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Capítulo 1: Pecado

Por que existe o mal? Quando e como surgiu o mal? Quais os motivos para a existência da
fome e da miséria? Quais os motivos para o surgimento de tantas guerras, assassinatos, roubos,
estupros, morte e violência? Por que as doenças matam cada vez mais pessoas? Qual a solução para o
mal? Desde o princípio, a humanidade busca respostas e tenta encontrar soluções. A raça humana
tenta explicar a origem do mal e a sua solução por meio da filosofia, ciência, educação ou o governo.

Por meio da filosofia, a resposta mais comum é que as pessoas nascem boas, sem pecado,
mas com o tempo elas aprendem a pecar por causa dos demais indivíduos. Outra alternativa é o livre-
arbítrio, no qual as pessoas nascem moralmente neutras, cabendo a elas a decisão fazer boas ou más
ações. Ambas as opções estão incorretas, pois apesar das diversas campanhas de conscientização em
diversos temas, o mundo está cada vez mais depravado. E se a pessoa possui de fato o livre-arbítrio,
poderia escolher em fazer somente o bem por um mês ou um ano. Mas não é isso o que acontece, pois
todas as pessoas não param de pecar todos os dias.

A resposta dada pela ciência e tecnologia é que somente pela modernização dos meios de
comunicação, transporte e de trabalho e a medicina é capaz de erradicar o mal. Neste cenário, os
homens imaginam um mundo perfeito no mundo, como mostram muitos filmes e seriados. Nesta
visão futurista, não há doença, fome, desemprego e crimes. Esta opção também falha, pois apesar da
melhoria da medicina, as doenças e as suas epidemias só aumentam a cada ano. E também surgem
novas doenças a cada ano. Apesar das melhorias nos meios de transporte e das técnicas
agropecuárias, a fome também aumentou no mundo. Embora a tecnologia forneça conforto e algum
tipo de segurança, é incapaz de combater a corrupção moral da sociedade, tais como a inveja, o
ciúmes, o ódio, as más intenções, etc. E, por último, a ciência também é incapaz de erradicar os
crimes, como a violência, o assassinato, o roubo, o estupro, entre outros.

Outras pessoas preferem atribuir a educação como responsável em combater o mal.


Novamente, também é uma alternativa falha. Não é por falta de informação que os crimes diminuem,
visto que os EUA possuem a maior população carcerária do mundo. Países altamente desenvolvidos e
com o melhor sistema de educação do mundo, como a Suécia e o Japão, e também possuem a maior
taxa de ateus sobre o povo, também são líderes em índice de suicídios do mundo. Até mesmo os ricos
e bem informados cometem crimes, como no caso da corrupção do Brasil. Apesar do avanço do
conhecimento, os crimes só aumentam no mundo inteiro.

E a última alternativa é o governo. As pessoas acreditam que um governo mais eficiente e


fiscalizador, instituições democráticas mais fortes e a polícia mais ativa são capazes de redimir uma
nação. A Bíblia relata que os governos foram constituídos por Deus para refrear a atividade do
pecado, mas também é incapaz de combater o mal. Trata-se de outra opção errada, pois quanto mais
poder e confiança entregamos ao governo, mais o Estado explora o povo por meio de impostos,
regulamenta e controla a vida dos cidadãos e a corrupção aumenta. A economia entra em crise, os
cidadãos ficam desempregados e a criminalidade aumenta.
No início do século XX, os ocidentais abandonaram a cosmovisão cristã, deixaram de crer em
Deus e começaram a investigar a origem do mal e buscar soluções para erradicá-lo, como vimos
anteriormente. O homem começou a querer ser autossuficiente, ser independente da ajuda divina. Ao
mesmo tempo em que a cosmovisão cristã foi abandonada, o mundo se tornou cada vez mais
depravado. Não é à toa que foi justamente no século XX eclodiram a Primeira e a Segunda Guerra
Mundial, as mais mortíferas da história. Quanto mais a cosmovisão cristã é rejeitada, mais depravada
se torna a sociedade humana. Como vimos anteriormente, na busca incessante de tentar ser
autossuficiente, o homem falha ao buscar a origem e a solução para o mal.

A única conclusão é que somente as Escrituras fornecem respostas adequadas e suficientes


para a origem e a solução do mal. Para os cristãos, não é surpresa acontecer tragédias naturais ou
humanas (Mt 24:6-14, Mc 13:7-13, Lc 21:9-17). Também não é surpreendente para os cristãos a
sociedade humana estar cada vez mais depravada e rejeitar a cosmovisão cristã (Mt 24:8-12, Rm
1:28-32, 1Tm 4:1-4, 2Tm 3:1-9). As Sagradas Escrituras afirmam que todas as mazelas da sociedade,
incluindo a fome, a doença, o sofrimento, guerra, violência e outros crimes só tem uma só origem: o
pecado (Gn 6:5,11-13; Mt 15:19; Mc 7:21-23;Rm 1:28-32, 3:10-18; Gl 5:19-21). A Bíblia diz que tudo
o que Deus criou era bom, não havia imperfeição alguma (Gn 1:31, 1Tm 1:4). O pecado entrou no
mundo durante a rebelião de Satanás (Is 14:12-15, Ez 28:12-17, Lc 10:18, 2Pe 2:4, Jd 1:6, Ap 12:3-9)
e quando Adão desobedeceu a Deus, episódio conhecido como a Queda (Gn 2:17, Rm 5:15-19).

Como representante de toda a humanidade, ao pecar pela primeira vez, Adão trouxe
maldição e condenação para todos os homens (Rm 5:15-19). Assim, toda a natureza humana foi
corrompida por causa do pecado (Jr 13:23, Rm 7:15-21, Ef 2:1-3). Os efeitos do pecado sobre a raça
humana são terríveis: todos nascem com natureza pecaminosa (Sl 51:5; Is 48:8; Jr 13:23, 17:9; Rm
1:18-21, 3:9-12, 3:19-24, 5:12-21; Ef 2:1-3), não pode fazer nada espiritualmente bom para agradar a
Deus (Is 64:6; Jr 13:23; Rm 3:9-20, 7:18), sua tendência é tão somente pecar (Gn 6:5,11-12; Mt 15:19-
20; Mc 7:21-23; Rm 8:6-8), é escravo do pecado (Jo 8:34; Rm 3:9-12,23, 6:17-18, 7:14-21; Ef 2:1-3;
2Pe 2:19). O pecado causou a separação entre Deus e o homem (Is 59:2, Mt 7:23, Ap 21:8), que
chamamos de morte espiritual. O homem natural é inimigo de Deus (Rm 5:10, Cl 1:21, Tg 4:4), não
deseja buscá-Lo (Sl 14:2-3, Rm 3:10-12) e busca incessantemente ser autossuficiente. A situação da
raça humana é totalmente desesperadora, pois não pode fazer nada para conquistar ou merecer a
salvação, ao contrário, tão somente merece ser condenada à separação eterna.

Apesar do quadro desfavorável, não foi da vontade de Deus deixar toda a humanidade
perecer à morte eterna. Deus tomou a iniciativa e decidiu salvar muitas pessoas de Sua própria ira
(Jo 11:50-52; Ef 1:3-6; Hb 4:9-10; Tt 2:14; 1Pe 1:1-2, 2:9-10; Ap 5:9), por meio da morte de Jesus
Cristo (Is 53:11, Mt 26:28, Mc 10:45, Hb 9:28) e da chamada do Espírito Santo (Jo 1:13, 3:5-7, 16:7-8;
Rm 8:29-31; 1Co 1:23-24; 2Ts 2:13-14; Tt 3:4-5). Este artigo irá abordar quando e como surgiu o
pecado e os seus efeitos na raça humana até os dias de hoje. Já a solução do problema do pecado
estará nos próximos artigos. Serão tratados os seguintes tópicos: o que é pecado, pecado nos termos
hebraicos e gregos, a Criação, o pecado no mundo angélico, a Queda do homem, o pecado original, os
efeitos do pecado na humanidade e o pecado na vida do cristão.
Conceito e Definição de Pecado
Não é fácil definir e explicar todo o sentido da palavra ‘’pecado’’, pois esta assume diversas
definições. Podemos definir ‘’pecado’’ como tudo aquilo que se opõe aos mandamentos de Deus,
estado contínuo de rebeldia à vontade de Deus, violar ou não cumprir os padrões morais de Deus,
ofender à santidade de Deus e rejeitar continuamente à Sua vontade. A Palavra de Deus diz: ‘’o
pecado é a transgressão da Lei’’ (1Jo 3:5), ‘’Toda injustiça é pecado’’ (1Jo 5:17). O Breve Catecismo de
Westminster responde sobre a questão: ‘’Pecado é qualquer falta de conformidade à Lei de Deus, ou
qualquer transgressão desta lei’’.

Podemos compreender a palavra como tudo aquilo que é oposto ao caráter de Deus, isto é,
compreende o mal moral, oposto ao caráter de Deus, que é perfeitamente santo e justo: ‘’são
incapazes de fazer o bem, vocês que estão acostumados a praticar o mal’’ (Jr 13:23). Tg 1:21 adverte:
‘’livrem-se de toda impureza moral e da maldade que prevalece’’.Ao lermos o trecho de Rm 3:10-12,
entendemos a tendência do homem natural, em que sua vontade é sempre oposta aos padrões
morais de Deus, ou seja pecar continuamente. Em alguns trechos bíblicos, a palavra ‘’mundo’’ é
tratada como mal moral ou sistema filosófico depravado, em oposição à natureza de Deus, dando
significado mais amplo ao pecado: Mt 18:7; Jo 15:18-19, 16:7-8,17:14-15; Rm 12:2; 1Co 2:12, 5:9-11;
Ef 2:1-2, 6:12; Cl 2:8; Tg 1:27, 3:6, 4:4; 2Pe 2:19-20; 1Jo 2:15-16, 5:4. E também o termo significa
tudo o Deus reprova e aborrece (Gn 6:3,5,6; Is 59:2; Mt 7:23; Rm 1:28-32; Gl 5:16-21; Ap 21:8).

Em outras palavras, pecado é deixar de se conformar à lei moral de Deus, seja em atos,
atitudes ou natureza. Pecado não só compreende atos externos e individuais, como furtar (Êx 20:17),
mentir (Êx 20:16) ou matar (Êx 20:13). Pecado também compreende atitudes interiores ou desejos
íntimos que não são conformes aos padrões morais, tais como a cobiça (Êx 20:17). O apóstolo Paulo
condenou o ódio, o ciúme, a ira e o egoísmo como obras da carne e opostas aos desejos do Espírito
(Gl 5:16-21). No sermão do monte, Jesus condenou tanto os atos praticados externamente, como os
desejos íntimos também, como no caso do ódio (Mt 5:21-22) e do adultério (Mt 5:27-28). Portanto,
uma vida agradável a Deus é aquela que exibe pureza moral tanto em atos, como em desejos íntimos.
E, por último, a inconformidade à lei moral de Deus também é em natureza moral. A natureza
humana é escrava do pecado (Jo 8:34; Rm 3:9-12,23, 6:17-18, 7:14-21; Ef 2:1-3; 2Pe 2:19), ou seja,
rebelde e desobediente aos padrões morais. Como sabemos, o homem já nasce pecador (Sl 51:5; Is
48:8; Jr 13:23, 17:9; Rm 1:18-21, 3:9-12, 3:19-24, 5:12-21; Ef 2:1-3) e a sua tendência é tão somente
pecar (Gn 6:5,11-12; Mt 15:19-20; Mc 7:21-23; Rm 8:6-8) e é incapaz de fazer espiritualmente bom
para agradar a Deus (Is 64:6; Jr 13:23; Rm 3:9-20, 7:18). Ou seja, a própria natureza do homem não
se conforma às leis morais de Deus. Diante deste quadro, pecar não é apenas violar a lei moral de
Deus, mas também é estar em contínua rebeldia e inconformidade com a vontade do Criador.

O pecado também apresenta dois aspectos: positivo e negativo. O aspecto positivo do pecado
consiste em fazer algo agressivo, tais como violar padrões, violar limites apropriados, infringir uma
lei justa, sempre em relação à Deus. Isto é, significa ultrapassar os limites dados por Deus na Sua Lei,
relacionado aquilo que Deus proíbe o homem de fazer algo. Exemplos: ‘’Todo o Israel transgrediu a
tua lei’’ (Dn 9:11), ‘’Pois o Senhor falou: Criei filhos e os fiz crescer, mas eles se revoltaram contra
mim’’ (Is 1:2), ‘’E por que vocês transgridem o mandamento de Deus por causa da tradição de
vocês?’’ (Mt 15:3). Mandamentos como ‘’Não tomarás em vão o nome do Senhor’’ (Êx 20:7), ‘’Não
matarás’’ (Êx 20:13), ‘’Não furtarás’’ (Êx 20:17), são ordenanças negativas, dizendo que o homem não
deve fazer, impondo limites ao homem. Violar estes mandamentos consiste no aspecto positivo do
pecado. Quanto ao aspecto negativo do pecado, consiste em deixar de fazer algo que o Senhor
ordenou, errar um alvo quando deveria ter acertado, falhar quando deveria ter êxito, deixar de
praticar o bem, desviar do caminho quando deveria ter permanecido nele. Isto é, o aspecto negativo
do pecado é omissão, não praticar algo que o Senhor ordenou. Exemplos: ‘’Honra teu pai e tua mãe’’
(Êx 20:12), ‘’Amarás, pois, o Senhor, teu Deus’’ (Mc 15:30), ‘’Amem-se uns aos outros’’ (Jo 13:34).
Estes mandamentos são ordenanças positivas, dizendo que o homem deve fazer. Deixar de fazer algo
que o Senhor ordenou resulta no aspecto negativo do pecado.

Outros Aspectos do Pecado


Como já foi dito, o termo pecado e os seus aspectos são riquíssimos, são muito vastos e
variados e precisam de profundo estudo bíblico, teológico e exegético para compreender todos e
todo o conceito de pecado. Vejamos outras definições ou aspectos do pecado:

1. Pecado é uma inclinação interior: não é somente ações externas erradas, mas também de
disposição interior constantemente inclinada ao mal. Em outras palavras, pecamos
externamente porque primeiro a natureza humana é inclinada continuamente ao pecado. Foi
por isso que Jesus condenou o homicídio (Mt 5:21-22) e o adultério (Mt 5:27-28), tanto em
desejos íntimos, como os praticados externamente. Portanto, pecado é a incapacidade de
viver o que Deus espera de nós, tanto em ações, como em pensamentos e caráter;
2. Pecado é desviar do relacionamento e desobedecer aos mandamentos de Deus: é a
infidelidade a aliança firmada com Deus (Jr 3:10), é uma violação dos mandamentos de Deus
(1Sm 15:23, Sl 78:10);
3. Pecado é descrença: significa recusar, descrer nas promessas de Deus (Sl 95:8, Hb 4:7),
confiar mais no raciocínio humano que na Palavra de Deus, ou seja, falta de fé em Deus.
Neste caso, Adão e Eva creram na mensagem da serpente e duvidaram da advertência divina
(Gn 3:1-6), os irmãos de Jesus não criam que ele é o Filho de Deus (Jo 7:5), Tomé duvidou da
ressurreição de Cristo (Jo 20:24-25);
4. Pecado é rebelião e desobediência: o apóstolo Paulo afirma enfaticamente que tanto os
judeus (que possuem a Lei), como os gentios (que possuem a Lei gravada em seus corações,
em Rm 2:13-15) são culpados por pecarem contra Deus (Rm 3:9). E o apóstolo ainda
argumenta: ‘’Não há um justo, nem um sequer’’ (Rm 3:10). Isto é, tanto judeus, como gentios,
são condenados por Deus por não crer na mensagem do Evangelho e se opor à Deus;
5. Pecado é incapacidade espiritual: originalmente, a natureza humana foi criada à imagem e a
semelhança de Deus, disposta moralmente, pensamentos e atos inclinados à vontade de
Deus. Após a Queda de Adão, a natureza humana se tornou completamente depravada, ficou
seriamente prejudicada, distorcida e deformada. Ocorreu uma desordem interior. Desta
forma, a natureza humana sempre se opõe à Lei de Deus. Após conhecer a Deus por meio de
Seus atributos na natureza, os gentios se recusaram buscar ao Senhor e ‘’os seus
pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles se obscureceu’’ (Rm 1:21). A
Bíblia também diz: ‘’A mentalidade da carne é inimiga de Deus, porque não se submete à Lei
de Deus, nem pode fazê-lo’’ (Rm 8:7);
6. Pecado é ‘’destronar’’ a Deus: acima de qualquer coisa, o coração deve desejar
primeiramente a Deus. Qualquer coisa que o homem ama mais que o Senhor é pecado.
Portanto, o primeiro e grande mandamento é ‘’Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu
coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças’’ (Mc
12:30). O contrário deste mandamento é: ‘’Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim
não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha do que a mim não é digno de mim’’ (Mt
10:37), ‘’se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele’’ (1Jo 2:15);
7. Pecado é mal moral: Deus é santo, a sua vontade é a santidade, ou seja, a perfeita bondade
moral, para o homem. A não conformidade à lei divina, a incompatibilidade com a natureza
santa e perfeita do Criador, a ausência de conformidade ao caráter ou vontade de Deus ou
ser contrário à natureza divina é pecado e considerado como mal moral. E o mal moral traz
sérios prejuízos e más consequências para o pecador e para a sociedade. O pecado é mal
moral, resultado da escolha má do homem, contrária à vontade de Deus. Primeiramente, o
pecado é contra Deus, e em segundo plano contra o indivíduo e depois contra a sociedade,
trazendo sérios prejuízos e más consequências para os dois últimos. Após Davi pecar contra
Bate-Seba e matar Urias, Davi reconheceu que primeiramente violou a Lei de Deus e que
suas ações e pensamentos foram maus: ‘’Contra ti, contra ti somente, pequei, e fiz o que é
mal diante dos teus olhos’’ (Sl 51:4). O profeta Jeremias clama a Deus pela cessação da seca
sobre Judá, cujas causas foram os pecados da nação contra Deus (Jr 14:7,10,20). Na parábola
do filho pródigo, o filho que abandonou o pai reconheceu que pecou contra Deus e contra seu
pai (Lc 15:18). O pecado de Adão tornou toda a raça humana depravada e culpada pelo
pecado (Rm 5:12-19), o pecado de Acã ocasionou a ira de Deus contra Israel e resultou na
derrota do exército de Josué contra a cidade de Ai (Js 7:1-12), e o censo iníquo de Davi de
todo o Israel incitou a ira de Deus, resultando na morte de 70 mil pessoas (2Sm 24:1-15).
8. O pecado tem origem no coração: nas Escrituras, o coração significa o interior do homem, ou
seja, a sua natureza. É no interior humano que surge a vontade, o intelecto, a emoção. Como
sabemos, por causa do pecado de Adão toda a natureza do homem é totalmente corrompida.
Desta forma, a origem do pecado é na natureza ou coração corrupto do homem. Jesus disse
aos fariseus: ‘’Pois do coração do homem saem os maus pensamentos, os homicídios, os
adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os falsos testemunhos e as calúnias’’ (Mt
15:22, Mc 7:20-23, Lc 6:45). O apóstolo Paulo reconhece que não consegue fazer o bem por si
mesmo (Rm 7:15-20) e que a carne deseja apenas o pecado (Gl 5:17-21). O profeta Jeremias
atesta que o coração não é só perverso, mas também é enganoso (Jr 17:9);
9. O pecado não constitui apenas de atos exteriores: o pecado também constitui do estado ou
natureza pecaminosa, que serve de base para hábitos e pensamentos pecaminosos, e estes se
manifestam externamente (Pv 4:23, Hb 3:12);
10. O pecado resulta em culpa e punição: como Deus é santo (Lv 11:44-45, Js 24:19, 1Sm 2:2, Sl
99:9, Is 6:3, Ez 39:7, 1Pe 3:16, Ap 4:8), e é justo (Êx 9:27; Dt 32:3-4; 2Cr 12:6; Ne 9:8; Jó 4:7;
Sl 7:9-11, 11:7, 92:15; Dn 9:7,14; Os 14:9; Sf 3:5), Ele se deleita em Si mesmo e em Seus
padrões morais que governam o universo. Logo, o pecado é contrário ao Seu caráter, é
contrário e ofende à Sua santidade, que é chamado de impureza (Tg 1:21), é contrário à Sua
justiça (1Jo 5:17), é violar seus mandamentos (Dn 9:11, 1Jo 3:5), é tentar desrespeitar,
ofender ou opor-se à Sua autoridade (Rm 8:7). É por isso que Deus odeia o pecado (Dt 25:16;
Sl 5:4, 11:5; Zc 8:17; Lc 16:5), o transgressor é considerado culpado e recebe a punição (Rm
3:18, 5:18; Ef 2:3; Tg 2:9-10). Na Bíblia, a punição para o pecador é a morte (Rm 6:23, Hb
9:22). Desta maneira, a justiça de Deus é satisfeita e a ofensa à Sua santidade é removida. Ao
longo do estudo do pecado, perceberemos que o homem não tem condições de receber ou
pagar a punição e ao mesmo tempo ser salvo da condenação eterna. Assim, alguém sem
nunca ter pecado deve se apresentar no lugar do pecador e receber a sua punição. A solução
deste problema só é resolvida e explicada nos próximos capítulos.

Pecado nos Termos Hebraicos


Após um longo e profundo estudo teológico sobre as definições e aspectos do pecado, o
próximo passo é definir as palavras associadas ao pecado em termos hebraicos. Ao estudarmos todo
o sentido do pecado exegeticamente, a noção do termo pecado será mais profunda. Primeiramente, a
palavra pecado será estudada exegeticamente em termos hebraicos:

1. ‘ãshãm: culpado, ofender (reconhecer ofensa), transgredir.


a) Verbo que significa ser culpado ou fazer o mal. Este verbo é usado muitas vezes para descrever o
resultado do pecado, ou seja, a culpa diante de Deus. Pode ser usado com respeito a
indivíduos (Lv 5:2-5, Nm 5:6-7); congregações (Lv 4:13); ou nações (Ez 25:12, Os 13:16). Por
causa da íntima conexão entre culpa e pecado, esta palavra pode ser usada em sinônimo de
pecado (Os 4:15, 13:1), embora com frequência a ideia de punição pelo mal feito esteja
implícita (Os 10:2, Zc 11:5).
b) Culpa, oferta pelo pecado. Substantivo masculino usado para expressar o conceito de culpa ou
ofensa. Pode significar as ações que geram a culpa (Sl 68:21). Também pode expressar a
condição de ser culpado, ou seja, os resultados das ações conforme mostradas em Gn 26:10.
Esta palavra também pode se referir que a parte culpada deveria fazer à vítima, no caso de
dano à propriedade deste (Nm 5:7). O autor bíblico também usa este termo para designar a
oferta pela culpa, a oferta que é apresentada ao Senhor para absolver a pessoa culpada de
uma ofensa contra Deus ou contra o homem, aquela que pode ser avaliada e compensada (Lv
5:6);
2.‘ãmãl:substantivo masculino que significa mal, dificuldade, infortúnio, dano, agravo, injustiça,
maldade, trabalho. Esta palavra pode ser usada para as dificuldades gerais e apuros da vida,
o que pode ser visto por seu uso em associação com tristeza (Jr 20:18); aflição (Dt 26:7, Sl
25:18) e futilidade (Jó 7:3). A palavra também pode se referir a aborrecimento ou dano
dirigido a outra pessoa. A pessoa perversa fala de causar problemas (Pv 24:2). Seu emprego
em Eclesiastes e Sl 105:44 e 107:12 é mais bem traduzido como trabalho. Também se refere
às dificuldades e sofrimentos que o pecado causa no pecador ou às dificuldades que ele
impõe à outros (Dt 26:7, Jó 4:8, Sl 140:9, Jr 20:18, Hb 1:3);
3. Ãwõn:perversidade, iniquidade, injustiça, castigo, maldade, pecado, transgressão, culpa, mal.
Substantivo masculino que significa iniquidade, mal, culpa, punição. Esta palavra indica que
o pecado é particularmente mal, uma vez que transmite fortemente a ideia de distorção ou
perversão deliberada. O substantivo traz consigo a ideia de culpa por delito consciente (Gn
44:16, Jr 2:22). A punição que segue como consequência deste ato deliberado também é
indicada pela palavra (Gn 4:13, Is 53:11). A palavra hebraica indica pecado ou transgressão
consciente, como no caso de Jr 11:10, 13:22. Esta palavra para pecado também pode indicar
a culpa que resulta do ato de pecar. Em alguns contextos, a palavra também indica a punição
que resulta do pecado e da culpa (Gn 4:13; Sl 31:10; Ez 35:5, 44:10,12; Jr 51:6);
4. Ma’al: substantivo masculino que significa ato de infidelidade, ato desleal. Geralmente, a
palavra se aplica ações contra Deus, quer cometidas por um indivíduo (Lv 5:25, 6:2; Js 7:1,
22:20); ou pela nação de Israel coletivamente (Js 22:22, 1Cr 9:1, Ed 9:2, 10:6; Ez39:26);
5. Pãsha: verbo que significa rebelar-se, transgredir, revoltar-se, pecar. Embora seu significado
básico seja pecar, em quase todos os contextos está relacionado a uma revolta ou rebelião.
Há exemplos desta palavra na rebelião de Israel contra Deus (Is 1:2, 66:24; Jr 2:29, 3:13), e
rompimento de aliança entre povos seguido de revolta (1Rs 12:19; 2Rs 1:1, 3:5, 8:20);
6. Pesha: rebelião, pecado, transgressão, violação. Substantivo masculino que significa
transgressão, rebelião. Embora possa ser transgressão de um indivíduo contra outro (Gn
31:36, 50:17; Êx 22:9), ou de uma nação contra outra (Am 1:3,6,9,11,13, 2:1), esta palavra
expressa principalmente uma rebelião contra Deus e suas leis (Is 58:1, 59:12; Am 5:12).
Além do ato em si de transgressão, esta palavra também pode ser usada para indicar a culpa
que vem da transgressão (Jó 33:9, 34:6; Sl 59:3), a punição pela transgressão (Dn 8:12,13,
9:24); ou a oferta que é apresentada para fazer expiação pela transgressão (Mq 6:7);
7. Ra’: mau, ímpio, iníquo, depravado, corrupto, triste. Adjetivo que significa mal, nocivo. Significa
mau no sentido ético e moral. A palavra descreve homens e mulheres como pessoas más
(1Sm 30:22, Et 7:6, Jr 2:33), o coração do homem continuamente mau (Gn 6:5) desde a
meninice (Gn 8:21) e o dia do juízo do Senhor é chamado de um dia mau, um dia de acerto de
contas e condenação (Am 6:3). O termo se refere a circunstâncias como sendo más, como
quando os oficiais de Israel se viram em grande aperto (Êx 5:19, 2Rs 14:10). O termo assume
o aspecto de alguma desagradável, prejudicial ou nociva, como no caso de Jacó, que avaliou
sua vida como má e destrutiva (Gn 47:9, Nm 20:5), as mulheres cananeias eram más aos
olhos de Isaque (Gn 28:8), e o choro do povo de Israel por carne foi desagradável ao olhos de
Moisés (Nm 11:10). A palavra descreve alguém com coração oprimido (Pv 25:20). E, por
último, a palavra significa alguma coisa de má qualidade, feia de aparência, como no caso das
vacas magras no sonho do faraó (Gn 41:3,20,27).
8. Rã’a’:verbo que significa ser mau, fazer o mal. O vocábulo se refere ao mal moral, como o olho
mal, isto é, cobiçoso (Dt 15:9); ou uma pessoa fazendo o mal (Gn 44:5, Pv 4:16, Jr 4:22). A
palavra também se refere ao mal físico: Deus feriu ou puniu aqueles que o provocaram (Zc
8:14). A palavra expressa tristeza e descreve o rosto ou o coração, como sendo maus (1Sm
1:8, Ne 2:3);
9. Resha’: iniquidade, ímpio, perverso, falso, maldade, impiedade, perversidade, injustiça.
Substantivo masculino que significa iniquidade, injustiça e falta de retidão. O vocábulo
personifica o caráter que é oposto ao caráter de Deus (Jó 34:10; Sl 5:4, 84:10). Também é
colocado em oposição à justiça e a retidão divina. Esta palavra é apresentada como as ações
más e perversas praticadas que são praticadas pela humanidade (Jó 34:8). Representa as
infrações da lei civil, principalmente a fraude e o engano (Pv 8:7). Num sentido geral, pode
representar atos injustos (Dt 9:27);
10. Hãtã’:verbo que significa errar o alvo, ofender, pecar, induzir ao pecado, purificar do pecado,
livrar do pecado. O significado central da palavra é errar o alvo ou falhar. Pode ser usado em
sentido não-moral ou não-religioso para indicar a simples ideia de errar o alvo ou falhar um
empreendimento (Jz 20:16, Jó 5:24, Pv 19:2, Is 65:20). A palavra é usada principalmente
para descrever o fracasso e o pecado do ser humano. Indica o fracasso em fazer aquilo que
era esperado. Muitas vezes, a palavra indica estar em falta (Gn 20:9, Êx 10:19, 2Rs 18:14, Ne
6:13), ser culpado ou responsável (Gn 43:9, 44:32). Normalmente, significa pecar contra
Deus (Êx 10:16), contra outras pessoas (Gn 42:22, 1Sm 19:4-5) e contra a própria alma (Pv
20:2).

Pecado em Termos Gregos


Após o estudo sobre o pecado nos termos originais do hebraico, vejamos a mesma palavra
em termos gregos:

1. Hamartia: em geral, o substantivo significa pecado. É a palavra mais usada no NT para


representar o pecado. O termo possui vários sentidos: aberração da verdade, erro (Jo 8:46,
16:8-9); hábito de pecar (Rm 3:9, 5:12,20-21; Gl 3:22); inclinação ao pecado, desejo ou
propensão pecaminosos (Jo 8:34; Rm 6:1,2,6,12,14; Hb 3:13); a imputação, as consequências,
a culpa e o castigo do pecado (J0 1:29, Rm 11:27, Hb 9:26, 10:11, 1Pe 2:24, 1Jo 3:5). Isto é, a
palavra traz sentido de transgressão, ofensa, errar o alvo, tudo o que se opõe a Deus,
descrevendo tanto o estado do pecado como a sua origem;
2. Parabasis:geralmente o substantivo significa transgredir. Refere-se à transgressão, infração,
desobediência à Lei, ultrapassar voluntariamente os limites fixados por Deus (Rm 2:23, 4:15,
5:14; Gl 3:19; 1Tm 2:14; Hb 2:2, 9:15);
3. Paraptoma:substantivo que define o sentido de afastar-se do que é correto, erro falha.
Compreende as transgressões cometidas por ignorância ou descuido (Mt 6:14-15, 18:35; Mc
11:25-26; Gl 6:1; Tg 5:16) e as que são cometidas deliberadamente (Rm 4:25, 5:15-18,20,
11:11-12; 2Co 5:19; Ef 1:7, 2:1,5; Cl 2:13);
4. Anomia:o termo se refere à ilegalidade, violação da Lei, transgressão. A palavra está ligada à
insubordinação à Lei de Deus (1Jo 3:4), à injustiça (Mt 23:28, 24:12; Rm 4:7, 6:19; 2Co 6:14;
Tt 2:14). Também utilizada para descrever o abandono à fé cristã rumo às práticas idólatras,
à apostasia (2Ts 2:7);
5. Aselgeia:substantivo com sentido de excesso, falta de moderação, intemperança acerca de
qualquer coisa, exemplos: arrogância e insolência no modo de falar (Mc 7:22); loucura,
licenciosidade (2Pe 2:2), libertinagem, sensualidade na conduta geral (Rm 13:13, 2Co 12:21,
6. Gl 5:19, 2Pe 2:7,18); perversão em geral (Ef 4:19, 1Pe 4:3, Jd 1:4);
7. Adikia: de modo geral, o termo é definido por injustiça. Refere-se à ofensa e a injustiça
praticada contra outros (Lc 18:6, Rm 9:14, 2Co 12:13). Também significa iniquidade,
injustiça, impiedade (Lc 13:27; At 1:18; Rm 1:29, 3:5, 6:13; 2Tm 2:19; Hb 8:12; Tg 3:6; 2Pe
2:13; 1Jo 1:9, 5:17). E o termo significa impiedade, incredulidade, desprezo a Deus e as Suas
leis ao aderir ao mundanismo e à idolatria (Rm 2:8, 2Ts 2:10,12, 2Pe 2:15);
8. Porneia:substantivo com sentido de depravação, perversidade, maldade, impiedade,
iniquidade, má disposição (Mt 22:18, Lc 11:39, Rm 1:29, 1Co 5:3, Ef 6:12); conselhos ímpios,
más obras (Mc 7:22, At 3:26);

A Origem do Pecado ou Mal Moral


Quando o assunto da Queda do homem é tratado, cria-se um dilema em relação à origem do
mal: quem criou o mal? Qual o autor do pecado? Algumas pessoas respondem que Deus criou o mal,
argumentam que Deus é o criador de todas as coisas. Outros acreditam que Deus, pela sua
onisciência, previu a entrada do pecado no mundo e permitiu que seres morais, anjos e homens,
pecassem. Ambas as alternativas estão erradas.

A primeira opção leva à conclusão que se Deus criou o mal, logo também é o autor do
pecado, ou seja, responsável pelas mazelas da sociedade. Além de absurdo, contraria o registro das
Escrituras sobre o caráter de Deus. Primeiro lugar, Deus não criou o mal, Ele criou todas as coisas
perfeitamente boas, como está escrito em Gn 1:31, sobre a conclusão da Criação: ‘’E Deus viu tudo o
que havia feito, e tudo havia ficado muito bom’’. Segundo lugar, Deus é perfeitamente santo e justo (Is
6:3, Sl 92:15, Tg 1:13), odeia o pecado (Dt 25:16; Sl 5:4, 11:5; Zc 8:17; Lc 16:15): ‘’Suas obras são
perfeitas, porque todos os seus caminhos são juízo’’ (Dt 32:4), ‘’Longe de Deus o praticar a ele a
perversidade, e do Todo-Poderoso cometer injustiça’’ (Jó 34:10), ‘’Removam suas más obras para
longe da minha vista! Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem!’’ (Is 1:16-17).

Já a segunda alternativa, acertadamente afirma a responsabilidade dos anjos maus e dos


homens, como seres morais, de pecarem e violarem os padrões morais de Deus. Esta opção também
apresenta erros, já que as criaturas morais teriam poder de resistir, impedir e bloquear os propósitos
divinos. E também contraria a Bíblia, que declara a onipotência do Senhor: ‘’Bem sei que tudo podes,
e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido’’ (Jó 42:2), ‘’O meu conselho será firme, e farei
toda a minha vontade’’ (Is 46:10), ‘’Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer, como o efetuar,
segundo a sua boa vontade’’ (Fp 2:13). Portanto, a segunda opção também recai no mesmo erro que a
primeira alternativa: se Deus criou tudo perfeitamente bom, previu a entrada do mal e tem todo o
poder para impedir, não sendo a Sua vontade a entrada do pecado, por que permitiu a sua entrada?
As respostas a estes dilemas seriam: Deus teria sido negligente e omisso, portanto foi mal e culpado
por permitir a entrada do pecado.

A única alternativa coerente com o registro das Escrituras é que o Senhor, que é onisciente e
sabe todas as coisas de antemão, é onipotente e o Todo-Poderoso, decretou a permissão da entrada
do pecado para a manifestação da sua glória (Rm 9:20-24, 11:32-36; 1Co 10:31; 2Co 4:6, 4:15-17; Ef
2:3-10; 2Tm 2:8-10; 1Pe 5:10). Desta maneira, mesmo em meio às perseguições, tribulações e à
morte, o nome do Senhor é mais exaltado e glorificado pelos cristãos. Apesar de o Senhor ter
determinado de antemão a permissão da entrada do pecado (Pv 16:4, Rm 9:11-18, Jd 4), Deus não é
culpado ou o autor deste, pois os anjos maus e os homens pecam voluntariamente, possuem
responsabilidade moral e são punidos por suas más obras (Gn 6:12-13; Jó 8:3-4; Pv 16:27; Is 3:11,
65:12; Lc 22:22; At 2:23, 4:24-28; 2Pe 2:4). Importante lembrar que os decretos de Deus não são as
causas e nem as origens dos pecados humanos e angélicos. A origem e a causa do pecado estão no
coração do homem, mas Deus limita as más obras e utiliza os pecados humanos para cumprir seus
propósitos, como demonstra a passagem de Pv 16:9: ‘’Em seu coração o homem planeja o seu
caminho, mas o Senhor determina os seus passos’’. Outro exemplo é o caso de Judas Iscariotes, o
traidor de Cristo: ‘’O Filho do Homem vai, como foi determinado; mas ai daquele que o trair’’ (Lc
22:22). A passagem afirma que era propósito divino a morte de Cristo pela crucificação, para fazer
expiação pelos pecados do povo de Deus e salvá-los da condenação eterna. Porém, o propósito dos
homens de trair e crucificar a Cristo não foram para obedecer a Deus, mas porque o odiavam e
queriam matá-lo por este ter afirmado que é o Filho de Deus. Deus não colocou no coração de Judas o
propósito de trair Jesus, que confessou suas más intenções: ‘’Pequei, traindo o sangue inocente’’ (Mt
27:4), e foi punido por Deus por causa deste pecado. De alguma forma, o problema constitui-se um
paradoxo, um mistério para a mente limitada do homem. Ninguém sabe como a soberania de Deus se
concilia e se relaciona com a responsabilidade humana, mas é a única posição de acordo com o
ensino das Sagradas Escrituras.

O Pecado no Mundo Angélico


A Bíblia não trata do assunto com muita clareza, há poucos trechos bíblicos para informar ao
leitor sobre como o pecado penetrou em Satanás. A Bíblia trata do tema com algumas pistas, de
forma indireta. Diante do problema levantado, muitas pessoas preferem se entregar às especulações
e distorcem sobre a origem bíblica do pecado no mundo angélico. Entretanto, sabemos que a Bíblia é
o único livro divinamente inspirado e, que a revelação divina por meio das Sagradas Escrituras é
completa e suficiente para os cristãos. Desta maneira, o ponto de partida para estudarmos e
compreendermos as doutrinas cristãs é a Bíblia. Também afirmamos que em quaisquer debates
teológicos e divergências hermenêuticas, são as Sagradas Escrituras constituídas por Deus como a
maior autoridade para a resolução de qualquer problema ou dúvida teológica. A conclusão é que
devemos nos limitar sobre o assunto até onde Deus revelou a Sua Palavra por meio da Bíblia,
devemos entender que foi da vontade do Criador ocultar alguns mistérios e não detalhar alguns
pontos das Escrituras. E, por último, rejeitamos as vãs filosofias e especulações contrárias à santa
Palavra de Deus.

Quanto ao assunto, a Palavra de Deus relata que os anjos foram criados por Deus logo nos
seis primeiros dias (Ne 9:6 cf Sl 148:2, Cl 1:15-16). Ainda que não podemos afirmar com certeza em
que dia foram criados, algumas pistas indicam que pode ter sido no primeiro dia (Jó 38:4-7, Sl 104:4-
5). Certamente, os anjos foram criados antes do sétimo dia: ‘’Assim, pois, foram acabados os céus e a
terra e a todo o seu exército’’ (Gn 2:1), ‘’Em seis dias, fez o Senhor o céu e a terra, o mar e tudo o que
neles há e, ao sétimo dia, descansou’’ (Êx 20:11). Os anjos são criaturas espirituais (Hb 1:14), que não
possuem corpos físicos (Lc 24:39), dotados de inteligência (2Sm 14:20, Mt 24:36, Ef 3:10, 1Pe 1:12,
2Pe 2:11), adoram a Deus (Is 6:3, Sl 103:20-21, Ap 5:11), executam a vontade de Deus (Mt 24:31, At
7:53, 12:23; Gl 3:19; Ap 16:1), protegem e cuidam os cristãos (Sl 34:7, At 5:19, Hb 1:14) e são
chamados de santos anjos, isto é, possuem juízo moral (Mt 25:31, Mc 8:38, Lc 9:26, At 10:22, Ap
14:10).

Sobre a conclusão da obra da Criação, a Bíblia relata: ‘’E Deus viu tudo o que havia feito, e
tudo havia ficado muito bom. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o sexto dia’’ (Gn 1:31). Isto é,
tudo o que Deus criou era originalmente bom e perfeito. Até mesmo os anjos foram criados
moralmente bons. As expressões em Ez 28:12-18, ‘’Você era o modelo de perfeição, cheio de
sabedoria e de perfeita beleza’’, ‘’Você estava no Éden, no jardim de Deus’’, ‘’Você foi ungido como um
querubim guardião, pois para isso o designei. Você estava no monte santo de Deus’’, denotam a
condição original de Satanás, antes da entrada do pecado. Isto é, no seu estado original, Satanás foi
criado como ser perfeitamente bom, era querubim da guarda ungido por Deus, cheio de sabedoria e
beleza.

Porém, nem todos os anjos permaneceram obedientes a Deus, caíram de seu estado original,
tornaram-se maus e se rebelaram contra a vontade divina (Is 14:12-15, Ez 28:12-18, Jd 6). As
expressões bíblicas, ‘’Subirei aos céus; erguerei o meu trono acimas das estrelas de Deus’’ e ‘’Subirei
mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo’’ (Is 14:13-14) ‘’até que se achou maldade
em você’’, ‘’encheu-se de violência e pecou’’ e ‘’Seu coração tornou-se orgulhoso por causa da sua
beleza’’ (Ez 28:15-18), descrevem a causa do pecado de Satanás. Ou seja, Satanás pecou por orgulhar
de sua própria beleza, não se conformou com o seu estado original, seu coração se encheu de
violência, tornou-se ímpio e injusto e tentou se igualar a Deus. Embora os textos bíblicos referem-se
às profecias contra o rei da Babilônia e da cidade de Tiro, respectivamente, ambos os textos contêm
pistas apontando indiretamente à Satanás, conforme foram destacados neste parágrafo. Ambos os
trechos também informam que Satanás, o rei da Babilônia e da cidade de Tiro pecaram pelos mesmos
motivos: o orgulho, a soberba e a tentativa de se igualar à autoridade de Deus.

A Bíblia também relata que Satanás foi ‘’homicida desde o princípio’’, ‘’é mentiroso e pai da
mentira’’ (Jo 8:44), ‘’o Diabo vem pecando desde o princípio’’ (1Jo 3:8). Com base nos argumentos
bíblicos, Satanás se tornou pecador desde o início da história, desde os primórdios, no início da
criação do mundo, deixando bem claro que os anjos rebeldes foram os primeiros seres que pecaram.
Desde então, Satanás e os anjos rebeldes, chamados de demônios, tornaram-se adversários do
Senhor e do povo de Deus. A própria palavra Satanás significa ‘’adversário’’, contrário a tudo que foi
criado por Deus. O Diabo é chamado de ‘’serpente’’ (2Co 11:3; Ap 12:9, 20:2), responsável por tentar
e enganar Adão e Eva (Gn 3:1-6), causou enfermidades contra Jó, e o tentou sem sucesso a murmurar
contra Deus (Jó 2:7-10),tentou Davi a fazer censo de Israel, ocasionando a ira de Deus (1Cr 21:1-8),
Zacarias teve uma visão, na qual Satanás acusava o sumo sacerdote Josué de pecar (Zc 3:1-4),
fracassou ao tentar Jesus no deserto (Mt 4:1-11, Lc 4:1-13), incitou Pedro a tentar afastar Jesus do
sofrimento da cruz (Mt 16:21-23), possuiu o corpo de Judas Iscariotes e o induziu a trair Jesus (Lc
22:3, Jo 13:2), encheu o coração de Ananias a ponto de fazê-lo mentir ao Espírito Santo (At 5:1-5).
Outras referências bíblicas à Satanás: ‘’Diabo’’ (Mt 4:1, 13:39, 25:41; Ap 12:9, 20:2),
‘’Belzebu’’ (Mt 10:25, 12:24,27; Lc 11:15), ‘’príncipe deste mundo’’ (Jo 12:31, 14:30, 16:11), ‘’príncipe
da potestade do ar’’ (Ef 2:2), ‘’maligno’’ (Mt 13:19, 1Jo 2:13), ‘’inimigo’’ (Mt 12:39), ‘’enganador’’ (Ap
12:9), ‘’adversário’’ (1Pe 5:8), ‘’grande dragão’’ (Ap 12:3), ‘’deus deste século’’ (2Co 4:4). A principal
atuação de Satanás e dos demônios é se opor à vontade de Deus e tentar afastar pessoas do caminho
da salvação, por meio da: mentira (Jo 8:44), engano (Ap 12:9), homicídio (Sl 106:37, Jo 8:44), causam
alguns tipos de doenças (Mt 12:22; Mc 1:26, 9:17,20,25; Lc 9:39; At 8:7), possuem corpos de pessoas
incrédulas (Mt 8:28, 17:15-18), e cegam o entendimento dos incrédulos para não compreender o
Evangelho (Lc 8:12, 2Co 4:4). Apesar do grande poder de Satanás e dos demônios, eles apenas podem
atuar até onde Deus permitir, ou seja, seus poderes de atuação são limitados e controlados por Deus,
como no caso de Jó 2:5-7. Enquanto tinha uma vida terrena, Jesus expulsou demônios e tem
autoridade sobre eles (Mt 12:22; Mc 1:23-26,34,39, 5:6-8, 9:25-27; Jo 12:31; Hb 2:14-15; 1Jo 3:8).
Além disso, Jesus delegou autoridade aos apóstolos e a igreja para expulsar demônios em seu nome e
resisti-los (Lc 10:17; At 8:7, 16:18; Tg 4:7; 1Jo 3:8). Portanto, não existe dualismo, onde Deus e o
Diabo lutam pelo controle do universo, do mundo e das pessoas. Deus é soberano sobre tudo e sobre
todas as coisas, nada resiste à Sua vontade!

Após viver certo período de tempo nas regiões celestiais (Ef 2:2, 6:11-12), Satanás é
derrotado pelo arcanjo Miguel e seus anjos, expulso do céu e lançado na terra (Ap 12:7-9). Algumas
pessoas atribuem esta batalha logo no início da criação, quando se revoltou contra Deus; outros
acreditam que trata da vitória final de Cristo sobre os demônios no fim dos tempos. A interpretação
mais coerente com as Escrituras é atribuir a derrota de Satanás por causa da morte e ressurreição de
Cristo ao terceiro dia, conforme diz Jo 12:31, 14:30-31, 16:11; Cl 2:12-15; Ap 12:10-12. Sobre a
queda de Satanás, Jesus afirmou: ‘’Eu vi Satanás caindo do céu como relâmpago’’ (Lc 10:18). Além
disso, Satanás foi derrotado por Jesus na tentação no deserto (Mt 4:1-8), amarrou o ‘’valente’’, ou
seja, o Diabo, e inaugurou o Reino de Deus (Mt 12:28-29, Mc 3:23-27, Lc 11:21-22, Jo 12:31-
32).Depois da ressurreição de Cristo, Satanás e os demônios perseguem a ‘’mulher’’, identificada
como o povo de Deus, a igreja (Ap 12:12-13), e estes possuem pouco tempo em atividade. Enquanto
isso, Cristo reina por mil anos (em sentido simbólico), ao mesmo tempo em que Satanás é amarrado
e preso no abismo pelo mesmo período de tempo (Ap 20:1-3). Lembrando que o sentido de Satanás
ter sido preso e amarrado não é literal, mas simbólico, o ato contra o Diabo significa que Cristo
limitou radicalmente seus poderes. Como os pecados do povo de Deus foram pagos através da morte
de Cristo, o Diabo não pode exigir a Deus a morte deste povo por causa de seus pecados (Rm 8:33-
34). No máximo, o Diabo pode apenas perseguir e tentar o povo, mas jamais pode separá-los de Deus
(Rm 8:35-39).Depois, Satanás é solto do abismo e aproveita curto período de tempo para enganar as
nações (Ap 20:7-8). E, por último, ao contrário do povo eleito por Deus, o Senhor decidiu não
estender a redenção para os anjos maus, condenando-os eternamente ao inferno, ao lago de fogo e
enxofre (Mt 25:41, 2Pe 2:4, Jd 6, Ap 20:10).

A Queda
Segundo o registro sagrado em Gn 1:26-30, Deus criou o homem à sua imagem e à sua
semelhança, isto é, o homem portava muitos (não todos) atributos divinos, a saber: santidade, justiça,
conhecimento, sabedoria, misericórdia, amor, entre outros. O Senhor deu a Adão, o primeiro homem,
domínio sobre os peixes do mar, as aves do céu e os animais da terra, ou seja, Adão foi constituído
como administrador do mundo terrestre. Em seguida, Deus formou Eva, a primeira mulher, para
corresponder a Adão, não deixá-lo só e auxiliar seu esposo na administração da Criação (Gn
2:18,21,22). E, por último, Deus criou plantas que produzem frutos para alimentar o casal e, a estes
Deus abençoou e lhes ordenou para multiplicar a raça humana em toda a terra (Gn 1:28-29).

Logo depois, Deus estabelece com Adão um relacionamento íntimo, uma comunhão por meio
de um pacto, uma aliança, um acordo no jardim do Éden: ‘’De toda árvore do jardim comerás
livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que
dela comeres, certamente morrerás’’ (Gn 2:16-17). Percebe-se que na aliança firmada entre Deus e
Adão, há a promessa de bênçãos em decorrência do cumprimento do acordo e, da promessa de
maldição e punição em caso de descumprimento do pacto. Na primeira parte do acordo, Adão pode
comer livremente qualquer árvore do jardim do Éden, conforme Deus já tinha ordenado em Gn 1:29,
exceto a árvore do conhecimento do bem e do mal. Quanto à árvore do conhecimento do bem e do
mal, estava no meio do jardim (Gn 2:9), para testar a obediência voluntária e livre de Adão à vontade
revelada do Senhor. Adão tinha que mostrar disposição para servir a Deus, submeter à vontade d’Ele,
desenvolvendo e aperfeiçoando um caráter santo. Esta árvore não era má em si, muito menos tinha
algum poder maligno, a função desta era tão somente testar a obediência de Adão. No pacto firmado
entre Deus e Adão, foram estabelecidas as consequências para a obediência e desobediência. Caso o
homem descumprir o acordo e comer o fruto da árvore proibida, a punição seria a morte física e
espiritual, separação eterna de Deus. Implicitamente, o texto bíblico afirma que o cumprimento do
acordo resultaria em gozar eternamente da comunhão com Deus e receber a imortalidade física,
representado pela árvore da vida, também localizada no meio do jardim (Gn 2:9, 3:22 cf Ap 2:7,
22:2).

Depois do diálogo entre Deus e Adão, Satanás possui uma serpente com intuito de tentar e
enganar o primeiro casal humano, com objetivo de convencer Adão e Eva a descumprir o pacto
estabelecido por Deus. Embora Gn 3 não relata explicitamente quando e como Satanás possuiu a
serpente, podemos ter certeza desta posição por meio dos seguintes trechos: ‘’Ele é a antiga serpente
chamada Diabo ou Satanás, que engana o mundo todo (Ap 12:9), ‘’Ele prendeu o dragão, a antiga
serpente, que é o Diabo, Satanás’’ (Ap 20:2). O Diabo possuiu a serpente porque esta é o ‘’mais astuto
de todos os animais selvagens que o Senhor Deus tinha feito’’ (Gn 3:1), uma criatura enganadora,
com pele manchada para confundir sua presa e sutil para caçar. Usando sua capacidade de engano e
mentira, a astúcia e a sutileza da serpente, Satanás conversa com Eva, e depois Adão é tentado (Gn
3:1-7).

Primeiramente, a serpente conversa com Eva. Não sabemos se ela estava sozinha ou
acompanhada de seu marido, mas a serpente empregando suas estratégias de engano e tentação
percebeu que era mais fácil enganar e incitar a mulher a desobedecer ao Senhor. A serpente diz para
Eva: ‘’Foi isto mesmo que Deus disse: Não comam de nenhum fruto das árvores do jardim’’?
Observem que Satanás distorce a ordem de Deus, que apenas proibiu comer do fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal. Quanto à Eva, ao invés de evitar a conversa com o tentador, o qual
não tinha boas intenções, ela responde que Deus permitiu comer frutos de todas as árvores, exceto a
do conhecimento do bem e do mal, nem sequer tocar, do contrário a consequência é a morte (Gn 3:2-
3). Em seguida, a serpente diz à mulher: ‘’Certamente não morrerão’’ (Gn 3:4)! A serpente não nega o
que Deus havia dito, mas chama Deus de mentiroso ao dizer que não haveria sentença a ela em caso
de descumprimento do acordo. Ou seja, o Diabo incita Eva a ignorar a punição, pois na visão da
serpente isso não aconteceria. Depois, a serpente faz uma oferta enganosa: a oportunidade de saber
tanto como Deus, ‘’serão conhecedores do bem e do mal’’ (Gn 3:5) e, através do fruto iriam se igualar
a Deus. Desta maneira, a serpente atingiu sua meta: fez o casal duvidar da veracidade e da bondade
de Deus, além de desejar se tornar igual a Deus, a essência do pecado original. Como estava em
dúvida, no pensamento de Eva, a única maneira para saber quem está certo ou errado é provar o
fruto e aguardar os resultados. Olhando para o fruto com muita atenção, atraída por este ser belo,
agradável ao paladar e desejável para obter discernimento, comeu e deu o fruto ao seu marido, que
confiou mais na sua mulher que na palavra de Deus (Gn 3:6).

No diálogo, o casal teve que fazer uma escolha: continuar confiando na Palavra de Deus, que
representa a própria autoridade de Deus? Ou elevariam sua própria razão acima da Palavra de Deus,
decidindo por si próprios quem estava certo ou errado? Quem seria a autoridade final: Deus ou o
homem? Uma vez que o homem achou a interpretação da serpente sobre a ordenança tão provável
quanto a interpretação de Deus, cabia ao casal decidir. A única maneira para o pensamento do casal
era provar do fruto e aguardar os resultados. Uma vez que colocaram sua razão acima da autoridade
de Deus, quando se colocaram no lugar de Deus como juiz e referencial supremo para interpretar a
realidade, a Queda do homem aconteceu. O ato de desobediência, declarar sua independência de
Deus e tentar se igualar ao Senhor foi consequência do pecado original.

O pecado original atingiu três aspectos: o que é verdadeiro? Deus disse a Adão que a
consequência do descumprimento do pacto era a morte, mas a serpente disse ‘’é certo que não
morrereis’’ (Gn 3:4). O casal duvidou da veracidade da Palavra de Deus e fez uma experiência para
ver se Deus falara a verdade ou não. Segundo aspecto: o pecado atingiu a base dos parâmetros
morais, pois deu uma resposta diferente a pergunta: o que é certo? Deus dissera que era moralmente
certo que o homem não comesse do fruto da árvore proibida (Gn 2:17), mas a serpente disse que era
moralmente certo comer do fruto daquela árvore e que se tornariam ‘’como Deus’’ (Gn 3:5). O casal
confiou na sua própria avaliação do que era certo ou errado, assumiram para si a prerrogativa de
definir o que é certo e errado, negaram e duvidaram das palavras do Criador, e em seguida comeram
(Gn 3:6-7). E o último aspecto do pecado foi uma resposta diferente a pergunta: quem eu sou? A
resposta correta é que Adão e Eva eram criaturas de Deus, dependentes d’Ele e subordinadas ao
Senhor. Porém, ao comer o fruto, o homem fracassou ao tentar negar sua verdadeira origem e
sucumbiu ao tentar ser igual a Deus ou tomar o trono d’Ele.

Após comer o fruto da árvore proibida, Adão e Eva perceberam que suas intenções malignas,
tais como ser independente de Deus e ser igual ao Senhor fracassaram. Ao contrário, o casal recebeu
a primeira sentença imediatamente após o pecado original: a perda da comunhão com Deus, a morte
espiritual. Essa perda de intimidade e transparência com Deus era simbolizada pela nudez e que não
sentiam vergonha disso. Naquele momento, o casal se cobriu com folhas de figueira (Gn 3:7). O
pecado havia corrompido toda a natureza humana: mente, vontade, coração e corpo. Isto não
significa que o homem se tornou tão mal quanto poderia ser, mas que todas as suas partes se
tornaram pecaminosas e que sua natureza e vontade estavam escravizadas pelo pecado, com
tendência voluntária somente ao mal moral. Naturalmente, o homem sequer busca a Deus, pelo
contrário, foge d’Ele e se prende ao pecado. Isto é simbolizado pela vergonha em estar nu; cobrir-se
com folhas de figueira, ou seja, outra declaração de independência a Deus ao invés de pedir ajuda
divina; esconder-se da presença do Senhor e tentar sem sucesso culpar o outro pelo pecado (Gn 3:8-
13). Após o homem fracassar no período probatório, o Senhor decretou as sentenças para os
envolvidos na tentação de comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal:

1. Serpente: embora o animal esteja envolvido na tentação, a maldição também é contra o


Diabo (Is 14:12-15, Ez 28:12-17, Ap 12:9). Na maldição, Deus frustra os planos de Satanás,
da intenção de se igualar à Deus ou elevar seu trono acima do Todo-Poderoso e seu tempo de
atividade agora é limitado. Apesar do conflito entre Satanás e a raça humana ter iniciado,
‘’porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela’’ (Gn
3:14), no qual o Diabo impõe muitos sofrimentos sobre os homens, porém a disputa terá fim.
Após o primeiro casal humano ter descumprido a aliança das obras, Deus anuncia a aliança
da graça implicitamente, ao prometer que da mulher surgiria o descendente. Este
descendente prometido no AT cumpriu-se cabalmente em Jesus Cristo (Lc 3:23-38; Jo 1:1-
4,10,14; Gl 4:4-5), que foi concebido pelo poder do Espírito Santo e nasceu de forma
milagrosa da virgem Maria. Apesar de a serpente ter ferido o seu calcanhar simbolicamente
por meio da morte por crucificação, Cristo venceu a morte ao ressuscitar no terceiro dia e
destruiu o império de Satanás (Cl 2:15). Ele ferirá a cabeça da serpente quando esmagar o
Diabo debaixo dos pés de seu povo (Rm 16:20) e ao lançar no lago de fogo e enxofre (Ap
20:10), derrotando para sempre o inimigo do povo de Deus;
2. Mulher: ao tentar se tornar independente de Deus e insubmissa ao seu marido, Eva recebeu
trágicas consequências, que também se estenderam para todas as mulheres. Como os efeitos
do pecado geram frustrações, tristezas e morte, agora todas as mulheres receberam o juízo
divino de dar à luz os seus filhos com imensas dores de parto (Gn 3:16). Embora a gravidez e
a criação de filhos trazem muitas alegrias, também são marcadas por intensos sofrimentos,
tristezas, lágrimas e dor, desde os cuidados médicos na gravidez, as dores de parto, até os
conflitos com os seus filhos. A segunda consequência do pecado, ‘’seu desejo será para o seu
marido, e ele a dominará’’ (Gn 3:16), também é o reflexo da tentativa frustrada de ser
independente de Deus e insubmissa ao seu esposo. A mulher foi criada para ser auxiliadora
do homem, existia uma relação de mútuo respeito, em completa harmonia, mas depois da
Queda, as diferenças de funções no casamento se acentuaram. Depois da Queda, o desejo da
mulher passou a ser para o seu marido, ou seja, Eva sempre foi submissa à Adão, mas agora
essa submissão se tornou sujeição, em que o homem tem mais poder de autoridade sobre a
mulher, sempre acompanhado de muitas aflições e sofrimentos, havendo com frequência o
abuso de autoridade. Isso tudo devido ao pecado de Eva;
3. Homem: antes da Queda, o homem administrava a criação visível em perfeita harmonia, o
trabalho não era algo difícil e penoso, mas agradável e confortável. Depois da Queda, a
relação entre o homem e a criação passou a entrar em conflito. Na punição, Deus amaldiçoa a
terra, esta passa a produzir espinhos e ervas daninhas (Gn 3:17-18), tornando-se
inapropriada para o cultivo de alimentos. O trabalho do homem é cansativo, árduo e
desgasta o seu corpo. Com muito esforço, dor e fadiga, ao ponto de suar por causa do
trabalho (Gn 3:19), o homem precisa trabalhar arduamente para fertilizar a terra e plantar
alimentos. Outra consequência do pecado foi a morte física, ‘’porque você é pó, e ao pó
voltará’’ (Gn 3:20). Esta punição não somente foi aplicada ao homem, como também à
mulher, visto que foi tirada da costela do homem. A partir deste momento, o ser humano
deixa de ter acesso à vida eterna, o homem natural já está morto espiritualmente, separado
de Deus por causa do pecado e, possui também tempo de vida física limitada, o corpo
envelhece, morre e volta ao seu local de origem, ao pó.

E os últimos resultados do juízo de Deus contra a desobediência do primeiro casal humano,


foi que o Senhor proibiu o homem em comer o fruto da árvore da vida, que simbolizava a vida eterna,
expulsou Adão e Eva do jardim do Éden, colocou querubins e uma espada flamejante para evitar o
acesso à árvore da vida (Gn 3:23-24).

Os Efeitos do Pecado
As consequências do pecado e o ensino da salvação pela graça divina por meio de Jesus
Cristo, podem ser resumidas no trecho bíblico de Rm 5:18-19: ‘’Se pela transgressão de um só a
morte reinou por meio dele, muito mais aqueles que receberam de Deus a imensa provisão da graça
e a dádiva da justiça reinarão em vida por meio de um único nome, Jesus Cristo. Consequentemente,
assim como uma só transgressão resultou na condenação de todos os homens, assim também um só
ato de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os homens. Logo, assim como por meio da
desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim também, por meio da
obediência de um único homem muitos serão feitos justos’’.

Segundo os conceitos teológicos, o pecado original compreende a culpa do pecado imputada


por Deus para toda a humanidade a partir do primeiro pecado e a tendência pecaminosa que todos
os homens nascem. Neste sentido, o pecado é original porque provém de Adão, e também porque
pertence a nós desde o princípio da nossa existência pessoal. Pecamos porque já nascemos
pecadores e com tendência pecaminosa, refutando a ideia de pecar por imitação. O pecado original
compreende a culpa pelo pecado (culpa original) e a tendência pecaminosa logo no nascimento do
ser humano (universalidade do pecado, depravação total e incapacidade total). Enquanto que no
tópico ‘’A Queda’’ estudamos sobre a essência do pecado original, neste tópico serão abordados sobre
os aspectos deste. Este tópico chama-se ‘’Efeitos do Pecado’’ para expressar os terríveis danos que
trouxe e traz sobre a humanidade de forma mais forte e chamativa. Vejamos os resultados negativos
que a Queda trouxe para a raça humana:

Culpa original: quando Adão pecou, não somente trouxe sérios prejuízos a ele mesmo, mas
também a toda a raça humana. Diferente dos dias de hoje, em que se enfatiza muito a
responsabilidade individual pelos atos, Deus se relaciona com a raça humana como uma unidade
orgânica, esta é representada por alguma pessoa. Assim, o pecado deste representante, torna todos
os homens culpados, merecedores de condenação e moralmente responsáveis pelo ato pecaminoso.
Neste caso, Adão foi o chefe representativo e pai da humanidade. Todos os membros da raça humana
estavam sendo representados por Adão no tempo de provação no jardim do Éden. Assim, quando
Adão pecou, Deus considerou toda a raça humana tão culpada quanto o primeiro homem. Por isso, o
pecado de Adão é o pecado de todos e a culpa do seu pecado é imposta na conta de todos os homens,
de forma que todos são culpados. É isto que afirma a Bíblia: ‘’Portanto, da mesma forma como o
pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte, assim também a morte veio a todos
os homens, porque todos pecaram’’ (Rm 5:12). Assim como Adão, seus descendentes são culpados
pelo pecado, igualmente ambos merecem a punição, que é a morte (Rm 5:12-19, Ef 2:3, 1Co
15:22).Está escrito nas Sagradas Escrituras: ‘’Visto que a morte veio por meio de um só homem,
também a ressurreição dos mortos veio por meio de um homem. Pois da mesma forma como em
Adão todos morrem, em Cristo todos serão vivificados’’ (1Co 15:22). Por causa da ênfase na
responsabilidade individual, muitas pessoas acusam de ser injusto o fato de toda a raça humana ser
representada por Adão. Portanto, por esta lógica, devemos considerar o sacrifício de Cristo na cruz
como injusto, pois naquele ato Cristo estava representando o povo de Deus, em que o Senhor
considerou o seu povo justificado de seus pecados. Vejamos o que a Bíblia diz: ‘’Logo, assim como por
meio da desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim também, por meio da
obediência de um único homem muitos serão feitos justos’’ (Rm 5:19). O trecho de Rm 5:12-19
compara a raça humana decaída em seus pecados e delitos, representada por Adão, com a raça
humana redimida por Cristo. Adão, o primeiro representante, pecou e Deus considerou toda a
humanidade culpada. Jesus Cristo, o segundo representante, obedeceu perfeitamente a Deus,
cumpriu a punição do pecado e o Senhor nos considerou justos. Ou seja, Deus considera a
humanidade como uma unidade orgânica, representada por Adão. E o Senhor também considera os
cristãos como um conjunto orgânico, representado por Cristo. A experiência também refuta as
acusações contra esta doutrina, pois as decisões do governo civil, sejam boas ou más, afetam o povo,
as decisões do pastor afetam os cristãos de uma denominação, as decisões do pai afetam a família.

Universalidade do pecado: além da culpa legal que Deus nos imputa por causa do pecado de
Adão, também herdamos uma natureza pecaminosa como consequência do primeiro pecado. Isto é,
todos os homens já nascem com natureza pecaminosa (Gn 8:21; Sl 51:5, 58:3; Is 48:8; Ef 2:3).
Portanto, não podemos considerar a ideia de que somos pecadores por imitação, ou que nascemos
bons e somos corrompidos pela sociedade. As Escrituras apontam claramente que os homens são
pecadores porque já nascem com natureza pecaminosa, tão presente desde o momento da
concepção. Após os efeitos do Dilúvio, Deus prometeu não amaldiçoar a terra e destruir os seres
viventes ‘’Porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice’’ (Gn 8:21). Davi, ao
pedir misericórdia ao Senhor por suas falhas pessoais, também reconhece que é pecador desde que
nasceu: ‘’Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe’’ (Sl 51:5). Desta maneira,
também é enganosa a ideia que as crianças nascem boas ou puras, também possuem disposição
natural ao pecado, conforme ditas as referências bíblicas. Não somente pelas Sagradas Escrituras,
mas também pela experiência sabemos que as crianças não precisam a aprender fazer coisas erradas,
isto elas descobrem por si próprias. Além de nascerem com natureza com tendência pecaminosa,
todos os homens são pecadores perante Deus (Gn 6:5; 1Rs 8:46; Sl 14:3, 53:1-6, 143:2; Ec 7:20; Is
53:6; Rm 1:18-21, 3:9-12, 3:19-24; Tg 3:2, 1Jo 1:8-10). Davi disse: ‘’Ninguém é justo diante de ti’’ (Sl
143:2). Salomão afirmou: ‘’Não há ninguém que não peque’’ (1Rs 8:46). Como todos os homens são
pecadores, não há ninguém que possa se justificar diante do Senhor por meio do esforço, em fazer
boas obras: ‘’Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à Lei,
pois é mediante a Lei que nos tornemos plenamente conscientes do pecado’’ (Rm 3:20). O apóstolo
Paulo afirma que ‘’Tanto judeus quanto gentios estão debaixo do pecado. Como está escrito: Não há
nenhum justo, nem um sequer’’ (Rm 3:9-10). Paulo também diz: ‘’Pois todos pecaram e estão
destituídos da glória de Deus’’ (Rm 3:23). Como toda a raça humana é culpada pelo primeiro pecado,
é pecadora diante de Deus, também todos os homens merecem a condenação eterna, que é a morte
espiritual (Jo 3:19-21; Rm 1:18-32, 6:23, 5:12-21; 1Co 15:22; Ef 2:1-3). Portanto, todos os homens
precisam da redenção que há em Cristo Jesus para se livrarem da condenação eterna e se
reconciliarem com Deus (Mt 1:21, 26:28; Mc 10:45; Jo 3:16-18, 10:11-15; Rm 5:8, 8:32-34; Tt 2:13-
14; Ap 1:5). Ou seja, Jesus Cristo é o único caminho da salvação (Jo 14:6), não há outro modo de
redenção para os nossos pecados. Não podemos ser salvos da ira de Deus por meio do esforço de
boas obras, pois todos somos pecadores. Sem Cristo, não há esperança de salvação para os
pecadores, restando apenas à espera da morte eterna.

Depravação total: significa que a Queda afetou todos os aspectos do ser humano, todas as
partes da natureza humana estão maculadas pelo pecado: o intelecto, as emoções, os desejos, as
emoções, o coração e até o corpo físico (Gn 6:5; Ec 7:22, 9:3; Jr 17:9; Mt 15:19-20; Mc 7:21-23; Rm
1:21,24, 7:17-21, 8:6-9; Ef 2:1-3, 4:18-19; Cl 3:5-7; Tt 1:15; Hb 3:10). Michael Horton comentou sobre
a depravação total: ‘’Cada área da vida humana foi afetada e nada criado por Deus foi deixado em
intacto. Consequentemente, a mancha do pecado nos corrompe física, emocional, psicológica, mental,
moral e espiritualmente’’. Após a Queda, a imagem do homem se distorceu, perdeu a pureza moral
que tinha quando foi criado por Deus. Sendo assim, o homem não confiar em nenhum aspecto da sua
natureza, precisa confiar em Cristo para que sua natureza seja renovada e transformada por Cristo. O
profeta Jeremias disse sobre a corrupção da natureza humana: ‘’Enganoso é o coração, mais do que
todas as coisas, desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?’’ (Jr 17:9). Na discussão sobre a
tradição dos fariseus, Jesus respondeu o que torna o homem impuro diante de Deus: ‘’Pois do coração
saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os
falsos testemunhos e as calúnias’’ (Mt 15:19). O apóstolo Paulo afirmou sobre a corrupção da
natureza humana: ‘’Sei que nada de bom em mim habita em mim, isto é, na minha carne’’ (Rm 7:17).
Por ter imagem de Deus distorcida, perdida a pureza moral e possuir natureza totalmente
corrompida, a tendência natural do homem é pecar, fazer aquilo que é moralmente reprovado por
Deus, transgredir os padrões morais (Gn 6:5,11-12; Sl 14:1-3, 143:2, 53:1-6; Ec 7:20; Jr 13:23; Rm
1:29-32, 3:10-18; Ef 2:1-3; 2Tm 3:2-5; Tt 3:3; 1Jo 1:8). Sobre a tendência pecaminosa do homem, a
Bíblia diz: ‘’Vocês são incapazes de fazer o bem, vós que estão acostumados a praticar o mal’’ (Jr
13:23), ‘’Todos se desviaram, igualmente se corromperam; não há ninguém que faça o bem, não há
nem um sequer’’ (Sl 14:3). O estado do homem natural, não regenerado por Deus é de morte
espiritual. Em seu estado natural caído, o homem odeia a Deus e não quer nenhuma relação com Ele
(Rm 1:29-32; Cl 1:21; Tg 4:4; 1Co 1:20, 2:14; Ef 4:17-19). Como a sua vontade está escravizada pelo
pecado (Jó 15:14-16; Rm 3:9-12,23, 6:17-18, 7:14-21; Ef 2:1-3; Tt 3:3), que afeta toda a sua natureza,
o homem não consegue vencer o pecado. Por causa do pecado, o homem está afastado, é inimigo e
está sob a ira de Deus (Jo 3:36; Rm 1:18, 2:5-8; Gl 5:19-21; Ef 2:1-3, 5:6; 2Ts 1:7-9). A penalidade do
pecado é a morte física e espiritual (Mt 7:23; Jo 3:19-21; Rm 1:18-32, 6:23, 5:12-21; 1Co 15:22; Ef
2:1-3; Hb 9:22). A doutrina da depravação total se refere à extensão e não a profundidade da
depravação. Isto não significa que toda a ação do homem seja somente má ou que os seres humanos
sejam todos os mais perversos possíveis. As restrições da lei civil, as expectativas da família e da
sociedade e a condenação da consciência humana (Rm 2:14-15) funcionam para limitar nossa
tendência natural ao pecado. Por meio da graça comum, favor imerecido concedido pelo Espírito
Santo a todos os homens, as pessoas realizam o bem nos campos da educação, do desenvolvimento
da beleza e das artes, no desenvolvimento de leis justas e atos de bondade às pessoas com poucos
recursos financeiros. Mas a depravação total significa que até as boas obras estão contaminadas por
motivos maus. O pecador não consegue realizar uma boa ação sem estar maculada por egoísmo ou
orgulho, pois tudo o que o ser humano faz, é feito de sua postura de autonomia e independência de
Deus. As boas obras feitas por não-cristãos se tornam pecado, pois não são feitos para a glória de
Deus (Is 64:6, Rm 14:23, 1Co 10:31, Fp 4:8, Cl 1:10-12, Hb 11:6). Ou seja, a depravação significa que
nenhuma parte da natureza humana está livre dos efeitos do pecado e que o homem não e nem quer
mudar o seu estado de pecado e morte.

Incapacidade total: o outro aspecto da corrupção original, esta doutrina está relacionada
quanto aos efeitos da depravação total. Esta doutrina lembra que o pecador não pode fazer nada para
agradar a Deus, ou merecer a salvação. Em outras palavras, o pecador é incapaz de se aproximar de
Deus pela sua própria força, o pecador é incapaz de efetuar alguma obra de justiça que atenda aos
padrões vigentes no Reino de Deus (Is 64:6; Jo 3:3-7, 15:5; Rm 3:9-20, 7:18-24, 8:6-8; 2Co 3:4-6; Gl
2:16, 3:11; Ef 2:8-10; Hb 11:6). O pecador não regenerado depende exclusivamente da graça de Deus
(Jo 1:12-13, 6:44; 15:4-5; 1Co 2:12-13; Ef 2:8-10). Neste caso, o homem natural não pode fazer
qualquer bem espiritual, é incapaz de mudar de relacionamento com Deus, de ira para a
reconciliação, por meio de suas próprias forças. A Bíblia alerta: ‘’Os que vivem na carne não podem
agradar a Deus’’ (Rm 8:8), ‘’Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês,
é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie’’ (Ef 2:8-9), ‘’Sem fé é impossível agradar a
Deus’’ (Hb 11:6). Portanto, é impossível ao homem ser declarado justo por Deus por realização de
boas obras ou pela obediência à Lei (Is 64:6; Rm 3:20; Gl 2:16, 3:11; Ef 2:8-10; Tg 2:10). Todo aquele
que tenta merecer a salvação pelo esforço, terá que ouvir as seguintes advertências: ‘’Todos os
nossos atos de justiça são como trapo imundo’’ (Is 64:6), ‘’Portanto, ninguém será declarado justo
diante dele baseando-se na obediência à Lei, pois é mediante a Lei que nos tornamos plenamente
conscientes do pecado’’ (Rm 3:20), ‘’É evidente que diante de Deus ninguém é justificado pela Lei,
pois o justo viverá pela fé’’ (Gl 3:11). A Lei tem a função de apontar e expor o pecado, mas não tem o
poder de removê-lo e curar o homem desta terrível doença. A Lei condena o pecador, mas não
cancela a dívida de seus pecados; a Lei expõe o cativeiro humano, mas não concede liberdade. A Lei
aponta para a necessidade de uma vida espiritual, mas não pode concedê-la. Além deste terrível
quadro, o homem natural é escravo do pecado (Jo 8:34) e incapaz de compreender corretamente as
coisas de Deus (1Co 2:14). A incapacidade total não quer dizer que ao homem é impossível fazer o
bem em todos os sentidos. Pela graça comum, o homem pode ajudar as pessoas mais pobres
financeiramente, realizar justiça civil, criar um governo que consegue manter a ordem na sociedade.
O homem não regenerado pode desenvolver a cultura, a arte, a beleza, tecnologia e conhecimento.
Porém, tudo que o homem natural faz é a partir de sua autonomia, em estado de rebelião contra
Deus, para conseguir aprovação dos homens ou de si mesmo, buscar autossatisfação,
autossuficiência, motivado por egoísmo e orgulho, não provém da fé em Deus. Tudo que o homem
realiza não obtém a aprovação de Deus, assim o homem não pode salvar a si mesmo. Por causa da
escravidão do pecado, o homem não transformar a si mesmo, trocar sua vida pecaminosa pela a de
amor e adoração a Deus. Ao homem não regenerado é impossível fazer por si mesmo algo para
agradar a Deus, que é submeter a Deus e abandonar seu estado de rebeldia e autonomia. Somente
Cristo é o único que pode nos aproximar de Deus, mudando a relação de ira para a reconciliação:
‘’Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo aquele nele crer não
pereça, mas tenha a vida eterna’’ (Jo 3:16), ‘’Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o
trouxer’’ (Jo 6:44), ‘’Sabemos que ninguém é justificado pela prática da Lei, mas mediante a fé em
Jesus Cristo’’ (Gl 2:16).

O pecado e a liberdade humana: após o estudo da incapacidade total do homem,


naturalmente surge a questão se por causa do pecado o homem perdeu a liberdade, ou livre-arbítrio,
que significa ‘’vontade livre’’. Esta questão é polêmica devido ao significado dado a palavra livre-
arbítrio. Em termos teológicos, o verdadeiro sentido da palavra livre é a capacidade de obedecer de
forma perfeita e total a Deus. Mesmo após a Queda, o homem ainda continua sendo um agente
moralmente responsável pelos seus atos. O homem ainda possui razão, consciência e liberdade de
escolha. Ele tem capacidade de adquirir conhecimento, apreciar e fazer muitas coisas agradáveis as
demais pessoas. O homem pode escolher a roupa para vestir, o que vai comer, para qual lugar deseja
viajar. Até certo ponto, o homem também pode escolher o que é moralmente certo ou errado, nossas
escolhas são voluntárias, os resultados são reais e somos responsabilizados por Deus (Gn 6:12-13; Jó
8:3-4; Pv 16:27; Is 3:11, 65:12; Lc 22:22; At 2:23, 4:24-28; Rm 2:6; Cl 3:25; 2Pe 2:5). O primeiro casal
humano teve a liberdade total de viver em perfeita obediência a Deus, ou seja, tiveram o livre-
arbítrio, foram criados perfeitamente bons, mas com possibilidade de cair do estado de pureza
moral. Após a Queda, o primeiro casal humano perdeu o livre-arbítrio e a raça humana tornou-se
totalmente corrompida pelo pecado (Mt 15:18-19, Rm 5:12-19). Como sabemos, o homem nasce
pecador, possui natureza totalmente corrompida e tem irresistível inclinação ao pecado.Nossa
natureza corrupta escolhe livremente pecar e rejeitar a vontade e a lei de Deus. O intelecto, as
emoções, a vontade e até o corpo foram corrompidos pelo pecado. O trecho de Ef 2:1-3, ilustra esta
verdade bíblica, que os homens antes da regeneração estão ‘’mortos nos vossos delitos e pecados’’,
‘’segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos,
por natureza, filhos da ira’’. É exatamente isso que significa a depravação total: o homem, em sua
totalidade, está contaminado pelo pecado. Não há nenhuma parte do corpo que esteja livre dos
efeitos do pecado, toda a natureza humana está corrompida pelo pecado (Rm 7:18). Ainda que o
homem não seja absolutamente mal, isto é, não é tão mau quanto poderia ser, ele é extensivamente
mau. Até a vontade do homem foi corrompida pelo pecado. É por este motivo que o homem não pode
escolher viver em perfeita obediência a Deus, nem sequer pode escolher em parar de pecar por um
mês, ao contrário, peca todos os dias inevitavelmente (Jr 13:23). Por causa de sua natureza, o homem
peca livremente, sem coerção, porque a sua natureza gosta de pecar, quer pecar, não quer agradar a
Deus e não pode obedecer ao Senhor (Rm 8:6-8). Contaminado pelo pecado, nada que o homem fizer
irá conquistar a aprovação e a graça de Deus, por suas próprias forças é impossível se aproximar de
Deus (Is 64:6). Portanto, neste sentido, o homem não possui o livre-arbítrio, não consegue viver em
total obediência a Deus e nem sequer pode se aproximar d’Ele. Sem a ação poderosa e irresistível do
Espírito Santo, tudo o que resta ao ser humano é esperar a sentença do pecado: morte eterna. Para
finalizar sobre a questão do livre-arbítrio, o reformador Martinho Lutero escreveu o livro ‘’De Servo
Arbítrio, a Escravidão da Vontade’’ em 1525, comentou o seguinte: ‘’A vontade humana, por si mesma,
é incapaz de fazer qualquer coisa para vir a Cristo em busca de salvação. A própria mensagem do
evangelho é ouvida em vão, a menos que o próprio Pai fale ao coração e traga o coração a Cristo’’.

Para encerrar o estudo sobre o terrível estado da humanidade, as palavras do teólogo


Franklin Ferreira devem ser mencionadas: ‘’A doutrina do pecado é importante para a formulação da
doutrina da salvação. O pecador, por ser incapaz de se voltar para Deus, depende de uma intervenção
radical em sua vida, para ser salvo. Ele não consegue se tornar cristão por força de sua própria decisão.
Estando preso ao seu pecado, a única escolha que ele fará, ao ouvir o chamado, é rejeitar a Jesus. Por
isso, é preciso que o Espírito Santo intervenha para capacitar o pecador a receber a Cristo. Assim, não
cabe aos pregadores e evangelistas a tarefa de converter as pessoas, por meio de métodos humanos de
persuasão. O resultado da evangelização é determinado pelo Senhor. E ele promete que sua Palavra
cumprirá o seu propósito’’.
Bibliografia:

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