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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

 
 

3. 

“Quem dizem os homens que Eu sou?” 

IMAGENS E APROXIMAÇÕES A 

JESUS CRISTO 

1. JESUS CRISTO: IMAGENS OU PERSPECTIVAS ? 

Cada  pessoa  tem  preferências  por  certos  tipos  de  imagens  de  Jesus  Cristo.  Certamente  esta 
diversidade não tem a ver com meros gostos estéticos, preferências visuais ou estilos. A diversidade de 
imagens reflecte muitas vezes concepções da própria pessoa de Jesus Cristo.  

As  imagens  reflectem  a  nossa  teologia,  a  nossa  espiritualidade,  a  nossa  religiosidade.  Elas  são 
reflexo da forma como vemos Deus, como entendemos Jesus Cristo, do significado que tem para nós, 
dos  aspectos  a  que  damos  relevo,  do  modo  como  vivemos  a  nossa  relação  com  Ele,  da  forma  como 
entendemos a relação de Deus connosco. 

Cada  um  de  nós,  quando  fala  ou  pensa  em  Jesus,  quando  reza  ou  quando  escuta  a  Palavra  de 
Deus, imagina‐O de uma forma relativamente concreta. Mas uma forma que tem a ver com cada um de 
nós, com a nossa história, com a nossa cultura, com a nossa maneira de ser. 
 
1.1. A diversidade de imagens de Jesus Cristo 
 
"Quem dizem os homens que eu sou?”  
Esta pergunta de Jesus teve já no seu tempo repostas diversas. Uns diziam que era João Baptista, 
regressado  do  reino  dos  mortos;  outros  que  era  Elias  que  tinha  voltado;  outros  que  era  um  profeta. 
Para os discípulos era o Messias esperado. Para os fariseus era um impostor a eliminar. Por outro lado, 
a  atitude  das  pessoas  em  relação  a  ele  era  também  diversificada:  uns  admiravam‐no,  outros 
recusavam‐no, outros seguiam‐no comprometidos. A personalidade de Jesus ultrapassa os esquemas 
habituais e merece assim classificações muito diferentes.  
Nos  tempos  modernos,  tal  como  em  todas  as  épocas  da  história,  também  circulam  as  mais 
diversas imagens e concepções de Jesus Cristo. Partimos desta diversidade para nos aproximarmos do 
Mistério de Jesus Cristo. 
 
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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

A.) A diversidade física 
A própria diversidade com que é apresentado o aspecto físico de Jesus é reveladora dos nossos 
pressupostos. Para uns, Jesus é um rosto doce e com cabelos ondulados. Para outros, é o rosto de um 
lutador.  Umas  vezes  é  apresentado  mais  branco,  outras  vezes  mais  negro.  Esta  diversidade  diz‐nos 
algo  que  já  sabemos:  cada  um  vê  as  coisas,  e  o  próprio  Jesus,  a  partir  do  seu  próprio  lugar,  da  sua 
perspectiva.  Ao  longo  da  história,  tanto  as  artes  plásticas,  como  a  literatura  e  a  espiritualidade, 
mostram‐nos imagens de Jesus Cristo que são reflexo do ambiente cultural em que os crentes vivem. 
 
B.) As imagens devocionais 
As imagens mais frequentes são as devocionais, as que são resultado de determinadas vivências 
espirituais,  ou  que  pretendem  ser  base  de  apoio  a  certas  devoções  religiosas.  Em  certas  imagens 
devocionais,  próprias  da  religiosidade  popular,  predomina  um  Jesus  extra‐terreno,  sem  verdadeira 
dimensão humana. Parece quase que as prerrogativas divinas o impedem de experimentar os limites 
normais de um ser humano. Serão estas imagens sinal de uma vivência espiritual desencarnada? 
Nalgumas  imagens  compostas,  como  a  do  “Sagrado  Coração  de  Jesus”,  ressalta  uma  imagem 
romântica e piedosa. 
Noutras  espiritualidades  que  destacam  mais  o  sacrifício  como  sofrimento,  salientam‐se  as 
imagens dolorosas de Jesus Cristo. Ele é símbolo do sofrimento humano, que transporta na sua cruz os 
pecados da humanidade, que expia pelo seu sofrimento. 
Em religiosidades marcadas pelo medo  e pela austeridade, salientou‐se a figura de Jesus Cristo 
como juiz rigoroso. 
Em  muitos  sectores  cristãos  ligados  a  movimentos  mais  apostólicos  e  comprometidos  com  a 
evangelização, predomina o Cristo amigo, o companheiro, a pessoa simpática. Contudo, esta imagem é, 
com frequência, marcada por um grande subjectivismo e poucas bases bíblicas. 
Em  ambientes  de  exploração  e  desigualdades  sociais,  prefere‐se  um  Jesus  Cristo  libertador.  É 
importante assumir que a fé em Jesus Cristo se deve traduzir em estruturas justas de vida social. Mas é 
fundamental não reduzir Jesus Cristo a um activista social, nem atribuir‐lhe métodos que contradizem 
a sua mensagem. 
Ao longo da história do cristianismo uma grande riqueza de imagens tem sido apresentada. Os 
diversos  tipos  de  imagens  realçam  aspectos  diversos  conforme  as  épocas:  a  dimensão  simbólica  do 
mistério de Cristo, o seu poder e realeza, o valor teológico da sua vida, o significado do sofrimento, a 
dimensão humana da sua vida na Galileia, o modo como entendemos a sua relação connosco. 
 
C.) O caminho de fé da Igreja 
Também  a  doutrina  da  Igreja,  nos  primeiros  séculos,  teve  que  fazer  um  caminho  difícil  para 
perceber quais os critérios que devem ser essenciais para qualquer imagem completa de Jesus Cristo. 
Este caminho foi feito em parte pelas definições dogmáticas dos primeiros concílios da Igreja. 

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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

Logo nos primeiros séculos do cristianismo, as grandes divergências em entender o Mistério de 
Cristo provocaram a reunião de vários concílios que estabeleceram as fronteiras entre a ortodoxia e a 
heresia.  Alguns  realçavam  de  tal  modo  a  divindade  de  Jesus,  que  desaparecia  a  sua  humanidade. 
Outros realçavam de tal modo a humanidade de Jesus, que deixavam de o considerar divino. 
Para  os  cristãos  de  todos  os  tempos,  as  afirmações  dos  primeiros  concílios  são  determinantes 
para saber se as afirmações e imagens que fazem de Jesus Cristo correspondem ou não a uma fé cristã 
autêntica. 
 
1.2. Jesus Cristo na Bíblia 
 
No  entanto,  também  as  afirmações  dogmáticas  da  Igreja  têm  que  assentar  numa  outra  base:  o 
testemunho  de  fé  da  Sagrada  Escritura.  Tudo  aquilo  que  a  Igreja  diz  sobre  Jesus  Cristo  e  a  sua 
mensagem terá que ser confrontado sempre com os escritos do Novo Testamento. 
O  próprio  Novo  Testamento  não  tem  “uma”  imagem  de  Jesus,  não  nos  apresenta  um  retrato 
único de Jesus. Tem diversas imagens de fé de Jesus Cristo. Os diversos autores apresentam o Senhor a 
partir daquilo que cada um deles vive e de acordo com o perfil das comunidades em que se inserem. 
Vejamos alguns elementos característicos de cada um dos Evangelhos. 
Marcos  diz  logo  no  início  quem  é  Jesus  para  ele:  “Evangelho  de  Jesus,  Cristo,  Filho  de  Deus.” 
Procura que os seus leitores façam todo o caminho da descoberta da divindade de Jesus Cristo. No seu 
Evangelho, Jesus recusa dizer quem é, e proíbe outros de o fazer. Marcos apresenta um Jesus que não 
sabe tudo, um homem semelhante a nós, que se angustia com a proximidade da morte. Apresenta Jesus 
como o Filho do Homem e o Filho de David. 
Em Mateus, Jesus aparece como o Senhor glorificado e celebrado na sua comunidade. Aparecem 
com  mais  frequência  gestos  de  adoração  a  Jesus.  Ele  é  o  “Deus‐connosco”,  o  “Emanuel”.  O  Jesus  de 
Mateus  é  solene,  hierático.  O  Evangelista  omite  a  ignorância  e  as  emoções.  Acentua  o  poder.  Porque 
Mateus  se  dirige  a  comunidades  de  origem  judaica,  sublinha  sobretudo  a  dimensão  de  Jesus  como 
mestre, o novo Moisés, Jesus como o Messias de Israel. 
Lucas não conheceu pessoalmente Jesus. Por isso, o seu Evangelho não apresenta tanto o profeta 
itinerante da Galileia, mas sobretudo o Senhor glorificado. Lucas é o único que chama a Jesus o Senhor, 
quando fala dele. Fala mais vezes de Jesus como rei. 
Para  João,  Jesus  é  um  ser  muito  humano  que  se  pode  ver  e  tocar,  mas  n’Ele  reconhecemos 
também toda a profundidade do mistério de Deus. Salienta aspectos da humanidade de Jesus: cansa‐se, 
tem  amigos,  chora,  vai  a  casamentos,  irrita‐se.  Mas  também  sublinha  aspectos  da  missão  divina  de 
Cristo:  ele  é  o  bom  pastor  que  dá  a  vida  pelos  amigos,  é  o  pão  da  vida  que  alimenta,  é  a  luz,  a 
ressurreição, a vida. 
Vemos, portanto, que também nos Evangelhos encontramos uma variedade de imagens de Jesus 
Cristo, que se complementam e enriquecem o nosso contacto com o Senhor. Eles não nos apresentam 
história  de  Jesus,  mas  uma  visão  de  fé  desse  mesmo  Jesus,  a  quem  eles  consideram  o  Cristo.  As 

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imagens de Jesus Cristo que a Sagrada Escritura nos apresenta são o critério para a validade de todas 
as nossas imagens. Teremos que confrontar sempre as nossas afirmações sobre Jesus Cristo com a fé 
que a Bíblia nos transmite. 
 
1.3. Significado da diversidade de imagens e concepções 
 
Ao  darmo‐nos  conta  da  diversidade  de  imagens  e  concepções  de  Jesus  Cristo  somos  levados  a 
perguntarmo‐nos  sobre  a  sua  razão  e  os  desafios  que  esta  diversidade  coloca  à  nossa  fé  e  à  nossa 
teologia. 
Cada época e cultura tem a sua forma própria de pensar e falar sobre Jesus Cristo.   
Por outro lado, tendemos a ver em Jesus um reflexo da nossa própria humanidade, da nossa vida 
humana. As diversas concepções de Jesus são, em certa medida, também condicionadas pelas nossas 
próprias necessidades. Em cada época e em cada situação, os crentes procuram descobrir em Jesus os 
traços que possam iluminar os problemas em que se vêem envolvidos. 
 
 
2. A QUESTÃO DO ACESSO A JESUS: COMO PODEMOS CONHECER JESUS DE NAZARÉ? 

 
2.1. Os Evangelhos: fontes históricas ou escritos teológicos ? 
 
Os Evangelhos não  podem ser considerados, sem mais, como obras históricas. Não é provável 
que tudo tenha acontecido exactamente como lá vem relatado. O que é certo é que tudo o que lá vem 
corresponde ao sentido da vida e da mensagem de Jesus. 
Os  Evangelhos  não  fazem  uma  história  da  vida  de  Jesus,  mas  transmitem‐nos  um  testemunho 
sobre a história de Jesus. Sem dúvida um testemunho comprometido. 
Os cristãos sempre consideraram os Evangelhos como escritos que transmitem uma orientação 
para a fé em Jesus Cristo, transmitem uma palavra autorizada sobre a sua fé. São escritos teológicos, ou 
testemunhos de fé. Só os perceberemos se os lermos com o mesmo espírito com que foram escritos. 
Certamente  que  a  mensagem  de  fé  não  está  desligada  da  história  que  lhe  deu  origem.  Mas  a 
história  é  interpretada  pela  fé.  A  mensagem  sobre  a  nossa  fé,  que  os  evangelhos  transmitem,  não  é 
independente  da  história  que  ocorreu  e  que  neles  é  testificada.  Os  evangelhos  transmitem‐nos  a 
história  de  Jesus,  mas  não  a  história  de  Jesus  pura  e  simples;  sim  a  história  de  Jesus  que  pôs  a 
descoberto o seu sentido. A «história pura e simples», como a «realidade pura e simples» não existe, 
nem no caso de Jesus nem em nenhum outro. A história e a realidade são sempre história e realidade 
interpretadas. 
Os  Evangelhos  transmitem‐nos  a  história  de  Jesus  interpretada  pela  comunidade  crente.  O 
crente vê nessa interpretação o testemunho da própria interpretação de Deus acerca dessa história. 
 

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2.2. Que conhecimento histórico sobre Jesus ? 
 
O  que  dissémos,  remete‐nos  para  uma  questão  fundamental.  Os  evangelhos  não  podem  ser 
considerados, sem mais, como obras históricas, no sentido de que tudo o que contam haja acontecido 
tal  como  no‐lo  contam.  Contudo,  os  evangelhos  dão‐nos  um  testemunho  sobre  a  história  de  Jesus. 
Seremos capazes de conhecer a imagem verdadeira e real de Jesus Cristo? Os Evangelhos permitem‐
nos algum acesso histórico a Jesus? 
Sendo  os  Evangelhos  documentos  de  fé,  que  nascem  da  pregação  das  primeiras  comunidades 
cristãs, que relação haverá entre o Cristo professado na fé e o Jesus da história? Que podemos saber de 
concreto sobre o Jesus de Nazaré histórico? Que importância tem para a nossa fé actual? 
Ao longo da história houve várias fases a propósito desta questão.  
Passou‐se de uma abordagem ingénua a uma perspectiva científica, histórico‐crítica. 
De acordo com as investigações do último século, os evangelhos não são tanto obras históricas 
que  nos  contam  a  história  de  Jesus,  para  que  saibamos  o  que  ele  fez,  quanto  escritos  para  que 
acreditemos nEle. Ora, embora não nos dêem a história de Jesus, podemos conhecer o suficiente da sua 
história para saber quem foi Jesus e o que fez. O evangelista, ao redigir o seu evangelho, tem na mente 
um fio condutor, uma teologia, para nos falar de Jesus Cristo. 
Do ponto de vista teológico, o que hoje temos claro é que a história de Jesus é relevante para a 
nossa  fé.  Se  não  fosse  importante  saber  alguma  coisa  sobre  a  história  de  Jesus,  nesse  caso  toda  a  fé 
seria um mito, uma fé inventada. 
Os  Evangelhos  apresentam‐nos,  ainda  que  de  um  modo  diferente  das  crónicas  históricas,  uma 
imponente figura de Jesus histórico e contêm uma tradição autêntica. O início de nossa fé não está no 
Kerigma pós‐pascal, mas no facto histórico da vida de Jesus. De contrário, esvaziaríamos a mensagem 
evangélica  da  Incarnação  e  substituiríamos  Cristo  pelos  apóstolos.  Assim,  existe  continuidade  entre 
Jesus  de  Nazaré  e  o  Cristo  da  Fé.  O  Cristo  da  fé  e  o  Jesus  da  história  são  a  mesma  pessoa  em  quem 
acreditamos.  No  Cristo  pregado  pela  Igreja  primitiva  está  implícito  o  Jesus  da  história  que  devemos 
descobrir com métodos modernos ao nosso alcance. 
 
2.3. Resultados da investigação sobre os Evangelhos 
 
Para  fazer  cristologia,  a  nossa  principal  fonte  não  pode  ser  outra  senão  os  evangelhos.  Neles 
vamos encontrar‐nos com a história de Jesus, se a soubermos ler criticamente. E neles temos também 
a  norma  da  nossa  fé.  Por  isso,  antes  de  os  começar  a  ler,  é  preciso  ter  claro  como  os  havemos  de 
interpretar, sendo útil saber como foram escritos.  
Temos  uma  pessoa  concreta,  Jesus  de  Nazaré,  que  nasce  no  ano  6  antes  de  Cristo,  que  morre, 
como data mais provável (embora não seja segura) a 7 de Abril do ano 30 d.C. e que dedica um ano 
(29‐30) ou no máximo dois (28 a 30) à pregação da sua mensagem. 
Jesus ensina; são as «palavras de Jesus». Jesus actua; são os «actos de Jesus». 

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Essas  palavras  e  esses  actos  são  pronunciadas  e  realizados,  respectivamente,  num  contexto 
determinado, que é a Galileia ou a Judeia, por volta do ano 30 d.C. É provavelmente esse o ano em que 
Jesus  morre  na  cruz.  Após  a  morte  de  Jesus,  tem  lugar  a  fé  de  Pedro,  a  fé  dos  apóstolos,  a  fé  da 
primitiva  comunidade  e  começa  a  pregação  que  nos  testifica  a  intervenção  escatológica  de  Deus  em 
Jesus. A pregação vai, pois, desenrolar‐se a partir do ano 30. 
 
 
3. ELEMENTOS DO ACESSO A JESUS 

 
Tenha‐se em conta que a norma da nossa fé não é o que Jesus disse, mas o que os evangelhos 
dizem  que  ele  disse.  A  norma  da  nossa  fé  é  o  «canon»,  o  resultado  escrito  do  testemunho  da  Igreja 
primitiva, escrito precisamente para que nós acreditemos. 
 
3.1. História das formas e história da redacção 
 
Inicialmente  temos  a  etapa  do  que  chamamos  «comunidade  primitiva».  Nessa  etapa,  prega‐se 
Jesus de Nazaré como o Cristo, Jesus Ressuscitado. Aos domingos, celebra‐se a Ceia do Senhor e aí se lê 
o  Antigo  Testamento,  contam‐se  alguns  dos  actos  de  Jesus  e  recordam‐se  alguns  dos  seus 
ensinamentos.  Desenvolve‐se  assim  uma  série  de  «formas  (pré)‐literárias»  que  apresentam 
características  peculiares.  São  unidades  de  pregação,  que  funcionam  independentemente  umas  das 
outras.  Estas  unidades  de  pregação  não  têm  primariamente  a  intenção  de  transmitir  a  história  de 
Jesus, são sobretudo «homilias», para alimentar a fé dos cristãos. Para isso se transmite «o relevante» 
da sua história, da sua vida, e dos seus ensinamentos; aquilo que se recorda e que é útil no momento e 
nas circunstâncias presentes da comunidade. 
As  diversas  comunidades  vivem  circunstâncias  históricas  e  sociais  diferentes  e  vêem  surgir 
problemas de todo o género: questões litúrgicas, de organização e funcionamento, relações familiares, 
relações  de  autoridade,  tensões  e  conflitos.  Para  isso,  recordarão  os  ensinamentos  de  Jesus  e  irão 
aplicá‐los às circunstâncias concretas em que as comunidades se encontram. Também desenvolverão 
outros  ensinamentos  «no  Espírito»  de  Jesus:  como  é  que  o  Senhor  teria  resolvido  este  problema?  E 
irão transmitir esse ensinamento, pondo‐o nos seus lábios. 
À  medida  que  vão  desaparecendo  as  primeiras  testemunhas  que  estiveram  com  Jesus  desde  o 
princípio,  surge  a  necessidade  de  conservar  por  escrito  estas  unidades  de  pregação.  Abre‐se  assim 
uma  nova  etapa:  a  da  redacção  seguida  de  escritos  sobre  Jesus,  quer  como  colecções  dos  seus 
ensinamentos (=fonte Q) quer como relato dos seus actos. Assim nascem os actuais evangelhos. Houve 
muitos  interessados  em  compilar  essas  colecções,  como  testemunha  Lucas  no  começo  do  seu 
evangelho (cf. Lc. 1,1). O Evangelho de Marcos, escrito provavelmente por volta do ano 65, em Roma, 
seria  herdeiro  da  pregação  de  Pedro,  que  morre  em  Roma  na  perseguição  de  Nero.  É  o  mais  antigo 
relato  seguido  sobre  Jesus  que  conservamos.  De  maneira  semelhante  se  vai  pondo  por  escrito  o 

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conjunto  do  testemunho  de  outros  apóstolos  e  comunidades  primitivas,  tudo  vindo  a  cristalizar  nos 
diversos evangelhos. 
 
3.2. Critérios de historicidade 
 
Sabendo que nos Evangelhos nem tudo o valor de documento histórico, os exegetas recorrem a 
alguns critérios para determinar a historicidade dos elementos narrados. 
A  atestação  múltipla.  Aquilo  que  está  referido  em  diferentes  fontes  tem  maior  garantia  de  ser 
histórico. As coisas que estão bem testemunhadas, muitas vezes ditas e repetidas em fontes diversas, 
têm maior garantia de conservar a história de Jesus. 
A  coincidência  com  o  contexto  histórico  e  social.  Se  o  que  é  relatado  está  de  acordo  com  o 
contexto  histórico,  com  o  mundo  ambiental  judaico,  tem  maior  probabilidade  de  autenticidade 
histórica. 
A descontinuidade ou dissemelhança. Devem considerar‐se autênticos os elementos evangélicos,  
ditos  ou  acções  de  Jesus,  que  não  poderiam  ser  resultado  nem  do  ambiente  judaico  nem  das 
comunidades primitivas. Por exemplo, corresponde à verdade histórica a expressão «abba» na boca de 
Jesus para se referir ao Pai. 
 
 
3. CONCLUSÃO 

 
1.  Os  evangelhos  não  nos  apresentam  a  biografia  de  Jesus,  não  são  crónicas  da  sua  história 
passada.  Fazem uma certa interpretação e adaptação da mensagem original de Jesus aos problemas 
vividos  pelas  comunidades.  Na  verdade,  é  a  partir  da  experiência  da  ressurreição  que  os  crentes 
compreendem melhor tudo o que se havia passado antes. E a certeza da presença viva de Jesus leva‐os 
a  interpretar  e  a  aplicar  à  situação  presente  as  palavras  e  as  acções  da  sua  existência  histórica.  Os 
evangelhos  apresentam‐se,  pois,  como  testemunhos  de  fé:  nascem  da  experiência  de  Cristo 
ressuscitado e têm como objectivo levar à fé. 
 
2. Mas sendo testemunhos de fé não deixam de ter como ponto de partida a figura histórica de 
Jesus. Ou seja, apresentam o Cristo da fé em continuidade com o Jesus da história. Não há desvio ou 
deturpação em relação à história de Jesus, mas continuação e interpretação. 
 
3.  Se  os  evangelhos  nasceram  como  testemunho  de  fé  da  comunidade,  é  natural  que  se 
compreendam  melhor  dentro  do  mesmo  ambiente  de  fé  comunitária.    Assim,  a  melhor  posição  para 
conhecer e encontrar Jesus  é dentro da comunidade eclesial. Para se compreender Jesus precisa‐se de 
ter uma relação vital com Ele. O ponto de partida para reflectirmos sobre Cristo é a fé da Igreja. 
 

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