentes ou opostas (SANTOS, 2005, p. 256).

Milton Santos ainda nos leva a pensar sobre a reterritorialização, quando destaca a
valorização do lugar como espaço vivido, espaço local, contrapondo um espaço global, habitado
por um processo racionalizador. Nesse contexto, com uma visão voltada não somente à
desmistificação do fim dos territórios, abrindo a possibilidade de indicar territórios no movimento
ou pelo movimento, mas também a favor da compreensão de que o grande dilema deste milênio
seja a multiterritorialização, Haesbaert afirma que os territórios são reconstruídos constantemente.
“Territorializar-se significa também, hoje, construir e/ou controlar fluxos/redes e criar referenciais
simbólicos num espaço em movimento, no e pelo movimento” (HAESBAERT, 2006, p. 280).

Saquet (2010) nos leva ao raciocínio do território como produto das relações sociedade-
natureza, bem como um espaço de organização e luta, de vivência da cidadania e do caráter
participativo da gestão do diferente e do desigual. Acredita que a desterritorialização e a
reterritorialização são contraditórias, mas se complementam, são inseparáveis e movidas pela
relação economia-política-cultura. Com referência a uma produção anterior, publicada em 2003,
Saquet afirma:
Cada território, independentemente de sua extensão/tamanho/escala, deve ser estudado na
tentativa de apreensão de suas singularidades, de seus tempos e territórios e de suas
articulações externas, a partir da dinâmica no nível da unidade produtiva e de vida em que
se dão as territorialidades e as temporalidades, a cristalização das relações do homem com
suas naturezas interior e exterior e com o seu outro. Somente o estudo do movimento e das
contradições, no tempo e no espaço, permite-nos conhecer a especificidade de cada lugar,
espaço, território (SAQUET, 2010, p. 131).

O autor esforça-se em nos mostrar que cada sociedade produz seus territórios e
territorialidades, com suas atividades cotidianas, crenças, valores, ritos, normas, regras. Trabalha
para contribuir na tentativa de superar visões simplistas que apresentam concepções do território
sem sujeitos, demonstrando a necessidade de se apreender a complexidade e a unidade do
mundo da vida. Faz um destaque extremamente importante ao afirmar que precisamos conhecer
melhor as abordagens e concepções, e a ligação de tal reflexão no nível de pensamento do
cotidiano, elaborando procedimentos, entre outros pontos, para a concretização de projetos de
desenvolvimento territorial que considerem os novos elementos societários e novos arranjos
territoriais.

Concordamos com a visão apresentada de território que tem seus “limites” traçados não só
por uma questão areal, do poderio do Estado, mas também ligado à questão afetiva, cultural,
simbólica, em que os atores que vivem e vivenciam determinados territórios revelam seus
aspectos identitários. Por desenvolverem diferentes racionalidades, os atores que possuem
objetos de disputa configurados em uma determinada localidade, têm como objetivo principal a
conquista territorial, vez que na condição do conflito, o ator que determina suas práticas espaciais
é o detentor do controle sobre o território. Tal aspecto será abordado no item a seguir, que
relacionará o território aos conflitos socioambientais.

3 Território e conflitos socioambientais

A identidade é um fator bastante relevante quando se fala em território. A continuidade


histórico-cultural e simbólica, formada por mitos, ritos, religião, línguas, também, pela natureza
(que atua como patrimônio), revela a composição territorial que se forma a partir de tais relações,
demonstrando como a identidade é um importante componente político organizacional da
constituição territorial. A identidade pode ser reconfigurada, reelaborada e reconstruída,
possibilitando perceber que a promoção de políticas públicas que afetam os sujeitos, os leva a
novos processos de lutas e defesa por seus direitos territoriais.

Em trabalho anterior (CARVALHO, 2009) já demonstramos que as políticas de


desenvolvimento que trabalham com as questões territoriais devem entender que as linhas
espaciais ideais traçadas para demarcar fronteiras no uso e ocupação do solo, têm que respeitar
todas as diferenças existentes nos modos de viver dos sujeitos sociais. Isto é, se não forem
discutidos a partir de uma perspectiva plural dos sujeitos sociais envolvidos no processo, esses
traçados podem ser “o barril de pólvora” para intensificar os conflitos entre grupos que possuem
modus vivendi e modus operandi diferenciados dos agentes sociais dominantes.

Segundo Saquet:

Os planos e políticas de desenvolvimento devem partir de uma geografia que reconheça as


relações, ou seja, de uma geografia da territorialidade, em especial, daquela urbana, como
nó e centro da organização espacial. Esta pode ser uma geografia das possibilidades de
desenvolvimento, sendo que as redes de sujeitos (individuais e coletivos), são um
instrumento conceitual e operativo para governar a territrorialidade.
E governar significa interação com os indivíduos; a elaboração de políticas de rede, a
territorialidade ativa, conflituosa e de mudanças sociais [...] (SAQUET, 2010, p. 115).

Em uma configuração de redes locais efetuadas por relações intersubjetivas, os sujeitos


conseguem ter e manter conexões que ligam o local e o global e demonstram que as redes não
substituem os territórios e nem os enfraquece, mas sim se inserem neles. Através das conexões
distintos lugares podem ser comunicar, o que pode favorecer a organização de resistências
comunitárias, no caso dos conflitos socioambientais.

Apesar das inúmeras definições e conceitualizações em torno dos conflitos


socioambientais, percebemos que ele é o processo de disputa por variados atores sociais que
possuem racionalidades diferentes e que todas as relações giram em torno da apropriação do
território (tudo acontece no território – símbolos, existências de recursos, funcionamento de
atividades), havendo a necessidade de uma compatibilidade nas formas de geri-lo.

Tem existido uma incorporação dos conflitos socioambientais na promoção de políticas


públicas, entretanto, parece que se desconsideram as gestões que saem do plano governamental,
a exemplo das formas efetuadas por comunidades, uma espécie de auto-gestão. A introdução de
determinadas racionalidades, de maneiras “forçadas”, acabam por destruir territórios e os criar
novamente, provocando reações que condicionam novas práticas socioespaciais revelando a
necessidade de se atualizar ou renovar, também, as formas de se planejar e gerir o território e o
ambiente ou o território-ambiente. Nesse sentido Theodoro et al. (2005, p. 61), afirmam que “o
desafio maior para se alcançar uma gestão eficiente, em que todos os atores e o meio ambiente
sejam contemplados, pelo menos em parte, é a implementação de um modelo de racionalidade,
sustentado na observação dos direitos humanos e naturais difusos”.

O caso em estudo, apresentado no parágrafo a seguir, demonstra os conflitos


socioambientais ocorrentes entre um grande projeto em via de instalação (UTE Porto do Itaqui) e
comunidades afetadas diretamente, uma já deslocada (Vila Madureira) e outra vizinha ao
empreendimento (Camboa dos Frades). Acreditando que a compreensão e indicativos de
resolução dos conflitos não se resolvam por meio de procedimentos “binários” (ruim x bom), o
presente estudo, procura fazer um grande esforço, pretendendo ultrapassar “diagnósticos”
simplistas, trabalhando na tentativa de ampla compreensão do processo.

4 Metamorfoses do território: entendendo o caso

Becker (2009) situa a fase inicial do planejamento regional datado de 1930 a 1966, mas
afirma que o planejamento só é efetivado entre 1966 e 1985. No primeiro período se dá a “Marcha
para Oeste”, a criação da Fundação Brasil Central, a inserção de um Programa de
Desenvolvimento para a Amazônia, a delimitação oficial da região, a criação da Superintendência
de Valorização Econômica da Amazônia, a implantação das rodovias Belém-Brasília e Brasília-
Acre.

No segundo período, as lentes que revelavam um olhar sobre um país de grande potencial
econômico, ainda assim com atrasos e déficits em seu processo de desenvolvimento, tornou-se
evidente na época do regime ditatorial, que via na intensa atuação do Poder Público (Estado)
formas para suprir tais deficiências através da dinamização da industrialização. O Governo
Federal passa a articular maciçamente a instalação de infraestrutura básica (construção de
grandes estradas, portos, aeroportos, ferrovias, usinas hidrelétricas) que somadas a outras
medidas desenvolvimentistas intencionavam promover a dinamização econômica, objetivando
proporcionar a modernização brasileira.

A inserção da industrialização passou a ser dada como uma forma de se chegar ao


desenvolvimento, à modernidade. Tal como afirma Sant’Ana Júnior (1992, p. 50) “é no
crescimento e diversificação da indústria que estão depositadas as esperanças de maior
progresso”. Assim, a instalação de grandes projetos de desenvolvimento destinados à exploração
mineral, florestal, agrícola e pecuária, seria a forma de promover uma integração nacional e até
internacional.

O Estado toma para si a iniciativa de um novo e ordenado ciclo de devassamento


amazônico. O Programa de Integração Nacional (PIN) traça estratégias com abertura de mais
estradas (construção da rodovia Transamazônica) e com a implantação de projetos de
colonização agropecuária. Os PND I e II (Plano Nacional de Desenvolvimento), bem como os PDA
I, II e III (Plano de Desenvolvimento da Amazônia) reforçaram a implantação de polos de
crescimento na Amazônia.

Foram implantados, até 1985, a Zona Franca de Manaus, o Programa Grande Carajás, a
usina hidrelétrica de Tucuruí, construção redes de circulação rodoviária, de telecomunicações,
oferta de incentivos fiscais e créditos a baixos juros, indução de fluxos migratórios voltados ao
povoamento e formação de mercado de trabalho. Becker (2009) vê a Calha Norte como o último
grande projeto enquadrado no método desenvolvimentista amazônico, tendo o choque do petróleo
e a escalada da dívida externa como os fatos que conduzem ao esgotamento do modelo.

Em São Luís (em meados dos anos 1970), foi elaborado e aprovado o Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado que tinha como principal objetivo orientar o crescimento físico
decorrente da implantação de grandes plantas industriais e redes de infraestrutura. Vários tipos de
incentivos foram dados para a implantação de grandes empreendimentos, fazendo com que a
cidade fosse atingida diretamente por essas trajetórias que tinham o intuito de promover o
“desenvolvimento”.

Desde o final da década de 70, a capital maranhense assumiu uma nova vocação
econômica a partir da implantação de grandes projetos envolvendo a exploração mineral,
que se expressaram na construção da EFC (Estrada de Ferro Carajás) e no terminal da
CVRD em São Luís. Ao longo da década de 80 do século XX foram efetivadas também
propostas de constituição de polos de produção siderúrgica e de ferro ligada ao longo do
corredor dessa estrada, em adição à implantação da fábrica ALUMAR e ao projeto Usimar.
Estas propostas foram reforçadas com um protocolo assinado na década de 90 pelo
Governo do Estado para a instalação de outra usina siderúrgica (DUFERCO). Porém, a
especialização desta “vocação econômico-industrial” esteve voltada, prioritariamente, para
o mercado externo (SÃO LUÍS, 2006, p. 34).

Já demonstramos em outros trabalhos (Carvalho, 2008) que houve expropriação de uma


grande massa populacional que habitava o oeste da Ilha para implementação do Consórcio
Alumar, além de condicionar a vinda de um grande contingente de pessoas na busca de
oportunidades voltadas à melhoria de suas vidas. Tal fato causou um considerável aumento do
número de palafitas que deram origem a grandes ocupações próximas ao centro urbano, surgindo
bairros desordenados sem infraestrutura, saneamento e planejamento urbano.

As décadas de 70 e 80 do século XX demonstraram a presença de um fluxo populacional


contínuo e ascendente, desde a década de 60, que coincidiu com o avanço espacial da
urbanização de São Luís. Além disso, constituíram indicadores seguros das tendências de
um movimento populacional mais recente, principalmente se forem analisados em conjunto
com o crescimento industrial estabelecido na década de 80 e os atrativos que foram
criados com a implantação de grandes projetos minero-industriais na capital maranhense
(SÃO LUÍS, 2006, p. 30).

Desde então, o Maranhão (como um todo) e São Luís (como específico do estudo) vêm
sendo focos de interesse de empreendimentos que denominamos de “grandes projetos
desenvolvimentistas”, considerando, sobretudo, a quantidade maciça de recursos destinados aos
mesmos, os discursos que são efetuados em seus processos de implantação e o apoio do poder
público através de parcerias, de caráter totalmente ou parcialmente público.

Essa trajetória parece seguir uma espécie de retomada do planejamento territorial da


União, voltado ao fortalecimento do vetor termoindustrial, reunindo variados atores interessados
na mobilização de recursos naturais e de negócios, dentre eles, empresários, bancos, segmentos
dos governos estadual e federal. Os Programas Brasil em Ação (1996-1999), Avança Brasil (2000-
2003) e posteriormente os Programas de Aceleração do Crescimento (PAC I e II) pautados nos
Eixos Nacionais de Integração, favorecem que forças exógenas novamente ganhem espaço na
região amazônica, interessadas na exploração de recursos para exportação, o que acaba
conflitando diretamente com a fronteira socioambiental.

É nesse sentido que, no Maranhão, a instalação de grandes projetos continua a ser


viabilizada, sendo implantadas grandes áreas voltadas ao cultivo de soja no sul do Maranhão
(primeiros indicadores remontam de 1978, mas ganha expressão a partir de 1985); a Base de
Alcântara (1989); Ferro Gusa, sobretudo a Fergumar, em Açailândia (1995) e o consequente
plantio de eucalipto para utilizar nos altos fornos siderúrgicos (já vinha sendo plantado desde
1988); Hidrelétrica de Estreito (obras iniciadas em 2007); Refinaria da Petrobrás em Bacabeira
(obras iniciadas em 2010); UTE Porto do Itaqui (obras iniciadas em 2010) – foco do estudo.

A UTE Porto do Itaqui foi lançada em 2007 e é um dos projetos do PAC caracterizado de
grande importância para o governo. Para que a UTE fosse implantada em São Luís, duas
comunidades já foram diretamente afetadas, Vila Madureira e Camboa dos Frades. Como
trabalhado em estudos anteriores (realizados pelo GEDMMA), o Plano Diretor da cidade recebeu
uma alteração que possibilitou a conversão de 1.064 hectares de Zona Rural II para Zona
Industrial (Lei Municipal nº 4.548, de 09 de dezembro de 2005), o que passa a possibilitar a
utilização da área para implantações industriais.

A Vila Madureira, já que a partir de então passou a ser industrial e por não possuir o título
de propriedade da terra, teve que se deslocar para ceder lugar à implantação da termoelétrica.
Antes localizada às margens da BR-135 na área Itaqui-Bacanga, foi remanejada para o Paço do
Lumiar em abril de 2009 (de forma bastante tensa), para um local denominado de Vila Residencial
Nova Canaã, habitando casas construídas pela empresa. Foi construído também, pela empresa,
um polo agrícola (Polo Agrícola Nova Canaã), já que a comunidade necessita realizar os plantios
feitos tradicionalmente (base de seu sustento).

Segundo Pereira, que realizou uma bateria de entrevistas na Vila Madureira para a
realização do seu trabalho, a comunidade não se vê satisfeita com os deslocamentos:

Os relatos demonstram certa insatisfação quanto ao período atual por parte dos
entrevistados se comparado à fase preparatória do deslocamento, talvez em função da
disposição e habilidade da empresa em proferir as promessas. A distância do residencial
Nova Canaã do centro de São Luís (30 km) e do antigo local de moradia (40 km) e a
confirmação da empresa de que os moradores tiveram a possibilidade de escolha do local a
serem reassentados aparece como alguns aspectos dessa insatisfação. Alguns
entrevistados afirmam que não tiveram escolha sobre seus destinos após saírem de Vila
Madureira (PEREIRA, 2010, p. 51).
A comunidade Camboa dos Frades não foi deslocada, pelo menos até o momento, já que
vive constantemente sob tal ameaça. Entretanto, além de passar por problemas resultantes da
ação das empresas já instaladas, também sofreu/sofre com a instalação da UTE, que logo de
início foi responsável por impedir um direito garantido constitucionalmente, o direito de ir e vir. Tal
fato ocorreu quando a única via de acesso, que possibilitava o deslocamento dos residentes, foi
interrompida pelas obras do projeto. Graças a um Termo de Ajuste Conduta (TAC) solicitado pelo
Ministério Público, a empresa foi obrigada a construir outra via para que a comunidade não ficasse
isolada. Para nós, o isolamento inicial da comunidade foi algo estratégico para que a população se
sentisse obrigada a sair de suas terras, tendo em vista a impossibilidade de seu deslocamento e
de todas as dificuldades que passariam para sobreviver naquele local. Considerando, sobretudo, a
proximidade da área do Porto do Itaqui, não é difícil, que se encontrem mais estratégias que a tire
do seu território, mesmo ressaltando seu caráter em ser habitado ancestralmente.

Ribeiro afirma que:

A empresa usa, no seu discurso de Responsabilidade Social, a promessa de oferecer


empregos a comunidade como forma de “compensar” os danos causados pela sua
presença, o que até na data atual não foi cumprido, pois, segundo a empresa a comunidade
precisa passar por cursos de capacitação para se enquadrar nas normas que a mesma
busca o que é quase impossível devido ao grau de escolaridade da comunidade e sendo
que esse é um problema onde a empresa não se sente na obrigação de fazer por ser esse
um problema social. Sendo que a comunidade sempre conseguiu sobreviver com os
recursos oriundos do lugar e que antes da implantação do empreendimento não era um
problema aos mesmos e que hoje precisam se adequar aos padrões exigidos pela
empresa, pois, tem seu próprio modo de viver, que é próprio da zona rural e não precisa se
adequar a esses referidos padrões estabelecidos pelo capital (RIBEIRO, 2010, p. 9).

As duas comunidades diretamente afetadas pela UTE em questão apresentam aspectos


bastante similares, sobretudo pela falta de escolaridade dos moradores, o que dificulta uma
possível readaptação a outros ambientes; as formas de viver através da agricultura, da criação de
pequenos animais, da pesca artesanal, impossibilitando que a vida se desenvolva em locais onde
não se têm áreas para as atividades; de habitarem seus territórios há bastante tempo,
desenvolvendo seus modos de vida, sua religiosidade, sua cultura, demonstrando que uma
realocação pode causar o rompimento de tudo isso e que, apesar da possibilidade de re-
territorialização, muito do que se tem e se desenvolve pode ser perdido nesse processo.

5 Considerações finais

Assim como já se apresentou, acreditamos que o principal fator de disputa no âmbito dos
conflitos socioambientais são os territórios, considerando, sobretudo, as racionalidades
divergentes que se têm em torno deles. Também pensamos que não há possibilidades de um
sujeito sem território e que mesmo aqueles que são desterritorializados, fazem-se
reterritorializados posteriormente e consequentemente, ou até mesmo multiterritorializados.
Entretanto é importante considerar que esse processo de des-re-territorialização pode causar
modificações profundas nos modos de vida das comunidades.

Os territórios podem assumir diversos usos, aspectos, atribuições, funções,


funcionalidades e enquadrar-se em inúmeros contextos. Entretanto os estudos sobre os mesmo
devem ultrapassar a visão que se tem de fixidez, baseados em traçados e passar a (re)conhecer a
existência dos territórios produzidos por atores que lhes determinam suas atribuições. A
percepção deve considerar os aspectos simbólicos que ligam os sujeitos a seus territórios e que
lhes fazem afirmar a sua posse sobre os mesmos.

A metamorfose do território pode e tem sido relacionado à sua função no cerne dos
conflitos socioambientais. Geralmente em uma disputa binária, mas não simplista (como já dito),
os conflitos ocorrem entre comunidades e grandes empresas (apoiadas por muitas vezes pelo
poder público), apresentando divergências marcantes em relação aos usos que se atribuem aos
territórios.

Mesmo que por obrigação as empresas tenham responsabilidades ambientais e sociais


para que se permita sua atuação, desde a implantação, passando pelo seu funcionamento e indo
até sua fase de desativação, os estudos têm revelado que os empreendedores têm buscado nada
mais do que estratégias para “ultrapassar as barreiras” impostas pelas comunidades, que têm
seus discursos configuradas fortemente pela defesa ambiental.

Os conflitos (re)surgem constantemente, desde as primeiras implantações dos grandes


projetos em São Luís, por tais comunidades da zona rural habitarem áreas que são conhecidas
por sua “vocação” econômica, dados fatores como sua localização geográfica e sua infraestrutura
logística. Nesse contexto é importante que se façam reconhecer não só os aspectos econômicos,
mas também os relacionados ao ambiente e à cultura para que não se cometam injustiças
ambientais e sociais.
Referências

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