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Faw 4 Capitulo 4 a A cetanca same conhecendo a Arte ‘Vimos, no capitulo anterior, que a crianca participa de sua cultura assimilar os conceitos sociais e cultu- rais. Agora vamos falar do proceso de formagio do conhecimento da arte pela crianga e das maneiras de desenvolvé-lo nas aulas de arte. 1. A expressividade infantil Compreender o processo de conhecimento da arte pela erianga sig- nifica mergulhar em seu mundo expressivo, por isso é preciso procurar saber por que e como ela o faz. ‘A ctianga se exprime naturalmente, tanto do ponto de vista verbal, como plistico ou corporal, e sempre motivada pelo desejo da descoberta © por suas fantasias. Ao acompanhar o desenvolvimento expressivo da crianga percebe-se que ele resulta das elaboragdes de sensagées, senti- mentos e percepgées vivenciadas intensamente. Por isso, quando ela desenha, pinta, danga e canta, 0 faz com vivacidade © muita emosio. Considerar a expressividade da crianga por este Angulo significa entendé- a como um processo de articulagiio interna e de inter-relacao com os outros € a ambiéncia, Com efeito, é sempre em continuo contato com as pes- soas e as coisas que a crianga aprimora seus pensamentos, suas desco- bertas ¢ seu fazer em arte.' Nao se trata, ento, de um processo isolado, mas de ages em reciprocidade, quando a crianga internaliza os conhe- cimentos, vinculando-os &s suas experiéncias de vida pessoal e cultural A expresso infantil é, pois, a mobilizagio para o exterior de ma- nifestagdes interiorizadas e que formam um repertério constituido de elementos cognitivos ¢ afetivos. Assim, desde bem pequenas as criangas vao desenvolvendo uma linguagem propria, traduzida em signos e sim- bolos carregados de significacto subjetiva e social, como, por exemplo, 0s rabiscos das pequeninas que sio extensdes de seus gestos primordiais. Esta dimenstio particularfssima da linguagem da crianga € que a faz reconhecida e respeitada. Esta constatagio vai levar a duas atitudes: em primeiro lugar, & compreensio do ato expressive como um ato eriador; em segundo lugar, a0 resultado desse ato expressivo, “a obra criada”, apresentando-se com uma possibilidade de valor estético? A crianga em atividade fabuladora ou expressiva participa ativa- mente do proceso de criagio. Durante a construgao ela se coloca uma sucesstio de imagens, signos, fantasias, que as vezes so mais considera- dos por ela no momento em que aparecem do que no resultado do tra- balho. Estes fatos so muito importantes para 0 conhecimento da produ- go da crianga ¢ evidenciam o desenvolvimento e expressiio de seu eu € do seu mundo. Para a crianga, essa linguagem ou comunicagio que cla exercita com parceiros visfveis ou invisiveis, reais ou fantasiosos, acontece junto com seu desenvolvimento afetivo, perceptivo e intelectual ¢ resulta do exercicio de conhecimento da realidade, “Em seu trabalho, a crianga constréi nogdes a partir das vinculagdes que estabelece com o que foi percebido nas suas experiéncias sensoriais e motrizes”.’ Esta acumulagio de impressdes sobre o que a rodeia é que vai constituir-se como base sobre a qual se organizam suas habilidades perceptivas e expressivas. © maior compromisso do professor 6, portanto, adequar o seu tra- balho para o desenvolvimento das expressdes ¢ percepgdes infantis, que assim vo configurar-se em grandes problematizagdes do curso de Arte. Através deste trabalho com o aprimoramento das potencialidades perceptivas das criangas, pode-se enriquecer suas experiéncias de conhe- cimento artistico ¢ estético. E isto se dé quando elas so orientadas para observar, ver, ouvir, tocar, enfim perceber as coisas, a natureza ¢ 0s objetos 2 sua volta, Sentir, perceber, fantasiar, imaginar, representar, fazem parte do universo infantil ¢ acompanham o ser humano por toda a vida, Conse- 2 Ver Cardoso, C., AvteInfamil. Lingnagem Plisica, ‘Nova Compreensto-da Arte t Meridiano, 1972, p. 7% ve, , Lisboa, Livros Horizonte, s. 6, A. D., Fazenda Artes na AYabetzagdo, Pony Alegre, Kustup, 1988, p. 16 glientemente, ao compreender e encaminhar os cursos de Arte para 0 desenvolvimento dos processos de percepgio e imaginago da crianga estaremos ajudando na melhoria de sua expressdo ¢ participagio na ambiéncia cultural em que vive.t 2, Percepgio, imaginacio e fantasia nas aulas de Arte 2.1. A importincia da percepgio As aulas de Arte constituem-se em um dos espacos onde as crian- gas podem exercilar suas potencialidades perceptivas, imaginati fantasiosas. Por isso so vérios os autores que reforgam a neces criarem-se nos cursos condicGes para que essas potencialidades possain aflorar € desenvolver-se No que se refere aos aspectos perceptivos da crianga, as obras de Vygotsky (1987) e Morozova (1982) trazem grandes contribuigdes para © aprofundamento dessas idéias. Vygotsky fala na precocidade da “per- cepeiio de objetos reais”, com suas formas ¢ significados; segundo ele a crianga rapidamente percebe que o mundo das formas tem sentidos di- versos 0s quais ela aprende a utilizar. Morozova, em seu livro Expresso Pléstica (1982), mostra que a percepgao cognitiva tem uma grande im- portincia, tanto para a criagZo como para qualquer atividade infantil. Em ambos os casos, durante as criagdes ou fazendo atividades de seu dia-a- dia, as criangas vao aprendendo a perceber os atributos constitutivos dos objetos ou fendmenos & sua volta, Elas aprendem a nomear esses objetos ou fendmenos, sua utilidade, seus aspectos formais (tais como linha, volume, cor, tamanho, texturas etc.) ou qualidades estéticas, bem como a conhecer suas principais fungdes. Mas, para que isto ocorra, é neces- sfria a colaboragdo do outro, do professor, dos pais etc. Sozinha, ela nem sempre consegue atingir as diferenciagdes; muitas vezes sua aten- Go € dirigida as caracterfsticas ndo-essenciais e sim &s mais destacadas dos objetos ou imagens, como, por exemplo, as mais brilhantes, mais, coloridas, mais estranhas... Compete ao professor ajudar a crianga a Herbert A Educacdo pela Arte, perceber também outras qualidades formais € a ver 0 conjunto dos ele- mentos que compéem o objeto, a imagem, o som e a cena, Como diz Vygotsky (1987, p. 76): “a erianga se conscientiza das diferengas mais cedo do que das semelhangas, nio porque as diferengas levam a um mau funcionamento, mas porque a percepgio da semelhanca exige uma estrutura de generalizacdo e de conceitualizagao mais avanga- da do que a consciéneia da dessemelhanga”. Por isso, nas atividades de expresstio plistica, musical e cénica sio tao importantes as experiéncias perceptivas de visualidade, sonoridade e tato. Essas experiéncias abordadas isoladamente ou em conjunto vao auxiliar a crianga a perceber as diferenciagdes e fa compreensio da realidade ¢ sua representagdio. No campo da visualidade 0 essencial é o desenvolvimento da visio, que faz conhecer as principais qualidades das coisas ¢ a disctiminé-las, Mas nem sempre 0 que se vé tem correspondéncia exata com o real Como se sabe, a percepgio de tamanho e forma altera-se com a distan- cia que nos separa do objeto, bem como com a posigao que este ocupa o espago. O mesmo acontece com a cor, que dependeré da iluminagio ou da proximidade com as outras cores. Daf, a0 oferecer-se as criangas nuitas experiéneias com a visio (¢ ndo apenas com o olhar), pode-se ‘ajudé-las a compreender melhor o mundo da visualidade. Este € também © pensamento de Frederick Frank e Violet Oaklander, que reproduz em seu livro um texto desse autor: (-) nds olhamos muito; olhamos através de lentes, telescépios, tubos de televisio... O nosso olhar tora-se aperfeigoado dia a dia — ‘mas n6s vemos cada vez menos. Nunca foi tio urgente falar sobre ver. Cada vez mais os aparelhos e objetos, de cmaras a computadores, de livros de arte a video-teipes, conspiram para assumir 0 controle do Rosso pensar, do nosso sentir, do nosso experienciar, do nosso ver. Nés simptesment 108, somos espectadores... Somos Rapidamente colocamos rétulos em tudo que ex: los que so grudados uma vez, para sempre. Através destes 16- tulos reconhecemos tudo, mas nfio vemos mais nada. Conhecemos os rétulos em todas as garrafas, mas nfo provamos nunca o vinho. Mi- Ihdes de pessoas, sem o prazer de ver, zunem pela vida em seu semi- Sono, batendo, chutando e matando o que mal conseguiram perceber. Eles jamais aprenderam a ver,"ow esqueceram que 0 homem tem olhos ara ver, para expetienciar (Oaklander, 1980, p. 135); Por estas razdes entende-se 0 quanto é importante hoje preparar-se as criangas para desenvolverem suas percepgdes pessoais, principalmente se pretendemos ampliar as suas leituras do mundo. Ainda sobre a visualidade com as criangas de Escolas de Educagio Infantil e Ensino Fundamental, 0 que se trabalhe a observagio © zzando os aspectos fisico ‘0s € 0 contato mais pro- fundo com as formas; é uma observagao que procura envolver todos 0s Angulos visuais possfveis, investigando os objetos e fendmenos tanto com a visdo como também com os demais sentidos. Um bom exemplo é quando se recorre ao tato para ajudar a visio, tocando-se 08 objetos que esto sendo observados. O tato ajudaré a perceber 0 que & complexo para a visio, ou seja, © volume, a conformag2o do objeto. Nos casos em que nao se possa omar 0 objeto nas mios deve-se incluir 0 sentido muscular, propondo as criangas que, com as mios, formem no ar a sithucta do objeto. Semelhantes percepgoes da forma ajudario, posteriormente, a sua api sentago (tomar presente), pois a meméria conserva esse movimento © ajuda a mio a reproduzi-la (Morozova, 1982, pp. 114-125). A medida que uabalhamos para desenvolver a percepgio ajudamos a “ver melhor, ouvir melhor, fazer discriminag6es sutis e ver as cone- xGes entre as coisas” (Gardner em entrevista & Brandt, 1988, p. 32). Isto nos leva a uma proposigao para o ensino-aprendizagem de arte funda- mentada na educagio da percepgio e do seu efeito sobre a constituigio do pensamento artistico ¢ estético. Para a crianga, como para qualquer ser humano, a percepgio se faz de forma seletiva. Como j& foi dito, a crianga se atém a determinadas jcas dos objetos e, se quisermos ampliar esse conhecime precisamos ordenar as nossas atividades. Sofia Morozova apresenta algumas etapas do que ela chama “pro- cesso de investigagio”, que variam de acordo com a idade e a atividade artfstica. Em prinef \-se com a percepgdo do objeto em seu con- junto, que pode ser explicado em comparacdo com outros objetos, com © educador indicando as caracteristicas gerais. Depois, encaminha anilise das partes, bem como das correlagdes de tamanho, movimento, cor efc. Mas esse processo de investigagio s6 se conclui com uma nova anilise do objeto como um todo, A autora sugere, ainda, uma atengzo ie deve demonstrar ‘com relagfo aos fatos ou coisas observadas. Propde uma atuagao conjun- ta com as criangas, quase como um jogo, onde o professor pode fazer 0 papel de quem vé, ouve e sente, pela primeira vez, 0 que est sendo mostrado, s sentimentos estéticos devem merecer um destaque especial, como condigéo necesséria do ato de investigagio: (..) freqientemente 0 educador acredita que s6 a primeira observa- «da com mais interesse, com mais emogio, ¢ pensa que durante a repeti¢ao das observages 0s ob- Jetivos cognitives sto os mais coneretos, Isto & incorreto, uma vez que © desenvolvimento dos sentimentos estéticos também exige que sejam exercitados, porque, do contrétio, esses sentimentos nio poderio ser verdadeiros, profundos, e isso se refletiré na realizagio das atividades de expresstio plastica (Morozova, 1982, p. 122). Este trabalho com a crianga e o jovem é importante porque a per- cepeiio do mundo circundante esté intimamente ligada com a sua poste- rior representagdo. As representagdes mentais, advindas desse mundo perceptivo, reorganizam-se, recombinam-se em outras formas através do processo criador que é sobretudo imaginativo. 2.2. Combinando imaginaggo ¢ fantasia Antes de explicarmos 0 processo imagi considerar alguns pontos, vo das criangas vamos Em primeiro lugar, entender que a atividade imaginativa é uma atividade criadora por exceléncia pois resulta da reformulago de expe- riéncias vivenciadas ¢ da combinagao de elementos do mundo real, A i , de novas imagens, idéias e conceitos, lade. Vygotsky (1990, p. 17), falando da imaginagdo, chama a atengao para a sua infinita possi jar novos graus de combi- nagées, mesclando primeiramente elementos reais (...) combinando de- pois imagens da fanta pro- cesso Além disso, quanto maior a variedade de experiénci: des existem para a atividade criadora e imaginativa. que vinculam a fantasia 3 re O segundo aspecto € reconhecer que @ produgio imaginativa tem relago com a realidade mas é também constitufda de novas elabora- ‘gOes, entre as quais as afetivas e as sociais, o que a toma singular. Por exemplo, quando a crianca brinca de faz-de-conta, ela pode estar apre~ sentando situages imagindrias de preparagto para 0 mundo social cultural. Ela pode operar com objetos reais, em situagdes também reais (um pedago de pau que ela faz deslizar na 4gua da banheira), mas carregados de significados distintos dos usuais (o pedago de pau pode ser um barco, um peixe e alé representar uma pessoa ou algo criado por sta imaginagio). Com relagdo as disposigées afetivas, existe uma reciprocidade de agilo entre a imaginagao e os sentimentos: estes afetam a imaginagio da mesma maneira que sdo influenciados por ela! O terceiro ponto a se considerar € sobre 0 resultado do proceso imaginativo, Este pode se constituir em novos elementos ou “imagens cristalizadas convertidas em objeto, que comega a existir realmente no mundo ¢ a influir sobre os demais objetos”.® Fazem parte deste novo enfoque as descobertas técnicas, cientificas e a obra de arte. Por tudo te estudioso da arte infantil que nfo veja a necessidade de abordarem-se os aspectos imaginativos dentro dos proce- dimentos pedagégicos. No entanto, poucos so aqueles que propdem um. trabalho continuo, planejado, ¢ que vise a um maior dominio da realida- de, como é apresentado por Vygotsky, Gianni Rodari ¢ Gaston Bachelard, A Imaginaggo da Crianga “A crianga comega a vi imagens extremamente vivid io do Robo, 1986, p. 26). mente repleta de (H. Read, A Reden- ‘A imaginagio criadora em si j4 se mostra bastante complexa, inda se considerarmos as diferengas de ordem bio-psiquica- da crianga e do jovem. E evidente que ela vai se dar de modo particular a cada. fase do desenvolvimento da crianga e de suas expe- rigncias acumuladas. aiciones Akal, 1990, 6. Vygotsky, L. 8, op cit, p. 24 Estudos psicolégicos © pedagégicos mostram que nos p amos a crianga nao consegue fazer uma distingdo clara “entre suas percepgbes do mundo extemo € suas imagens acessorias, e que a ima- gem-meméria separa-se apenas gradualmente dessas vividas imagens eidéticas”,” O res produgées fantasiosas, que chegam até a confundi-los. Po: crianga vai construindo novas relagGes e adquirindo maior dominio sobre seu mundo imaginative, Um outro fato a ser considerado é que infancia © proceso fantasioso € muito evidente e se dé com mais berdade, 0 que leva algumas pessoas a consideré-lo superior a0 dos adultos. ros. ‘ado disto € que os pequeninos acreditam em suas jormente a A questo esté em verificar-se porque a crianca demonstra com mais evidéncia este processo imaginativo e deixa a sua espontaneidade expressiva justamente no momento em que se valoriza a racionalidade. A esse respeito devemos questionar os sistemas educativos e sociais que no priorizam a relagdo entre o pensamento e as atividades criadoras. Uma edueagao composta apenas de informagGes mecanicistas, sem refle- xGes © sem patticipagio afetiva e interessada da crianga s6 faz diminuir © potencial deste jovem. Com efeito, o que pode valorizar a atividade é Gao da “experigncia sensfvel” da crianga e um dominio da realidade: (..) quanto mais veja, ouga © experimente, quanto mais aprenda e elementos idade disponha em sua expei ‘a serd, como as outras cit cunstancias, a atividade de sua imaginagio (Vygotsky, 1990, p. 18). volvimen- n&io pode ser 20S, por serem fun- Para completar lembramos que todo trabalho com o des to da observagiio, percepgao e imaginagio infa desvinculado de atividades com cardter liidico, de damentais no seu proceso de amadurecimento. Com esses encaminhamentos as aulas de arte tornam-se perceptivas”, onde a riqueza das elaboragdes expressivas ¢ imaginativas das criangas interage com os encaminhamentos oferecidos pelo profes- 1a do Rob, Sto Pano. Read, foram estudadas de ws Balto, 1986, p26. As idas pelo professor Jaenich, co s ene a5 Sensagbes © aF imagens. sor. Quando © educador sabe intermediar os conhecimentos, ele € capaz de incentivar a construgao ¢ habilidades do ver, do observar, do ouvir, do sentir, do imaginar e do fazer, assim como suas representagdes, 3, Em busca da representagio artistica Discutiremos 0 conceito de representagdo através do desenhar, pin- tar, jogar e brincar. A construcdo de imagens e o desenvolvimento das etapas operacionais do pensamento artistico.das criangas, presentes em seus grafismos, jogos e brincadeiras, encaminham-nos para compreender mais aprofundadamente a linguagem da arte na vida infantil. 3.1. O desenho infantil A crianga reflete continuamente sas impressées do meio circundante. E, como vimos, sua compreenso do real faz-se por meio de uma inter- relagio dessas impressées com as coisas percebidas. Essas percepgdes podem se relacionar com uma posterior representaco, ou nao. ies gutico € Com relagao & expresso plistica, tem-se observado que a crianga no traduz em seus trabalhos apenas recordagées visuais. E nem existe, no caso das menores, uma proximidade com as formas reais ou constru- 6es espaciais mais realisticas. Os primeiros trabalhos da crianga, como conseqiiéncia ¢ extensio de um gesto que deixa marca vigorosa em uma superficie, sfio seus rabiscos (figs. 5 e 6). Mas, como diz. Wallon, existem diferentes mani- festagdes entre o gesto e seu trago. Para ele, @ origem do desenho esta no gesto, mesmo quando o trago tenha comegado de modo casual: Isso supe uma regulago suficientemente exata do gesto ou, pelo menos, uma intengo corresponden © sentimento de ser capaz dele. Sabemos que a preciso do gesto esti ligada & possibilidade, para 08 segmentas dos membros que o executam, de encontrar apoio bas- tante firme no resto do corpo. Esta aptidio esti ligada as fungdes de equilfbrio © nao é sem divida, acaso, se as primeitas garatujas da crianga pertencem 4 mesma época que seus primeiros passos.* _ Mas, por que as criangas continuam a rabiscar, e quando & que os rabiscos dio origem ao desenho? No inicio, a crianga pode estar rabiscando pelo prazer de rabiscar mas, & medida que vai dominando 0 gesto e percebendo viswalmente que entre © gesto © as marcas que faz existe uma ligagio, seus atos passam a ser mais intencionais. Faz linhas continuas ou interrompidas, curvas ue se entrecruzam, rabiscos enovelados ou simplesmente pequenas marcas que se contrastam na superficie. A partir deste momento também sucede que ela encontra nos rabiscos algo a representar. Por outro lado: G.) a0 se realizar, [0 rabisco] toma-se para a crianga um objeto entte outtos, © um objeto privilegiado, porque é 0 objeto em vias de ser eriado pela propria erianga. O rabisco individualiza-se, condensa-se em alguma coisa que se destaca sobre um fundo, O rabisco ocupa um lugar que 0 gesto da crianga pode tender a dilatar ou a concentrar ou mesmo modificar, pois acontece que a crianga se afasta de um primei- ro rabisco, para justapor-lhe um outro. Assim se realizam distribuigdes Por Fraitse P. & Piaget, 1.0 desenha, in: Tratado de Forense, 1969, v. 8, pp. 187-224 icologia Experimen diversas no espago, em que cada parte pode reagit mais ou menos sobre as outras. E como um comego de modulagao espacial, em que as combinagées de cheio © de vazio bem podem comegar por ser f tas, mas so destinadas a realizar um jogo mais ou do, que se poder reenconttar sob formas mais evoluidas do desea (Wallon, 1968, p. 196). Dessa maneira pode-se dizer que as representagdes grificas das ccriangas surgem simultaneamente as suas representagdes gestuai Vygotsky, existe uma ago evidente entre elas: Gd 08 gestos esti dominio dos rabiscos estudar o ato de desenhar, observamos que freqientement usam a dramatizagio, demonstrando por gestos 0 que elas deveriam mostrar nos desenhos; os tragos constituer somente um suplemento a ‘essa representagio gestual, Uma crianga que tem gue desenhar 0 ato de correr omega por demonstrar 0 movimento com os dedos, encaran- do os tragos ¢ pontos resultantes no papel como uma representagiio do correr (Vygotsky, 1989, p. 121 ligados 8 origem dos signos escritos, como no Da mesma forma, continua 0 autor, “no desenho de conceitos abs- tratos e complexos, as criangas comportam-se da mesma maneira: elas nfo desenham, indica, e o Idpis meramente fixa o gesto indicativo”. Coneluindo, Vygotsky estabelece a profunda relagdo entre a repre- sentagio por gestos ¢ a representago pelo desenho, que resulta na repre- sentagio simbélica e grafica. Os estudos de Wallon e Vygotsky que encaminham concepgdes interacionistas da produgao do conhecimento da arte so, portanto, fun- damentais para compreender-se como a crianga faz a consirugio deste saber e, no caso do desenho, principalmente pela énfase na representa- Gio e interagio social. Mas, além desses autores, também sio import tes para os estudos dos grafismos infantis as abordagens de Luquet, Piaget R. Amheim, V. Lowenfeld, Herbert Read, Amo Stern ¢ Rhoda Kellog, entre outro: ‘como 0s anteriores, eles também procuraram explicar © processo artistico da crianga e deixaram como contribuiglio outros posicionamentos que vém influenciando o ensino de arte: sio as teorias mais centradas na individualidade do desenvolvimento das potencialidades expressivas, perceptivas e cognitivas. cores ¢ movimento ma Para as teorias que valorizam a auto-expressiio da crianga, a arte niio pode ser ensinada, pois a express tem um cortespon- Gente com a evolugio fisica, psicoldgica, cognitiva. Os autores princi- pais desta teoria, Lowenfeld (194° sideram o professor de arte apenas como um estimulad: deve ajudar a crianga a expressar-se. O ambiente da atividade artistica ulante e desafiador. As idéias de V. Lowenfeld e Herbert Read influenciaram muito 0 ino de arte até os anos 60. Lowenfeld (1947), a partir de estudos S, apresentou uma reflexdo sobre a°atividade criadora da crianga co. Para ele existe uma evo- lugdo gréfica na crianga, jo em algumas etapas de scu ctescimento, junto ao desenvolvimento intelectual, fisico, emocional ete. ‘A garatuja, ou rabiscos, por exemplo, define-se entre as idades de 2 a 4 ‘anos, a partir dos quais a crianga j4 estara em condigdes de desenvolver um estagio pré-esquemético (mais ou menos entre 4:¢ 7 anos). O odo esquemitico, ou aquele em que os desenhos tém sentido mais l6gi co, coresponde a fase de 7 a9 anos, ¢ assim, progressivamente, a cri- anga adquire as nogées mais elaboradas © os seus desenhos vio se tor- nando mais préximos do mundo real. Fundamentados em posicionamentos humanisticos, os autores preo: cupados com a auto-expressiio consideram que a fungio da arte na esco- Ja € a de possibilitar a atividade criadora, mas enten: lida de forma am- pla. A arte, enquanto processo criador, é 0 elo que faz o ser humano figar-se & vida. E a crianga vai fazer suas produgées artisticas e desco- brir a alegria da criagio de arte quando o ambiente ou as pessoas sou- Para as teorias com base na cognigdo artistica da crianga, os seus desenhos s%o considerados resultantes da compreensiio que tém do mun- do e das expressées de seu desenvolvimento intelectual. Dai a idéia de que a crianga, como sujeito ativo, desenha o que sabe, o que ela conhece de si propria e do mundo ao sett redor, € no apenas 0 que ela vé. De ‘ordo com o pensamento cognitivista a crianga vai desenvolvendo con- ceitos & medida que vai crescendo e adquirindo novas experiéncias. Luquet (1913) ¢ Piaget (1935) chegam a explicar as diversas ordens de repre- sentagdes gréficas das criangas como etapas da formagao dos conceitos: assim, segundo Luquet, apés o estagio da garatuja, a crianga passaria pelo estagio de “incapacidade sintética” (criangas com idades entre 3-4 anos), caracterizado pelos aspectos es 1s e com intengao de repre- sentagiio, mas sem correspondéncia cont“a percepedo (figuras humanas representadas por um circulo e tragos, por exemplo); depois viria 0 ¢s- tigio do “re i quando a crianga ja € capaz de chegar & sintese grifica, desenhando tudo 0 que esta presente no objeto, tanto os de ordem visfvel como os invisfveis, ¢ até “reproduzir no desenho nao 86 08 elementos concretos invisiveis, mas mesmo os elementos abstratos que s6 tém existéncia no espitito do desenhador” Luquet, 1969, p. 160); finalmente, 0 estigio do “realismo visual” (por volta dos 8-9 anos), quando 0s desenhos mostram preocupacGes de ordem espacial (perspectiva), pro- porgées, medidas etc, Por esta relagio entre a representagio gréfica e a formacio de conceitos, a construgdo de cfrculos significaria um caminho para a abstracao, Rudolf Amheim (1980), por sua vez, também traz uma importante contribuigdo, & luz das teorias perceptuais. Para este autor, também € possivel acompanhar-se a produgo grifica infantil desde os primeiros momentos, embora as construgées sejam consideradas mais sensério- motoras do que reptesentativas. Para Amheim, a crianga apreende as estruturas globais (gestélticas) das coisas, e ela desenha o que vé, 0 que € percebido, ¢ seus primeiros desenhos n2io tém por objetivo uma repre~ sentagtio. Segundo Ambeim, nfo hé relacio fixa entre a idade e 0 estd- gio de seus desenhos, que refletem variagdes individuais em proporcao a0 erescimento artistico. Embora essas teorias se encaminhem diferentemente para explicar @ trajetria da produg&o plastica infantil, clas so importantes, tanto pelo cariter histérico das abordagens, como também pelas proposigées que levantam aspectos significativos sobre a produgo do conhecimen- to pela crianca. Ao compard-las encontramos pontos em comuns entre clas, principalmente no que se refere ao surgimento ¢ valorizagao da expressiio gréfica © comunicagio da crianga. Arnheim, assim como. Wallon e Vygotsky, concebe a presenga ou indicios de “movimento expressivo” jé nos primeiros contatos da crianga com o grafismo. Como eles esto muito atentos as tatzes da estrutura plastica, esses autores observaram a existéncia de algumas configuragées que emergem dos rabiscos © depois estio presentes nas posteriores representacdes. Eles indicam como inicio das elaboragdes infantis as formas simples (linhas com diregées, cfreulo, oval etc.) que, combinando-se, originam um vocabuldrio proprio, com referéncias e signos constantes: por exemplo, sol, boneco, casa etc. As observagées sobre a formagio de um vocabu- lario expressivo desde os primeiros anos da crianga também so encon- tradas em estudos mais recentes, como os de Rhoda Kellog (1969) € Howard Gardner (1983). - Todos os autores vistos procuram desvelar os indicios comuns nas expressées infantis. No entanto, poucos aprofundam os estudos sobre as influéncias do meio e da cultura, que afetam diferentemente as eriangas de varias idades, como Wallon o faz; tampouco se preocupam em reve~ lar por que as criangas podem ter evolugées artisticas diferentes, mesmo quando pertencentes & mesma faixa etiria, regitio ou classe social. Além disso, muitas das teorias no aceitam as experiéncias sensoriais, e, por isso, nao podem justificar as qualidades de visualidades manifestadas por algumas crianeas em seus desenhos e pinturas, nem como elas associam © ato perceptivo as suas representagées. © conjunto dessas abordagens nos mostra que a ago de desenhar na infancia retine varios elementos que podem ser sintetizados nos as- pectos motor, perceptivo e de representacdo e & mais complexa do que pensam muitas pessoas. Mais ainda, mostra que a construgao do conhe- cimento em arte pela crianga constitui-se basicamente a partir da interagdo de és determinantes fundamentais sintetizados no quadro a seguir. Determinantes Fundamentais na Construgdo Interativa de Saberes Artisticos e Estéticos pela Crianga + a ctianga € ser atuante em busca do saber artistica e estético: + a ambigncia natural ¢ cultural € instincia interferente no saber artistico © esté= tico da crianga; € + a convivéncia do grupo social mais préximo (familia, amigos, escola etc.) 6 ‘mediadora dos saberes em arte ¢ estética junto & erianga. 3.2, A crianga ¢ as imagens Para cfeito de nossos estudos vamos retomar o processo de elabo- ago grifica das criangas, para conhecer bem as suas maneiras de en- \der e construir imagens. Comegando pela exploragio do espago como elemento de io grdfica, encontramos os primeiros indicios de ui por si sé é um mentar do processo construtivo. dor lemento instigador e compl A superficie material — 0 papel —, local onde as criangas de mais tenra idade assinalam seus primeiros contatos com a expressio grifica, experiéneia que € 0 ato de sua textura, os limites de suas bordas entram em conflito com a intengdo de registrar gestos (as maiores). Wallon expe todas as interagGes espaciais c do da imagem cesso evol parte da consti , ao longo de seu pro- cer qualquer coisa; pode ser relativa aos préprios rabiscos, mas pode set ue 0 espago nio se confunde com esto os abjetos. O espaco en , 0 que € uma etapa iga. O espago enquadrado, porém, jo de uma superficie como tal; 1¢ torna completamente , € no espaco em qu objetos comegam também a exi espago para a niio faz mais que produzir a recorta 0 ambi Diss rar-se 0 do em imagens no quadro? As sto abolidas, mas devem subordinar-se a as relativas & representagio do objeto. Ci menos acessGrias, podero intervir .dro em que deve ser projeta a coincidéncia a estabelecer ent 1s objetos & de tres, Donde 0s arti ope- 0 objeto sera traduzi que j8 estavam em jogo nio jovas necessidades, que so mais ou por os dois espagos. Por menses e 0 do desenho, de duas. 1d0s para colocar o objeto em perspectiva, de profundidade. ‘Mas as duas proprias dimensdes do quadro su alta ¢ baixa, direita ¢ esquerda, so dimensées net que no espago ambiente, em que estas di 108, motrizes, afetivos, usuais ¢ sit 97-8). lores gi (Wallon, 1968, p. Wallon procura ainda verificar as relagdes entre as representagdes (que passam também a ocupar tum espago proprio) e 0 espago circundante, mosirando que as imagens organizadas exercem influéncias evidentes neles. Essas imagens construfdas pelas criangas, como jé vimos, viio se estruturando na mesma dimens&o de seu desenvolvimento fisico, intelec- ial (ig. 7). 7~ es formal. Vivenciando as primeira organi , 2 anos © 5 As primeiras — eirculo, oval thas rabiscadas, as primeiras organizag6es for idrado, linhas retas, curvas, ‘05 registros de uma representagiio do objet , como € 0 caso da figura humana. A crianga ‘com formas circulares ou ovais as quais acrescenta linhas que vio se ajustando & concepgio de pernas, bragos. Como nesta fase as criangas io se apdiam em modelos, mas desenham segundo um processo imagi- ibélico, elas ainda podem subtrair ou actescentar aos dese- hos outros elementos como bragos, cabegas etc., sem que com isso haja uma ruptura com a sua concepgao de realidade (fig. 8). E essa represen- tagiio esquemética humana é entendida como primeiro indfcio de uma concepgio mais estruturada de si prépria e dos adultos que com ela convivem. Em um estudo apresentado para um curso de pés-graduago,? Maria Laila Tarran analisou os desenhos dé uma crianga, Théo, dos 3 anos e 6 meses aos 5 anos ¢ 2 meses, que mostra o processo evolutivo da figura humana, desde os primeiros esquemas até o detalhamento de elementos corporais (fig. 9) Depois desta fase embriondria de representagao 0 desenho infan- 1 mostra-se com caracteristicas de imagem. O esquema desaparece, dando lugar a uma figuragio que tem proximidade com os objetos reais, embora seja tratada de forma plana. O cotidiano da crianga tam- ‘bém aparece claramente neste universo representativo: pessoas, animais, brinquedos, objetos, natureza, produgées culturais e sociais de sua épo- ca como te- levisio, histérias em quadrinhos, desenho, jogos, brinca- (figs. 10 ¢ 11). ial que a crianca retira elementos para os 1s. So, sobretudo, aquelas formas e objetos que ela conhece -s maneiras. Sao também formas e objetos que, por sua singularidade e vivacidade, causam-lhe prazer, alegria e admira- Ho (fig. 12). Neste periodo — diz. Vygotsky — “‘chama a atengio a Tuta entre dois prinefpios contrapostos da conduta inf e visual], uta que culmina com a plena vitéria do principio puramente visual de percepeao do mundo” (Vygotsky, 1990, p. 9. Taman, tatto apesenado no curso “Letts Compartiva Ga Pradugi Plata da, change’; ECA USP, 1986, mimeografado. @\O | She en WaT ES Bh "y a Como altima etapa ¢ mais préxima da adolescéncia, aparecem as construgées tendendo para as formas ilusérias e naturalistas, com izando métodos de representagio espacial e pers- pectiva (figs. 13 ¢ 14). E neste momento também que o jovem comega a demonstrar um desinteresse pelo desenho, e a se voltar para outras manifestagées O aparecimento da forma na representaga tral do artigo “Crescimento e criagéo”, do consideramos fantil € 0 ponto cen- ‘tico Mario Pedrosa, que ortante para o aprofundamento destas reflexdes. Trans- cteveremos parte desse artigo, que fala sobre 0 curso de Arte com cri- angas, realizado pelo artista Ivan Serpa, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, na década de 50. “Crescimento ¢ criagio” Repitamos agora 0 que escrevfamos em 1952, no catélogo da pri- meira exposicio infant organizada pelo MAM: “Esses meninos todos aqui nfo vao continuar génios ou grandes artistas amanh3, quando al- cangarem a vida adulta. Nio € para isso que est@o trabalhando. Mas a riéncia de agora serviré onde quer que estejam amanhi, como tas, artestios, industriais, técnicos, doutores, no importa. Ela hes dard um estaliio precioso para julgar e apreciar, sem desajustes e pre- Jufzos, tornando-os aptos ao fazer ¢ ao agir, a0 pensar e ao sentir, com menos incoeréncia ou melhor sincronizados”. ja finalidade desse aprendizado € mesmo a de pre- parar a meninada pata pensar certo, agir com justeza, manipular as coisas judiciosamente, julgar pelo todo e nfo parcialmente, apreciar com proporgiio © confianga, gesticular com propriedade, como das coisas insignificantes © pequeninas. Ah! esses que assim se condu- zem quando peludos serao artistas, mesmo que nunca mais peguem num lépis-ou num pincel. Vero a vida como uma sadia ou bela obra de arte a preservar, nfo baterio palmas a ditadores hi chatfio com 0 progresso sem contudo virar as costas & tirio, compreenderao a presenga, a participagio cai penhor do racional, a emprestar-Ihe um valor estético qui até ao ético, transcende Em nome da luta legitimissima contra os ima contra 05 preconceites académicos que tolhem a liberdade de criagtio e abafam na infincia os anseios da afirmagiio, a pedagogia artistica moderna tendo a congelar-se numa ide unilateral bem empobrecedora. Querendo fazer da arte mera expresso de emogdes ¢ conflitos ela a reduz a uma espécie de técnica de desabafos, que visa a provocar a catarse nos 10s indecisivos fou ainda em formagio. Por isso se insiste hoje tanto nos métodos propicios a aprimorar essa técnica de desinibigio © desabafo. Daf a preponderdncia dos instrumentos, materiais ¢ processos de pintar, dese- har, modelar ¢ trabalhar condizentes com aquelas finalidades jadas livres, de araque, sem ordenagi ulatidade; das palhetas transbordantes de tintas dos golpes de improviso ao sabor do momento; da exploragio do acaso, com algo j4 de suspeitamente dirigido; das surpresas das manchas de cor amorfas, etc. A go excessiva de todos esses processos retarda o desenvolvimento, ¢ retarda sobretudo a chegada do que € também — a organizagio do todo. método ji de antemiio compel: itude que acaba rigida a contentar-se coi ‘mesma pintura ov o mesmo desenho, confinado num estado de espirito egocéntrico, quase solipsista. Entio, fora dessa tradugo imediata do estado de espfrito da crianga, do seu modo temperamental nada mais se poderia extrair de suas produgées. Com 0 tempo, a pre~ dominar tais processos, essa pintura de pura manifestagao egocéntriea acabaria por influenciar, por sua vez, 0 préprio estado de espirito de seu ctiador. Nessas condigdes 0 pequerrucho estaria ameagado de no de petmanecer enquadrado num tubo de sugestio, ssmamento sem fim, © que acabaria provocando nele uma falsa personalidade, prematuramente estancada em desenvolvimento, com resultados contrétios & libertagio buscada Pretenderfamos, por acaso — poderdo perguntar — com tais restri- ges, negar 0 esforgo pedagégico da arte moderna? Evidentemente, ro entanto, alertar desde j& contra certos exageros, con- tra certo unilateralismo romantico q Ougamos 2 propésito a ponderaggo de um mestre da psicologia eda ‘ca de nossos dias: “Ing wvelmente, afirma R. Ambeim, os métodos modernosproveram a crianga com uma safda para certos as- pectos da mente infantil mutilada pelo proceso, tradicional, de copiar modelos com Iépis de ponta fina. Em compensagio ha igual perigo em impedir que a crianga use o trabalho pictérico para esclarecer as pro= prias observagbes da realidade © aprender a concentrar-se ¢ a ordem. A emogio informe — insiste ele — nfo € © produto desejével da educagio, e por consegainte néio pode também ser ‘do como o seu meio” (Art and Visual Perception, 1954). A educagio Pela arte — € 0 tinico proceso educacional realmente eficaz — ensina sem diivida & crianga no temer as emoges, permitindo ao contrario que elas aflorem ¢ desabrochem; mas deve ensinar-Ihe também a integra las, como o fator dindmico, por exceléncia: & indispensével e salutar da personalidade prépria. Seu coroamento s6 se completa quando nele Se encontram, como os seus componentes principais, o poder de visualizagao global das coisas e um pensamento condutor, coerente € racional, quer dizer, estético. O professor Ivan Serpa est mais proximo do que se pode pensar da concepgio do sibio psicélogo. No seu curso ninguém teme os efei- tos especialmente dados ou tirados de certos materiais (colagem, éleo etc.) préprios as exigéncias da nitidez, dos claros contornos, dos rit- mos, das cadéncias de idéias € pensamentos, da limpeza e do bom acabamento. E que ali se cultiva a liberdade completa de expresso, desde as garatujas iniciais produzidas pelos simples movimentos moto: tes ainda descontrolados do pequerrucho de tr8s ou quatro anos ao automatismo dos mais taludos, em que ja se notam os primeiros ele- mentos expressivos do desabafo emocional. A diferenga € que com Serpa todos esses processos liberatérios, todas essas maneiras de fazer no interferem com o aparecimento da forma Com efeito, se a representagto pelos contornos parece ser 0 pro- cesso psicologicamente mais simples e natural de produzir imagens com a mio, s€ ainda, de acordo com os is da psicologia da estrutura, a conformacio, a ordem ¢ a orientagio las pinceladas sto determinadas pela construgao mecinica do brago e da mo da crianga tanto quanto pelo temperamento e o estado de es- pirito infantil, nem por isso 2 obra realizada pelo menino é resultante exclusiva dessas atividades descontroladas, a motora de um lado e a psico-impulsiva de outro. Nao tardaré que surja um terceiro elemento externo, por assim dizer de controle e investigagio espontineos, € 0 que Arnheim chama de “efeito vistvel”. E aqui que intervém o profes- sor-atista. Ivan Serpa estimula no menino a receptividade para a agio desse efeito visfvel, que se exerce com verdadeira insisténcia sobre aquele como sobre qualquer adulto nao ainda impermedvel. O compor tamento pedigégico do mestre pode-se resumir em ir chamando sorra- teiramente a atengdo dos meninos para a ago desses efeitos visiveis. E ‘sto ele o faz com a maior discrigio possfvel. Seu sistema consiste assim em cedo despertar no aluno 0 interesse pelo visual. Daf os pro- gressos na organizagio plastica, no desenvolvimento formal € na com- Plexidade colorfstica que se notam nos meninos entregues aos encantos do desenho © da pintura sob sua orientagao. Tudo 0 que sai da mio-darerianga tem, depois de feito, de falar de volta. crianga, Empenhada nesse dislogo, de que € 0 tinico testemu- nho mudo, Serpa acelera a chegada do momento em que o controle Visual comega a exercer-se sobre os impulsos motores. O que ele faz € simplesmente centrar a atengiio do garoto sobre o nascimento da forma, desde as mais simples, privilegiadas no sentido gestaltiano — 0 circulo, 0 oval, 0 quadrado, as formas simétricas enfimm — as mais, complexas ¢ ambivalentes. Ele vai assim no sentido das prioridades formais estabelecidas pelas leis da percep¢io, ajudando o proceso na sua crescente complexidade. Eis por que os efeitos da forma de retor- no sobre 0 criador se fazem sentir Jogo aos primeiros passos do aluno de Serpa: os contra-efeitos do desenho produzido por simples impulso motor aparecem de uma experiéncia & outra com aguela légica interior fascinante com que vemos as plantas crescerem em cAmara lenta, Es- ses efeitos © contra-efeitos visuais ¢ motores cedo atingem o ceme da sensibilidade profunda, para alcangar a prépria inteligéncia que se inun- daré de um calor fecundante que no mais a abandonaré. Do exercicio dos movimentos motores ¢ dos impulsos inconscien- tes nasce a experiéneia formal, primeira; entio a pura percepgao sen- sorial se cristaliza em conceito visual. Nesta fase o homem adulto ou crianga ainda nao é artista; mas chega aos umbrais da atividade cria- dora. A conceitualizagio da pura experiéncia perceptiva abre nova eta- a no crescimento espiritual do menino: a do controle visual. Este é que Ihe permite distinguir as coisas e Ihes dar, para cada uma delas, 0 equivalente estrutural correspondente, dentro do material escolhido. A crianga prefigura © objeto, Na fase p6s-motora de suas garatujas, 0 efrculo se torna para ela a forma matriz. de tudo. Isto significa que a diferenciagio percepcional ainda no se faz sentir, com preciso. O circulo como a qualidade do redondo. Esté ali como a forma indiferenciada de todas as coisas. Com o controle visual as. formas passam a diferenciar-se e o artistazinho comega a compreender visual- mente as qualidades formais, a rotundidade, 0 quadrado, a oposigio de vertical e horizontal, o plano, etc. Nasce a conceitualizagdo percepeional. ‘A passagem do conceito visual para o conceito representacional 6, segundo Amheim, a passagem da forma ainda percepcional para a forma artistica. ‘Armada com esse poder superior novo de generalizagio visual sob as coisas se classificam por qualidades formais primordi ja nos prazeres da representagio. Se the dé entio na telha de fazer com que 0 velho circulo primordial vA servir de lara no é diretamente desta que Ihe vem & mio a rotundidade de que precisa, Esta nfio se encontra no objeto, Ele a inventa por inteiro. Mas tampouco vem ela do puro circulo. O novo, este foi criado ali na hora em conexo perceptual com a expetiéacia visval da Ieranja. 1 pois tivamente nico, pura invengio, realizagtio a que 0 garoto nao sas, drduas tentativas. O processo poé- tico ndo é diferente, Com efeito, agora mesmo nos vem a lembranca um poema puramente visual de Augusto dos Anjos em que 0 poeta, depois de “avistar” “granjas sombrias” e de dizer: “Das laranjeiras eu admiro os acrescenta, numa imagem alta, de grande beleza a geométrica e de profunda ressoniincia pl ccunferén- © exemplo estava nem ra fruta mesma; a imagem, a forma viva brotou do (0 que se deu do contacto entre o conceito visual e a expe- Sensivel. Os meninos nio se conduzem diferentemente, nao criam Af esté 0 inicio por assim dizer licido, senio consci- ente de toda criago art Presenciamos aqui o poder da forma exercendo-se sobre 05 seus produtores. Como que fascinada pelo nascimento daquela forga que amente das préprias miios, a crianga entrega-se a seu encantamento, ¢ se dé entio milagrosa integragio entre 0 crescimento da forma e 0 seu proprio crescimento biopsiquico. Desde a primeira preferéncia fo a erianga ao domi formas; seguida da prefe- lo, — 0 aparecimento perceptivo mais na- tural € mais fécil — de onde sai a seguir a fase das diferenciagoes prossegue pela combinagao do efreulo & do oval com ha numa incipiente procura dé orientagio espacial, momento esse dramatizado em seguida pela busca da diregio privilegiada em tomo da oposigio dos Angulos retos ¢ dos eixos vertical e horizontal todo esse evol no € inevildvel como 0 crescer de na, 10 A génese da forma é paralela A génese da imaginagio visual da crianga. Depois que o impulso motor € dominado pela perfeigio ope- rat6ria, fruto do cxereicio manual, o controle de todas as resultantes pela consciéncia visual indica a transicdo delicada do coneeito perceptivo Para o representacional. O attista entio aparece, mas a crianga conti- nua erianga, E € 0 que salva tudo: 0 método, © professor, © menino, a escola (Extraido de GAM, Rio de Janeiro, n. 15, 1968, pp. 28-20.) Figura 13 (© desenho da erianga evoluinds para o detalhamento © proporcionalidade (Magali, 10 anes) do, com muita importancia, pelo carter que envolve. As atividades Iidicas stio também indispensdveis & crianga para a preensio dos conhecimentos artisticos e estéticos, pois possi exerci pode ser uma man “Ges e ajudé-la a compre- ender e assimilar mais facilmente © mundo cultural e estético, Um outro onto é que a prética artistica & vivenciada p ma atividade Iidica, onde “o fazer” se identifica com “o ar com a experiéncia da nguagem ou da representagio. ido isso, quem se propoe a lidar com a Precisa conhecer um pouco mais sobre a fungio ¢ o desenvolvimento dos jogos e brincadei na vida iifantil ¢ como interligé-los nas aulas es. E € 0 que procutaremos abordar neste tépico. rte junto as c Brincar 1 suas experiéncias, descobrindo e tos a respeito do pelo qual a crianga vai organizando iando seus sentimentos e pensamen- undo, das coisas e das pessoas com as quais convive Por isso, quanto mais intensa e varidvel for a brincadeira e o jogo, mais elementos oferecem para o desenvolvimento mental e emocional infantil. Através das brincadeiras as criangas vivem situagdes ilusérias ¢ a elaborar 0 seu do de seus desejos, mesmo que sejam irreal iS criangas de regides que nadar, pescar ou mergulhar, porque para elas € muito natural fazer de conta que o c Esta capacidade imaginativa que faz a crianga estr a realidade é 0 que vai ajudé-la também a estruturar o pensamento abstrato. A medida que a crianga vai crescendo ela vai evoluindo no seu “brincar” © passando dos brinquedos e jogos imaginativos par ges em que sio apreciadas as regras. No en i divisdria entre os jogos ima; da falaremos sobre eles mais adiante) muito a idéia de que as regras sé aparecem aprioristicamente: “sempre que hé uma situacio imagindria no brinque- do, ha regras — nfo as regras previamente formuladas e que mudam durante o jogo, mas aquelas que tém sua origem na prépria imagit em uma situagao a jo t€m rio ou de comportamento maternal. O papel que a crianga representa ¢ 2 lagdo dela com o objeto (se 0 objeto tem set significado mo originar-se-o sempre das regras”. \da para o aul ‘io de brincar & muito impor cia porque ma zona de desenvolvimento proximal da cr Quando brinca, a crianga modifica os habitos ¢ comportamentos usuais, mostrando-se mai (1989, p. 117), “€ como se ela fosse maior do que é na re no foco de uma I nento, o brinquedo cont cias do desenvolvimento sob forma condensad: cde uedo fornece ampla estrutura basica para mudangas das necessida- des e da consciéneia Por essas razées, o brincar passa a ser um fator de conscientizagio de papéis sociais, inclusive os de relagdes de estratificagio, de poder de normas."" 4.1. O jogo simbdlico Retomando o desenvolvimento da crianga, verifica-se que o brin- quedo do faz-de-conta ocupa um espago marcante nas brincadeiras in- fantis, como diz. a professora Maria Liicia S. Pupo (1991), ao discutir os Jogos simbélicos ¢ sua passagem para os jogos de regras; para ela estes ‘momentos podem ser considerados como etapas possiveis para introdu- zir-se as atividades das préticas teatrais na escola. Com o propésito de compreender este faz-de-conta infantil, a pro- fessora Maria Litcia faz uma sintese das contribuigdes de Jean Piaget (1927) © de Winnicott (1975) a respeito do desenvolvimento do jogo simbélico em criangas: Por volta de dois anos de idade, a crianga comega a ser capaz de agir “como se”, ou seja, ela assume o papel de um ser animado ow inanimado, existente na realidade ou ficticio, diferente dela. Ela faz de conta que € sua mie, que € 0 jomaleio d ra, pode fazer de conta que seu avi corer um cinzeiro pelo chao. quina, Da mesma manei- esti levantando v6o, ao fazer Jean Piaget (1971) estuda 0 faz-de-conta, que ele denomina de Jogo simbélico, na tentativa de aprender como se desenvolve a inte- infantil. Sua leitura & de grande valia para os educadores que procuram entender 0 significado do jogo nos primeiros anos de vida Ele nos mostra que, assim como a linguagem, 0 jogo simbélico pressupée a representagio de um objeto ausente, visto ser a compara- Go entre um elemento dado, 0 significante (no caso do exemplo aci- ‘ma, 0 cinzeiro), e um elemento imaginado, o significado (0 avitio, no ‘mesmo exemplo). O jogo simbélico tem, como caracteristica funda- Mental, a assimilago do real ao eu, sem quaisquer limites ou sangdes, Assim, tudo 6 possivel no faz-de-conta: eu posso ser o bandido, posso “0 ws Margaria M. K. (org). Ca 1986, p. 148, set morto ressuscitar. Uma crianga de pouco mais de dois anos que, encantada com a visio de um sino tocando, brinca de ser o sino, ex- pressa a necessidade de um simbolismo direto, que Ihe permita perso- ificar, em si mesma, o objeto que tanto a impressionou. A brincadeir Ihe permite elaborar a experiéncia vivida, fazendo parte do seu esforgo de compreensio € adaptagdo ‘ao mundo no qual est inserida. Essa representagio em ato vivida pela crianga cede lugar, mais tatde, & re- presentacdo em pensamento que caracteriza 0 universo do ad Outro autor importante, o psicanalista Winnicott (1975), s que a brincadeira, 0 jogo, constituem ui espago espectfico dentro da atividade humana, Por um lado, eles no se traduzem enguanto fuga do imaginario, como & 0 caso do sonho; por outro, eles ndo se confi- guram tampouco enquanto ago efetiva visando a transformar realmen- te 0 mundo exterior. © ato de brincar se situa exatamente no espago rmedirio entre essas duas esferas, e, nessa medida, acaba tecendo vineulos entre a subjetividade e a objetividade (..) ‘Ao analisar as diferentes fases que caracterizam 0 jogo simbélico, faget nos mostra que ele se inicia por volta do segundo ano, se de- senvolve e comega a perder sua importincia em tomo dos sete anos de idade. Assim, se aos tr8s anos qualquer pedago de madeira pode ser 0 significante de uma espada, 20s seis provavelmente 0 garoto desejaré construir ou adquirir — segundo o meio de onde provém — um arte- fato que imite, da maneira a mais fiel possfvel, aquela arma. Uma crianga de trés anos, impre: trem, langaré mao de qualquer objeto para gerando, assim, o que Piaget chama de deformagio hid uma caixa, uma colher poderdo servir & ago desejada. Ess glo tenderé a diminuir cada vex mais, 8 medida em que a Eresce, pois surge pouco a pouco a preocupagio com a verossi ga€.a imitagio exata do real. muito comum se observar de criangas por volta de nove ou dez anos, nas quais a real material, a construgo em si mesma, constituem a grande fonte de prazer. Esse & 0 caso, por exemplo, do aeromodelismo, da brincadeira de cabana ou do brinquedo de princesa, no qual a confecgio do figu- ino Ocupa a maior parte do tempo ¢ da energia de quem brinca, Outro elemento importante apontado por Piaget quando ex evolugtio das fases do brincar, & a passagern do brinquedo individual para o coletivo. E frequente se observar criangas pequenas que, embo- a reunidas num mesmo recinto, brincam individualmente com seus objetos, sem que haja interferéncia reciproca, mantendo-se universos independentes. Gradativamente, elas vao se tornando capazes de: pa har entre si a ficgo que esto elabotando através do faz-de-con diferenciando € ajustando’ seus papéis deforma- brincadeira, trazemos as i quem 0 brinquedo pode ser um elemento mediador da relagio adulto-crianga: 12, Piaget, Jean. O Julgomento Ao A possibilidade de parti traduz em nascentes modal famente 0 simbolismo, que se les de cooperacao e reciprocidade, acaba outra categoria também descrita por medida em que a crianga se desen- a das regras, vai se alterando a cons- gra. Se, num primeiro momento, por volta de seis ela vé a regra como uma norma sagrada © cl, imposta pela geragio dos mais velhos, mais tarde, em torno dos dez anos, serd capaz de compreender — por dominar’ seu funcionamento — que ela deriva do consentimento miituo e pode ser transformada de acordo com as necessidades do grupo, "© autor mostra com © passa a dominar a prat ciéneia da prépri ow sete an E exatamente nessa passagem entre 0 jogo simbélico e 0 jogo de regras, que pode se instalar, por assim dizer, 0 momento zeto da inter- vencio educacional tendo em vista as priticas teatrais na escola. ficamos, por volta do sexto ano, 0 faz-de-conta dei- a modalidade por exceléncia de apreensio e compreensiio do mundo pela crianga, O desequi 1e entio se verificava entre a acompanhada de menor acomodagao — transformacio que a experiéncia sofre para que possa incorporar 2 nova aquisiggo — vai paulatinamente se transformando na conquista de um equilfbrio entre os dois processos. A medida em que a géncia se desenvolve, com os progressos adquiridos em relagio a0 dominio da Jinguagem, a representagio passa a ser crianga no precisaré mais viver corporalmente 0 movimento do sino para designé-lo; mentalmente passa a dominar 0 conceito do objeto. © faz-de-conta, entio, tende a desaparecer e 0 campo da atividade Widiea € preenchido pelo jogo de regras, no qual o grande interesse passa a ser social, mediante a codificagio do relacionamento dentro do srupo que joga. Ao educador no caberé, portanto, propor @ continuidade do faz- a junto a uma faixa de idade na qual ele niio cumpre mais as tes fung6es que havia cumprido nos primeiros anos da infan- cia Pupo, 1991, pp. 2-5). Para complefar estas consideragdes sobre o brincar, o brinquedo © a jas de Walter Benjamin (1984, pp. 72-73), para Assim como o mundo da percepeio infantil esta marcado por toda parte pelos vestigios da geragio mais velha, com os quais a crianga se 1. Sfo Paulo, Mesite Jou, 1977, defronta, assim também ocorre com seus jogos. E impossivel const Tos no fimbito da fantasia, no pais feérico de uma infincia ou de uma arte pura, © brinquedo, mesmo quando no imita os instrumentos dos adultos, 6 confronto — na verdade no tanto da erianga com os adul- tos, como destes com as ctiangas. Pois de quem a crianga recebe pri- ‘meiramente seus brinquedos sendo deles? E embora reste & crianga ‘uma certa liberdade em aceitar ou recusar as coisas, muito dos antigos bringuedos (bola, arco, roda de penas, papagaio) teriio sido de certa forma impostos & crianga como objetos de culto, os quais s6 mais tarde, gragas A forga da imaginagio da crianga, transformam-se em brinquedos. Hé portanto um grande equivoco na suposigao de que as préprias criangas, movidas pelas suas necessidades, determinam todos os brin- quedos. 42. O ltidico nas aulas de Arte educativos de um programa de arte ¢ em ati s mente quando envolver a construglo, a manifestago expressiva ¢ Iidica de imagens, sons, falas, gestos e movimentos. Paulo Vasconcelos apresenta algumas idéias envolvendo 0 Itdico e © brincar na escola, que podem ser incorporadas as aulas de arte. “A Escola e a cultura lidica” slo as propostas de alguns sistemas escolates, buscando anos tentou se comprometer com 0 Iidico, e no sei até que ponto tem envergadura para isto. Muitas vezes me parece que deu espago para que o brincar acontecesse, no entanto, sem ser sistematizado, Brinea-se por brincar, ocupando tempo e semacompanhamento do professor. ‘Nao interessa a este a forma como se desenvolve a brincadeira sesh? pretendemos de forma alguma reduzir © brinear as espec S6e8 do ato cognitive, tirando-the 0 ato espontineo prazeroso, Mas Podemos aliar 0 lado prazeroso ao momento motivador do comheci mento, que pode ser expresso em objeto (ngueny tos (no caso as brincadeiras)... 2 eee, Acreditamos que a escola, antes de ser sistematizadora dos contedi- dos da cultura infantil, constitui-se em desestimaladora da mesma, ut lizando-a para recheaso tempo oeupar 0 alunado, Divsar 0 bringue. como estratégia para o ensino € tarefa de sistematizaca do educaor, buscando maior conhecinento deve caren ent para ume prtcaefeiva demo da escola, sem reduai tive a ae ‘mero momento de descanso para o professor, como m: tece. A grande maioria dos professores acham basta, abominam a intencéo. Mas intervir nio é ccutir, propor, retrabathar, reexaminar, Desde que se queira trabalhar com estratégia metodol6gica, necessétio serd obs 15,0 Gominio do objeto (brinquedo) ou do comporamento (brincadei- } apurando as potencialidades dos mesmos, resultando num melhor aproveitamento estratégico-metodolégico... (Vasconcelos, 1986, pp. 149-150) or si jé mas dis- © brinquedo dentro de uma servar, a fim de que se possa As vivéncias com brincadeiras, quando estruturadas adequadamen- ‘6, podem originar processos construtivos e expressivos tanto quanto as varias linguagens artisticas. Como exemplo apresentamos o telato de uma Oficina de Brinquedo, realizada pelo Nucleo Experimental de Ati. we Si ‘rio Culturais da Bahia. Esse projeto desenvolveu-se em Sal- pene a Cidade, envolvendo eriangas de varias idades, pais “Oficina do brinquedo” rar tévamnos naquele momento onde ainda se tentava, dentro das falas de aula, desenvolver um processo de alfabetizagao, tendo. pela Braye 8 Rebeldia dos meninos. As professoras faziam um esforgo so- 7e-humano para motivé-ls, ¢ eles quererido subir nos pés de jenipapo, que tepensamos: um FAZER com as mios, possivelmente, ‘melhor aquela energia. E no caso do FAZER, fazer o que? (vamos, nfo seria 0 BRINQUEDO 0 FA- ZER mais natural © mais prOximo daquelas criangas? Um dia, levamos uma pombinha daquelas que se encontram mas feiras do Nordeste e que batem as asas quando a gente empurra. Para a oficina, até entio utilizada na construgao dos teares, levamos tinta, pincel, pregos e alguns pedagos de madeira, A meninada, na sua ingui- etagio, pegou os pincéis, as tintas ¢, logo, mesas, bancos © pedagos de ‘madeira estavam pintados numa desordem que nos pareceu quase itte- medidvel. Algo nos dizia, porém, que o caminho seria por ali levamos um brinquedo mais si uum corupio feito com tampinha de refrigerante e cordio de embrulho. Nesse mo- mento, a ligagio se estabeleceu: 0 nivel do desafio colocedo estava bem a altura das habilidades que possuiam e, de imediato, a ctiancada se entregou ao encantamento, & pesquisa e experimentagio daquela coisinha magica que fazia desencadear todo um processo de expresso € descoberta ligados ao seu universo mais profundo, as suas necessida- des de crescimento, A partir dai, vimos aflorar 0 universo lidico daquelas criancas, cada vez mais rico, brotando dele uma linguagem de movimentos, uma expresso corporal ligada especificamente a cada brinquedo, ¢ que pro- vinha de uma sabedoria prOpria, auto-regulando, equilibrando 0 SEN- TIR, 0 PENSAR e 0 FAZER. Comegamos a ver os meninos sempre interessados. A oficina niio mais se fechou, de manhd ¢ de tarde, acontecendo nela uma aprendiza- ‘gem que se desenvolvia livremente. Compreendemos, entio, que eta preciso dar espaco a0 BRINCAR — em toda sua riqueza ¢ multiplicidade. A OFICINA DE BRINQUEDO, que nio constava do plano do NUCLEO, surgi € se afirmou com a forga dos meninos. ial A filexibilidade da equipe que observava e refletia toda semana sobre as atividades das criangas foi transformando seu plano de agio de acordo com 0 conhecimento que a cada dia se fazia sobre as neces- sidades daquela meninada. Assim surgiram os tratores, os carrinhos de lata, os pata-pata de garrafa de plistico, as espadas, os tabuleiros de futebol de prego, as arrainbas de papel de bombom, os pés-de-cavalo, as pernas-de-pau, 0 carrinhos de rolimé, os telefones, as galinhas chocas, os barandées, as mobilias de boneca, 05 pides, 0s papagaios, © guiador, arco-e-flechas, ‘as pneusadas ete. E assistimos a0 aparecimento das primeiras RODAS, dos bringue- dos que pouco brincavam na comunidade — dado 2 falta de espago nas ruas onde moravam, © comegamos nds a thes trazer outras cantigas, outros bringuedos, procurando, com issa, alimentar 0 ponto de contacto, ampliando o vocabulério de uma linguagem que nos parecia vital Estévamos no més de junho/80, quando percebemos que o trabalho refletia uma qualidade nova, A tomada de conscigncia do momento em que nos encontrévamos fez levantar a discussio sobre os rumos que a experincia deveria to- ‘mar para 0 segundo semestre. Foi af que montamos, em junho/80, uma EXPOSICAO DE FOTOGRAFIAS que mostrava momentos, situagdes € atividades das criangas durante o primeiro semestre. Essa exposigtio tinha como objetivo devolver aos professores © 2 Comunidade de onde vinham as criangas o movimento que os meninos expressavam em sua convivéncia no Nficleo Experimental de Ativida- des Sécio-Culturais Ela nos tra 08 primeiros “sinais”, as primeiras respostes quanto } procura que em nés se fazia, desde o inicio, da identidade ¢ do conhecimento daquelas criangas. Paralelo a essa exposigio, foi organizado um CURSO DE BRIN- QUEDO, com a equipe de professores, que inclufa uma Exposigao de Brinquedos Populares, semindrios sobre 0 Fendmeno BRINQUEDO ¢ uma Oficina de Construgio de Brinquedos. A Exposigo de Brinquedos Populares foi feita com 0 sentido de oferecer 0 maior nimero posstvel de estimulos Iidicos, e constava de objetos e Fotografias abrangendo os seguintes temas: — Criangas Brincando — 0 Bringuedo pelo Mundo — 0 Brinquedo nas Feiras do Nordeste — Tipos de Brinquedos: brinquedos de puxar brinquedos de empurrar brinquedos de casinha apitos/Mautas arraias pides — 0 Bringuedo de MACAQUINHO no Brasil ¢ na Alemanha: tipos formas regras etapas a Tinguagem do movimento ~ “qualidade” do brinquedo — Brinquedos Varios Os Semindrios sobre BRINQUEDO aconteciam na sala dessa Ex: posigio, onde a atmosfera em volta jé nos inspirava. Buscando uma abordagem fundada na experiéncia de cada um, brincdvamos 20 ar re as brincadeiras da nossa infancia. Brincdvamos © refletiamos Viamos surgir 0 ponto sensivel. Decidimos afirméslo. Néo com um sentimento nostélgico, mas descobrindo nele a possibilidade de re-co- inhecimento, de encontro com nds mesmos € com os meninos. Passamos & construgio de Brinquedos. Querfamos fazer os brin- quedos das nossas eriangas ¢ experimenticlos. Da entrega a esse exer- cfeio, novos aspectos foram-se delineando, tanto do ponto de vista da compreensio especffica de cada brinquedo e sua relagio dinamica com a crianga, como do ponto de vista de sua construgio ¢ mecinica de fancionamento. Percebemos a razio do interesse, da iniciativa, da con- centragio, dos progressos de interagio social © coordenagio motora a que assistfamos. Entendemos por que acontecia, com os meninos, uma aptendizagem espontinea e vimos que nos eram revelados caminhos pata uma edueagio muis ligada & natureza daquelas criangas e de sou mundo, Safmos daquele més de julho com uma consciéncia nova, © deci «dimos continuar, durante 0 ano letivo, os estudos iniciados. Esses es- tudos se organizaram da seguinte forma a) levantamento do universo Iidico as criangas © da equipe de professores. Anélise e elaboragio do material coletado; ') ampliagtio da. percepgo do fendmeno lGdico através de uma pesquisa do gesto, elementos ¢ aspectos do Bringuedo pelo mundo; ©) introdugdo a uma metodologia de pesquisa; 0) pesquisa de campo: — 0 JOGO DA BOLA DE GUDE, feita com os nossos meninos; €) 0 lidico na Cultura Popular — tealizagio, no NUCLEO, de um PRESEPIO ou BAILE DE DEUS MENINO, segundo acontece na Grota Funda, municipio de SerrinhalBA. Em 1981, partimos para desenvolver em nossas atividades os cle- ‘mentos, 08 “sinais” que os meninos nos tinham dado no ano anterior, procurando “devolvé-los em forma de desafio”. © PUXAR/EMPURRAR fora 2 expressio mais forte dos brinque- dos das eriangas, Intensificamos, entio, a construgio desses brinquedos nna Oficina, comegando por uma grande campanha de letas para que no faltasse: material Constatamos que essa atividade se desenvolvia, agora, em outro nivel. O repertério de idias era mais amplo, havia uma conscientizayao maior dos prineipios do movimento e dos elementos de interesse em 1, Discutir os tépicos 1 © 2 deste capitul cada brinquedo (peso, forma, som, cor etc.), € uma experiéncia cada vez mais intensa dos impulsos do PUXAR/EMPURRAR. Da combina- Go de tudo isso, e de acordo com a imaginagio de cada um, surgiam Solugdes as mais inesperadas, invencGes surpreendentes, modelos ‘no- vos que mostravam uma expressio sempre mais diversificada ¢, ao mesmo tempo, espontinea. Através de um processo de aprendizagem que se desenvolvia livre- mente, as criangas passavam de um estégio de conhecimento elementar um outro mais complexo, sem perder seu cariter espontineo. E essa aprendizagem se fazia livremente — 0 que quer dizer com ALEGRIA porque partia dos elementos do universo cultural daquelas eriangas. Primeiro da esséncia mesma da cultura infantil — 0 BRINQUEDO — , 40 mesmo tempo, do contexto sécio-cultural onde vivian, Dado & forga que teve a experiéncia, foi-nos possfvel montar uma EXPOSICAO DE BRINQUEDOS: 0 PUXAR/EMPURRAR, para o Més da Crianga, outubro/81, organizada em duas salas, ¢ que foi aberta & visitagao piblica. Na primeira sala: 0 BRINQUEDO ESPONTANEO — agueles com que os meninos chegaram ao Parque, Na segunda sala: PESQUISA E CRIAGAO DE BRINQUEDOS — onde se podia ver a evolugio que se processara, (Niicleo Experimental de Atividades Sécio-Culturais, Sonia Cam- pos Magalhies (coord). Uma Experiéncia em Edueagdo. Salvador, Gréfica da Prefeitura da Bahia, 1982, pp. 52-57.) Sugesties de atividades : “A Expressividade Infan © “Percepcao, Imaginago e Fantasia nas Aulas de Arte”, apresentan- do exemplos Selecionar dentre os objetos, imagens e sons do cotidiano infantil aqueles que apresentam possibilidades de serem trabalhados nas aulas de arte para 0 desenvolvimento da percepso visual, tatil e sonora de criangas, destacando nos mesmos: + qualidades visuais (tamanho, espago, superficie, volume, textura, nha, cor, luminosidade, movimentos, diregées, ritmos, contrastes, tensdes, proporgies etc.), * qualidades téteis (éspero, liso, quente, frio, rugoso, mol duro, ondulado, grosso, fino, seco, timido, poroso etc.), macio, * quatidades sonoras (altura;-duragio, intensidade, timbre, ritmo, forma etc.). . 3. Comparar as teorias de Vygotsky, Wallon e Amheim com referéneia 2 representagio grifica de criangas pequenas. 4. Reunir trabalhos de criangas pequenas e verificar a expresso gréfica e plistica comparativamente as teorias apresentadas neste capitulo. 5. Ler o t6pico “O Jogo e a Brincadeira nas Aulas de Arte”, procurando estabelecer relagies com os jogos, brincadeiras e brinquedos de sua regio. Discutir o tema no Ambito social e cultural. 6. Selecionar brinquedos de sua regio (manufaturados ou nfo), anali- sando suas qualidades visuais, tteis, sonoras e fazer escolhas daque- Jes que apresentam possibilidades de serem tabalhados nas aulas de arte com 0 objetivo de desenvolver percepgies e expressdes imagina- tivas, artisticas. Leituras complementares e de aprofundamento CAMARGO, Luiz (org). Arte-Educagdo: da Pré-Escola d Universidade. Si0 Pau- lo, Nobel, 1989, DERDYK, Edith. O Desenho da Figura Humana. Sio Paulo, Scipione, 1990. IEANDOT, Nicole. Explorando 0 Universo da Misica. Si0 Paulo, Scipione, 1990. KAMIL, Constance & DeVries, Rhets. Jogos em Grupo na Educagiio Infantil: Implicagées da Teoria de Piaget. Sio Paulo, Trajetéria Cultural, 1991 MOREIRA, Ana Angélica Albano. 0 Espago do Desenho: a Educagdo do Eduea- dor. Séo Paulo, Loyola, 1987.

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