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A doutrina da predestinação é um dos assuntos mais difíceis e polêmicos para ensinar e ser
aceito pela maioria dos cristãos, pois envolve a soberania nos decretos de Deus, Sua vontade perfeita
e imutável, a natureza da graça, do pecado e a responsabilidade humana. Diante da controvérsia,
muitos odeiam comentar sobre a predestinação, negam esta importante doutrina, e por
consequência, os assuntos relacionados à salvação são distorcidos e se afastam do que está escrito na
Bíblia. Diante da situação, Arthur Walkington Pink, teólogo batista norte-americano da primeira
metade do século XX, comentou: ‘’Ora, eleição e predestinação é apenas o exercício da soberania de
Deus nos assuntos da salvação, e tudo o que sabemos sobre elas é o que tem sido revelado a nós nas
Escrituras da Verdade. A única razão para que alguém acredite na eleição é que ela se acha claramente
ensinada na Palavra de Deus. Nenhum homem ou grupo de homens nunca originou esta Doutrina. Como
o ensino da punição eterna, ela entra em conflito com os ditames da mente carnal e é incompatível com
os sentimentos do coração não regenerado. E, como a doutrina da Santíssima Trindade e do nascimento
milagroso de nosso Salvador, a verdade da eleição deve ser recebida com fé simples, inquestionável’’.
Não há como negar ou esquivar deste importante ensinamento, pois a Palavra de Deus
declara favoravelmente quanto ao assunto: ‘’Porquanto, aos que de antemão conheceu, também os
predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho’’ (Rm 8:29), ‘’assim como nos escolheu,
nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos
predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua
vontade, para louvor da glória de sua graça, que Ele nos concedeu gratuitamente no Amado’’ (Ef 1:4-
6). Como a predestinação é uma doutrina bíblica, o que causa tantos debates é a respeito da
interpretação das palavras ‘’predestinação’’, ‘’eleição’’, ‘’conhecimento de antemão’’. Para os adeptos
da teologia reformada, a predestinação significa que Deus preordenou todos os acontecimentos e
eventos deste mundo antes da criação do universo, incluindo especialmente a salvação das pessoas
por meio da redenção efetuada por Jesus Cristo e aplicada no coração destas pela ação poderosa do
Espírito Santo. Para os demais grupos cristãos, a predestinação não significa que Deus decretou
todos os acontecimentos deste mundo, nem ao menos escolheu certas pessoas para a salvação, mas
que Deus previu os fatos e permitiu o decorrer da história da criação, deixando o homem à própria
sorte escolher seu destino final, a vida ou a morte eterna.
Entre os pais latinos, isto é, da parte ocidental do Império Romano, a doutrina do pecado
original estava sendo desenvolvida e influenciou de maneira decisiva nos assuntos relacionados à
salvação. Eles criam que o homem foi originalmente criado à imagem e à semelhança de Deus, sem
pecado, perfeitamente bom moralmente e dotado de livre-arbítrio. Adão, o primeiro homem e
representante da raça humana, fez mau uso do seu livre-arbítrio, cedeu à tentação de Satanás e
transgrediu a Lei. Desta forma, toda a humanidade pecou juntamente com seu representante, é
culpada pelo pecado de Adão, herda o pecado adâmico logo no nascimento e possui tendência e
inclinação ao pecado. Por causa da ameaça do maniqueísmo, os pais latinos criam que ainda que a
imagem de Deus tenha sido distorcida no homem e este tenha inclinações pecaminosas, ainda que
enfraquecido, possui o livre-arbítrio e livremente pode depositar fé em Jesus Cristo para a salvação.
Também criam que Jesus Cristo foi o segundo Adão, o segundo representante da raça humana,
obedeceu todos os requisitos da Lei e se fez sacrifício por toda a humanidade, ou seja, sofreu a pena
de morte por causa do pecado e tornou possível a salvação. Embora a necessidade da graça divina
fosse enfatizada, em que Deus opera a salvação, eles criam que o homem precisa cooperar com a
salvação, por meio do livre-arbítrio. Os principais teólogos latinos foram Irineu de Lion, Cipriano,
Atanásio, Ambrósio de Milão, Ambrosiastro, Jerônimo, Hilário e Agostinho de Hipona.
Entre os pais gregos, isto é, na parte oriental do Império Romano, havia muita relutância e
receio em aceitar a doutrina do pecado original nos moldes ocidentais, alguns a rejeitavam
completamente, outros a aceitavam parcialmente. Isto se deve à influência da filosofia grega e da
ameaça do gnosticismo. Naquele tempo, a filosofia grega, principalmente o neoplatonismo, ainda era
muito influente, inclusive entre os mestres cristãos gregos. A filosofia grega possuía uma visão
otimista a respeito da natureza humana e influenciou também os teólogos gregos a fazerem
interpretações alegóricas das Escrituras, diferente do método dos pais latinos que era o sentido
literal do texto. Quanto ao gnosticismo, principalmente o maniqueísmo, defendia um dualismo entre
o Pai das Luzes e o Príncipe das Trevas, a matéria foi criada intrinsecamente má e a salvação era
obtida através do conhecimento e das boas obras. Os pais gregos combateram esta seita ao enfatizar
a responsabilidade humana ao pecar e negar a incapacidade de não pecar. Outra diferença entre os
teólogos latinos e gregos era a resposta humana quanto à graça. Os orientais afirmavam que
primeiramente o homem deve desejar receber a graça, por meio do livre-arbítrio, para que Deus
opere a salvação. Os principais teólogos gregos foram Clemente de Alexandria, Orígenes, Basílio,
Cirilo de Alexandria, Gregório de Nissa, Gregório de Nazianzo, Crisóstomo e Teodoro de Mopsuéstia.
Entre os anos 374 à 430, viveu o último dos Pais da Igreja, porém o mais importante deles:
Agostinho de Hipona, o teólogo e filósofo mais brilhante e influente de toda a história da Igreja. Suas
obras, tais como ‘’Confissões’’, ‘’A Cidade de Deus’’, ‘’A Trindade’’, ‘’A Doutrina Cristã’’, ‘’A
Predestinação dos Santos’’, ‘’O Livre-Arbítrio’’, ‘’Contra os Acadêmicos’’ e outros livros mudaram os
rumos da história cristã para sempre. O ‘’doutor da graça’’, como ele é chamado, foi o primeiro
grande sintetizador das doutrinas bíblicas, tais como a Trindade, hamartiologia, antropologia,
soteriologia e escatologia. Em seus escritos, Agostinho afirmava que Adão foi criado à imagem e a
semelhança de Deus, moralmente perfeito e dotado de livre-arbítrio. O primeiro homem tinha a
capacidade de não pecar e de não morrer, era fortemente inclinado a cumprir os mandamentos de
Deus e a estar de acordo com a vontade do Criador, mas era um ser mutável e podia cair deste
estado. Posteriormente, Adão cedeu à tentação da serpente, tentou ser igual a Deus e desobedeceu ao
Senhor. Como toda a raça humana estava sendo representada por Adão, também caiu do estado de
perfeição junto com o seu representante, é igualmente culpada pelo pecado. Quando Adão pecou
todos pecaram também, logo a imagem de Deus ficou distorcida. Todo homem herda o pecado logo
no nascimento, pois é gerado por pecadores. Agostinho explica que o homem perdeu a liberdade
para não pecar, e o seu livre-arbítrio está totalmente enfraquecido, debilitado, escravizado pelo
pecado. Ou seja, o homem é incapaz de não pecar, possui tendência e inclinação para pecar, é escravo
deste. Embora possa fazer boas obras, nada pode fazer para se salvar ou ganhar a aprovação e o
favor de Deus. O grande teólogo também resolveu o problema da existência do mal, pois se Deus é o
Todo-Poderoso, bondoso e onisciente, por que o mal existe? Ele responde que Deus criou todas as
coisas, mas não o mal. Quando Deus criou o homem, o dotou de liberdade de escolher o bem ou o
mal, este escolheu o mal. Portanto, o mal não é uma coisa criada ou um objeto, mas é uma decisão,
direção, falta, negação, deturpação e corrupção do bem. Desta maneira, apesar de criar todas as
coisas e determinar tudo o que ocorre, Deus não criou e não é culpado pelo pecado, mas sim o
homem, o verdadeiro responsável por trazer o mal à existência. Diante do quadro desesperador, o
homem está totalmente incapacitado para buscar ao Senhor. Por isso, Agostinho foi o primeiro
grande teólogo a defender a doutrina da predestinação. Longe de ser fatalismo, a predestinação é um
ato de misericórdia do Senhor em conceder para uns, para outros não. Como todos os homens são
pecadores, logo ninguém merece receber a graça divina, mas a ira eternamente. Por isso, a
predestinação é incondicional e absoluta, Ele concede graça para quem Ele quer, não tem base nas
condições do homem e nem na presciência de seus futuros atos. Deus predestinou algumas pessoas
para a salvação na eternidade, antes da fundação do mundo. Como Sua vontade é absoluta, logo todos
aqueles que Ele quer salvar são redimidos pelas obras de Cristo e chamados irresistivelmente pela
ação poderosa do Espírito Santo. Isso não quer dizer que o homem é forçado a crer em Deus, mas que
é atraído pela luz do Evangelho de tal maneira que a sua vontade é transformada e levada
voluntariamente a se arrepender de seus pecados. Como Deus já tinha um número de pessoas
predeterminado para salvar na eternidade, somente para estas pessoas o sangue de Cristo tem valor
e só por elas que o Messias se fez sacrifício e efetuou a salvação. Consequentemente, através do
Espírito Santo, os escolhidos são incentivados a fazer boas obras e lutar contra o pecado. E, por
último, como a vontade de Deus é irresistível e o homem é pecador, a salvação dos escolhidos é
garantida e guardada pelo Espírito Santo, que concede o dom da perseverança, impedindo os
escolhidos de caírem do estdo de graça. Quanto às demais pessoas, estas foram predestinadas a
sofrer a justiça divina, a misericórdia foi negada no sentido em que Deus omitiu a graça para estes.
Porém, Deus não é culpado pela condenação eterna destas pessoas, mas as pessoas é que são
plenamente culpadas pelos seus próprios pecados, o homem é plenamente responsável pelas suas
más escolhas. Independente de ser predestinado para a salvação ou não, a oferta do Evangelho é
oferecida para todos, mas negada pela própria vontade das pessoas que Deus não quis salvar.
Enquanto Agostinho pregava sobre o pecado original, a necessidade da graça para a salvação
e a eleição absoluta e incondicional de Deus como um ato de misericórdia, seu oponente, Pelágio,
possuía uma visão soteriológica radicalmente oposta. Ele era um monge britânico, um moralista
preocupado em melhorar a conduta moral das pessoas. Na época, suas ideias fizeram bastante
sucesso na cidade de Roma. Porém, em 405, quando pregou em Cartago, no norte da África, suas
ideias se chocaram com as de Agostinho, gerando intensos debates entre os dois teólogos.
Radicalmente diferente de Agostinho, Pelágio negava com veemência a doutrina do pecado original.
Ele cria que mesmo após Adão ter pecado, o ser humano não sofreu nenhum efeito negativo da
Queda. Por causa de sua excessiva ênfase no livre-arbítrio, na responsabilidade humana e em
melhorar a conduta moral das pessoas, ele negava que a humanidade tenha sofrido algum efeito
negativo na Queda. Para ele, o ser humano não teve qualquer participação no pecado adâmico, Adão
caiu por si mesmo. Assim, também cria que a vontade humana continua tão livre antes da Queda de
Adão, não possui tendência ou inclinação ao pecado e por seu livre-arbítrio pode escolher fazer o
bem ou o mal. Também defendia a tese que o homem nasce sem pecado e se torna pecador por
imitação. Toda esta lógica pelagiana leva a concluir, conforme o próprio Pelágio afirmou, que a
humanidade pode e deve buscar a perfeição por si mesmo, na qual por meio de um bom
comportamento o homem pode alcançar a graça divina. Ou seja, diferente de Agostinho, a graça não é
um favor imerecido, mas uma recompensa ou mérito pelas boas obras. E, por último, negava a
predestinação absoluta e incondicional. Para ele, Deus quer salvar todos os homens, não predestinou
uns para a salvação e outros para a perdição. A predestinação é baseada na presciência, na qual Deus
prevê quem irá crer n’Ele e predestina a salvação deste.
Após intensos debates, Agostinho refutou as teses de Pelágio por meio de livros e tratados
teológicos e o pelagianismo foi formalmente condenado como heresia pelo bispo de Roma (em 411 e
412) e nos Concílios de Cartago (418) e de Éfeso (431). Apesar de a posição agostiniana prevalecer,
isto não significa que as ideias de Agostinho foram totalmente aceitas. O pecado original e a
necessidade da graça foram aceitos pela Igreja, já a predestinação absoluta e incondicional e a
expiação somente aos eleitos foram rejeitadas pela Igreja. Enquanto que o agostinianismo
influenciou profundamente a Igreja ocidental, no Oriente não teve nenhuma influência agostiniana,
pelo contrário, os teólogos gregos continuavam ou aceitando parte da doutrina do pecado original,
ou a rejeitando completamente. Os gregos continuaram afirmando que o homem continua livre para
buscar a graça divina, que Deus deseja a salvação de todos e negaram a predestinação definida nos
termos de Agostinho. Após a morte de Agostinho, alguns teólogos como João Cassiano e Fausto
tentaram encontrar um meio-termo entre o agostinianismo e o pelagianismo, posição conhecida
como semipelagianismo. Esta posição defendia que apesar dos efeitos trágicos da Queda, o homem
não possui inclinação ao pecado e o seu livre-arbítrio ficou intacto, ou seja, o homem ainda pode
praticar boas obras e se voltar para Deus com a operação da graça divina, ou pelo livre-arbítrio.
Como Deus quer a salvação de todas as pessoas, Ele apenas providenciou meios para possibilitar a
salvação, mas não garante a salvação de ninguém. Esta posição também defendia que a fé é uma
resposta humana à chamada divina, não um dom de Deus. Deus dá a graça para o homem vencer o
pecado, mas ela pode ser resistida. O ato de ter fé resulta no arrependimento de pecados passados,
mas a perseverança depende da vontade da pessoa. E, por último, esta posição negava a doutrina da
graça irresistível, a expiação somente aos eleitos e a predestinação absoluta e incondicional.
Entretanto, o semipelagianismo foi formalmente condenado como heresia pelo Sínodo de Orange
(529). Depois disso, três grupos principais passaram a discutir sobre a natureza da graça, do pecado
e a predestinação: agostinianos, semiagostinianos e semipelagianos.
Depois de Agostinho, um grupo de teólogos, entre eles Floro de Lion, Ratramno, Lupo
Servato e Prudêncio, liderado pelo monge beneditino Gottschalk ou Godescalc de Orbais, no século
IX, ensinavam sobre a doutrina da predestinação sem temor. Gottschalk, assim como Agostinho,
defendia a doutrina do pecado original, em que o livre-arbítrio está totalmente morto após a Queda,
o homem não consegue fazer nenhum bem espiritual sem a graça de Deus, pelo contrário, só realiza o
mal. Isto não quer dizer que o homem nunca irá fazer boas obras, muitas pessoas ajudam os homens.
Mesmo após a Queda, ainda possui discernimento entre o bem e o mal. Porém, nada que o homem
faça irá ganhar a aprovação ou merecer a graça divina. Por causa da escravidão do pecado, o homem
jamais irá conquistar a salvação, ele necessita tão somente da graça divina concedida como um dom
para mudar seu estado terrível. O grupo agostiniano define a predestinação ao que foi predestinado,
decretado, preestabelecido, predeterminado, de modo que a predestinação dos atos de Deus é o
arranjo de seu conselho eterno. Pela sua onisciência, Deus sabia todas as coisas de antemão e pela
sua onipotência decretou toda a sua vontade e os acontecimentos antes da fundação do mundo.
Prudêncio definia a predestinação em que Deus ‘’criou, ordenou, dispôs, dispensou, destinou e
predestinou’’ todas as suas obras. Como os decretos divinos são soberanos e imutáveis, nada que o
homem fizer pode impedir a vontade de Deus ou alterar o curso da história planejado e preordenado
pelo Senhor. Portanto, Gottschalk e seu grupo criam numa predestinação absoluta, incondicional e
dupla. Todos aqueles que Deus escolheu para a salvação antes da fundação do mundo, são redimidos
por Cristo e jamais perdem a salvação. Enquanto que a graça divina garante aos eleitos o que eles não
merecem, a justiça divina garante aos condenados o que eles merecem. Como ninguém merece a
graça divina, tanto os eleitos, como os reprovados, Deus é totalmente soberano, dá a sua graça a
quem Ele quer. Assim como Deus predestinou os eleitos para a salvação, também predestinou os
reprovados à perdição eterna, pois tudo depende da Sua vontade, tudo foi decretado antes da
fundação do mundo. Porém, Deus não é o culpado ou o autor da condenação dos reprovados, pois
estes em seu estado natural se recusam a serem convertidos pelo Evangelho. E, por último, o grupo
agostiniano também cria em que Cristo morreu para pagar a punição dos pecados somente dos
eleitos, caso contrário, seu sangue seria derramado em vão e a Sua vontade não seria cumprida.
Já o oponente do grupo de Gottschalk, Incmaro de Reims e o seu grupo, também criam que a
massa humana caiu juntamente com Adão, e que pelo seu livre-arbítrio não pode fazer nada de bom
que agrada a Deus. Porém, o grupo de Incmaro acredita que o livre-arbítrio perdido em Adão foi
recuperado em Cristo, portanto, o homem ainda tem o poder de escolha, pode aceitar ou rejeitar a
Cristo. Quanto à predestinação, estes acreditavam que está baseado na presciência, em que Deus
olhou para o futuro e viu que alguns o escolheriam com o auxílio de sua graça e os predestinou para a
salvação. Quanto aos perdidos, Deus não os predestinou ao tormento eterno, apenas previu que
rejeitariam a Cristo. Ou seja, Incmaro não cria na predestinação dupla, nem que Deus escolheu
algumas pessoas na eternidade passada, apenas previu a salvação destas. E, por último, Incmaro
sustentou a expiação universal, em que Cristo morreu em favor de toda a humanidade, tanto em
favor dos cristãos, quanto em favor dos incrédulos. O debate entre Gottschalk e Incmaro só foi
resolvido no Sínodo de Valência (855) e de Langres (859) e no decreto do papa Nicolau (859)
favoráveis à posição de Gottschalk sobre a dupla predestinação e a expiação somente aos eleitos.
Do século X ao XV, o que se viu no sistema de salvação conforme os medievais criam foi o
retorno do semipelagianismo. Além de semipelagiano, o sistema era conhecido por ser
sacramentalista e sacerdotal, que caracteriza o ensino da salvação da igreja católica romana até os
dias de hoje. Após a Queda, o livre-arbítrio foi enfraquecido, mas não totalmente incapacitado.
Embora Deus primeiramente derrame a Sua graça no coração da pessoa, esta deve usar o livre-
arbítrio, aceitar a ajuda divina, colaborar com a sua salvação e perseverar até o fim da vida. Portanto,
caso a pessoa não queira o auxílio divino, esta graça pode ser resistida. Ou seja, a fé não é um dom de
Deus, mas uma resposta humana positiva a graça divina. No sistema católico, a fé não basta para a
salvação, o católico precisa obedecer aos mandamentos da Bíblia e praticar boas obras para merecer
a graça da santificação, e ganhando a santificação se torna mais merecedor em receber a graça da
salvação. Para a salvação ser efetuada através da fé e da prática das boas obras, o católico necessita
ser batizado, onde ocorre o novo nascimento, a purificação e o perdão de seus pecados. Na visão
católica, os sacramentos são meios para comunicar a graça divina para o fiel, por isso é tão
importante para o católico participar de todos eles. Além do batismo, o católico deve praticar a
eucaristia, onde o pão e o vinho se tornam literalmente a carne e o sangue de Jesus Cristo, onde o
católico entra em comunhão com Cristo durante a missa. Além disso, a igreja católica ensina que os
santos, principalmente a virgem Maria, são mediadores entre o fiel e Jesus. Ao invés de uma união
mística entre o crente e Jesus, na prática, o relacionamento pessoal com Cristo é obstruído pela
presença desses muitos mediadores. E, por último, os católicos negam que Deus tenha predestinado
algumas pessoas para a salvação, pois como Deus quer salvar toda a raça humana, deixou o homem
escolher ou rejeitar a salvação pelo seu livre-arbítrio. Ou seja, tudo depende da vontade e da decisão
da pessoa querer ser salva ou não.
Enquanto Lutero entendia a predestinação como uma defesa para a justificação pela fé, em
que Deus escolhe, seleciona e elege as pessoas, e não as pessoas escolhem ao Senhor, Zuínglio falava
da predestinação sob a perspectiva da doutrina da providência. Deus é soberano sobre todas as
coisas, tanto na criação, quanto na salvação. Ele é a primeira causa, o bem supremo, como Criador é a
fonte de tudo que existe, sua criatividade não tem limites, nada ocorre pelo acaso. A providência de
Deus não está apenas relacionada aos grandes eventos da história, mas também sobre as minúcias da
vida cotidiana. Pela Sua providência, Deus não apenas governa os aspectos bons e agradáveis da vida,
mas também as partes mais sombrias e problemáticas da vida. Zuínglio afirmava que nem sempre os
cristãos podem compreender ou racionalizar as obras providenciais de Deus, mas deveriam prestar
reverência ao Senhor pelos planos que Ele revelou nas Escrituras e se contentar pelos mistérios
ocultos do Senhor. Como todos os fatos do mundo dependem da Sua providência, Zuínglio pregava
que a providência é a ‘’mãe da predestinação’’, visto que com os eleitos Ele transforma tudo em bem,
até mesmo seus atos maus, mas isto não acontece com os reprovados. E, por último, o reformador
suíço da cidade de Zurique ensinava uma predestinação absoluta, incondicional e dupla, Deus elege
algumas pessoas para a salvação, a outros Ele rejeita e estes são destinados a condenação eterna,
pois tanto a eleição como a rejeição são obras do livre-arbítrio de Deus.
O terceiro e o mais importante dos reformadores foi o francês João Calvino, em que suas
ideias e projetos reformaram a cidade suíça de Genebra. Assim como os demais reformadores,
Calvino também cria na doutrina do pecado original, que a definiu como ‘’a hereditária depravação e
corrupção de nossa natureza, difundida por todas as partes da alma, que em primeiro lugar, nos faz
condenáveis à ira de Deus; em segundo lugar, também produz em nós aquelas obras que a Escritura
chama de obras da carne’’. Calvino pregava que Adão, o representante da raça humana, foi criado em
estado perfeitamente bom, inclinado para as coisas espirituais. Mas, quando caiu de sua condição
original, toda a raça humana caiu junto com ele, e é igualmente culpada pelo pecado de Adão. Assim,
todo ser humano já nasce com a ‘’semente do pecado’’, peca porque já nasceu pecador. Para ele, o
pecado consiste tanto na perda de retidão, como na inclinação positiva de transgredir os
mandamentos de Deus. Em seu estado corrompido, o homem jamais consegue buscar ao Senhor, seu
livre-arbítrio é totalmente nulo, incapacitado para escolher servir a Deus e se livrar de seu terrível
estado. Assim como os demais reformadores, Calvino cria numa predestinação absoluta, particular e
dupla. Mas, diferente de outros reformadores, Calvino separou a predestinação da doutrina da
providência em sua obra ‘’As Institutas da Religião Cristã’’. No seu livro, a providência faz parte da
doutrina do Deus Criador, e a predestinação é o clímax da doutrina do Deus Redentor. Calvino não
fez isso por uma razão lógica da ordem da salvação, como fizeram os teólogos posteriores a ele. Mas,
para responder sobre o resultado da evangelização: por que, quando o evangelho é pregado, alguns o
recebem e outros o rejeitam? A resposta da pergunta vem com a formulação da doutrina nos escritos
de Calvino. A predestinação é absoluta e incondicional porque não depende das condições do
homem, nem mesmo na previsão do futuro sobre os feitos humanos, pois quando Deus olha para o
futuro vê toda a massa humana em seu estado terrível. É absoluta porque depende tão somente da
boa vontade de Deus, imutável, como um ato de misericórdia. A predestinação é particular porque
Deus concede salvação para as pessoas que Ele próprio quis salvar, derramando Sua graça para cada
pessoa individualmente. A predestinação é dupla porque o Senhor preordenou algumas pessoas para
a vida eterna, restringindo Sua graça salvadora a estas para louvor da Sua misericórdia, ao mesmo
tempo em que o Senhor preordenou outras pessoas para a morte eterna para louvor da Sua justiça.
Calvino dizia que ninguém pode acusar o Senhor de injustiça, pois todos os homens em sua condição
natural estão afastados de Deus, portanto Ele pode escolher quem quer para salvar ou condenar, nem
a criatura pode contender com o Criador, Deus é soberano e justo em Suas escolhas. Ao mesmo
tempo em que Deus decretou o destino final dos reprovados, os ímpios também livremente trazem a
condenação justa para si mesmos, livremente escolhem rejeitar a Deus. Assim, Calvino responde a
pergunta do problema do resultado da evangelização: os que aceitam a chamada do Espírito Santo
fazem porque Deus os havia preordenado para a salvação para louvor de Sua misericórdia, os que
rejeitam é porque Deus já os havia destinado para a condenação eterna e estes também escolheram
em permanecer na impiedade, para louvor da Sua justiça. Assim, Calvino pregava que Cristo morreu
apenas para efetuar a salvação dos eleitos de Deus. E, por último, é interessante notar que os três
mais importantes reformadores creem na mesma doutrina, mas explicada e respondida sob três
perspectivas e ênfases diferentes.
A reação arminiana exigiu uma resposta por parte dos calvinistas holandeses. Para julgar
sobre qual posição prevaleceria na Holanda, calvinismo ou arminianismo, foi organizada uma
assembleia internacional entre 1618 e 1619, chamada de Sínodo de Dort, composta de 130 membros
oriundos das regiões da Holanda, Inglaterra, Palatinado, Hesse, Zurique, Berna, Basel, Genebra,
Schaffhausen, Bremen e Emden. Os arminianos participaram da assembleia na condição de defesa.
Das diversas decisões, três delas foram a de produzir uma nova tradução da Bíblia para o holandês, a
predominância do calvinismo na Holanda sob a forma de cinco artigos que formam o acróstico TULIP
(‘’tulipa’’ em português) e a condenação do arminianismo como heresia. Como consequência das
decisões do Sínodo de Dort, os pregadores arminianos foram presos, outros foram expulsos do país e
alguns foram executados. A perseguição ao arminianismo cessou após a morte do príncipe Maurício
de Nassau em 1625, e a tolerância aos remonstrantes para fundar suas próprias congregações e
pregar livremente foi a partir de 1631. Já os cinco pontos resumem a crença básica do calvinismo e
reafirmam o ensinamento dos reformadores, explicados sob cinco artigos: Total depravation (T,
‘’depravação total’’), Unconditional Election (U, ‘’eleição incondicional’’), Limited atonement (L,
‘’expiação limitada’’), Irresistible Grace (I, ‘’graça irresistível’’), Perseveration of saints (P,
‘’perseverança dos santos’’). O primeiro artigo diz respeito à eleição incondicional, em que Deus
escolhe indivíduos com base na Sua vontade, não na previsão de méritos, obras ou da fé humana.
Caso contrário, a presciência divina revelaria que ninguém creria em Cristo, por isso é Deus quem
escolhe aqueles que serão salvos pelo Redentor. O segundo artigo defende a expiação limitada, em
que Cristo morreu no lugar somente dos eleitos, pagou o preço dos pecados deles, libertou-os da
penalidade do pecado e garantiu a salvação deles. Cristo não realizou uma salvação hipotética, não
apenas ofereceu uma oportunidade de salvação, mas efetuou e garantiu para sempre a salvação dos
eleitos. O terceiro artigo defende a depravação total, em que o estado do homem caído é terrível, de
tal forma que o pecado afetou todas as áreas humanas, incluindo a mente, a vontade e as emoções,
todas elas estão corrompidas pelo pecado. A humanidade está morta espiritualmente, não tem
condições de se libertar de sua condição de escravidão por suas próprias forças, depende da ação
sobrenatural do Espírito Santo para mudar seu estado caído. O quarto artigo diz respeito da graça
irresistível, no qual Deus chama a todos ao arrependimento, mas o Espírito Santo chama eficaz e
irresistivelmente os eleitos. Por isso, a regeneração vem antes da conversão, em que o Espírito Santo
transforma a vontade da pessoa, dando-lhe condições para ter fé e se arrepender de seus pecados.
Todos aqueles que foram eleitos, redimidos por Cristo e chamados infalivelmente, regenerados e
convertidos pelo Espírito Santo, a salvação destes é guardada por Deus até a glorificação de seus
corpos. Não depende do homem de manter a salvação, mas de Deus, por isso é impossível perder a
salvação. Esta doutrina é chamada de perseverança ou preservação dos santos, tratada no quinto
artigo do Sínodo de Dort.
Já na Inglaterra havia um grupo cristão chamado pelo nome de puritano, que inicialmente
exigia purificar a Igreja Anglicana, ou seja, torná-la mais bíblica e isenta dos resquícios papistas.
Assim como os reformadores, os puritanos davam grande valor as Escrituras, adotando-as como
única regra de fé e prática de vida. Também eram calvinistas convictos, que deram ênfase
especialmente na inspiração e autoridade da Escritura e esta como única regra de fé e prática de vida,
a soberania absoluta de Deus, os decretos divinos, o estado pecaminoso do homem, sua total
dependência da graça divina, teologia do pacto, vínculo entre erudição e piedade, profundidade
pastoral e espiritual, valorização na pregação e do culto e a cristianização da sociedade por meio da
Bíblia. O que diferenciava os puritanos dos demais grupos protestantes é a ênfase em combinar a
erudição teológica com a vida prática. Os puritanos só podiam ter certeza da eleição se a pessoa
demonstrar os sinais da graça, como por exemplo, uma vida de arrependimento de seus pecados,
confiança inabalável em Deus e em Jesus Cristo como único e suficiente Salvador, vida de eterna
dependência e gratidão a Deus, dedicação à Igreja, vida familiar sólida, interesse em ouvir e estudar
as Escrituras, etc. Ou seja, os puritanos enfatizavam que a predestinação era para tornar as pessoas
santificadas e aptas para a prática de boas obras e uma vida agradável a Deus. Os ideais puritanos
tiveram impacto profundo na Inglaterra e nos Estados Unidos entre os séculos XVI e XIX.
Se no século XVII o arminianismo foi derrotado na Holanda, no século seguinte ganhou nova
forma e foi revigorada por meio das pregações de John Wesley, ministro anglicano que fundou o
movimento metodista. Sob Wesley e George Whitefield, seu amigo calvinista, a Inglaterra e os
Estados Unidos passaram por uma fase de avivamento. Sobre seu pensamento teológico, Wesley cria
na doutrina do pecado original, que estava se perdendo entre os arminianos após o Sínodo de Dort.
Como os reformadores, ele afirmou que Adão, o primogênito e o representante federal da raça
humana, quando caiu de sua retidão original, o pecado recaiu sobre todas as pessoas, estas se
tornaram escravas do pecado, o livre-arbítrio foi corrompido e a humanidade inteira estava perdida
em seus pecados. Como a vontade de Deus é salvar todas as pessoas, Ele oferece a graça preveniente
e restaura o livre-arbítrio do homem, capacitando-o a receber ou rejeitar a Cristo. Como
consequência, Cristo morreu por todos os homens e possibilita a salvação para as pessoas, bastando
que estas respondam o chamado do Evangelho por meio do livre-arbítrio, aceitar ou recusar a oferta
do Evangelho. Ou seja, a graça é universal, mas resistível. Assim como Armínio, Wesley cria na
predestinação baseada na presciência divina, em que Deus prevê atos futuros dos homens. Como a
graça é resistível, apesar da ação santificadora do Espírito Santo, o cristão pode perder a salvação se
falhar em não perseverar e lutar contra o pecado. E, por último, Wesley pregava a polêmica tese da
perfeição cristã, em que com o tempo, o cristão podia atingir a santificação plena, em que toda a
influência do pecado deixa de estar presente e consegue eliminar o pecado de modo consciente e
deliberado.
Após a morte do ‘’príncipe dos arminianos’’, como Wesley era chamado, aos poucos o
arminianismo voltou ao semipelagianismo. Teólogos posteriores, como Charles Finney, voltaram a
negar a doutrina do pecado original. Finney dizia que o homem herdou de Adão uma natureza física
depravada, mas não uma natureza pecaminosa, ou seja, o homem não nasce com o pecado herdado,
mas se torna pecador por imitação. Assim, para Finney, a vontade humana não foi afetada pela
Queda, o seu livre-arbítrio permanece intacto e pode escolher servir a Deus por sua livre vontade.
Com isso, o homem pode escolher em ser corrupto por natureza ou ser redimido por Cristo. Outra
mudança notável no sistema arminiano foi sobre o conceito da predestinação. Diferente dos
reformadores que afirmavam uma predestinação absoluta, incondicional, individual e dupla, os
arminianos passaram a defender a tese da predestinação condicional e também corporativa. Isto é,
Deus não predestinou nenhuma pessoa para a salvação, nunca teve tal intenção, mas o Seu objetivo
era de criar um povo exclusivamente Seu, uma comunidade de fé, uma classe de pessoas redimidas
por Cristo. Em resumo, Deus não predestinou ninguém individualmente para a salvação, mas
escolheu a Igreja para ser um povo santo. Todos aqueles que pertencem à Igreja fazem parte do
grupo eleito por Deus.
No século XIX, a Europa estava em transformação econômica e filosófica. Os sistemas
filosóficos, tais como o racionalismo, o empirismo, o romantismo, o existencialismo, o evolucionismo
e o marxismo combinados com as novas descobertas científicas e o imenso progresso econômico
trazido pela Revolução Industrial puseram em dúvida a validade da teologia protestante sobre como
entender o mundo, resolver os problemas e as perguntas da sociedade ocidental. Diante do desafio
lançado, uma das formas que os protestantes responderam foi sobre a visão do liberalismo. Esta
visão tentou combinar as inovações filosóficas e científicas com o ensino das Escrituras, tentaram
ensinar um cristianismo relevante, não ofensivo e conformado com a cultura. Por causa disso, os
liberais reinterpretaram e distorceram o sentido do cristianismo e a natureza das Escrituras, além de
negar diversas doutrinas cristãs. Com isso, os liberais descartaram a autoridade divina e infalível da
Bíblia, considerando-a como um livro qualquer, um livro humano, repleto de mitos, erros históricos e
passagens contraditórias entre si. Os liberais também negaram os milagres sobrenaturais que não
podiam ser explicados pela razão humana e a divindade de Jesus. Para eles, o mais importante era o
dever do cristão se inspirar, imitar e obedecer aos valores, os exemplos e a ética moral da Bíblia, sem
se importar com as doutrinas cristãs, isto é, os liberais se aproximaram do pelagianismo. Por causa
do impressionante progresso em todas as áreas humanas no século XIX, os liberais tinham uma visão
otimista da natureza humana e negaram o relato histórico de Gênesis 3, portanto negaram a Queda
também. Eles acreditavam que o homem nasce sem pecado, sem corrupção, mas se torna pecador
por imitação, portanto, também não acreditavam na doutrina do pecado original. Os liberais
acreditavam que o homem podia se libertar de seus pecados através da educação e do uso da razão.
Como os liberais não criam no sobrenatural, também descartaram a doutrina da vida após a morte e
a predestinação, sendo que a salvação só existe na vida terrena. Longe do entendimento bíblico, em
que a salvação é uma reconciliação entre o Deus santo, justo e misericordioso com o homem pecador
e merecedor da ira divina, a salvação no entendimento dos liberais é a eliminação das imperfeições e
o aperfeiçoamento do indivíduo e da sociedade no sentido físico, intelectual, moral e econômico.
1. Eklegomai: selecionar, fazer uma escolha, escolher, escolhido, escolher para si. O verbo
indica uma escolha discriminada após cuidadosa verificação. Das 21 ocorrências deste verbo,
Deus aparece como sujeito em 7 vezes (At 13:17, 15:7; 1Co 1:27-28; Ef 1:4; Tg 2:5) e Cristo
como sujeito em 8 ocasiões (Mc 13:20; Lc 6:13; Jo 6:70, 13:18, 15:16,19; At 1:2,24).
2. Eklektos: significa selecionar, escolhido, eleito. Utilizado como adjetivo, referindo-se aos
objetos escolhidos, tais como pessoas ou um grupo separado por Deus (1Pe 2:4,6,9) e aos
anjos (1Tm 5:21). Utilizado também com o sentido de escolhido, com a ideia acessória de
bondade, favor, amor, prazer, equivalente a estimado, amado (Lc 23:35, Rm 16:13), os
escolhidos para a salvação ou como membros do reino dos céus que gozam do seu favor e
levam uma santa na comunhão com Ele (Rm 1:7, 15:31), os cristãos (At 11:26, 26:28; 1Pe
4:16). Esta palavra se refere aos cristãos (Mt 22:14, 24:22-24, 24:31; Mc 13:20-22,27; Lc
18:7; Rm 8:33; Cl 3:12; 2Tm 2:10; 2Jo 2:13; Tt 1:1; Ap 17:14), como raça espiritual (Mt
20:16, 22:14; Ap 17:14), os cristãos são chamados individualmente de eleitos (Rm 16:13, 2Jo
1:13). Os cristãos foram eleitos antes dos tempos eternos (2Tm 2:9), segundo a boa vontade
e misericórdia de Deus (Rm 9:11, Ef 1:4-5, 2Tm 1:9), em Cristo (Ef 1:4), para a adoção (Ef
1:5), as boas obras (Ef 2:10), para estar em conformidade com Cristo (Rm 8:29), a salvação
dos enganos de Anticristo e o destino dos enganados (2Ts 2:13), a glória eterna (Rm 9:23).
Esta palavra também é usada para designar a Cristo, o escolhido de Deus como o Messias (Lc
23:35).
3. Ekloge: escolha, eleição, seleção. Refere-se a Paulo como um ‘’vaso escolhido’’ para pregar o
Evangelho entre os gentios, reis e os filhos de Israel (At 9:15). Tem sentido de eleição, o
benevolente propósito de Deus, pelo qual as pessoas são escolhidas para a salvação de forma
4. que sejam levadas a abraçar e a perseverar na graça concedida por Deus e no gozo dos seus
privilégios e das suas bênçãos agora e no porvir (Rm 11:15,28, 1Ts 1:4, 2Pe 1:10). Por
implicação, com o significado de livre escolha, livre vontade, eleição. Em Rm 9:11, a
expressão ‘’para que o propósito de Deus ficasse firme’’ dá o sentido que a intenção de Deus
estava de acordo com o princípio da eleição que é a livre decisão de Deus sem influência de
qualquer meio, circunstância externa ou do valor das pessoas em questão.
5. Prooridzo: limitar antecipadamente, predeterminar, determinar antes, ordenar. Decidir ou
determinar de antemão, predestinar. Usada ao declarar que os atos Herodes e Pôncio Pilatos,
ao crucificar Jesus Cristo, foram predeterminados pela mão e vontade de Deus (At 4:28). A
palavra também é usada para declarar os decretos eternos de Deus, nos desígnios e nos
propósitos do seu plano de salvação (Rm 8:29-30), os gloriosos benefícios que virão dessa
salvação (1Co 2:7) e a nossa adoção e herança como filhos de Deus (Ef 1:5-11). A ideia deste
termo é que Deus determina tudo de antemão, com antecedência em relação às pessoas e a
história da salvação. A determinação de antemão divina garante que todos os elementos da
salvação serão infalivelmente concretizados na vida daqueles que foram eleitos.
6. Proginosko: conhecer de antemão, conhecer antecipadamente (ordenar), conhecer (antes).
Perceber ou reconhecer de antemão, saber previamente, levar em consideração ou
considerar especialmente de antemão, conceder conhecimento prévio ou reconhecimento a
alguém, ter presciência. O sentido da palavra, de modo geral, significa já conhecer, estar
familiarizado de antemão com uma pessoa ou fato (At 26:5, 2Pe 3:17). Palavra usada com
respeito ao conselho eterno de Deus, inclui tudo o que Ele considerou e se propôs a fazer
antes da história humana. Na linguagem das Escrituras, algo conhecido previamente não é
simplesmente aquilo que Deus estava ciente antes de determinada ocasião, mas é
apresentado como aquilo que Deus consentiu previamente, aquilo que recebeu o seu
reconhecimento favorável ou especial e, portanto, esta palavra é reservada àqueles assuntos
que Deus escolheu e ordenou favoravelmente, deliberadamente e livremente. Assim, diz a
respeito de pessoas, aprovar antecipadamente, fazer uma escolha prévia de, um povo
especial (Rm 8:29, 11:2). A salvação de cada crente é conhecida e determinada na mente de
Deus antes de se realizar no tempo. Esta palavra envolve essencialmente uma
misericordiosa autodeterminação por parte de Deus, desde a eternidade, para estender a
comunhão consigo mesmo a pecadores que não a merecem. A palavra enfatiza o exercício da
sabedoria e inteligência de Deus, com respeito ao seu eterno propósito. Compare com o
vocábulo grego anterior, que enfatiza o exercício da vontade de Deus com relação a estas
coisas (Rm 8:29). O que Ele decretou é o Ele decidiu. Ele destina antecipadamente para a
salvação aqueles a quem considerou de uma forma especial e escolheu desde toda a
eternidade (Mt 7:23, Jo 10:14, Rm 11:2, 1Co 8:3, Gl 4:9, 2Tm 2:19). E, por último, a palavra é
usada em eventos, decidir ou planejar previamente; ter presciência, para Deus significa
ordenar previamente. Em 1Pe 1:19-20, Cristo é apresentado como um cordeiro imaculado e
incontaminado, conhecido ainda antes da fundação. Ele é descrito conhecido previamente,
porque Deus havia planejado e determinado, em seu conselho eterno, entregar o Seu Filho
como um sacrifício pelo seu povo. Não significa meramente que Deus soubesse de antemão
que Cristo viria e morreria, mas a presciência de Deus é indicada aqui como a causa do
sacrifício de Seu Filho, porque Ele havia planejado e decretado esse sacrifício.
7. Proginosis: conhecimento de antemão, previsão, presciência. Substantivo da palavra grega
anterior, tem sentido de presciência, conhecimento prévio, reconhecimento ou consideração
de antemão. No NT, a palavra é usada para indicar o propósito e conselhos prévios de Deus
na salvação (At 2:23, 1Pe 1:2).
8. Prothesis: exposição, proposta (intenção), especialmente o pão da proposição (no templo)
como exposto diante de Deus. Substantivo de protithemi, propor ou planejar. Uma exibição,
exposição, colocação à vista ou apresentação aberta de algo. A palavra se relaciona com o
alimento, em sentido de adjetivo. Com respeito aos pães da proposição, os doze pães que
eram colocados todas as manhãs sobre uma mesa no santuário (Mt 12:4, Mc 2:26, Lc 6:4, Hb
9:2). A palavra também tem sentido figurado, o que a pessoa propõe na sua mente ou propõe
a si mesma. Com relação a um propósito, uma intenção (At 27:13), sobre uma firme
resolução, um desígnio (At 11:23, 2Tm 3:10), sobre o propósito e conselhos eternos de Deus
(Rm 8:28, 9:11; Ef 1:11, 3:11; 2Tm 1:9).
9. Aphoridzo: afastar por meio de fronteira, limitar, excluir, dividir, separar, cortar. Afastar por
meio de demarcação. No NT, colocar de parte, separar (Mt 13:40, 25:32, At 19:9, 2Co 6:17, Gl
2:12), colocar algo à parte, selecionar, escolher (At 13:2, Rm 1:1, Gl 1:15). No sentido de
excomungar (Lc 6:22). Tem o sentido básico de colocar ao lado ou separar em dois grupos ou
para uma função. Em Gl 1:15, o apóstolo Paulo foi separado em dois sentidos: separado para
cumprir uma função no serviço a Deus, a pregação do Evangelho, o que tornou necessário
que ele fosse também separado da esfera do mundo para estar em Cristo. Paulo foi eleito
como um indivíduo para ser salvo e para realizar a obra para a qual ele foi chamado.
10. Haireomai: tomar para si, preferir, escolher, apanhar. No NT, somente na forma média:
tomar para si, escolher, eleger, preferir (Fp 1:22, 2Ts 2:13, Hb 11:25).
11. Protasso: arranjar previamente, prescrever antes de nomear ou indicar. Arranjar ou
organizar diante de ou em frente de, indicar antes, com relação a tempos ou épocas
assinaladas de antemão (At 17:26).
12. Hareitidzo: fazer uma escolha, escolher, preferir, amar (Mt 12:18).
Sobre os decretos de Deus, o apóstolo Paulo os define como sendo planejados e executados
‘’segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade’’ (Ef 1:11).
O teólogo Arthur Pink dá a seguinte definição: ‘’O decreto de Deus é Seu propósito ou determinação
com respeito às coisas futuras. Usamos o singular, como o fazem as Escrituras (Rm 8:28, Ef 3:11),
porque houve somente um ato de Sua mente infinita acerca das coisas futuras. Entretanto, nós falamos
como se houvesse muitos, porque as nossas mentes só conseguem pensar em ciclos sucessivos, conforme
surgem os pensamentos e as ocasiões, ou com referência a vários objetos do Seu decreto, os quais, sendo
muitos, parecem-nos requerer um propósito diferente para cada um deles. O entendimento infinito de
Deus não avança passo a passo, ou de etapa a etapa. "Conhecidas por Deus são todas as Suas obras
desde a eternidade" (At 15:18)’’. O Catecismo Menor de Westminster diz: ‘’os decretos de Deus são o
Seu eterno propósito, segundo o conselho da Sua vontade, pelo qual, para a Sua própria glória, Ele
predestinou tudo o que acontece’’. Isto é, os decretos de Deus compreendem os planos divinos que
foram determinados na eternidade passada, tudo que o Senhor planejou foi determinado e se efetua
ao longo da história, incluindo a criação do universo, o curso da história e a vida das pessoas. Ao
contrário do que muitas pessoas pensam erroneamente, Deus não só determinou todas as coisas a
existir e acontecer ao longo da história, mas também participa de todos os eventos históricos, desde
seus maiores feitos como a criação do mundo (Gn 1:1, Ap 4:11), a crucificação de Jesus Cristo (At
2:23, 4:27-28) e a concessão da vida eterna para algumas pessoas (At 13:48; 1Co 2:7; Ef 1:4, 3:11;
2Tm 1:9; Hb 4:3; 1Pe 1:20), até os mínimos detalhes da vida cotidiana de cada pessoa. Nada acontece
por obra do acaso, por engano ou erro acidental, Deus jamais foi surpreendido, Ele não só sabe tudo
pela Sua onisciência como também predeterminou todas as coisas. Os decretos de Deus se
relacionam com todas as coisas futuras, sem exceção: o que quer seja feito no tempo, foi preordenado
antes de iniciar o tempo. Os decretos divinos dizem respeito às todas as coisas, abrangem todas as
criaturas e a todos os eventos, relacionam-se com a nossa vida e a nossa morte (Ec 3:1-8), com o
nosso estado no tempo, determinou todas as circunstâncias, todas as particularidades da vida de
cada pessoa e o destino eterno de cada ser humano, até mesmo nossos dias de vida e os fios de
cabelo estão contados. Deus não apenas escreveu o grande projeto da criação, redenção e
consumação, mas também vigia, preserva e participa ativamente dos fatos para garantir que tudo
seja cumprido conforme os Seus propósitos. As Escrituras Sagradas empregam diversos termos para
se referir aos decretos divinos, por exemplo: ‘’eterno propósito’’ (Ec 3:1, Ef 3:11), ‘’determinado
conselho e presciência’’ (At 2:23), ‘’mistério da sua vontade’’ (Ef 1:9), ‘’predestinou’’ (Rm 8:29),
‘’beneplácito’’ (Ef 1:9), ‘’vontade’’ (Ef 1:11), ‘’decreto’’ (Sl 2:7). Vejamos os aspectos dos decretos
divinos:
Eternidade: Deus, o Ser infinitamente sábio, soberano (Êx 15:18; Sl 10:16, 66:7, 145:13,
146:10, Dn 7:14), Criador e Governador Supremo do universo, poderoso (Rm 1:20), eterno e
imutável, planejou e determinou todas as coisas a existir, todos os acontecimentos da história e o
destino eterno das pessoas. Um dos atributos incomunicáveis de Deus é a eternidade, ou seja, nunca
foi criado (Sl 90:2, 93:2), nunca teve começo e nem terá fim (1Cr 16:36, Lm 5:19), é autoexistente,
nunca houve algum dia em que Deus deixou de existir, Ele é autossuficiente, é infinitamente acima
dos limites do tempo, Sua natureza não está sujeita aos limites do tempo (Is 40:8,28) e é imutável
diante do curso do tempo (Ec 3:14, Hb 13:8, Tg 1:17, Ap 22:13). Assim como Deus é eterno (Is 9:6),
Seus decretos necessariamente são eternos, tudo o que Deus planejou e determinou em sabedoria foi
dado na eternidade passada, antes do início do tempo (Dn 4:35; At 17:26). Segundo, todas as coisas
que vieram a existir, todos os acontecimentos da história, o destino eterno das pessoas e até os
mínimos detalhes cotidianos foram planejados e determinados pelo Senhor (Pv 16:4, 3:19-20; Jó
38:4, Is 40:12; Jr 10:12-13), não são os fatos da história ou o curso do tempo que influenciam as
decisões de Deus. Como o Senhor é infinitamente sábio e soberano, Ele não só planejou o que vai
acontecer, como também determinou que tudo ocorre de acordo com a Sua vontade (Ef 1:11, 3:8-11).
Portanto, a história da criação é apenas a revelação e a concretização dos planos de Deus na
eternidade (Ec 3:1 At 15:18, 2Tm 1:9-10), nada acontece sem ou fora da vontade do Senhor (Is
14:14-27, 46:10). Portanto, como os decretos são anteriores à história (Is 22:11), necessariamente
devem ser eternos. De acordo com a Palavra, os nossos dias foram contados antes de haver algum
deles (Sl 139:16), Cristo foi conhecido como o Cordeiro de Deus ‘’antes da fundação do mundo’’ (1Pe
1:19-20, Ap 13:8), foi morto segundo ‘’o propósito divino determinou’’ (Lc 22:22, At 2:23, 4:27-28), o
Senhor planejou e decretou a salvação dos cristãos na eternidade (At 13:48, Ef 1:11, Rm 8:30, 2Ts
2:13, 2Tm 1:9, Tt 1:1-2).
Imutabilidade: outro atributo de Deus é a imutabilidade, isto é, Deus não muda (Ml 3:6), Ele
é sempre o mesmo de eternidade a eternidade (Sl 102:27, Hb 13:8, Tg 1:17). Como já foi dito
anteriormente, a natureza divina não se altera com o tempo, nem se cansa ou se fatiga (Is 40:28), não
se envelhece ou se renova, não aumenta e nem diminui, não melhora e nem piora. Deus não muda
com o tempo porque é infinitamente santo, sábio e soberano. Como diz a Palavra: ‘’Mas tu és o
mesmo, e os teus anos não acabarão’’ (Sl 102:27), ‘’Deus não é homem para que minta, nem filho do
homem para que se arrependa. Porventura, tendo ele dito, não o fará? Ou havendo falado, não o
cumprirá?’’ (Nm 23:19), ‘’Toda boa dádiva e todo dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das
luzes, em que não há mudança nem sombra de variação’’ (Tg 1:17). Assim como a Sua natureza, os
atributos divinos são imutáveis: o poder de Deus é sempre o mesmo (Rm 1:20), o conhecimento de
Deus não aumenta e nem diminui (At 15:18), Seu amor é inalterável (Jr 31:3, Jo 13:1, Rm 8:35-39),
Sua misericórdia dura para sempre (Sl 136), Sua verdade é imutável, pois Deus não pode mentir (Tt
1:2), Sua santidade não pode ser manchada, Sua fidelidade nunca falha (Sl 89:33). Se Deus pudesse
mudar, toda a teologia cristã iria desmoronar, pois confiamos que Deus é infalível e imutável em Seus
decretos e em Suas promessas, tais como a promessa de salvação para aqueles que se arrependem de
seus pecados, a punição eterna com justiça ao pecador que nunca foi regenerado e a segunda vinda
de Jesus Cristo. Assim como Deus é imutável, os Seus propósitos necessariamente são imutáveis (Jó
14:5, 33:11; Is 43:10, 46:10; Lc 22:22; At 2:23), Ele não toma nenhuma decisão nova, nem mesmo um
decreto novo, pois Deus é infinitamente sábio, poderoso e soberano, Suas decisões foram tomadas
desde a eternidade passada e não podem ser frustrados (Sl 33:11; Pv 19:21; Is 14:24; Jó 23:13, 42:2).
Como dizem as Escrituras Sagradas: ‘’O conselho do Senhor permanece para sempre, e os intentos do
seu coração por todas as gerações’’ (Sl 33:11), ‘’O Senhor dos exércitos jurou, dizendo: Como pensei,
assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará’’ (Is 14:24), ‘’O meu conselho subsistirá, e farei
toda a minha vontade’’ (Is 46:10). Sugerir que alguma decisão de Deus pode mudar é distorcer a Sua
natureza, implicaria que Deus não é totalmente soberano, não possui todo o poder, que o
conhecimento do futuro e de Suas próprias decisões é limitado, que algo pode surpreender o Senhor.
Quem muda e necessariamente faz assim é o homem, pois seu conhecimento e sabedoria são
limitados, é pecador, possui poder físico finito, é incapaz de controlar e prever o futuro e é mortal.
Liberdade: os decretos de Deus são livres em três sentidos. O primeiro sentido em que os
decretos de Deus são livres é como resultado dos atributos divinos, tais como a infinita sabedoria, a
soberania, a independência e a autossuficiência. Os atributos da independência e da autossuficiência,
afirmam que Ele é autoexistente em Si mesmo, satisfaz e deleita-se em Si mesmo, não tem
necessidade por algo, portanto jamais foi obrigado a criar alguma coisa por necessidade ou
autossatisfação, como o apóstolo Paulo pregou aos atenienses sobre a independência e
autossuficiência do Criador: ‘’nem tampouco é servido por mãos humanas, como se necessitasse de
alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas’’ (At 17:25).
Deus criou todas as coisas unicamente por sua boa vontade, pelo beneplácito divino (Is 46:10, 48:11;
Sl 115:3, 135:6; Rm 11:36; Ef 1:11; Ap 4:11), com o propósito único para a Sua glória e a exaltação do
Seu nome em e por toda a Sua criação (1Cr 29:11; Sl 19:1, 111:3, 115:1, Is 43:7; Jr 13:16; Lc 2:14; Jo
11:4; Rm 16:27; 2Co 4:6; Gl 1:4-5; Ef 1:6-14; Fp 1:11, 2:11, 4:20; 1Tm 1:17; 2Tm 4:18; 1Pe 4:11; 2Pe
3:18; Jd 1:25; Ap 5:12-13). Toda a criação, incluindo o homem, depende exclusivamente de Deus, sem
Ele nada se sustenta ou se mantém o Senhor é o sustentador e o preservador de todas as coisas. No
segundo sentido, quando Deus elaborou os Seus decretos e depois criou todas as coisas, ele estava
sozinho, pois Sua sabedoria e poder são infinitos. Deus não precisou da ajuda de ninguém para criar
todas as coisas, pois o Seu poder é infinito: ‘’Quem primeiro deu a mim para que eu haja retribuir-
lhe? Pois tudo quanto existe debaixo de todo o céu é meu’’ (Jó 41:11), ‘’antes de mim nenhum deus se
formou, tampouco haverá algum depois de mim’’ (Is 43:10). Quando o Senhor estava elaborando os
Seus decretos também não precisou ouvir conselho de ninguém (Jó 36:22-23, 38:4; Is 40:13-15; Rm
11:33-34; 1Co 2:16), Ele planejou cada detalhe da criação sozinho, pois a Sua sabedoria é infinita, não
precisou ouvir conselho de ninguém, por isso, neste sentido o decreto de Deus é livre. A Bíblia
Sagrada relata sobre a infinita sabedoria divina: ‘’Deus é excelso e maravilhoso em seu poder; quem é
mestre como ele? Quem lhe prescreveu os caminhos em que deve andar?’’ (Jó 36:22-23), ‘’Ó
profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os
seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Pois quem jamais conheceu a mente do Senhor?
Ou quem se fez seu conselheiro? (Rm 11:33-34), ‘’Pois, quem jamais conheceu a mente do Senhor,
para que possa instruí-lo?’’ (1Co 2:16). Em terceiro sentido, os decretos de Deus são livres e
incondicionais porque não dependem dos meios externos e nem da previsão do futuro, pelo
contrário, Deus determina todas as coisas e todos os acontecimentos segundo a Sua vontade (Mt
11:26). Quanto à presciência, esta é resultado dos decretos livres de Deus, não a base deles. Até
mesmo a eleição de alguns indivíduos para a salvação depende do beneplácito divino (Rm 8:28-30,
2Ts 2:13-14), como foi o caso da eleição de Jacó e a rejeição de Esaú (Rm 9:9-13), Ele ‘’tem
misericórdia de quem quer, e a quem quer ele endurece’’ (Rm 9:15-18), o Senhor salva pela graça,
não pela previsão de obras (Ef 1:4-14, 2:4-9). Desta maneira, Deus é livre também para salvar a quem
Ele quer, Ele não é obrigado a salvar toda a humanidade, Ele opera a graça em quem Ele quer (Mt
13:13-14; Jo 6:36-40, 10:26-29, 17:9-12), não depende da previsão de boas obras, mas tão somente
do Seu beneplácito.
Justiça: tudo aquilo que Deus planejou e determinou é justo, ou seja, os propósitos divinos
sempre são analisados e avaliados pela reta justiça de Deus, n’Ele não há imparcialidade ou
favorecimento de alguma parte. Todas as coisas e todos os acontecimentos são julgados pela reta
justiça de Deus. O profeta Moisés declara: ‘’Todos os seus caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não
há nele injustiça; é justo e reto’’ (Dt 32:4), Abraão apela ao caráter justo de Deus: ‘’Não fará justiça o
Juiz de toda a terra?’’ (Gn 18:25), Deus exige o que é reto: ‘’Os preceitos do Senhor são retos e
alegram o coração’’ (Sl 19:8) e Ele fala de Si mesmo: ‘’Eu, o Senhor, falo a verdade e proclamo que é
direito’’ (Is 45:19). Desta maneira, o Senhor trata as pessoas de acordo com os seus atos, punição ao
pecador (Ez 18:4; Mt 7:23, 25:41-46; Rm 6:23) e recompensa ao crente, não porque este merece, mas
porque Deus prometeu na Sua Palavra (Sl 58:11; Jo 3:16, 5:24, 10:28; 1Jo 2:25). Diante da afirmação
da justiça de Deus, há três objeções a serem respondidas: se os decretos de Deus são sempre justos,
por que o ímpio prospera, o justo sofre e uns recebem a misericórdia e outros a justiça? A primeira
objeção é muito antiga, até mesmo o profeta Jeremias indagou sobre a justiça divina: ‘’Por que
prospera o caminho dos ímpios? Por que vivem em paz todos os que procedem aleivosamente?’’ (Jr
21:5). Há dois motivos para o ímpio prosperar, o primeiro deles é que pode ser utilizado como
instrumento para a realização dos propósitos divinos, como no caso do rei Ciro, que libertou os
judeus do domínio babilônico, permitiu a volta destes para sua terra e promoveu a construção do
Templo e dos muros de Jerusalém (2Cr 36:23, Ed 6:3,14). O segundo motivo é que Deus adia a Sua
justiça para mostrar que todos são indesculpáveis diante d’Ele. Quando Deus retarda em fazer
justiça, significa que Deus está preparando o momento certo para que Seu julgamento seja mais
pesado contra o ímpio. Quando mais tempo Deus espera, mais pesada será a sentença contra o
pecador. Na segunda objeção, há duas respostas, a primeira delas é que os justos sofrem em razão de
seus próprios pecados, assim precisam ser disciplinados pelo Senhor, da mesma forma que um pai
corrige o seu filho: ‘’porque o Senhor repreende aquele a quem ama, assim como o pai ao filho a
quem quer bem (Pv 3:11-12). O Senhor disciplina Seus filhos porque os ama (Sl 94:12-13, Pv 23:13-
14, Ef 6:4, Hb 12:5-8, Ap 3:19). A segunda resposta é decorrente da primeira, em que a disciplina
serve para que o povo de Deus se torne cada vez mais conformes à imagem de Cristo (Rm 8:29, Ef
1:3-4), ou seja, para os cristãos amar cada vez mais a santidade, detestar a iniquidade e obedecer os
mandamentos de Deus. Assim como o ouro é refinado na fornalha ou o diamante é lapidado para
serem purificados de suas impurezas, assim a correção do Senhor serve para nos tornar cada vez
mais santos (Lv 20:7-8). A resposta para a terceira e última objeção é que Deus não pode ser julgado
pelos padrões falhos do homem. O parâmetro da justiça compreende aquilo que o próprio Deus
determinou sobre o que é justo. Além disso, Deus não é obrigado a prestar contas de Suas atividades
para ninguém, nem ao menos Ele é obrigado a justificar Suas ações, a criatura não pode contender
com o Criador. Deus não é obrigado a conceder misericórdia igualmente a todos os homens, como
Criador e soberano, Ele tem as prerrogativas para fazer o que quiser com suas criaturas, a uns Ele
concede misericórdia, a outros Ele concede a justiça, como está escrito: ‘’Portanto, ele tem
misericórdia de quem quer e endurece a quem quer’’ (Rm 9:6-18). A resposta de Deus para as
indagações de suas criaturas é esta: ‘’Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura,
pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizestes assim? Ou não tem o oleiro direito sobre a
massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?’’ (Rm 9:19-24). Além
disso, se a salvação fosse concedida por méritos de justiça ou boas obras, Deus não concederia Sua
graça para ninguém, pois todos os homens são pecadores (1Rs 8:46, 2Cr 6:36, Ec 7:20, Rm 3:23),
ninguém é justo diante de Deus (Jó 4:17, 9:2, 15:14-16; Ec 7:20; Rm 3:10-12), ninguém pode cobrar a
misericórdia divina (Rm 3:19-20, Ef 2:8-9). Como todos os homens são pecadores, isto apenas
acentua ainda mais a soberana e livre graça de Deus, logo o Senhor concede a misericórdia a quem
Ele quer. Louvado seja Deus que a salvação não depende exclusivamente da Sua justiça! Se assim
fosse o caso, toda a raça humana seria condenada no julgamento de Deus e iria perecer eternamente
no inferno, pois é isto que a humanidade merece! Louvado seja o Senhor que Ele não agiu para
conosco da mesma forma que os anjos pecadores, os quais não receberam a misericórdia, mas tão
somente a ira divina (2Pe 2:4, Jd 1:6). Também não há nenhum registro nas Escrituras que os anjos
tivessem cobrado do Senhor para enviar um Redentor para pagar a punição de seus pecados. E o
último exemplo é o de Adão. O pai e representante da raça humana foi criado perfeitamente bom, seu
coração tinha inclinação para obedecer a vontade e os mandamentos do Senhor, seu corpo era livre
de corrupção, vivia no jardim do Éden, dominava a criação com perfeita harmonia, tinha Eva como
sua companheira idônea e gozava de perfeita comunhão com o Criador. Mesmo com todas estas
condições favoráveis, Adão pecou contra o Deus santíssimo e condenou toda a humanidade nos
trágicos efeitos da Queda. Se Adão tinha todas as condições favoráveis e não conseguiu por suas
próprias forças escolher servir a Deus por toda a eternidade, quanto mais ao homem que já nasce
corrupto por natureza, com inclinação somente ao mal e ainda vive no mundo amaldiçoado pelo
pecado e cheio de maldade! Louvado seja o Senhor que é Ele quem escolhe a quem quer salvar e não
é o homem quem escolhe! Louvado seja o Senhor porque a salvação depende exclusivamente d’Ele! É
como diz nas Sagradas Escrituras: ‘’Ao Senhor pertence a salvação’’ (Jn 2:9). Mais adiante, esta
mesma objeção será tratada.
Relaciona-se com todos os acontecimentos: este aspecto está estritamente relacionado com a
soberania e a sabedoria dos decretos de Deus. Deus, o Ser supremamente soberano e sábio, planejou
e determinou todas as coisas e todos os eventos do mundo a existir. Deus não só planejou e
determinou todas as coisas e todos os eventos a existir, como também participa de todos os eventos
históricos e controla o curso da história para garantir o cumprimento de Seus propósitos. O Senhor
participa dos maiores fatos da história, tais como a criação do mundo, o Dilúvio como instrumento
para punir a impiedade humana, a abertura do mar Vermelho para o povo de Israel sair do Egito, o
sustento de Seu povo durante o deserto, as batalhas do Seu povo contra os inimigos, o domínio
assírio e babilônico como punição aos pecados de Israel e Judá e a crucificação de Jesus Cristo. O
Senhor também participa dos mínimos detalhes da vida, tais como a duração da vida (Jó 14:5, Sl
139:16) e a função de cada pessoa enquanto vive (Jr 1:5, Gl 1:15). A ação divina influencia as ações
humanas (Jr 10:23; Sl 33:14-15; Pv 16:1,4,9, 20:24) e as decisões dos governantes (Ed 1:1, 6:22; Pv
21:1). Como Deus é infinitamente soberano e sábio em todas as Suas decisões e conselhos, agindo
para com todas as coisas conforme a Sua vontade, deve-se concluir que o Senhor participa tanto das
boas, quanto das más ações humanas. Diante da afirmação, muitas pessoas ficam perplexas e negam
a soberania de Deus em todos os eventos para evitar a acusação que Deus é mal por criar ou
participar do mal. Porém, a participação de Deus nos eventos não nega a responsabilidade humana.
Assim como Deus é totalmente soberano e sábio sobre todas as coisas, assim como também o homem
é responsável por tudo quanto o faz. Embora seja um paradoxo e um mistério para a mente finita e
imperfeita do homem, a soberania de Deus se relaciona e coexiste com a responsabilidade humana. É
terrível imaginar como Deus pode predeterminar crimes terríveis, porém, os cristãos devem confiar
que até mesmo nestes momentos há algum sábio motivo para Deus predeterminar estes casos cruéis,
e que ao mesmo tempo a criatura é responsável por tais atos. Por exemplo, os irmãos de José,
motivados por ciúme e inveja (Gn 37:11), venderam José como escravo para o Egito (Gn 37:27-28) e
foram totalmente responsáveis por tal delito (Gn 42:21). Porém, quando José se tornou governador
do Egito e reencontrou com seus irmãos, ele reconheceu que Deus utilizou os maus atos dos irmãos
para preservar a descendência do povo de Deus da fome presente na Judeia (Gn 45:7-8). Quando o
profeta Jonas se recusou a pregar em Nínive (Jn 1:1-3), Deus promoveu grande tempestade (Jn 1:4) e
um grande peixe para engoli-lo (Jn 1:17). Embora os fatos sejam terríveis, a ação divina garantiu a
obediência de Jonas à Sua vontade e pregar o arrependimento à cidade assíria (Jn 3:3-4). E, por
último, o crime mais terrível da humanidade foi também ao mesmo tempo motivo de maior alegria
para os pecadores: a crucificação de Jesus Cristo. Lemos em Lc 22:22 e At 2:23, 4:26-28; que a traição
de Judas Iscariotes e a condenação à morte de Jesus por crucificação por parte dos judeus e romanos
foram premeditados pelo Senhor, mas ao mesmo tempo também diz ‘’mas ai daquele homem por
quem é traído!’’ (Lc 22:22), isto é, Judas foi responsabilizado pelo pecado da traição e se sentiu tão
culpado pelo terrível crime que decidiu se enforcar (Mt 27:3-5). Lemos no livro de Atos que Deus
utilizou as perseguições movidas por judeus contra os cristãos para dispersar o povo de Deus para
outras regiões e pregar o Evangelho para os gentios (At 8:1-4, 11:18-21). Por volta de 1620, o rei da
Inglaterra, Jaime I, promoveu intensa perseguição aos puritanos. O resultado disso foi que os
puritanos saíram da Inglaterra e fugiram para a atual nação dos EUA, onde passaram a viver e
evangelizar o país. Se Deus não houvesse promovido a perseguição, talvez o Evangelho jamais tivesse
saído da Judeia, talvez o Evangelho jamais tivesse chegado aos EUA, que atualmente são a nação com
maior número de cristãos em todo o mundo. Exemplos como estes demonstram que Deus não só
predeterminou os meios para atingir Seus propósitos, mas também predeterminou que cada ato
fosse realizado livremente pelo homem. Assim, apesar de predeterminar todas as ações, inclusive as
más, Deus não pode ter criado, ser o autor ou ser responsável pelo mau, pois enquanto o Senhor
utiliza as más ações para realizar Seus propósitos, o homem age livremente, sem coerção, age de
acordo com a sua natureza corrupta e os propósitos de seu coração pecador. Nestes casos, Deus não
opera ativamente o pecado nas pessoas (Jó 34:10, Is 1:16-17, Hb 1:13, Tg 1:13), pois Ele odeia o
pecado (Dt 25:16; Sl 5:4, 11:5, 92:15; Zc 8:17; Is 6:3; Lc 16:15), Sua participação é indireta, ou seja,
controla os atos ímpios, que surgem de corações corruptos (Gn 6:5, Jr 17:9, Pv 6:14, Mt 15:19, Mc
7:21-23, Rm 7:14-24), para que Sua vontade seja cumprida (Pv 16:8, 19:21; At 2:23, 4:26-28),
transformando o mal moral em bem para Seu povo (Gn 45:5-8; Êx 7:3, 14:4,17; Dn 3:26-28; Lc 22:22;
Rm 8:28, 9:15-17), com o objetivo máximo de manifestar a Sua glória. E, por último, é importante
citar a Confissão de Fé de Westminster, sobre os ‘’Eternos Decretos de Deus’’, artigo I: ‘’Desde toda a
eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou tudo livre e
inalteravelmente tudo quanto acontece, porém, de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem
violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias,
antes estabelecidas’’.
Tem como finalidade suprema a Sua glória: todos os propósitos de Deus têm como objetivo
comum a meta suprema: manifestar a glória de Deus. Tudo quanto o Senhor planejou e determinou
na eternidade passada tem como alvo maior a manifestação da glória de Deus. Quando o Senhor
criou todas as coisas, não fez isso porque estava se sentindo sozinho ou que necessitasse de algo, pois
Ele é independente e autossuficiente (At 17:24-25), mas trouxe tudo à existência porque Ele deseja
manifestar a Sua glória: ‘’Digno és, Senhor nosso e Deus nosso, de receber a glória e a honra e o
poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade existiram e foram criadas’’ (Ap 4:11),
‘’Porque dele, e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente’’ (Rm 11:36),
‘’Tua é, ó Senhor, a grandeza, e o poder, e a glória, e a vitória, e a majestade, porque teu é tudo quanto
há no céu e na terra’’ (1Cr 29:11). O objetivo supremo e final da criação é glorificar o Senhor: ‘’Os
céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mãos’’ (Sl 19:1). Sobre a
finalidade suprema da criação do homem, o Breve Catecismo de Westminster responde: ‘’O fim
principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre’’. Quando Adão pecou e condenou toda
a raça humana em corrupção total, o fez porque não quis dar glória ao Criador e tentou ser igual a
Deus (Gn 3:5). À semelhança de Adão, todo homem não-regenerado pelo Espírito Santo não dá glória
a Deus, todas as boas obras que faz é para satisfazer os desejos de seu coração e dar glória a si
mesmo (Sl 106:19-21, Is 23:9, Jr 2:11, Dn 5:19-21, Jo 12:42-43, At 12:23, Rm 1:23). Tudo que
acontece no mundo, quer sejam bons, quer sejam maus, glorificam ao Senhor. Por exemplo, Deus foi
glorificado quando endureceu o coração do faraó e demonstrou a força de Seu poder (Rm 9:17), é
glorificado quando o ímpio é julgado e o pecador arrependido é salvo, Maria glorificou o Senhor
quando soube que estava grávida de Jesus (Lc 1:46-55), os anjos glorificaram quanto ao nascimento
de Jesus (Lc 2:13-14), os judeus glorificaram ao Senhor quando um cego foi curado por Jesus (Jo
9:24). Os cristãos dão glória ao Senhor (2Co 4:17, Gl 1:3-5, Fp 4:20, 1Tm 1:17, Hb 13:20-21, 1Pe 4:11,
Ap 1:6), porque a salvação é dom gratuito de Deus e não depende do mérito de boas obras (Ef 2:8-9),
o processo da salvação é para a glória de Deus (Rm 8:17-18, 9:23; Ef 1:14-18; Cl 1:26-27; 1Pe 5:4,10).
Durante a segunda vinda de Jesus, toda a criação irá glorificar ao Senhor (Sl 138:4-5; Dn 7:14; Rm
8:19-23; Fp 2:10-12; Ap 5:12-13, 7:11-12, 21:24-27).
Após escrever sobre o pano de fundo da doutrina da predestinação, que são os decretos de
Deus e as suas propriedades, podemos entender com mais clareza e profundidade sobre o sentido
teológico da predestinação. Como a predestinação faz parte e está incluída nos decretos de Deus, o
estudo destes foi necessário. Os decretos de Deus significam basicamente que tudo que o Senhor
planeja e determina na eternidade passada, de forma imutável e sapientíssima, com base exclusiva
na Sua vontade, certamente se cumprirá infalivelmente ao longo do tempo com o objetivo máximo
dar devida glória ao Seu nome. Foi lido também que tudo que o Senhor planeja e determina inclui ou
abrange e se relaciona com a criação e todos os fatos da história, tanto os grandiosos e marcantes
eventos, como os mínimos detalhes da vida cotidiana das pessoas.
Se Deus preordenou todas as coisas, todos os fatos e o curso da história de forma imutável e
infalivelmente com base na Sua vontade, obviamente segue-se que o decreto de Deus também inclui
o destino eterno das criaturas morais, anjos e pessoas, inclui a salvação ou a condenação de seres
morais. Portanto, a predestinação abrange os decretos de Deus relacionados ao destino eterno de
criaturas morais. Deus preordenou na eternidade passada, antes da fundação do mundo (Mt 25:34;
At 22:14; Ef 1:4; 2Ts 2:13; Ap 13:4, 17:8, 21:27) de forma imutável e infalível, com base exclusiva na
Sua vontade (Jo 1:12-13, 6:39-40; Ef 1:5-11; Fp 2:13), sem previsão de ações futuras das criaturas
(Rm 9:11), sem nenhum mérito ou virtude de Suas criaturas (Dt 7:7-8, Rm 3:19-20, Ef 2:8-9), a
salvação ou a perdição dos seres morais (Pv 16:4; Rm 8:28-30, 9:9-24, 11:7) para a manifestação da
Sua glória (Rm 9:20-24; 2Co 4:6; Ef 1:5-14; Fp 1:9-11, 4:20; 1Tm 1:17; 2Pe 3:18; Jd 1:24; Ap 1:5-6).
Visto que a predestinação faz parte dos decretos de Deus, não é necessário explicar com
mais detalhes sobre o assunto, visto que isto já foi feito no estudo sobre os decretos de Deus e as suas
propriedades. A definição da predestinação feita neste artigo não foi baseada no apego a alguma
tradição teológica, mas no sincero estudo da discussão da doutrina na história da Igreja, no estudo
exegético e bíblico das palavras relacionadas e da definição e dos aspectos dos decretos de Deus.
Portanto, a definição do sentido da predestinação resulta do conjunto das conclusões da discussão
histórica, exegética, bíblica e teológica. Se o leitor prestar mais atenção, verá que esta definição
predominou em todos os debates históricos, de concílios e de sínodos, é o mesmo sentido
apresentado e explicado pelos reformadores do século XVI e das confissões de fé, possui bases
sólidas no estudo exegético e é amplamente ensinado desta maneira em diversos trechos bíblicos.
A causa da eleição é a boa vontade de Deus, por meio de seu ‘’beneplácito divino’’, um ato
puro de graça que foi concedido aos Seus eleitos (Dt 7:6-8; Jo 6:37-40; Rm 8:28; Ef 1:5,11, 3:8-12; Fp
2:13). A causa da eleição nunca foi motivada pela previsão de boas obras ou da fé humana, ou por
algum mérito da parte do homem (Rm 11:6, Ef 2:8-9, 2Tm 1:9, Tt 3:4-7), pois deste modo ninguém
seria escolhido para a salvação, visto que todos os homens estão corrompidos e escravizados pelo
pecado de tal forma que ninguém pode escolher servir ao Senhor, pelo contrário, somente escolhem
desobedecer ao Criador e rejeitar Seus mandamentos. Sendo assim, a eleição concede aquilo que as
pessoas não merecem, a salvação de forma gratuita e livra daquilo que todos os homens merecem, a
ira justa e santa de Deus e a condenação eterna ao inferno. Ou seja, a eleição é incondicional, depende
exclusivamente da vontade do Criador, é d’Ele a prerrogativa e a decisão de quem quer salvar, não
depende de qualquer mérito ou condição da criatura, logo Ele tem misericórdia de quem quer (Êx
33:19, Mt 11:25-27, Lc 10:21-22, Rm 9:15-18).
Deus não apenas decretou quem seria salvo, mas também os devidos meios para este,
concretizados durante o tempo oportuno. Entre estes meios decretados estão à obra de Cristo, o qual
justificou, redimiu, reconciliou, tornou-nos aceitáveis diante do Pai e intercede por nós (Jo 10:14-18,
10:27-28, 15:16-19, 17:6-11; Rm 8:33-34; 1Ts 5:9-10 Hb 13:20-21); e a obra do Espírito Santo que
nos chamou, regenerou, santificou, preserva a salvação, atua no coração dos eleitos para nos tornar
conformes à imagem do Filho de Deus, torna-nos sujeitos e inclinados ao domínio e a vontade do Pai
e aptos para a prática de boas obras (Ez 11:19; At 13:48; Rm 8:29-30, 8:35-39, 9:10-18; 1Ts 4-5; 1Pe
1:1-2)
E o último detalhe e o mais importante, a finalidade suprema e o alvo maior alcançado pela
seleção de alguns indivíduos para a salvação é o louvor da glória da graça de Deus (Sl 65:4, Rm 9:22-
24, Gl 1:3-5, Ef 1:5-6,11-12). É por este motivo que a eleição explicada em termos bíblicos não deve
ser vista como fatalismo ou arbitrária, mas como um ato de misericórdia e de favor imerecido
concedido aos escolhidos que eram tão reprováveis quanto os demais da raça humana. Para os
cristãos, a eleição fundamentada em termos bíblicos serve como fonte de eterna gratidão ao Senhor,
consolo e de segurança da salvação. Ou seja, a salvação foi planejada e concretizada pelo Senhor do
início ao fim, depende e pertence exclusivamente a Ele a salvação.
Em outras palavras, a eleição é um ato eterno, soberano e imutável, no qual Deus separou ou
selecionou alguns homens para a salvação e somente com eles intencionou realizar seu pacto de
graça e de ter relacionamento íntimo. Esta decisão foi planejada na eternidade passada, antes da
fundação do mundo, com base exclusiva na boa vontade de Deus, excluindo alguma previsão de boas
obras ou da fé humana. Somente aos escolhidos, o Senhor determinou realizar seu pacto de graça e
ter um relacionamento íntimo. E somente aos Seus escolhidos, Deus determinou também os meios
necessários para efetuar a salvação, tais como a obra redentora de Cristo, a regeneração, a conversão,
a santificação e a preservação da morte eterna por meio do Espírito, com a finalidade suprema de
manifestar a glória da misericórdia e graça do Senhor. Como vimos, esta definição teológica da
eleição não foi uma invenção humana ou apegada a algum ramo da teologia, pelo contrário, está
profundamente alicerçada no testemunho das Escrituras.
Vejamos o que os Cânones de Dort comentam sobre a eleição: ‘’Esta eleição é o imutável
propósito de Deus, pelo qual ele, antes da fundação do mundo, escolheu um número grande e definido
de pessoas para a salvação, por graça pura. Estas são escolhidas de acordo com o soberano bom
propósito de sua vontade, dentre todo o gênero humano, decaído, por sua própria culpa, de sua
integridade original pára o pecado e para a perdição. Os eleitos não são melhores ou mais dignos que os
outros, mas envolvidos na mesma miséria. São escolhidos, porém, em Cristo, a quem Deus constituiu,
desde a eternidade, Mediador, Cabeça de todos os eleitos e fundamento da salvação. E, para salvá-los
por Cristo, Deus decidiu dá-los a ele e efetivamente chamá-los e atraí-los à sua comunhão por meio de
sua Palavra e de seu Espírito. Em outras palavras, ele decidiu dar-lhes verdadeira fé em Cristo, justificá-
los, santificá-los e, depois, os tendo guardado poderosamente na comunhão de seu Filho, finalmente
glorificá-los. Deus fez isto para a demonstração de sua misericórdia e para o louvor da riqueza de sua
gloriosa graça’’. A Confissão de Fé de Westminster define a eleição nos seguintes termos: ‘’Segundo o
seu eterno e imutável propósito, e segundo o santo conselho e beneplácito de sua vontade, antes que
fosse o mundo criado, Deus escolheu em Cristo, para a glória eterna, os homens que são predestinados
para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça, ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não
por previsão de fé ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a
isso o movesse, como condição ou causa. Assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim
também, pelo eterno e mui livre propósito da sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a
esse fim; os que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos por Cristo, são
eficazmente chamados para a fé em Cristo pelo seu Espírito, que opera no tempo devido, são
justificados, adotados, santificados e guardados pelo seu poder por meio da fé salvadora. Além dos
eleitos não há nenhum outro que seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado,
santificado e salvo’’.
A boa vontade de Deus é a causa e o fundamento da eleição: enquanto que o homem é um ser
finito, criado e limitado, que apenas pode fazer aquilo que está dentro de seus limites físicos e
intelectuais e mesmo assim seus planos podem ser frustrados pelo curso da história e das
circunstâncias, a Palavra de Deus apresenta a Deus como o Senhor Todo-Poderoso, Supremo
Governador e Soberano sobre toda a criação e a história. O Senhor é infinitamente poderoso para
fazer tudo aquilo que esteja de acordo com a Sua vontade (Jó 42:2, Sl 115:3, 135:6, Is 46:10, Mt 11:26,
Ef 1:11). Tudo aquilo que o Senhor planejou e determinou na eternidade é infalivelmente cumprido
na história e Ele mesmo assegura que tudo seja feito de acordo com a Sua vontade. Por meio da Sua
vontade, todas as coisas vieram a existir (Sl 135:6), Ele determina o curso da história de cada pessoa
(Dt 32:39, Pv 16:9, Jr 10:23, Tg 4:13-15), o Senhor determina que as decisões dos governantes sejam
feitas de acordo com a Sua vontade (Êx 7:3, 14:4,17; Pv 21:1), tudo o que Jesus Cristo fez para efetuar
a salvação no povo de Deus foi de acordo com a vontade do Pai (Mt 26:39; Lc 22:22; Jo 5:30, 6:38-40,
8:28-29; At 2:22-23, 4:27-28) e até o dia do julgamento do mundo foi determinado pelo Senhor (Jo
12:48; At 17:31; 2Pe 2:9, 3:7). O Senhor não apenas determina que tudo é realizado de acordo com a
Sua vontade, como também assegura que tudo seja cumprido conforme Seus desígnios e ninguém
pode impedir, anular ou frustrar os planos do Senhor (2Cr 20:6, Sl 147:5; Is 14:24-27, 43:13, Dn
4:34-35). Assim como a determinação divina é a causa de tudo o que ocorre no mundo, nos assuntos
relacionados à salvação a causa é a boa vontade de Deus: ‘’Segundo a sua própria vontade, ele nos
gerou pela palavra da verdade’’ (Tg 1:18). Portanto, a causa motriz e o fundamento da eleição é a boa
vontade ou o beneplácito de Deus (Êx 33:19; Dt 7:6-8; Sl 65:4; Mt 11:25-26; Lc 10:21; Jo 15:16; Rm
9:9-18, 11:33-36; Ef 1:3-12; 2Tm 1:8-9). Quando se fala que Deus é soberano nos assuntos da
salvação (Jn 2:9), significa que o Senhor escolhe quem Ele quer para salvar, a escolha daqueles que
receberam o favor imerecido depende apenas d’Ele mesmo. Também se pode afirmar que a
soberania divina na eleição é o exercício de Sua santa independência, pois não depende de suas
criaturas ou de alguma circunstância exterior, depende apenas do seu beneplácito: ‘’Vós não me
escolhestes a mim, mas eu vos escolhi a vós’’ (Jo 15:16), ‘’e nos predestinou para sermos filhos de
adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para o louvor da
glória da sua graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado’’ (Ef 1:5-6). Como o Senhor é eterno e
infinitamente sábio, o Senhor não precisou consultar ninguém para escolher para a salvação,
nenhuma circunstância exterior influenciou suas decisões, nada fora de Si mesmo o motivou ou o
impulsionou a escolher alguns indivíduos para a salvação: ‘’pois não tendo os gêmeos ainda nascido,
nem tendo praticado bem ou mal, para que o propósito de Deus segundo a eleição permanecesse
firme, não por causa de obras, mas por aquele que chama, foi-lhe dito: O maior servirá o menor.
Como está escrito: Amei a Jacó, e aborreci a Esaú’’ (Rm 9:11-13). As Santas Escrituras também
afirmam: ‘’que nos salvou, e chamou com santa vocação, não segundo as nossas obras, mas segundo o
seu próprio propósito e a graça que nos foi dada em Cristo antes dos tempos eternos’’ (2Tm 1:9).
Como Deus é o Criador de todas as coisas, governa tudo o que há no mundo e é o parâmetro ou a base
de tudo o que é bom e justo, logo Ele pode fazer o que quiser com a criação sem ser acusado de mau
ou injusto, inclusive selecionar aqueles que receberão a graça salvadora, apontando para a soberania
divina quanto à eleição: ‘’Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas
aos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado’’
(Mt 11:25-26), ‘’Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa
de misericórdia’’ (Rm 9:16), ‘’Portanto, tem misericórdia de quem quer, e a quem quer endurece’’
(Rm 9:18). Quanto a isso, o apóstolo Paulo respondeu que a criatura jamais poderá discutir com Deus
sobre seus propósitos, apenas devem aceitar a vontade soberana do Senhor: ‘’Mas ó homem, quem és
tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?
Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para uso honroso e
outro para uso desonroso?’’ (Rm 9:20-21). Como todos os homens são pecadores desde o nascimento
(Gn 8:21; Sl 51:5, 58:3; Is 48:8; Ef 2:3), não podem amar a Deus de todo o coração por suas próprias
forças e rejeitar o pecado (Rm 3:9-12), ninguém merece receber a salvação, ninguém pode reclamar
para obter a graça, portanto Deus escolhe a quem quer salvar, se a escolha dependesse de suas
criaturas, ninguém escolheria e seria salvo: ‘’Mas Deus, sendo rico em misericórdia, pelo seu muito
amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com
Cristo (pela graça sois salvos)’’ (Ef 2:4-5), ‘’mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação
santa, o povo adquirido, para que anuncieis as grandezas daqueles que vos chamou das trevas para a
sua maravilhosa luz’’ (1Pe 2:9). Através destes fatos, a soberania divina na eleição é ainda mais
evidenciada e comprovada pelas Escrituras, a causa e o fundamento da eleição é o beneplácito de
Deus, a eleição depende tão somente de Si mesmo. Um dos maiores mestres de toda a história da
Igreja, Agostinho de Hipona comentou: ‘’Portanto, Deus nos escolheu em Cristo antes da fundação do
mundo, predestinando-nos para sermos seus filhos adotivos, não porque seríamos santos e
irrepreensíveis por nossos méritos, mas escolheu-nos e predestinou-nos para o sermos. Assim agiu
segundo o seu beneplácito para que ninguém se glorie em sua vontade, mas na de Deus; agiu assim
segundo as riquezas de sua graça, conforme o seu beneplácito, que se propôs a realizar em seu Filho
amado, no qual fomos feitos seus herdeiros, predestinados segundo o beneplácito, não o nosso, daquele
que opera a ponto de operar em nós mesmos o querer (Fl 2:13). Mas opera segundo o conselho de sua
vontade, a fim de servir – mas para o seu louvor e glória’’. A Declaração Sólida e a Fórmula da
Concórdia, ambos são documentos confessionais luteranos, afirmam sobre o assunto: ‘’A eterna
eleição de Deus, porém, não só vê e sabe antecedentemente a salvação dos eleitos, mas, por graciosa
vontade e beneplácito de Deus em Cristo Jesus, também é a causa que cria, opera, opera, ajuda e
promove a nossa salvação e tudo o que a ela pertence... Essa doutrina e explanação da eterna e salvífica
eleição dos filhos eleitos de Deus dão a Deus inteiramente a honra que lhe é devida, a saber, que nos
salva por pura misericórdia em Cristo, sem qualquer mérito nosso ou boas obras, ‘’segundo o propósito’’
de sua vontade’’. Enquanto as Escrituras registram que a boa vontade de Deus é o fundamento da
eleição, ao mesmo tempo outras teses são negadas e reprovadas, em que a eleição não tem como
causa na previsão da fé humana, visto que o homem natural é escravo do pecado e não entende as
coisas espirituais (Mc 7:20-23, Ef 2:2-3, 1Co 2:14), a fé ‘’é dom de Deus; não vem das obras, para que
ninguém se glorie’’ (Ef 2:8-9). A eleição não tem como fundamento a previsão de méritos de boas
obras ou pela santidade (Dt 7:6-8, Rm 9:11, 1 Co 1:26, Tt 3:4-7), visto que ninguém merece receber a
graça (Rm 1:20, 3:19-20,23) e que é a eleição que torna eficaz a santificação na vida dos escolhidos:
‘’Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão
preparou para que andássemos nelas’’ (Ef 2:10), ‘’porque Deus é o que opera em vós tanto o querer
como o efetuar, segundo a sua boa vontade’’ (Fp 2:13). E, por último, Cristo é o objeto da eleição, o
qual concretizou os meios adequados para tornar a eleição concretizada na vida dos escolhidos.
Embora seja o fundamento da salvação, ele não pode ser chamado de fundamento da eleição, a qual
está fundamentada exclusivamente na boa vontade de Deus. A eleição não pode ser chamada de
salvação, pois enquanto a eleição preordena algumas pessoas para receber a graça e é o princípio e a
causa da salvação, esta é efetuada pela obra redentora de Cristo e aplicada de maneira eficaz nos
eleitos pelo Espírito Santo.
Incondicional: quando o homem toma suas decisões ao longo da vida, estas têm suas bases
em suas preferências, em seus gostos pessoais, nos meios e nas circunstâncias externas, pelas
tentativas de erro e acerto, pelas possibilidades ou aquilo que está ao seu alcance, pela experiência
da vida e pela probabilidade que esta decisão irá gerar no futuro. Por exemplo, quando o homem
escolhe uma cidade para morar, com certeza esta escolha depende: se o lugar possui baixa taxa de
violência, roubo e assassinato, pelo emprego almejado, pelo consentimento da família, por possuir
melhores sistemas de saúde, educação e transporte, entre outros motivos. Ou seja, a escolha do
homem sempre depende de meios e circunstâncias externas e pelas suas preferências pessoais, algo
que está fora dele. Porém, as condições da eleição divina são contrárias as das escolhas do homem.
Quando Deus escolheu algumas pessoas para receber a graça, isto não se deu por meios e
circunstâncias externas ou porque estas pessoas eram mais especiais, ou seja, a eleição divina não
depende de alguma coisa fora de Deus, pelo contrário, depende apenas d’Ele mesmo: ‘’Assim, pois,
isto não depende do que corre, mas de Deus que usa de misericórdia’’ (Rm 9:16). Como o Senhor é
soberano e infinitamente sábio, planejou, determinou e executou todas as coisas a existir e o curso da
história com todos os detalhes sozinho (Jó 36:22-23, 38:4; Is 40:13-15; Rm 11:33-34; 1Co 2:16),
assim também selecionou algumas pessoas para a salvação sem precisar de consultar alguém, pois
Sua vontade é livre: ‘’Deus é excelso e maravilhoso em seu poder; quem é mestre como ele? Quem lhe
prescreveu os caminhos em que deve andar?’’ (Jó 36:22-23), ‘’Ó profundidade das riquezas, tanto da
sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os
seus caminhos! Pois quem jamais conheceu a mente do Senhor? Ou quem se fez seu conselheiro? (Rm
11:33-34), ‘’Pois, quem jamais conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo?’’ (1Co 2:16).
Quando Deus escolheu certas pessoas na eternidade passada, isto não se deu por algo que existia
anteriormente ou poderia existir posteriormente no homem. Isto é, a eleição não teve como base algo
que se originou no homem, nada no que havia no homem poderia ter como condição que
impulsionou Deus a estender a graça para uns e para outros não. A condição da eleição não teve
como base pelo conhecimento divino que o homem aceitaria a salvação caso fosse apresentado a ele.
Em outras palavras, a eleição não depende daquilo que possui no homem, nada no homem poderia
impulsionar a escolha divina, não depende da previsão de boas obras ou da fé humana. A eleição é
incondicional porque não depende de alguma coisa ou ação das criaturas, nenhuma causa,
circunstância ou meio exterior, fora de Deus, mas depende apenas do próprio Senhor, as condições e
as prerrogativas da eleição é do próprio Deus. O único motivo que impulsionou a eleição é apenas
Sua boa vontade, o beneplácito divino. Ele escolhe quem quiser salvar, depende apenas de Deus para
quem vai conceder misericórdia. Portanto, a eleição é incondicional, livre e independente (Êx 33:19;
Dt 7:7-8; Rm 9:11-13, 9:15-18, 11:5-7; 1Co 26-29; 2Tm 1:9 . Diversos trechos bíblicos evidenciam
que a eleição é incondicional, livre e independente. Por exemplo, o apóstolo Paulo expõe a história de
Esaú e Jacó, em que ambos eram descendentes de Abraão e filhos gêmeos de Isaque e Rebeca. A única
diferença era que Esaú nasceu primeiro, herdeiro da primogenitura, ou seja, tinha uma vantagem
sobre Jacó. Apesar desta vantagem, Deus já havia escolhido aquele que iria receber a misericórdia
antes do nascimento dos gêmeos, sem levar em conta as condições de cada um e as suas obras
futuras: ‘’pois não tendo os gêmeos ainda nascido, nem tendo praticado bem ou mal, para que o
propósito de Deus permanecesse firme, não por obras, mas por aquele que chama, foi-lhe dito: O
maior será o menor. Como está escrito: Amei a Jacó e aborreci a Esaú’’ (Rm 9:11-13). Também nesta
história, o apóstolo explica que não são os descendentes naturais que constituem o povo de Deus,
mas os filhos da promessa, os remanescentes. Em Dt 7:7-8, o profeta Moisés explica sobre o motivo
da escolha do povo de Israel e a rejeição das demais nações: ‘’O Senhor não tomou prazer em vós
nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que todos os outros povos, porque éreis menos
em número do que qualquer povo; mas, porque o Senhor vos amou’’. Em 1Co 26-29, a Escritura
explica que não há nenhum motivo para o homem se vangloriar da eleição, mas apenas deve dar
crédito ao beneplácito de Deus: ‘’Deus escolheu as coisas loucas do mundo para confundir os sábios;
e Deus escolheu as coisas fracas do mundo para confundir as fortes... Para que nenhum mortal se
glorie na presença de Deus’’. Nem mesmo a previsão da fé humana e da santificação são as condições
necessárias para a eleição, pelo contrário, a fé e a santificação são resultados da eleição, não as
causas: ‘’Vós não me escolhestes a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos designei para vades e deis
frutos’’ (Jo 15:16), ‘’Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus
antes preparou para que andássemos nelas’’ (Ef 2:8-10). Diante destes exemplos, a única condição
primária que motivou e impulsionou Deus a realizar a eleição divina foi o Seu beneplácito: ‘’Terei
misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia, e terei compaixão de quem me aprouver ter
compaixão. Assim, pois, isto não depende do quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de
misericórdia’’ (Rm 9:15-16), ‘’Portanto, tem misericórdia de quem quer, e a quem quer endurece’’
(Rm 9:18). Lembrando que por causa do estado pecaminoso do homem, a eleição não poderia
depender daquilo que o homem pode fazer no futuro, pois não há nada no homem que possa atrair a
atenção de Deus e exigir a salvação. Por causa de seu estado corrupto, todos os homens nascem
pecadores, herdam a natureza pecadora de Adão (Gn 8:21; Sl 51:5, 58:3; Is 48:8; Ef 2:3), possuem
inclinação e tendência para fazerem aquilo que é mal perante os olhos do Senhor (Gn 6:5,11-12; Sl
14:1-3, 143:2, 53:1-6; Ec 7:20; Jr 13:23; Rm 1:29-32, 3:10-18; Ef 2:1-3; 2Tm 3:2-5; Tt 3:3; 1Jo 1:8),
são escravos do pecado (Jó 15:14-16; Rm 3:9-12,23, 6:17-18, 7:14-21; Ef 2:1-3; Tt 3:3), odeiam a
Deus e não querem ter nenhuma relação com Ele (Rm 1:29-32; Cl 1:21; Tg 4:4; 1Co 1:20, 2:14; Ef
4:17-19), estão sob a ira de Deus (Jo 3:36; Rm 1:18, 2:5-8; Gl 5:19-21; Ef 2:1-3, 5:6; 2Ts 1:7-9) e
merecem receber a punição de seus pecados que é a morte espiritual (Jo 3:19-21; Rm 1:18-32, 6:23,
5:12-21; 1Co 15:22; Ef 2:1-3). A eleição não pode depender da previsão da fé, pois como já foi
exposto, nenhum homem em seu estado natural quer ter relação com Deus. Se a eleição dependesse
das condições do homem, por aquilo que ele pode fazer ninguém seria eleito por Deus, mas tão
somente receberia a ira do Senhor. Se a condição da eleição fosse depender por haver algo bom no
homem, algo que chamaria a atenção e o favor de Deus, então o homem se tornaria merecedor deste
favor e poderia exigir a salvação diante do Senhor, e Ele seria obrigado a conceder o favor. Desta
forma, a salvação seria concedida pelas condições humanas e pelas obras, deixaria de ser pela graça e
com base no beneplácito divino. Portanto, a graça deixaria de ser favor imerecido e passaria a ser
uma recompensa pelo mérito das boas obras. Porém, as Escrituras declaram explicitamente: ‘’Assim,
pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça. E se é
pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça. Que diremos, pois? O que Israel
busca, isso não conseguiu; mas a eleição o alcançou; e os mais foram endurecidos’’ (Rm 11:5-7),
‘’Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras,
para que ninguém se glorie’’ (Ef 2:8-9).
Imutabilidade: aqueles que foram selecionados para a salvação desde a eternidade, foram
pré-conhecidos intimamente, são amados desde a eternidade, eleitos segundo o beneplácito divino e
uma vez que foram alcançados pela graça, a salvação dos escolhidos é garantida e assegurada por
Deus para sempre, jamais perdem a salvação. Isto é, o decreto da eleição é imutável, é irrevogável,
uma vez que tais pessoas foram eleitas na eternidade, nenhuma circunstância ou criatura pode
frustrar, impedir ou anular a eleição, nada pode nos separar do amor de Deus em Cristo Jesus (Rm
8:39), como está escrito: ‘’o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece
os que lhe pertencem’’ (2Tm 2:19). Em primeiro lugar, o decreto da eleição não pode mudar porque
Deus é imutável: ‘’Mas tu és o mesmo, e os teus anos não acabarão’’ (Sl 102:27), ‘’Pois, eu, o Senhor,
não mudo’’ (Ml 3:6), ‘’Toda boa dádiva e todo dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes,
em que não há mudança nem sombra de variação’’ (Tg 1:17). Logo, todas as decisões que foram
tomadas na eternidade, certamente se cumprirão no devido tempo, tudo o que o Senhor ordena não
falha, Ele mesmo dá a garantia e a certeza do cumprimento de Seus propósitos: ‘’O conselho do
Senhor permanece para sempre, e os intentos do seu coração por todas as gerações’’ (Sl 33:11), ‘’O
Senhor dos exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se
efetuará’’ (Is 14:24), ‘’O meu conselho subsistirá, e farei toda a minha vontade’’ (Is 46:10). Ele não
toma nenhuma decisão nova, nem mesmo um decreto novo, pois Deus é infinitamente sábio,
poderoso e soberano, Suas decisões foram tomadas desde a eternidade passada e não podem ser
frustradas. Em relação aos eleitos, o eterno amor de Deus por eles é inalterável (Jr 31:3, Jo 13:1, Rm
8:35-39), Sua misericórdia dura para sempre (Sl 136). Uma vez que o indivíduo foi eleito na
eternidade, será alcançado pela graça e esta eleição terminará na glorificação, composta de um
processo imutável e ininterrupto: ‘’aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou,
a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou’’ (Rm 8:30). Cristo garante a
certeza da eleição ao prometer que os nomes escritos no Livro da Vida desde a eternidade jamais
serão riscados: ‘’de maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida’’ (Ap 3:5). Em segundo
lugar, a eleição é imutável porque Deus é soberano: ‘’Pois o Senhor dos exércitos o determinou, e
quem o invalidará? A sua mão estendida está, e quem a fará voltar atrás?’’ (Is 14:27), ‘’ninguém há
que possa escapar das minhas mãos; operando eu, quem impedirá?’’ (Is 43:13), ‘’pois quem jamais
resistiu à sua vontade?’’ (Rm 9:19). Deus é poderoso e absolutamente livre para fazer tudo àquilo
que planejou na eternidade. A soberania divina garante que tudo o que Deus planejou e determinou
em Seus decretos são infalivelmente cumpridos, Seus planos jamais podem ser frustrados,
impedidos, anulados, resistidos ou mudados pelo homem (2Cr 20:6, Sl 147:5, Is 43:13, Dn 4:35). Não
apenas os decretos de Deus jamais podem ser impedidos, como também o Senhor assegura que tudo
esteja de acordo com a Sua vontade, ‘’conforme o propósito daquele que faz todas as coisas segundo
o conselho da sua vontade’’ (Ef 1:11). Assim com o Senhor é absolutamente soberano para salvar a
quem Ele quer, também é soberano para operar e efetuar a salvação (Fp 2:13), visto que o Evangelho
‘’é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê’’ (Rm 1:17). Logo, a soberania divina
garante que Deus não deixará nenhum de seus eleitos se perderem e assegura a salvação destes para
sempre. O profeta Jeremias profetizou a Nova Aliança baseado na obra redentora de Cristo: ‘’farei
com eles uma aliança eterna de não me desviar de fazer-lhes o bem; e porei o meu temor nos seus
corações, para que nunca se apartem de mim’’ (Jr 32:40). Todos aqueles que foram escolhidos por
Deus são entregues à Cristo, que diz ‘’de nenhuma maneira o lançarei fora’’, ‘’Que eu não perca de
todos aqueles que me deu, mas que eu os ressuscite no último dia’’ (Jo 6:37-40). Jesus Cristo compara
os eleitos do Pai como se fossem suas ovelhas e promete aos escolhidos: ‘’eu lhes dou a vida eterna, e
jamais perecerão; e ninguém as arrebatará da minha mão’’ (Jo 6:27-29). Diante disso, a imutabilidade
da eleição deve ser vista como fonte de consolo, pois nenhum pecado é tão grande que não possa ser
perdoado, garante salvação até mesmo para os maiores pecadores (1Tm 1:15), se assim estiver de
acordo com a vontade de Deus. Por exemplo, na época do profeta Jonas, os ninivitas eram inimigos de
Israel e eram conhecidos como o povo mais cruel e sanguinário. Mesmo assim, pela soberania e
infinita misericórdia, Deus concedeu a salvação para este povo que tinha prazer na maldade (Jn 1:1-
2, 3:5,10). Nenhuma circunstância ou criatura pode separá-los do amor de Deus, o decreto da eleição
é inalterável, portanto Deus jamais se esquece de Seus eleitos, nunca os abandonará. Mesmo quando
alguns eleitos cometem crimes graves, como fizeram Moisés, Davi e Paulo, a misericórdia de Deus é
eterna, inesgotável e não muda, qualquer pecado pode ser perdoado: ‘’Se confessarmos os nossos
pecados, ele é fiel e justo para perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça’’ (1Jo 1:9). A razão
para o Senhor não anular o pacto de graça feito com os israelitas por causa de seus pecados é esta:
‘’Pois, eu, o Senhor não mudo; por isso, ó filhos de Jacó, não sois consumidos’’ (Ml 3:6). Como na
parábola da ovelha perdida (Lc 15:4-7), os eleitos podem algumas vezes se desviarem dos preceitos
do Senhor, mas não de forma definitiva, no tempo devido são trazidos por Deus de volta à comunhão.
Por isso, podemos clamar com o apóstolo Paulo: ‘’Porque estou bem certo de que, nem a morte, nem
a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem potestades, nem a
altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que
está em Cristo Jesus nosso Senhor’’ (Rm 8:38-39). Diante destes exemplos bíblicos, podemos ter
certeza que: todo eleito que por mais pecador seja antes de seu novo nascimento será salvo, nenhum
pecado pode anular a eleição, nenhum escolhido se perderá para sempre e que Deus garante para
sempre a salvação. Logo, a eleição não depende do homem, mas sim de Deus, que nenhum pecador
eleito pode se perder para sempre, a salvação é certa e segura até o fim da vida e que é Ele quem
assegura o resultado final da eleição, que é a glorificação. O decreto da eleição é imutável e
inalterável, nada pode anular ou mudar este decreto. Mais adiante, como a obra redentora de Cristo e
santificadora do Espírito dá a certeza, a segurança e a garantia que nenhum dos eleitos do Pai jamais
se perderá para sempre e ainda mantém a salvação destes até o final da vida. Ao mesmo em que se
afirma que uma vez que alguém foi eleito na eternidade, jamais deixará de ser eleito e que por isso é
impossível perder a salvação ou cair do estado de graça, muitos se perguntam: e aqueles que
aparentemente foram convertidos pelo Senhor, que por um tempo experimentaram os benefícios
espirituais, depois se desviaram e nunca mais voltaram ao caminho do Senhor, será que Deus falhou
em Sua promessa de salvar e proteger da perdição eterna todos os Seus eleitos? Com certeza Deus
não falhou, pois Ele é perfeito, Sua vontade é soberana e infalível, conhece todas as coisas e todas as
Suas decisões são imutáveis e certamente se cumprem ao longo do tempo. O que acontece é que
muitos experimentam uma fé temporária, não aquela fé genuína que é dom de Deus e concedida
exclusivamente aos eleitos. Como não é uma fé verdadeira, um dia se desviam da Palavra e dão sinais
que jamais foram eleitos: ‘’Saíram dentre nós, mas não eram dos nossos; porque, se fossem dos
nossos, teriam permanecido conosco; mas todos eles saíram para que se manifestasse que não são
dos nossos’’ (1Jo 2:19).
Os eleitos podem conhecer e ter certeza de sua eleição: como foi estudado anteriormente,
desde a eternidade o Senhor selecionou aqueles que receberiam a graça por causa de Seu
beneplácito. Também foi estudado que o Senhor conhece de forma íntima aqueles que lhe pertencem
desde a eternidade, amou Seus eleitos de tal maneira que decidiu estabelecer os meios necessários
para a salvação destes escolhidos e que a eleição destes indivíduos é imutável, infalível, certa e
segura por Deus. Após o estudo sobre a certeza objetiva da eleição, em que Deus conhece cada
indivíduo que escolheu antes da fundação do mundo, o próximo assunto é sobre a certeza subjetiva
da eleição, que diz respeito ao indivíduo, se é possível ou não os crentes descobrirem ou tomar
conhecimento se foram eleitos por Deus. Se for possível o cristão conhecer a eleição, quais são os
meios e as evidências que apontam sobre a certeza subjetiva da eleição, qual é o fundamento bíblico
que torna o conhecimento da eleição possível ao cristão? Algumas pessoas negam a possibilidade do
conhecimento da eleição aos crentes, visto que creem de modo equivocado que o crente pode perder
a salvação a qualquer momento, podendo resultar na frustração, impedimento ou anulação da
vontade de Deus. Para tais pessoas, como não pode ter certeza da sua eleição, o cristão deve duvidar
sempre, visto que pode cair do estado de graça e anular o decreto divino. Diante da discordância
teológica, a melhor maneira de solucionar o problema é consultar as Escrituras. Por exemplo, as
Escrituras afirmam que Ananias sabia que o apóstolo Paulo era ‘’um vaso escolhido’’ (At 9:15), Paulo
sabia que Rufo era um ‘’escolhido’’ (Rm 16:13 cf 2Jo 1:13), alguns cristãos sabiam que estavam entre
os escolhidos de Deus (1 Ts 1:4, Tg 2:5, 1Pe 1:1-2) e são identificados como eleitos (Fp 4:3). Paulo
tinha certeza de sua eleição e confiou em Deus para preservar sua salvação: ‘’Sei em quem tenho
crido e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele Dia’’ (2Tm
1:12), ‘’Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está
guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos
quantos amam a sua vinda (2Tm 4:6-8). E o apóstolo Pedro não só fala que é possível conhecer a
eleição, como também recomenda esta busca como fator essencial para obter crescimento espiritual:
‘’Irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto,
procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum. Pois desta maneira é que vos será amplamente
suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo’’ (2Pe 1:10-11). Como as
Escrituras permitem aos cristãos procurarem saber se de fato são eleitos, também é igualmente
importante conhecer os meios e as evidências que possibilitam os crentes terem certeza que foram
escolhidos. Para isso, serão estudadas as evidências internas e externas. As evidências internas, ou
seja, aquilo que somente o próprio cristão consegue perceber e que está somente visível a ele, são o
testemunho do Espírito Santo e o testemunho do espírito humano (Rm 8:16). Após o Espírito
regenerar e converter o homem, Ele convence o cristão que seus pecados foram perdoados por Deus
por meio da obra redentora de Cristo, que foi reconciliado e aceito por Deus e que foi adotado como
filho pelo Pai. Ao falar sobre o significado do testemunho do Espírito, o teólogo anglicano James
Packer afirmou: ‘’O Espírito aplica palavras e pensamentos da Bíblia ao coração do crente, de maneira
tão poderosa e autoritária, que ao crente não resta qualquer dúvida de que aquilo lhe foi dito pelo
próprio Deus’’. Quando o Espírito declara ao crente, dando a ele a garantia e a certeza absoluta que é
filho de Deus, o Espírito nos sela (Ef 1:13), isto é, o Espírito passa a habitar nas nossas vidas para dar
a autenticidade e a segurança que somos propriedade exclusiva de Deus, que pertencemos ao Pai. E,
por último, o Espírito atua em nós como o ‘’penhor da nossa herança’’ (Ef 1:14). Deus não apenas
prometeu que habitaria em nós, mas também que seríamos purificados de todos os nossos pecados,
que nossa natureza caída seria transformada pelo Espírito, o qual nos incentiva a obedecer e a
guardar todos os estatutos da Lei de Deus, teríamos temor ao nome de Deus de tal maneira que
jamais seremos apartados ou separados de Deus (Ez 36:22-28; Jr 31:33-34, 32:38-42). Em resumo,
Deus nos prometeu que seríamos totalmente redimidos de nossos pecados. Mas esta promessa só
será totalmente cumprida após a glorificação de nossos corpos (Rm 8:30, 1Co 15:51-54, Fp 3:20-21),
por enquanto, nesta era presente, aqueles que foram santificados pelo Espírito travam intensa luta
contra o pecado. É neste contexto que o Espírito habita em nós como uma espécie de garantia que
seremos totalmente redimidos de nossos pecados, como se fosse o pagamento da ‘’primeira parcela’’,
ou a ‘’entrada que dá a garantia de compra de um produto’’. Aqui na terra, os cristãos experimentam
uma espécie de antegozo ou as primícias desta promessa quando andamos nos estatutos de Deus e
rejeitamos o pecado. Este é o sentido básico e bíblico em que o Espírito Santo atua em nós como o
penhor de nossa herança. A segunda evidência externa é que o nosso espírito testifica em nós
mesmos que somos de fato cristãos. Após ser libertado das trevas do pecado, o cristão tem uma
consciência renovada, portanto evidencia que ele é uma pessoa renovada, que foi regenerada pelo
Espírito, consequentemente isso prova que pertence aos eleitos de Deus: ‘’Orai por nós, porque
estamos persuadidos de que temos boa consciência, sendo desejosos de, em tudo, portar-nos
corretamente’’(Hb 13:18). Quando ainda éramos escravos do pecado, nossa consciência mostrava
nossos pecados e que estes nos tornavam inimigos de Deus, nossa consciência testemunhava contra
nós e nos acusava de culpados pela transgressão dos padrões morais de Deus (Rm 2:14-16). Logo
após a nossa conversão, com a mudança efetuada na mente e no coração, com o auxílio do Espírito
Santo, nossa consciência dá evidência de que ‘’somos filhos de Deus; e, se filhos, também herdeiros
de Deus e co-herdeiros de Cristo’’ (Rm 8:17-18), que não podemos sermos acusados de culpa pelos
pecados (Rm 8:1-2, 8:33), que não podemos sermos condenados por causa dos nossos pecados (Rm
8:34) e que nada nos separará do amor de Deus em Cristo Jesus (Rm 8:35-39). Após a conversão,
temos consciência que fomos perdoados, purificados e santificados pela obra redentora de Cristo. E
pela nossa consciência renovada pela ação do Espírito na Palavra de Deus, agora inclinamos nossas
vontades e desejos para com Deus, desejamos de todo o coração, de modo sincero e ardente
obedecer alegremente a Sua Palavra. Não apenas isso, mas também nos esforçamos para obedecer a
Deus e ser honesto com os homens: ‘’Por isso procuro sempre ter uma consciência sem ofensa, tanto
para com Deus como para com os homens’’ (At 24:16), ‘’Digo a verdade em Cristo, não minto, dando
testemunho comigo a minha consciência no Espírito Santo’’ (Rm 9:1). Estas evidências internas são
ainda mais comprovadas pelas evidências externas, àquelas que são visíveis diante dos homens, nas
quais consistem em amar ao Senhor acima de todas as coisas, obedecer a Palavra de Deus e rejeitar o
pecado: ‘’Aquele que é nascido de Deus não peca habitualmente; porque a semente de Deus
permanece nele, e não pode continuar no pecado, porque é nascido de Deus’’ (1Jo 3:9). Na velha
natureza, éramos escravos do pecado, nossos pensamentos, desejos e intenções eram contaminados
pelo pecado, fazíamos somente aquilo que era mal perante os olhos do Senhor, não tínhamos
compreensão das coisas espirituais, éramos inimigos de Deus, estávamos separados d’Ele, declarados
culpados e condenados pelo pecado e estávamos debaixo da ira de Deus. Na nova natureza, fomos
libertados do domínio do pecado, nossos pecados foram perdoados, fomos reconciliados com Deus,
adotados como filhos de Deus, fomos declarados justificados pelo sangue de Cristo, amamos a Deus
acima de todas as coisas, temos comunhão com o Senhor e nunca desejamos nos apartar d’Ele,
agradecemos eternamente pelo sacrifício expiatório de Cristo, temos plena confiança que a obra de
Cristo foi suficiente para nos purificar de nossos pecados, ansiamos pela volta de Cristo, lutamos
contra a velha natureza, lutamos contra os nossos pecados, confessamos e nos arrependemos de
nossos pecados, desejamos e nos esforçamos de modo fervoroso e ardente em obedecer a Palavra de
Deus, aceitamos a vontade de Deus e o nosso maior alvo é estar em conformidade com a imagem de
Cristo, ou seja, sermos seus imitadores, sermos cada vez mais parecidos com o caráter de Cristo.
Como a regeneração, a conversão, a santificação e a perseverança são frutos e resultados da eleição,
os sinais que demonstram que uma pessoa é nascida de novo também evidenciam que tal pessoa é
eleita e que por isso pode ter certeza de sua eleição. Portanto, a certeza da eleição não é especulação,
invenção ou algo impossível para ser buscado, pelo contrário, além de ser possível, as Escrituras até
mesmo recomendam esta procura, pois deste modo ‘’não tropeçareis em tempo algum’’ (1Pe 1:10-
11). A certeza da eleição é fonte de consolo, alegria e gratidão dos cristãos para Deus, pois sabemos
que nenhuma parte da salvação Deus precisou de nós, Ele planejou e executou tudo sozinho, sem
precisar de ajuda, pois se dependesse da cooperação humana, jamais teríamos condições para
cumprir e estaríamos condenados à morte eterna. Quando alcançamos esta certeza, descansamos
ainda mais nas mãos do Senhor, sempre conscientes que ‘’aquele que começou a boa obra a
aperfeiçoará até o dia de Cristo Jesus’’ (Fp 1:6), que nada pode nos separar do amor de Deus em
Cristo Jesus (Rm 8:38-39), que ‘’ao Senhor pertence a salvação’’ (Jn 2:9). Ou seja, tendo adquirido a
certeza da eleição, descansamos e confiamos no Senhor, sempre conscientes que a salvação do início
ao fim depende exclusivamente de Deus e que por causa de Seu infinito amor nada poderá nos
separar d’Ele. Muitos cristãos genuínos não possuem esta certeza, o que é muito perigoso, pois a
dúvida sonda seu coração, tal pessoa vive sempre com medo, não se sente segura nas mãos de Deus,
não confia totalmente na obra de Cristo e não tem certeza se de fato todos os seus pecados foram
perdoados por Deus. Se a pessoa continuar neste estado, há dois caminhos a seguir: esta pessoa pode
se entregar totalmente ao desespero, de tal maneira que perde a alegria pela salvação, seu estado
espiritual fica paralisado e em seguida se esfria na fé. Ou esta pessoa deixa de confiar no Senhor e se
agarra totalmente nas obras para garantir a certeza de sua eleição e salvação de qualquer maneira.
Aos crentes que ainda não possuem esta certeza, orem a Deus pedindo esta certeza, confiem
totalmente e exclusivamente que a obra de Cristo para purificar dos nossos pecados foi suficiente,
confiem que Deus já lhes perdoou e examinem-se a si próprios se possuem aquelas características do
novo nascimento. Aqueles que ainda não possuem tais características, não se desesperem e nem se
chamem de reprovados (pois só Deus sabe quais são os reprovados), orem a Deus pedindo estas
características, arrependam-se e se apartem de todos os pecados e estejam em obediência à vontade
e a Palavra de Deus. As pessoas que não possuem os aspectos do novo nascimento e possui falsa
certeza as orientações são as mesmas. É por isso que a tese arminiana de que não se pode ter certeza
da eleição é refutada tanto pelas Escrituras, quanto pelos resultados práticos negativos de duvidar da
certeza da eleição.
Os meios ordenados por Deus para os eleitos alcançarem a salvação: assim como o Senhor
determinou quem seria salvo na eternidade, também determinou os meios para os eleitos serem
alcançados pela graça no devido tempo. Deus não escolheu tais pessoas para a salvação porque
previu algum mérito, causa, condição, boa obra ou algo de bom nos homens, a eleição divina jamais
dependeu de alguma coisa que havia no homem, mas esta eleição teve como causa motriz a boa
vontade de Deus, ‘’pois não depende de quem quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de
misericórdia’’ (Rm 9:16). Antes da chamada eficaz, da regeneração e da conversão por meio do
Espírito, o estado espiritual dos eleitos era morto, sua condição natural era escrava do pecado, sua
vontade era inclinada somente ao pecado, seus desejos, intenções, pensamentos e ações eram
corrompidos e depravados, não havia nada neles que pudesse chamar a atenção e o favor especial de
Deus. Portanto, a condição e o estado dos eleitos eram iguais aos dos reprovados, não havia diferença
entre os eleitos e os reprovados, o modo como vivam os escolhidos era igual ao dos reprovados,
como diz a Bíblia ‘’Não há justo, nem sequer um. Não há quem entenda; não há quem busque a Deus.
Todos se extraviaram; juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só’’
(Rm 3:10-12). Sobre a face da terra, não havia ninguém que fosse justo diante dos olhos de Deus,
portanto não havia diferença entre os eleitos e os reprovados. Por isso foi importante o Senhor
decretar os meios para os eleitos serem alcançados pela graça. É absurdo afirmar que os eleitos
foram forçados a crer em Deus, que não passam de marionetes sem vontade nas mãos do Senhor ou
que são meros robôs que atendem a chamada divina de forma mecânica, irrefletida e sem vontade.
Não é desta maneira que Deus agiu com os eleitos, como também não é desta forma que o Senhor
realiza seus decretos no mundo. Com base na obra da criação e da providência, os propósitos divinos
são concretizados no mundo através do uso de meios para atingir o alvo final. Por exemplo, para que
José se tornasse governador do Egito e preservar o povo de Deus da seca e da corrupção da Judeia, ao
invés de ser transportado para o Egito de forma sobrenatural e convencer o faraó, Deus decretou
meios específicos para que Seus propósitos para o povo de Deus fossem alcançados. Assim também
aconteceu na vida terrena de Jesus Cristo, em que o Senhor utilizou meios específicos para o Messias
ser morto para pagar a punição dos pecados dos eleitos e libertá-los da escravidão do pecado. O
mesmo pode ser dito sobre a vida de Abraão, Jacó e Moisés. Na vida dos eleitos, o Senhor decretou os
devidos meios para estes serem alcançados pela graça, que são a obra de Cristo e a do Espírito Santo.
Na obra de Jesus Cristo, ele foi constituído como uma espécie de segundo Adão, em que representou
os eleitos de Deus, foi o nosso legítimo mediador e intercessor. Jesus Cristo foi enviado pelo Pai,
concebido pelo Espírito Santo na virgem Maria, nasceu sem pecado, tem natureza divina e humana e
obedeceu perfeitamente a Lei de Deus, portanto foi o único capaz de representar e tomar o lugar dos
pecadores eleitos de Deus. Cristo foi morto para pagar a punição de nossos pecados, satisfez a justiça
de Deus, aplacou a ira divina, reconciliou os pecadores a Deus e os libertou da escravidão do pecado.
Quanto à obra do Espírito Santo, ele chama os eleitos de todas as nações da terra (Mt 24:31, Ap 7:9)
de modo eficaz e os traz à comunhão com o Senhor quando a Palavra é pregada no mundo inteiro (Mt
24:14, 28:19; Mc 16:15; At 1:8). Em seguida, o Espírito regenera o homem, ou seja, ele muda a
disposição e a vontade do homem para se sujeitar ao domínio do Senhor e a obedecer a Lei. Depois, o
Espírito converte o homem, cria fé em seu coração (Sl 110:3; At 11:18, 16:14; Ef 2:8), levando-o a
confessar o Senhor Jesus Cristo como único e suficiente Salvador e a se arrepender de seus pecados,
ou seja, depois que Deus concede o dom da fé, o homem tem condições de confessar e se arrepender
e responde de forma positiva a Deus. O Espírito também santifica e purifica o homem de seus
pecados, levando-o a ter uma vida agradável diante de Deus, cumprir as ordenanças de Sua Palavra,
rejeitar e se afastar de todo o pecado e sentir tristeza e arrependimento quando peca. Mais adiante, a
obra de Cristo e do Espírito serão abordadas e discutidas com mais detalhes.
A obra redentora de Jesus Cristo: aquelas pessoas que Deus estendeu a Sua misericórdia, Ele
providenciou um meio de salvação, da condenação eterna, através do sacrifício de Jesus Cristo.
Aquelas pessoas que o Pai intencionou salvar antes da fundação do mundo, Ele enviou o Seu Filho
para pagar a penalidade seus pecados, justificar e redimir. O profeta Isaías declarou sobre a missão
de Jesus Cristo: ‘’meu servo, o justo, justificará a muitos; porque as iniquidades deles levará sobre si’’
(Is 53:11). Quando o Filho tomou a forma humana, foi-lhe dado o nome de Jesus, ‘’porque ele salvará
o seu povo de seus pecados’’ (Mt 1:21). Simeão, ao tomar o menino Jesus em seus braços, disse: ‘’luz
para revelação aos gentios e para a glória de Israel, teu povo’’ (Lc 2:32). Na última ceia pascoal com
os seus discípulos, ele explicou o propósito da Nova Aliança, firmada através de seu sangue: ‘’isto é o
meu sangue, o sangue da Nova Aliança, derramado em favor de muitos para a remissão de pecados’’
(Mt 26:28). O propósito de Cristo era morrer apenas em favor dos eleitos, ‘’para servir e dar a sua
vida em resgate por muitos’’ (Mt 20:28, Mc 10:45) e ‘’para tirar os pecados de muitos’’ (Hb 9:28). A
morte de Jesus não foi por um grupo hipotético, mas por pessoas escolhidas e conhecidas
individualmente pelo Pai (Jo 8:54-55, 10:15-16, 10:26-27, 13:18; 1Co 8:2-3; 2Tm 2:19; 1Cl 1:27; 1Pe
1:2). Às pessoas eleitas e conhecidas, Jesus afirma: ‘’As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as
conheço, e elas me seguem’’ (Jo 10:27). Mais uma vez, as Escrituras afirmam que Jesus morreu
apenas em favor dos eleitos de Deus. Enquanto que a expiação foi totalmente eficaz apenas para os
eleitos de Deus, o propósito da expiação é reunir os redimidos individualmente para formar o povo
de Deus (Jo 11:50-52; Ef 1:3-6; Hb 4:9-10; Tt 2:14; 1Pe 1:1-2, 2:9-10; Ap 5:9). Enquanto que pela
desobediência de Adão, todos se tornaram pecadores e merecedores da condenação eterna, Cristo
desfez os estragos causados pelo pecado e redimiu o povo de Deus, o qual foi constituído como uma
segunda raça (Rm 5:17). A obra expiatória de Cristo tem todo o mundo como seu alcance, porém, não
salva literalmente todas as pessoas, apenas os eleitos espalhados pelo mundo. Desta maneira, o
sentido da palavra ‘’mundo’’, ‘’todos os homens’’, ‘’todas as nações’’, ‘’toda criatura’’ é em termo
sociológico, em que Deus quer salvar pessoas de todas as ‘’tribos, línguas, povos e nações’’ (Mc 15:16;
Jo 10:15-16; At 1:8, 10:34-35, 11:51-52, 15:7-9, 26:23; Rm 1:16-17; Gl 3:28-29; Cl 3:11-12; 1Pe 1:1-2,
2:9-10; Ap 5:9). Expressões que parecem apontar Jesus morrendo por todos os homens, foram
usadas pelos escritores do NT para corrigir a falsa ideia que Cristo morreu apenas em favor dos
judeus. Um exemplo bem comum é a passagem de At 10:34-35: ‘’Deus não faz acepção de pessoas;
mas que lhe é aceitável aquele que, em qualquer nação, o teme e pratica o que é justo’’. Outro trecho
bíblico que refuta a ideia da salvação somente aos judeus é o de Gl 3:28: ‘’Não há judeu nem grego,
escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus’’. E, por último, é
necessário citar o trecho de Ap 5:9: ‘’pois foste morto, e com teu sangue compraste para Deus gente
de toda tribo, língua, povo e nação’’. Portanto, Cristo expiou os pecados de todos os tipos de homens,
de todos os lugares da terra, sem distinção alguma, os quais constituem o povo de Deus. Por outro
lado, as passagens bíblicas que contém a palavra ‘’mundo’’, forem consideradas como se Cristo
tivesse morrido literalmente por todas as pessoas do mundo, teremos sérios problemas de
interpretação e incoerência nas Escrituras. Primeiro lugar, se a palavra ‘’mundo’’ sempre for
interpretada literalmente por todas as pessoas, então surgem contradições na Bíblia. A Bíblia diz:
‘’Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo’’ (Jo 1:29), ‘’Deus estava em Cristo
reconciliando o mundo’’ (2Co 5:19). Desta forma, ao considerarmos a palavra ‘’mundo’’ como se fosse
‘’todas as pessoas’’, Jesus Cristo teria morrido, pago a penalidade do pecado, justificado e
reconciliado a Deus todas as pessoas do mundo. Ou seja, o inferno estaria vazio. Até mesmo o pecado
da incredulidade seria pago por Jesus. Segundo lugar, a Bíblia diz ‘’o mundo todo está sob o poder do
Maligno’’ (1Jo 5:19). Portanto, de acordo com esta passagem, todas as pessoas estariam condenadas
e a obra de Cristo seria em vão. Terceiro lugar, ao afirmar que Jesus Cristo morreu por pessoas que
não creriam em seu nome e seriam condenadas por rejeitá-lo, isso implica em dizer que Jesus Cristo
derramou seu sangue em vão e que não teve poder suficiente para salvar estas pessoas, ou seja, sua
obra foi insuficiente. Portanto, a única conclusão que está de acordo com as Escrituras, é que Jesus
Cristo morreu por todas as pessoas que o Pai lhe deu, isto é, os escolhidos de Deus. Para o povo de
Deus, a expiação foi plenamente eficaz e garantiu para sempre a salvação. Esta doutrina é chamada
de expiação limitada ou redenção definida. Agora, estudaremos o que exatamente Cristo realizou no
lugar dos pecadores. Sacrifício: a morte de Cristo, o sumo sacerdote e representante do povo de Deus
(1Tm 2:5, Hb 9:15, 1Jo 2:1), foi uma oferta, um sacrifício vicário (1Co 5:17, Ef 5:2). Com preço de
sangue até a morte (Rm 3:25, 5:19; 1Co 10:16; Ef 1:7, 2:13; Cl 1:20; Hb 9:12-14, 9:19-22, 10:19; 1Pe
1:2,19; 1Jo 1:7, 5:6-8; Ap 1:8), a penalidade dos pecados foi paga (Rm 3:25-26, 6:23; Gl 3:13; 2Co
5:21), temos paz com Deus, somos resgatados e reconciliados com Deus (Rm 5:6-11, 2Co 5:18-19,
1Pe 1:18-19). A Bíblia afirma que o sacrifício de Cristo em favor do povo de Deus foi perfeito (Hb
9:26, 10:5-10), superior (Hb 9:23), que pagou a inteira penalidade dos nossos pecados (Rm 3:25-26,
6:23; Gl 3:13; 2Co 5:21) e capaz de remover o pecado de modo permanente (Hb 9:25-26, 10:4,11). O
sangue de Jesus derramado na cruz inaugurou a Nova Aliança (Mt 26:28), que perdoa os pecados e
salva todo aquele que deposita fé em Jesus Cristo. Agora, veremos o que exatamente Cristo realizou
no lugar de pecadores. Satisfação penal e substitutiva: após pecar, a comunhão entre Deus e o
homem foi cortada, o caráter de Deus foi ofendido. Como Deus é justo, exigiu a penalidade, a punição
para o pecador, a parte transgressora. E a punição para o pecador é a morte: ‘’pois o salário do
pecado é a morte’’ (Rm 6:23), ‘’sem derramamento de sangue não há perdão’’ (Hb 9:22). Para redimir
aqueles que escolheu para si, alguém deveria substituir estas pessoas para pagar a punição. Ou seja,
alguém sem ter pecado deveria assumir a culpa do transgressor da Lei e pagar a condenação com sua
própria vida, com preço de sangue. Deste modo, o inocente assume e remove a penalidade que era
sobre o transgressor e recebe a condenação em seu lugar. Assim, o que era considerado culpado,
agora se torna inocente e está livre da ira de Deus, pois a penalidade foi paga por outro que estava
em seu lugar. Este é o princípio básico da expiação penal e substitutiva, também chamada de
expiação vicária. Jesus, que é tanto Deus, como homem também, foi o único capaz de obedecer
perfeitamente à Lei, jamais pecou em sua vida (Hb 7:26, Tg 5:6, 1Pe 3:18, 1Jo 3:5). Como
representante do povo de Deus (1Tm 2:5, Hb 9:15, 1Jo 2:1), ele tomou sobre si os pecados (Is
53:6,12; Jo 1:29; 2Co 5:21), satisfez e esgotou toda a ira de Deus, morreu em nosso lugar e nos
imputou a sua justiça por meio da fé (Rm 5:18-19, 3:24-26; 1Co 1:30; Fp 3:9). Propiciação: para Deus
salvar o Seu povo, alguém que nunca pecou durante toda a sua vida, deveria tomar o lugar do
transgressor pela culpa dos pecados do transgressor e suportar toda a ira de Deus. Jesus Cristo, que é
Deus, teve condições de cumprir toda a Lei, jamais ter pecado durante a sua vida e capaz de suportar
toda a ira de Deus, e sendo homem se tornou representante do povo de Deus. Desta forma, enquanto
Cristo estava pagando a condenação dos pecados para satisfazer a justiça de Deus, também estava
sendo amaldiçoado e abandonado pelo Pai (Mt 27:45-46, Mc 15:34-35, Lc 23:44), como consequência
da ira de Deus. Com a justiça satisfeita, toda a ira esgotada e removida a ofensa à santidade de Deus, a
atitude de Deus para o pecador muda de ira para a reconciliação (Rm 3:25-26; Hb 2:17; 1Jo 2:2,
4:10). Este é o princípio básico da propiciação: remover a ira e a ofensa à santidade de Deus (Rm
3:24, Hb 2:17, 1Jo 4:10). O sentido da propiciação pode ser mais bem explicado na passagem de 1Jo
4:10: ‘’Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e
enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados’’. Ou seja, a propiciação é também um ato de
amor, era necessária a propiciação para os pecadores se reconciliarem com Deus, para Deus salvar o
Seu povo. Reconciliação: a palavra ‘’reconciliação’’ (Rm 5:6-11) tem o sentido de ‘’fazer a paz’’,
‘’trocar a inimizade por amizade’’. Como Deus é inimigo de todo pecador, esta inimizade é removida
por meio da propiciação da ira de Deus. Somos reconciliados pela morte e ressurreição de Jesus
Cristo em favor de seu povo (Rm 5:6-11). Neste processo, Deus é quem toma toda a iniciativa: ‘’nos
reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo’’ (2Co 5:18-19), ‘’ele os reconciliou pelo corpo físico
de Cristo, mediante a morte’’ (Cl 1:20-23), ‘’Mas agora, em Cristo Jesus, vocês, que antes estavam
longe, foram aproximados mediante o sangue de Cristo’’ (Ef 2:16-18). Com a justiça satisfeita, a
penalidade dos pecados paga e a remoção da inimizade por meio da morte de Jesus, o homem se
reconcilia com Deus: ‘’e reconciliar com Deus os dois em um corpo, por meio da cruz, pela qual ele
destruiu a inimizade’’ (Ef 2:13-18). Redenção: significa ato de pagar o resgate para recuperar o que
foi perdido (Mt 20:28, Mc 10:45). Neste caso, após o caráter de Deus ser ofendido com o pecado, o
homem perdeu a comunhão com Deus. Desta forma, o homem se tornou escravo do pecado (Rm 3:9-
12,23, 6:17-18, 7:14-21; Ef 2:1-3), de Satanás (1Jo 5:19) e estava debaixo da maldição da Lei (Rm
3:19-20, 6:14; Gl 3:10-14). Desta forma, Cristo, como representante do povo de Deus, pagou o preço
dos pecados em nosso lugar e suportou toda a ira de Deus. Em Mt 20:28 e Mc 10:45, diz: ‘’Pois o
próprio Filho do Homem não veio para servir, mas para servir e dar a sua vida em resgate de
muitos’’. Enquanto estava morrendo na cruz, Jesus Cristo nos libertou da maldição da Lei (Rm 7:6; Gl
3:10-13, 4:4-5), ou seja, ele a cumpriu perfeitamente em nosso lugar. Portanto, os pecadores
resgatados da maldição da Lei são justificados por Cristo e recebem o perdão de Deus (Rm 3:24, 2Co
5:21,Ef 1:7, Cl 1:14, Hb 9:15). Em decorrência disso, recebem a libertação do cativeiro do pecado (Rm
6:11-14, 1Co 7:22-23, Tt 2:14, 1Pe 1:18-20) e de Satanás (Cl 1:13, 2:15; Hb 2:14-15). Fomos
libertados por Cristo da maldição da Lei (portanto, não precisamos cumprir a Lei para a salvação), da
culpa do pecado e do poder de Satanás.
A obra do Espírito Santo: enquanto que o Pai planejou a salvação na eternidade, o Filho
efetua a redenção e o Espírito aplica os efeitos da obra de Cristo nos eleitos. Foi estudado que
enquanto o Pai escolhe aqueles que Lhe pertencem na eternidade, um dos meios que a eleição é
concretizada é através da obra de Cristo, o qual efetua a obra da redenção dos eleitos de Deus. Neste
tópico, será estudado o envolvimento do Espírito na eleição ao aplicar os efeitos da redenção no
coração dos eleitos e quando os escolhidos são alcançados pela graça no tempo devido.
Justificação: o conceito teológico de justificação pode ser definido como o ato gracioso,
judicial e instantâneo de Deus, e que por meio deste ato Deus declara que pecadores crentes são
justos à vista d’Ele com base na justiça de Cristo, que é imputada, creditada ou considerada como
pertencente a estes crentes, e por causa da justiça de Cristo imputada nos crentes os pecados são
perdoados, adotados como filhos de Deus e herdam a vida eterna. O Breve Catecismo de Westminster
define o conceito de justificação nas seguintes palavras: ‘’Justificação é um ato da livre graça de Deus,
no qual Ele perdoa todos os nossos pecados e nos aceita como justos diante de Si, somente por causa da
justiça de Cristo a nós imputada, e recebida só pela fé’’. A seguir, o estudo dos aspectos irá ajuda a
entender melhor o conceito de justificação. O primeiro aspecto da justificação consiste que é uma
declaração legal ou judicial da parte de Deus, é um ato instantâneo e gracioso, não é um processo e
não provém das obras do crente. Este aspecto é evidenciado pelo vocábulo grego correspondente a
palavra ‘’justificar’’, dikaioo, em seu significado básico é ‘’declarar justo’’. O sentido de que Deus nos
declara justos está em diversas passagens da Bíblia (Rm 3:20,26-28, 5:1, 8:30, 10:4; Gl 2:16, 3:24). O
sentido de declarar justo fica evidente quando se contrasta a declaração judicial de justo, ‘’declarar
alguém inocente’’ com o vocábulo ‘’condenar’’, que implica no sentido de ‘’declarar alguém culpado’’:
‘’Quem intentará alguma acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os
condenará?’’ (Rm 8:33-34). O segundo aspecto da justificação é decorrente do primeiro, em que Deus
nos declara justos à vista d’Ele. Este aspecto envolve o lado negativo e o positivo. No lado negativo,
Deus declara que a penalidade dos nossos pecados já foi completamente e suficientemente paga pela
obra redentora de Cristo, tanto os pecados passados, presentes e futuros, fomos justificados de uma
vez por todas. Neste sentido, não temos nenhuma penalidade do pecado a pagar, Cristo já fez isto por
nós, por causa de Cristo já não estamos sujeitos a acusação ou condenação: ‘’Agora, pois, já nenhuma
condenação há para os que estão em Cristo Jesus’’ (Rm 8:1), ‘’Quem intentará acusação contra os
eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará?’’ (Rm 8:33-34). Como Deus já
declarou que não temos nenhuma penalidade a pagar por causa do pecado, consequentemente todos
os nossos pecados foram totalmente perdoados pelo Senhor: ‘’Quando dista o Oriente do Ocidente,
assim afasta de nós as nossas transgressões’’ (Sl 103:12), ‘’Bem-aventurados aqueles cujas
iniquidades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos; bem-aventurado o homem a quem o
Senhor jamais imputará pecado’’ (Rm 4:6-8). Porém, apenas a declaração que a penalidade de nossos
pecados foram totalmente pagos e que nossas transgressões foram perdoadas não é suficiente,
apenas nos deixaria moralmente neutros diante de Deus, estando na mesma situação de Adão antes
da entrada do pecado, que ainda não tinha sido declarado culpado ou inocente. O lado negativo não é
suficiente para recebermos a graça. Para sair desta neutralidade moral, é preciso obter méritos de
justiça para ser declarado justo diante de Deus. Como somos pecadores, jamais seremos declarados
justos por nossas próprias forças. Para isso, Deus imputa em nós a justiça de Cristo, ou seja, Deus
considera a justiça de Cristo pertencente a nós. Em resumo, a justiça de Cristo é ‘’creditada’’ em nossa
conta. É através da justiça de Cristo que somos declarados justos à vista de Deus. A imputação da
justiça de Cristo nos crentes constitui o lado positivo da justificação e o terceiro aspecto. Porém, de
que forma Cristo obteve justiça diante de Deus? Geralmente, a obra de Jesus Cristo em sua vida
terrena é dividida em dois aspectos: a obediência ativa e passiva. A obediência ativa compreende
tudo aquilo que Cristo realizou em nosso lugar, como representante e mediador dos eleitos de Deus.
Ou seja, representando os eleitos de Deus, Cristo obedeceu perfeitamente a Lei e durante toda a sua
vida esteve em submissão ao Pai. Já a obediência passiva, envolve os sofrimentos de Cristo ao
obedecer perfeitamente à Lei e à vontade de Deus em nosso lugar ao longo de sua vida até a sua
morte. Segundo as Escrituras, Cristo jamais pecou (Hb 7:26, Tg 5:6, 1Pe 3:18, 1Jo 3:5), ‘’foi tentado
em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado’’ (Hb 4:15), foi chamado de ‘’o santo de
Deus’’ (Jo 6:69), ‘’não cometeu pecado’’ (1Pe 2:22), ‘’nele não existe pecado’’ (1Jo 3:5) e ‘’não
conheceu pecado’’ (2Co 5:21). Ao cumprir perfeitamente a Lei e a obedecer ao Pai, em favor dos
eleitos de Deus, Jesus obteve justiça (Mt 3:15, Rm 5:19, 1Co 1:30, Fp 3:9). Como a obediência de
Cristo à Lei e a submissão à vontade foram perfeitas, logo sua justiça não possui sequer um defeito ou
uma mancha de pecado, ela é perfeita. Esta perfeita justiça que Cristo adquiriu foi imputada aos
crentes, isto é, Deus considera que esta justiça pertence aos crentes. Quando Deus nos olha, não nos
vê como pecadores, mas nos vê com a justiça de Cristo imputada nos cristãos. Portanto, a justificação
não consiste em nossa própria justiça, não depende de nós mesmos, mas consiste na justiça de Cristo
concedida generosa e graciosamente a nós. E quando Cristo sofreu e morreu crucificado em nosso
lugar, como o representante dos eleitos, nossos pecados foram imputados a Cristo, Deus considerou
o pecado pertencente a ele, foi considerado culpado e pagou a penalidade de nossos pecados,
obtendo o perdão de pecados para os crentes. O quarto aspecto consiste em que Deus nos concede a
justificação exclusivamente pela Sua graça, não por causa de alguma coisa que havia no homem ou
por méritos humanos. Nunca houve nada no homem para merecer a justificação, pelo contrário, tudo
havia no homem para merecer a condenação. Por causa da natureza humana corrompida pelo
pecado, o homem é incapaz de se tornar justo por suas próprias forças: ‘’ninguém será justificado
pelas obras da lei’’ (Rm 3:20), ‘’pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados
gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus’’ (Rm 3:23-24). Deus
jamais foi obrigado a declarar o homem justificado por causa de Cristo ou a conceder perdão de
pecados. Deus nos declarou justos com base na justiça de Cristo inteiramente por Sua graça, sem
depender de obra humana. É por este motivo que o apóstolo Paulo declara: ‘’Porque pela graça sois
salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus, não de obras, para que ninguém se
glorie’’ (Ef 2:8-9, cf. Tt 3:7). E o último diz a respeito sobre o instrumento ou o meio em que somos
declarados justos, que é a fé em Cristo. As Escrituras declaram que a fé, não as obras humanas, é o
meio ou o instrumento para receber a justificação: ‘’Temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos
justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado’’
(Gl 2:16). Porém, é importante esclarecer que a fé é o instrumento por meio do qual recebemos a
justificação, a fé por si só não é a base da justificação. Deus não nos justifica por causa de nossa fé,
pois desta maneira a fé seria uma obra meritória, jamais se deve pensar que a fé adquire méritos
diante de Deus para o homem, pois tal ideia é totalmente contrária ao conceito da salvação somente
pela graça. A base da justificação é a justiça de Cristo, adquirida pela perfeita obediência ao Pai em
nosso lugar. É por causa da perfeita justiça de Cristo adquirida diante do Pai em nosso lugar,
infinitamente ‘’creditada’’ em nossa conta ou imputada em nós e que garantiu o perdão de nossos
pecados quando a penalidade de nossos pecados imputada em Cristo é que Deus nos declara justos
para sempre. A fé é o instrumento ordenado por Deus para recebermos a justificação que vem de
Cristo, até mesmo a capacidade de crer em Deus vem do Pai, é dom de Deus, não vem de nós mesmos.
Somos salvos pelos méritos de Cristo ‘’creditados’’ infinitamente em nossa conta, não por nossa
própria justiça. Somos salvos por aquilo que Cristo que fez em nosso lugar, não por causa daquilo que
podemos fazer. Através da fé em Cristo recebemos a justificação, mas somos declarados justos por
causa de Cristo, não porque há algo de bom no homem, nem mesmo a fé. Observem a seguinte
ilustração: para o médico realizar a cirurgia no paciente, ele precisa utilizar os instrumentos
adequados para a operação, como o bisturi. Quando o paciente é curado da doença, ninguém diz que
o bisturi curou a doença, mas o crédito da cura vai para o médico que usou o bisturi. Assim é a
relação da fé com a justificação: é o instrumento ou o meio adequado que Deus justifica alguém com
base na justiça de Cristo.
Adoção: sobre o conceito teológico da adoção, o Catecismo Maior de Westminster define nas
seguintes palavras: ‘’Adoção é um ato da livre graça de Deus, em seu único Filho Jesus Cristo e por amor
d’Ele, pelo qual todos os que são justificados são recebidos no número dos filhos de Deus, trazem o seu
nome, recebem o Espírito do Filho, estão sob o seu cuidado e dispensações paternais, são admitidos a
todas as liberdades e privilégios dos filhos de Deus, feitos herdeiros de todas as promessas e co-herdeiros
com Cristo na glória’’. Antes de serem regenerados, convertidos e justificados, os homens estão
alienados de Deus, isto é, estão separados de Deus, pois o pecado de Adão rompeu o relacionamento
entre Deus e os homens, estes se tornaram objetos da ira de Deus. Antes do novo nascimento, os
homens são considerados por Deus como filhos do Diabo (Jo 8:44), ‘’filhos da ira’’ (Ef 2:3) e ‘’filhos da
desobediência’’ (Ef 2:2, 5:6). Para o relacionamento entre Deus e o homem ser restaurado, é
necessária a adoção. Enquanto que a regeneração implica na mudança da natureza do homem,
mudança de mente e de coração voltados à submissão ao Senhor, a justificação como um ato judicial
declarando que somos justos com base na justiça de Cristo, a adoção é um ato judicial, uma
declaração, uma concessão de status de posição legal diante de Deus. A adoção não implica na
mudança no interior do homem como na regeneração, ela é uma mudança na relação de Deus com o
homem, que antes era declarado como inimigo de Deus e agora é declarado como filho de Deus por
adoção. Enquanto que na justificação somos declarados justos e os nossos pecados são perdoados
por causa de Cristo e na reconciliação que desfaz a inimizade com Deus, a adoção nos torna membros
da família de Deus, por meio dela os redimidos são declarados como filhos de Deus, como filhos são
amados por Deus que agora é Pai, como filhos recebem direitos e privilégios, como na relação
familiar de pai para filho. A adoção é uma concessão de uma nova posição legal diante de Deus, é o
início de uma relação, de inimigo passando a ser adotado como filho de Deus. Vejamos as evidências
bíblicas da adoção: ‘’Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem filhos de Deus, a
saber, aos que creem no seu nome’’ (Jo 1:12), ‘’Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em
Cristo Jesus’’ (Gl 3:23-26), ‘’Vede que grande amor nos tem concedido o Pai: que fôssemos chamados
filhos de Deus’’ (1Jo 3:1-2). A causa da adoção é Deus, é o Senhor quem nos adota como filhos. A
adoção é fundamentada na soberana e graciosa vontade de Deus, pois todos os eleitos foram
predestinados para serem adotados como filhos (Ef 1:5), é uma expressão de amor de Deus aos seus
escolhidos (1Jo 3:1-2). A adoção é concedida no mesmo momento da regeneração e o Espírito Santo
testifica ao nosso espírito, dá a garantia da adoção como membros da família de Deus, o Espírito
clama dentro de nossos corações ‘’Aba, Pai’’, concedendo direitos e privilégios para os filhos de Deus:
‘’mas recebestes o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai! O Espírito mesmo testifica com o
nosso espírito que somos filhos de Deus; e se filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus e co-
herdeiros de Cristo’’ (Rm 8:14-17). Como filhos de Deus, recebemos direitos e privilégios, mas não
porque merecemos, mas como resultado da adoção e esta é resultado da livre graça de Deus. O
primeiro privilégio é a mudança de relacionamento com o Senhor, que de inimigos passamos a ser
chamados de filhos de Deus e nos relacionamos com Ele como um Pai bondoso e amoroso. Como
Jesus Cristo nos ensinou, nós oramos ‘’Pai nosso que estás nos céus’’ (Mt 6:9) e que todo o que foi
nascido de novo ‘’já não és mais servo, mas filho; e se filho, e se és filho, és também herdeiro por
Deus’’ (Gl 4:6-7). Por meio da adoção, nossa relação com Deus não é inimizade ou de escravo para
com o seu senhor, mas de pai para filho, e o Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos
de Deus (Rm 8:15-16, Gl 4:6). O fato de Deus se referir a nós como Pai demonstra claramente o
‘’grande amor que nos tem concedido’’ (1Jo 3:1), que Ele nos entende e ‘’se compadece daqueles que
o temem’’ (Sl 103:13-14), sabe daquilo que precisamos (Mt 6:32). É por causa desta relação paternal
que o Senhor nos concede muitas bênçãos (Mt 7:11), principalmente a dádiva de nos conceder o
Espírito que habita em nós (Lc 11:13). Outro benefício da adoção é que todos os filhos de Deus são
guiados pelo Espírito Santo (Rm 8:5-14, Gl 5:16-25). É porque somos guiados pelo Espírito Santo é
que somos capacitados a mortificar as obras da carne e adquirimos os frutos do Espírito, é o Espírito
de Deus que nos capacita a obedecer ao Pai. O terceiro privilégio da adoção é que o Senhor nos
disciplina e nos corrige como prova que nos ama, ‘’para sermos participantes de sua santidade’’ e
devemos imitar a Deus em todo procedimento (Pv 3:11-12, Ef 5:1, Hb 12:5-10, 1Pe 1:14-15), da
mesma forma que um pai humano disciplina seu filho quando lhe desobedece. Como filhos de Deus e
co-herdeiros com Cristo, o quinto privilégio é que temos o privilégio de imitar a vida terrena de
Jesus, tanto de seus sofrimentos, como de sua glorificação (Lc 24:26, Rm 8:17). O sexto privilégio é
que como filhos, também somos herdeiros de Deus e co-herdeiros em Cristo (Rm 8:17, Gl 4:7), temos
direito a eterna ‘’herança incorruptível, incontaminável e imarcescível, reservada nos céus’’ (1Pe 1:4)
e habitaremos nos novos céus e na nova terra (2Pe 3:13, Ap 21:1). E o último privilégio da adoção é
que os filhos de Deus são considerados como irmãos e irmãs em Cristo, todos os cristãos são
membros e participantes da grande família de Deus (Mt 12:50; Rm 1:13, 8:12, 16:1; 1Co 1:10, 6:8,
7:15; Fm 1:2; Tg 1:2). Como todos os cristãos das denominações genuinamente cristãs fazem parte
de uma família, logo devem se ajudar mutuamente, exortar, consolar, incentivar o crescimento
espiritual uns dos outros e devem se unir para trabalhar em prol da causa de Cristo e para a glória de
Deus. Jamais podemos supor que conseguiremos suportar a jornada cristã sem a comunhão com os
irmãos de fé. Assim como uma criança não consegue se desenvolver e se manter viva sem a família,
assim é o crente que não consegue viver sem a família de Deus, a igreja. Quando um membro da
igreja se afasta dos irmãos em Cristo logo perece e morre espiritualmente.
Santificação: o conceito teológico da santificação pode ser definido da seguinte forma: é a
operação graciosa de Deus que liberta o homem do domínio do pecado, renova a natureza corrupta
humana segundo a imagem de Deus e que capacita o homem a mortificar o pecado, obedecer a
Palavra, viver de modo agradável a Deus e se tornar cada vez mais semelhante a Cristo. A Palavra de
Deus descreve: ‘’Sereis santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo’’ (Lv 19:2), ‘’Porque Deus
não nos chamou para a imundícia, mas para a santificação’’ (1Ts 4:7). Em primeiro lugar, a
santificação começa na regeneração e na união com Cristo, pois uma vez que uma pessoa é nascida
de novo não pode continuar pecando como se fosse um hábito (1Jo 3:9), porque o poder das nova
vida espiritual impede que tal pessoa volte a levar uma vida habituada a pecar continuadamente. Em
segundo lugar, a santificação é a concessão de uma nova posição jurídica ou legal diante de Deus,
assim como a regeneração, a justificação e a adoção, ou seja, a santificação é em certo sentido,
definitiva. Neste aspecto, tal como a justificação, a santificação é um ato instantâneo, assim como
fomos justificados de uma vez por todas, também fomos santificados de uma vez por todas: ‘’aos
santificados em Cristo Jesus, chamados para serem santos’’ (1Co 1:2), ‘’mas fostes santificados, mas
fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo’’ (1Co 6:11), somos chamados de ‘’santificados’’
em At 20:32 e 26:18. Fomos santificados uma vez só na vida através da doutrina da união com Cristo
e porque somos co-herdeiros com Cristo. Assim como Cristo rompeu de modo definitivo de uma vez
por todas o domínio do pecado por meio da morte, nosso velho homem foi também crucificado com
Cristo (Rm 6:6). Assim como Cristo, morremos para o pecado e vivemos para Deus (Rm 6:8-11).
Como somos herdeiros de todas as coisas com Cristo, ressuscitamos juntamente com ele (Rm 6:4-5,
Ef 2:5-7, Cl 3:1). Quando lemos o contexto destes versículos, claramente percebe que a união com
Cristo na ressurreição nos capacita a viver em novidade de vida, viver para Deus, e que por causa
desta união na ressurreição é que nos tornamos novas criaturas: ‘’se alguém está em Cristo, nova
criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo’’ (2Co 5:17). Portanto, ao mesmo em
que morremos para o pecado e ressuscitamos juntamente com Cristo para uma nova vida, também
pela regeneração efetuada por Espírito Santo rompemos de modo definitivo para o pecado. Como um
ato instantâneo, fomos separados para e por Deus do mundo, do pecado e de Satanás (Tt 2:14).
Assim, o cristão é libertado do domínio do pecado, deixa de amar e servir ao pecado para servir e
viver para Deus: ‘’Assim também considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus,
em Cristo Jesus’’ (Rm 6:11), ‘’Pois o pecado não terá domínio sobre vós’’ (Rm 6:14) e que fomos
‘’libertos do pecado’’ (Rm 6:18). Através da obra do Espírito Santo e do Cristo ressurreto atuando em
nós, somos capacitados a superar as tentações e o poder de sedução do pecado, deixamos de ser
servos e escravos do pecado, o pecado deixa de reinar em nós e não voltamos a ter uma vida
habituada a pecar continuamente. Em terceiro lugar, a santificação, além de ser um ato instantâneo e
definitivo, também é um processo progressivo. Enquanto que a santificação definitiva é o princípio
da santificação progressiva, esta última representa o crescimento espiritual contínuo em que o
Espírito Santo conduz o homem para se tornar semelhante à Cristo. É através da santificação
progressiva que o Espírito Santo capacita o cristão a crescer na graça e no aperfeiçoamento de sua
santidade rumo a ser semelhante à Cristo. Comparando os dois aspectos da santificação em termos
simples, enquanto o primeiro aspecto marca o rompimento definitivo e de uma vez por todas o
relacionamento com o pecado, no segundo aspecto o cristão luta diariamente contra o pecado,
mortifica o velho homem, sujeita-se cada vez mais à autoridade da Palavra e prossegue para o alvo
maior que é se tornar cada vez mais semelhante à Cristo. Embora o rompimento definitivo do
domínio do pecado aconteça no primeiro aspecto, o pecado ainda permanece no crente. É porque o
pecado ainda permanece no cristão durante toda a vida é que os apóstolos Paulo e Pedro
recomendam: ‘’Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal’’ (Rm 6:12), ‘’nem tampouco
apresenteis os vossos membros ao pecado como instrumentos de iniquidade’’ (Rm 6:13), ‘’Como
filhos obedientes, não vos conformeis às concupiscências’’ (1Pe 1:14). As Escrituras recomendam os
cristãos a praticarem a santificação: ‘’deixemos todo embaraço, e o pecado que tão de perto nos
rodeia’’ (Hb 12:1), ‘’Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor’’ (Hb
12:14), ‘’E sede cumpridores da palavra e não somente ouvintes (Tg 1:22), ‘’sede vós também santos
em todo o vosso procedimento’’ (1Pe 1:15-16). Considerando a santificação como um processo, o
cristão, com o auxílio do Espírito Santo, ao longo da vida será cada vez mais semelhante à Cristo em
pensamentos, palavras e ações: ‘’Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a
glória do Senhor, somos transformados de glória em glória’’ (2Co 3:18), ‘’Esquecendo-me das coisas
que ficam para trás e avançando para as que estão adiante de mim estão, prossigo para o alvo, para o
prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus’’ (Fp 3:12-13), ‘’corramos com perseverança a
carreira que nos está proposta, fitando os olhos em Jesus, autor e consumador da nossa fé’’ (Hb 12:1-
2). Todavia, embora seja verdade que o cristão cresça em santidade ao longo da vida, isto não
significa que o crente atingirá o estado de perfeição, embora o pecado não tenha domínio sobre nós,
mas a semente do pecado ainda permanece em nós: ‘’Quem pode dizer: Purifiquei o meu coração,
limpo estou do meu pecado?’’ (Pv 20:9), ‘’Pois não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e
nunca peque’’ (Ec 7:20), ‘’Todos tropeçamos em muitas coisas’’ (Tg 3:2), ‘’Se dissermos que não
temos pecado nenhum, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós’’ (1Jo 1:8). A
santificação só será plenamente perfeita e deixaremos de pecar quando o Senhor Jesus Cristo voltar,
ressuscitar os cristãos mortos e glorificar os corpos dos justos: ‘’Mas, quando isto que é corruptível
se revestir da incorruptibilidade e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a
palavra que está escrito: ‘’Tragada foi a morte na vitória’’ (1Co 15:54), ‘’que transformará o corpo da
nossa humilhação para ser conforme ao corpo da sua glória’’ (Fp 3:21). A santificação entendida
como progressiva possui um aspecto positivo e o outro negativo. O aspecto negativo compreende a
luta do cristão para mortificar o velho homem e das práticas pecaminosas. Com o auxílio do Espírito,
aos poucos o cristão se afasta e evita cada vez mais praticar o pecado: ‘’purifiquemo-nos de toda a
imundícia da carne e do espírito’’ (2Co 7:1), ‘’E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com as
suas paixões e concupiscências’’ (Gl 5:24), ‘’Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena: prostituição,
impureza, paixão lascívia, desejo maligno e a avareza, que é a idolatria’’ (Cl 3:5), ‘’mas agora despojai-
vos também de tudo isto: ‘’da ira, da cólera, da malícia, da maledicência, das palavras torpes da vossa
boca; não mintais uns aos outros’’ (Cl 3:5). O aspecto positivo compreende na vivificação do novo
homem. Enquanto que o velho homem é mortificado, o novo homem é fortalecido e vivificado
continuamente pelo Espírito Santo, o qual passa a prevalecer nas decisões ao longo da vida do crente.
Enquanto que o aspecto negativo consiste na mortificação do velho homem, em que a corrupção e a
contaminação da natureza humana são mortificadas pouco a pouco, o positivo consiste na vivificação
do novo homem através do Espírito, criado em Cristo para boas obras: ‘’assim também andemos em
novidade de vida’’ (Rm 6:4), ‘’Assim também considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para
Deus, em Cristo Jesus’’ (Rm 6:11), ‘’Mas o fruto do Espírito é: o amor, o gozo, a paz, a longanimidade,
a benignidade, a bondade, a fidelidade, a mansidão, o domínio próprio’’ (Gl 5:22-23), ‘’Pois eu pela lei
morri para a lei, a fim de viver para Deus’’ (Gl 2:19), ‘’Se, pois, fostes ressuscitados juntamente com
Cristo, buscai as coisas que são de cima’’ (Cl 3:1-4), ‘’e vos vestistes do novo, que se renova para o
pleno conhecimento, segundo a imagem daquele o criou’’ (Cl 3:9-10). O quarto aspecto é que a
santificação é obra de Deus iniciada em nós e ao mesmo tempo é responsabilidade nossa em praticar
a santificação. Enquanto que Deus é o agente responsável por iniciar em nós a obra da santificação e
que nos capacita a praticar a santidade, somos nós que praticamos a santificação. Quanto à
santificação, as Escrituras mostram claramente que Deus é responsável por santificar os Seus filhos:
‘’porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade’’ (Fp
2:13), ‘’E o próprio Deus de paz vos santifique completamente’’ (1Ts 5:23). Ao abordar a obra divina,
a santificação é atribuída às três pessoas da Trindade. Jesus orou ao Pai desta maneira: ‘’Santifica-os
na verdade’’ (Jo 17:17). O autor de Hebreus atribuiu ao Pai à função de disciplinar Seus filhos para
torná-los ‘’participantes da sua santidade’’ (Hb 12:5-11). A santificação também é obra do Filho, que
santificou a igreja, ‘’tendo-a purificado com a lavagem da água, pela palavra’’ (Ef 5:25-27), nos remiu
de toda a iniquidade e purificou para si mesmo ‘’um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras’’
(Tt 2:14). Cristo conquistou a santificação para nós (1Co 1:30) e também é apresentado como
modelo ou exemplo para os crentes, Cristo é apresentado como digno de ser imitado, o alvo maior
dos cristãos é ser semelhante à Cristo: ‘’fitando os olhos em Jesus, autor e consumador da nossa fé’’
(Hb 12:1-2), ‘’Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos’’
(1Pe 2:21), ‘’aquele que diz estar nele, também deve andar como ele andou’’ (1Jo 2:1-6). A
santificação também é atribuída ao Espírito. As Escrituras relatam que o Espírito nos regenera (Tt
3:5), nos santifica (Rm 15:16, 2Ts 2:13, 1Pe 1:2), produz em nós os frutos do Espírito (Gl 5:22-23),
andamos e somos guiados pelo Espírito (Rm 8:14, Gl 5:16-18). Portanto, a obra da santificação é
atribuída ao Deus Triúno, não é algo que fizemos por nossa própria vontade, pelos nossos meios e
pela nossa força. A santificação é um dom divino concedido ao homem, porém, o homem é
responsável pela santificação. Enquanto Deus concede este dom e capacita o homem a andar em
santidade, é o homem quem pratica a santificação, sempre com o auxílio e em dependência do
Espírito. Embora Deus seja o autor da santificação, também envolve a responsabilidade humana em
se santificar, temos que lutar contra os pecados do corpo e da mente e buscar a santificação
diariamente: ‘’purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade
no temor de Deus’’ (2Co 7:1), ‘’Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o
Senhor’’ (Hb 12:14). O papel que o homem desempenha na santificação é tanto passivo como ativo. O
papel passivo da santificação compreende que dependemos da obra do Espírito Santo para que
sejamos santificados e para crescer em santidade (Rm 6:13, 6:19, 8:13, 12:1; Fp 2:13), em que
devemos confiar no Senhor e orar a Ele para que nos santifique: ‘’se pelo Espírito mortificardes as
obras do corpo, vivereis’’ (Rm 8:13). O próprio Senhor Jesus orou ao Pai em favor dos escolhidos
para serem santificados: ‘’Santifica-os na verdade’’ (Jo 17:17). Ao mesmo tempo em que o homem
desempenha o papel passivo na santificação, também desempenha um papel ativo na santidade, o
que é evidente neste trecho bíblico: ‘’efetuai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o
que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade’’ (Fp 2:12-13). O teólogo
suíço reformado, François Turrettini, comenta sobre a relação da santificação definitiva e
progressiva: No papel ativo, com o auxílio do Espírito Santo, o homem se esforça para obedecer a
Deus. Ao longo do tempo, o cristão desenvolve maturidade espiritual e se torna cada vez mais
semelhante à Cristo. Há diversos trechos bíblicos que tratam da santidade como um dever do cristão
em desenvolvê-la ao longo da vida com o auxílio do Espírito Santo: ‘’purifiquemo-nos de toda a
imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus’’ (2Co 7:1), ‘’Porque
esta é a vontade de Deus, a saber, a vossa santificação’’ (1Ts 4:3-5), ‘’E todo o que nele tem essa
esperança, purifica-se a si mesmo, assim como ele é puro’’ (1Jo 3:3). O cristão alcança progresso
espiritual de forma contínua à medida que utiliza cada vez mais os meios ordenados por Deus ao
longo da vida: leitura da Bíblia e meditação (Sl 1:2; Mt 4:4, 17:7), oração (Ef 6:18, Fp 4:6), adoração
(Ef 518-20), comunhão cristã (Hb 10:24-25) e autodisciplina ou domínio próprio (Gl 5:23, Tt 1:8). O
teólogo suíço reformado, François Turrettini, comenta sobre o papel passivo e ativo da santificação:
‘’Mas aqui o ato do homem não pode ser separado de seu dever, porque o mesmo Deus que nos ordena
afastar-nos da iniquidade opera isso em nós por seu Espírito. Para guardar-nos sempre de afastar-nos
de Deus, o Espírito nos faz ficar longe, por uma santa apostasia, do mundo e do pecado, mortificando os
feitos do corpo (Rm 8:13) e crucificando a carne com suas paixões (Gl 5:24)’’. O quinto aspecto é que o
desenvolvimento da santificação é dado em conjunto com os membros da família de Deus, ou seja, a
igreja. Embora seja verdade que a santificação também é desenvolvida individualmente, porém, sem
o desenvolvimento coletivo também não há o progresso individual. É impossível ocorrer santificação
fora da comunidade cristã. Em outras palavras, é impossível haver santificação se tal pessoa viver
isolada da igreja. Precisamos da comunhão dos irmãos em Cristo para desenvolver a santificação. Os
cristãos não foram chamados para viver de forma isolada, mas para viver em comunhão com os
membros da família de Deus. O autor de Hebreus afirma: ‘’consideremo-nos uns aos outros, para nos
estimularmos ao amor e às boas obras, não abandonando a nossa congregação, como é o costume de
alguns, antes admoestando-nos uns aos outros’’ (Hb 10:24-25). O propósito da santificação é ‘’o
aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que
todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus’’ (Ef 4:12-13). O
apóstolo Pedro ressalta a importância da comunhão dos santos para a santificação: ‘’sois edificados
como casa espiritual para serdes sacerdócio santo’’ (1Pe 2:5). Pedro também afirma sobre a
comunidade cristã: ‘’Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido’’
(1Pe 2:9). Quando os cristãos se reúnem, eles se exortam, consolam-se e se edificam uns aos outros
(1Ts 5:11). Quando a comunidade cristã se torna unida, cada cristão, individualmente, é fortalecido
espiritualmente, cresce cada vez mais na santidade, onde se ajudam, exortam-se, consolam-se e se
edificam uns aos outros, rejeitando cada vez mais o pecado e se tornando cada vez mais semelhante à
Cristo. É por isso que o apóstolo Paulo recomenda preservar e fortalecer a união dos irmãos em
Cristo: ‘’com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em
amor, procurando diligentemente guardar a unidade do Espírito no vínculo da paz’’ (Ef 4:2-3). O
sexto aspecto é sobre o padrão da santificação, que é ser semelhante a Deus. O Senhor criou
originalmente o homem à sua imagem e semelhança, isto é, Deus compartilhou alguns de seus
atributos para o homem, tais como: sabedoria, conhecimento, santidade, justiça, verdade, amor,
misericórdia, etc. O homem era moralmente perfeito, inclinado à obediência ao Senhor, mas a Queda
distorceu a imagem de Deus no homem. No processo de redenção, regeneração e santificação, esta
imagem está sendo gradualmente renovada. Portanto, na santificação estamos sendo renovados
conforme a imagem de Deus, ou seja, estamos nos tornando cada vez mais semelhantes a Deus. Como
a Escritura declara que Cristo é a perfeita imagem de Deus (Jo 14:8-9, 2Co 4:4, Cl 1:15, Hb 1:3),
santificação também significa que estamos nos tornando cada vez mais semelhantes a Cristo. Quando
Deus nos santifica, está renovando em nós a sua imagem e nos tornando cada vez mais semelhantes a
Cristo. Ser semelhante à Cristo é tão importante que se constitui como um dos propósitos da eleição:
‘’também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o
primogênito entre muitos irmãos’’ (Rm 8:29). As Escrituras também declaram: ‘’Mas todos nós, com
rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em
glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor’’ (2Co 3:18). Isto é, Deus está renovando sua
imagem no homem gradualmente, até que seja semelhante à Cristo. Assim como Deus nos santifica,
também somos responsáveis pela santidade. Ao mesmo tempo em que Deus nos transforma
gradualmente à Sua semelhança, também devemos que prosseguir tentando imitá-Lo. As Escrituras
declaram: ‘’Sereis santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo’’ (Lv 19:2). Ou seja, como o
propósito da santificação é ser semelhante a Deus, se o Senhor é santo, logo os crentes também
devem ser santos, como também outro trecho bíblico declara a mesma verdade: ‘’Sede pois
imitadores de Deus, como filhos amados’’ (Ef 5:1). O apóstolo Paulo ensina que assim como Deus nos
perdoou em Cristo, também devemos seguir o mesmo exemplo e perdoar as pessoas também: ‘’Antes
sede bondosos uns para com os outros, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também
Deus vos perdoou em Cristo’’ (Ef 4:32). Em outro versículo, Paulo declara que devemos amar as
pessoas como Cristo nos amou também (Ef 5:2). Numa conhecida passagem, Paulo ensina os crentes
a imitarem seu exemplo porque ele imitava a Cristo: ‘’Sede meus imitadores, como também eu o sou
de Cristo’’ (1Co 11:1). O apóstolo Pedro ensina que fomos chamados por Deus para seguir o exemplo
de Cristo: ‘’Porque para isto fostes chamados, porquanto também Cristo também padeceu por vós,
deixando-vos exemplo, para sigais as suas pisadas’’ (1Pe 2:21).
Propósitos da eleição:
A eleição é para os escolhidos se tornarem filhos de Deus por adoção: assim como no
ato de crer, na santificação e nas demais doutrinas da salvação, a eleição é que torna efeito a adoção
de pessoas regeneradas e justificadas como filhos de Deus. Como a eleição é a causa primária e
motriz da adoção, a eleição precede a adoção, a qual é fruto e resultado da eleição. Assim como no ato
de crer e da santificação, todos os eleitos se tornam filhos de Deus por adoção por meio do
beneplácito de Deus, não pela previsão do futuro. Como a discussão que envolveu a eleição bíblica e a
falsa ideia da previsão do futuro foi realizada de forma exaustiva até esgotar todos os argumentos,
não é necessário discutir novamente sobre o assunto. É necessário conhecer apenas que a adoção
também tem sua causa primária e motriz no beneplácito de Deus. Assim como no ato de crer e na
santificação, há o fundamento bíblico que demonstra claramente a ligação entre a eleição e a adoção:
‘’Porque os dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a
fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos’’ (Rm 8:29), ‘’e nos predestinou para sermos
filhos de Deus por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade’’ (Ef 1:3-6).
Novamente, um dos propósitos da eleição é tornar efeito a adoção como filhos de Deus. Conforme já
foi estudado, a relação entre o homem natural e Deus é de inimizade, antes de ser regenerado e
reconciliado, o homem é objeto da ira de Deus. Todos os descendentes de Adão estão em estado de
alienação, ou seja, estão separados de Deus, pois uma das tragédias da Queda foi o rompimento da
relação entre Deus e os homens. Para mudar a posição legal do homem de filho da ira para filho é que
é necessária a adoção. Como já foi estudado anteriormente, a adoção é uma mudança no interior do
homem, como na regeneração, conversão e santificação, mas é uma mudança de posição do homem
diante de Deus, uma concessão de status, uma mudança na declaração legal diante do Senhor. É
através da adoção que o homem regenerado muda a posição de inimigo para ser declarado como
filho de Deus, assim o cristão passa a se relacionar com Deus como o Pai celestial. A adoção tem
origem na união com Cristo e é concedido no mesmo momento que a regeneração: ‘’Mas, a todos
quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome’’
(Jo 1:12), ‘’Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus’’ (Gl 3:23-26), ‘’Vede que
grande amor nos tem concedido o Pai: que fôssemos chamados filhos de Deus’’ (1Jo 3:1-2). Quando
somos declarados e passamos a nos relacionar com Deus como Seus filhos, o Espírito Santo testifica
dentro de nossos corações: ‘’mas recebestes o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai! O
Espírito mesmo testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus; e se filhos, também
herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo’’ (Rm 8:14-17). É por causa desta relação
paternal que Deus tem conosco, sabemos que nossas necessidades serão suprimidas, Ele tem cuidado
de nós, sabe daquilo que precisamos (Mt 6:32) e Seu amor é demonstrado principalmente quando
Ele nos disciplina e nos corrige quando nos desviamos dos padrões da Sua Lei, assim como um pai
corrige seu filho humano quando este lhe desobedece (Pv 3:11-12, Hb 12:5-10, 1Pe 1:14-15) e
quando não nos deixa sermos tentados acima do que suportamos (1Co 10:13). Como somos
declarados filhos de Deus por causa de Cristo e que o maior alvo do cristão é ser conforme ao caráter
de Cristo em todas as coisas, assim como Cristo herdou todas as coisas do Pai, também temos acesso
a esta mesma herança em Cristo (Rm 8:17, Gl 4:7): o Espírito habita em nós e somos guiados por Ele
(Lc 11:13, Rm 8:5-14, Gl 5:16-25), como filhos devemos imitar nosso Pai celestial em todo o
procedimento (Ef 5:1, 1Pe 1:14-15), assim como Cristo é Filho de Deus também o somos por adoção
e por isso temos o privilégio de imitar a Jesus, tanto de seus sofrimentos como de sua glorificação (Lc
24:26, Gl 4:7), temos direito a eterna ‘’herança incorruptível, incontaminável e imarcescível,
reservada nos céus’’ (1Pe 1:4) e habitaremos nos novos céus e na nova terra (2Pe 3:13, Ap 21:1). O
resultado prático da adoção é de eterno louvor de gratidão a Deus por Sua misericórdia tão grande
demonstrada sobre pessoas pecadoras inimigas de Deus, separadas de Deus, merecendo tão somente
a Sua ira e a punição pelos pecados. Mas, ao invés do Senhor nos conceder aquilo que merecíamos,
Deus nos concedeu por Sua livre graça e imerecida, tão somente por causa de Seu livre amor, da Sua
misericórdia e de Seu beneplácito, independente de nossas condições, aquilo que nunca iremos
merecer: a salvação por meio de Jesus Cristo. Não só passamos da condenação para a salvação, da
morte para a vida eterna, o próprio Deus nos concedeu o privilégio de podermos chamar e de nos
relacionar com Ele como nosso Pai. Que grande privilégio que todos os cristãos possuem de chamar e
de relacionar com Deus como Pai! Louvado seja o Senhor pela grande dádiva que nos concedeu!
A eleição é para o louvor da glória da graça e misericórdia de Deus: este é o ponto mais
alto e sublime deste livro. Embora seja maravilhoso reconhecer que a base da eleição é pela vontade
soberana de Deus e que é incondicional, sem depender em nada de suas criaturas, descrever que o
propósito da eleição é para manifestar a glória da graça e da misericórdia de Deus é mais
maravilhoso ainda. Dentre os propósitos e alvos da eleição, a manifestação da glória da graça e
misericórdia de Deus é o maior de todos os propósitos. Todo o esquema da redenção tem como alvo
final e supremo em manifestar a glória de Deus: ‘’para que também desse a conhecer as riquezas da
sua glória nos vasos de misericórdia, que de antemão preparou para a glória, os quais somos nós, não
só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?’’ (Rm 9:21-24), ‘’e nos predestinou para sermos
filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para o
louvor da glória da sua graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado’’ (Ef 1:5-14), ‘’a quem Deus
quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória desde mistério entre os gentios, que é Cristo em
vós, a esperança da glória’’ (Cl 1:26-27). O apóstolo Paulo declara: ‘’Mas nós devemos sempre dar
graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a
santificação do Espírito e a fé na verdade’’ (2Ts 2:13). O motivo de Paulo dar glória a Deus é porque
ele sabe que o Senhor é o responsável pela salvação dos tessalonicenses, por isso todo o crédito e
mérito da salvação pertencem exclusivamente a Deus. O apóstolo sabia que o motivo dos cristãos
tessalonicenses glorificarem ao Senhor é porque a fonte e a origem da salvação deles se encontra na
eleição divina, não na previsão da fé ou de obras humanas, porque havia algo no homem que chamou
a atenção e o favor de Deus, ou porque foi capaz de escolher servir a Deus, mas o verdadeiro motivo
de glorificar a Deus é que Ele os ‘’escolheu desde o princípio’’. Todo o esquema ou plano da redenção
foi elaborado e determinado por Deus na eternidade de forma soberana e imutável, em que a
salvação começa na eleição e termina na glorificação, num processo ininterrupto e inquebrável (Rm
8:28-30). É pelo fato da salvação ser elaborada por Deus e que cada etapa de Seu plano salvífico
depender exclusivamente d’Ele, que é o único autor e responsável pela salvação, é que Deus deve ser
glorificado pela Sua graça e misericórdia concedida aos Seus eleitos. Quando a eleição bíblica é
entendida e aceita corretamente, o resultado prático desta é a glória de Deus, pois todo o mérito da
salvação, desde a sua elaboração na eleição até o seu término na glorificação, em que aqueles que
foram escolhidos são unicamente por causa do beneplácito divino, que a salvação em nada depende
dos homens, nem de algo que vem dentro deles ou da previsão de suas ações, em que o autor e o
responsável da salvação é somente Deus, todo o crédito e mérito da salvação é somente para Deus.
Os demais sistemas teológicos que baseiam a eleição na previsão de obras ou da fé humana ao invés
da misericórdia e da vontade soberana do Senhor e que a salvação, desde a chamada ao Evangelho
até a conservação do estado de graça até o fim depende da capacidade e da vontade humana de
escolher e do esforço humano em se manter salvo ao invés da atuação do Espírito Santo, todo o
crédito e mérito da salvação não vai para Deus, mas para o homem. Isto porque os resultados
práticos de outros sistemas teológicos fazem a salvação depender do homem, da sua capacidade de
escolher e do esforço humano em se manter salvo ao invés de reconhecer a soberania e a
misericórdia divina. Nestes sistemas teológicos o crédito e o mérito da salvação vai para o homem,
porque foi capaz de escolher servir a Deus e o seu esforço é suficiente para manter a salvação, ao
invés de reconhecer que somos salvos pela misericórdia divina e que é Deus que nos preserva de cair
do estado de graça. É por causa das evidências bíblicas e dos resultados práticos que a eleição bíblica
deve ser ensinada e exaltada e os demais sistemas teológicos caem erro e contradição e são
refutados. Não só a salvação, mas tudo que foi criado e todo o decorrer da história tem como alvo
final e supremo para o louvor da glória de Deus, tudo o que o existe e acontece é para a glória de
Deus: ‘’Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mãos’’ (Sl
19:1), ‘’Tua é, ó Senhor, a grandeza, e o poder, e a glória, e a vitória, e a majestade, porque teu é tudo
quanto há no céu e na terra’’ (1Cr 29:11), ‘’Porque dele, e por ele, e para ele, são todas as coisas;
glória, pois, a ele eternamente. Amém’’ (Rm 11:36),‘’Digno és, Senhor nosso e Deus nosso, de receber
a glória e a honra e o poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade existiram e foram
criadas’’ (Ap 4:11). Todas as obras de providência do Senhor, desde as maiores já realizadas na
história até os mínimos detalhes do cotidiano humano também tem como meta suprema glorificar o
Senhor: ‘’Por amor de mim, por amor de mim o faço; porque como seria profanado o meu nome? A
minha glória não a darei a outrem’’ (Is 48:11), ‘’O que fiz, porém, foi por amor de meu nome, para que
não fosse profanado à vista das nações, no meio das quais eles estavam, a cujos olhos eu me dei a
conhecer a eles, tirando-os da terra do Egito’’ (Ez 20:9). Tudo que o cristão realizar deve ser para a
glória de Deus: ‘’Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas obras, e
glorifiquem a vosso Pai, que estás nos céus’’ (Mt 5:16), ‘’Nisto é glorificado meu Pai, que deis muito
fruto; e assim sereis meus discípulos’’ (Jo 15:8), ‘’Portanto, quer comais quer bebais, ou façais,
qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus’’ (1Co 10:31). Todas as coisas vieram a existir
pelo Senhor, tudo depende d’Ele, tudo veio d’Ele. Toda a beleza e as boas coisas da criação vieram do
Senhor, de tal maneira que tudo resulta em glorificar o Senhor. O homem também foi criado para
glorificar o Senhor e se desviar deste padrão é pecado, é isto que o homem natural faz
constantemente (At 12:20-23, Rm 1:18-23).
A Reprovação
Se a doutrina bíblica da eleição foi motivo de muita polêmica ao longo da história da Igreja,
que ocasionou em debates teológicos intensos, em que muitos dos que distorciam esta doutrina
chegaram a ser condenados como hereges e até mesmo foram à prisão ou executados, diversas
denominações se dividiram por causa desta doutrina, muito mais polêmica ainda é a doutrina da
reprovação. Se a grande maioria dos cristãos possui uma visão equivocada e distorcida da eleição ou
a rejeitam completamente, maior ainda é o número de cristãos que rejeitam a doutrina da
reprovação. Até mesmo muitos do que aceitam a doutrina da eleição se recusam a reconhecer a
reprovação. Porém, como o dever dos cristãos é honrar a Palavra de Deus em toda a sua inteireza,
todos os servos de Cristo devem aceitar e reconhecer todas as partes da Escritura, sem haver
preferência. Devemos aceitar e reconhecer tudo o que está escrito na Bíblia Sagrada até mesmo
aquelas partes que são inexplicáveis para a mente do homem e fatos desagradáveis para o coração
humano. Em quase todos os casos, o que ocorre com aqueles que se recusam a aceitar a reprovação é
que estes já possuem uma visão sobre a Bíblia e tentam impor seu modo de pensar sobre o Livro
Sagrado, o que na verdade deve ser o contrário: é a Bíblia que deve moldar nossos pensamentos e a
nossa visão sobre todos os assuntos da vida, é a Escritura que deve governar e dominar a nossa vida.
Por exemplo, enquanto que a grande maioria se recusa a crer que Deus é soberano em todas as áreas,
em que a salvação Lhe pertence e Ele dá a quem quer, elegendo algumas pessoas e rejeitando outras,
não se observa esta recusa ou lamento quando a Escritura relata que o Senhor rejeitou os anjos
caídos e nada fez para salvá-los (2Pe 2:4, Jd 1:6), diferente do homem caído, em que Deus
providenciou meios adequados para salvá-lo. Portanto, a causa desta recusa deriva principalmente
do sentimentalismo humano e da teimosia do coração humano. A negação desta doutrina da parte de
muitos cristãos não anula ou apaga este importante ensinamento, tampouco pode mudar alguma
coisa. Assim como a luz do sol não se apaga ou é anulada pelo fato do cego de nascença não conseguir
enxergar, da mesma forma ocorre com aqueles que se recusam a crer nesta doutrina a todo custo.
Outro motivo desta recusa obstinada em crer nesta doutrina é a confusão a respeito do
significado teológico da reprovação, a qual sofre muitas distorções por parte naqueles que a negam.
Quanto ao assunto, será esclarecido que:
Deus não obriga ou força alguma pessoa a ir para o inferno contra a sua vontade ou
independente do que irá fazer. Neste caso o Senhor decide apenas não conceder a graça
salvadora, deixando o réprobo permanecer no pecado e que este siga seu próprio caminho.
Como o homem natural não aceita as coisas do Espírito, Deus o condena eternamente por
causa de seus pecados e da sua recusa em crer e obedecer à Palavra;
Embora faça parte da predestinação, a reprovação é distinta e oposta da eleição, é o efeito
contrário da eleição. Enquanto que na eleição o Senhor atua de forma ativa e diretamente
sobre Seus escolhidos e ordena meios para salvá-los, na reprovação o ato divino é negativo,
Ele não concede graça e deixa o ímpio permanecer no pecado. Sobre os eleitos Deus atua
diretamente, sobre os réprobos o Senhor não atua, apenas deixa os réprobos seguirem seu
próprio caminho. Portanto, Deus não incentiva o réprobo a pecar, pois Ele é santo;
Deus não deseja e não tem prazer na reprovação tanto quanto na eleição. Enquanto a eleição
é motivo de regozijo e louvor da gloriosa graça de Deus, a reprovação serve para glorificar o
Senhor pela manifestação da Sua justiça, Ele não tem prazer na morte do ímpio. Ao invés de
salvar toda a humanidade, em Seus eternos conselhos Deus determinou que fosse mais sábio
e que Sua glória fosse manifestada mais claramente ao demonstrar Sua justiça sobre uma
parte da humanidade ao reprová-la.
Outro motivo da recusa obstinada em crer nesta doutrina é a falsa acusação que Deus seria
injusto ao eleger uns e reprovar outros. Os adversários desta doutrina se perguntam: por que Deus
não elegeu a todos? Esta objeção, que já foi respondida algumas vezes neste livro, é refutada
simplesmente pelo fato de que o Senhor é o Criador e Soberano sobre toda a Sua criação, sendo
assim, Deus tem a prerrogativa de fazer o que quiser com a Sua criação, de acordo com a Sua
vontade, inclusive possui as prerrogativas para escolher a quem quer salvar ou não. Deus é
perfeitamente bom e justo o tempo todo, até mesmo quando Suas decisões são incompreensíveis e
misteriosas para o homem. Nenhum homem ou qualquer outra criatura tem o direito de acusar o
Senhor de injustiça, nem sequer Deus pode ser julgado pelos parâmetros falhos, imperfeitos e
limitados da justiça humana. Além disso, todos os homens nascem pecadores, são escravos do
pecado e filhos da ira e da desobediência, logo todos merecem ser condenados eternamente, nenhum
homem tem o direito de reclamar a salvação. Quando os anjos pecaram, Deus decidiu condená-los
eternamente, sem ordenar nenhum meio de salvação para estas criaturas caídas (2Pe 2:4). Embora
toda a raça humana mereça apenas a eterna condenação, o Senhor agiu de maneira diferente dos
anjos. Ao invés de apenas exercer a Sua justiça sobre toda a raça humana, o Senhor decidiu exercer
misericórdia e conceder a graça da salvação sobre alguns homens, não os deixando perecer em seus
pecados e ordenou os meios adequados para salvá-los. Portanto, a graça não é questão de mérito ou
recompensa, pois nenhum homem possui este direito, a graça é um favor imerecido e porque
ninguém merece ser salvo é que Deus não é obrigado a salvar a todos, mas concede a graça a quem
Ele quer, dependendo apenas de Sua boa vontade.
Os fatos da providência demonstram que o Senhor jamais agiu da mesma forma com toda a
humanidade, mas que sempre agiu de forma desigual e que nem por isso pode ser considerado
injusto, pois como Senhor Absoluto e Soberano, o Governante Supremo da Sua criação, pode fazer o
que quiser com sua criação e ninguém pode impedi-lo, dependendo tão somente da Sua vontade. Os
fatos da história da criação estão repletos de casos em que Deus tratou a humanidade forma desigual,
em que algumas regiões foram muito abençoadas com o seu favor e as demais foram menos
abençoadas. Deus não é obrigado a conceder bênçãos, quer sejam espirituais, quer sejam terrenas a
todos os homens. Através dos fatos pode-se observar que o mundo é muito desigual. Por exemplo,
países como EUA, Japão, Coreia do Sul e os da Europa possuem os melhores sistemas de educação,
saúde, infraestrutura e segurança. Estes países também possuem os menores índices de pobreza e
miséria, ao mesmo tempo em que são as nações mais prósperas, com maior qualidade de vida e
isentas de guerras civis ou conflitos com outros países. Enquanto isso, as nações da Ásia e da África
possuem os piores sistemas de educação, saúde, infraestrutura e segurança. Muitos destes países são
dizimados por doenças mortais como a AIDS, a febre amarela, dengue e outras epidemias, outros
sofrem com a alta taxa de pobreza e de miséria e os demais países estão impedidos de se
desenvolverem por causa de conflitos tribais, territoriais, religiosos e golpes de Estado que
perduram por décadas ou até séculos. Assim como também é verdadeiro que durante 1500 anos a
Igreja Cristã ficou encerrada na Europa, continente que deteve por quase 2000 anos a primazia da
pregação do Evangelho e do desenvolvimento da teologia cristã. Enquanto isso, com exceção do norte
da África, da Ásia Menor e do Oriente Médio, as demais regiões do planeta permaneceram nas trevas
do pecado por quase 1500 anos. Enquanto os EUA são a nação que possui maior número de cristãos,
muitas nações não possuem sequer 1% de cristãos, muitas delas proíbem a pregação da Palavra de
Deus e perseguem os missionários. Tendo em vista estes fatos, nenhum cristão se pergunta, indaga,
questiona ou acusa a Deus de injustiça. Para estas desigualdades só há uma resposta: tudo está sob a
soberania, a provisão e o controle de Deus. Muitos mistérios divinos são incompreensíveis para a
mente falha e limitada do homem. Deus não exige que compreendamos todos os Seus mistérios, mas
nos ordena a aceitar tudo o que Ele faz. Também não nos é permitido pensar que Deus poderia que
alterar as maiores tragédias da história da criação para um rumo melhor, ou que a história da criação
poderia ser reescrita outra vez, pois ao proceder desta forma seria pecado, pois a criatura estaria
dizendo ao Criador como deveria ser o desenrolar da história. Sabemos que tudo o que o Senhor faz é
infinitamente mais sábio, justo e melhor que qualquer plano humano. Estes mistérios que o homem
não pode compreender pertencem à vontade secreta do Senhor, que só nos será revelada após a
segunda vinda de Jesus Cristo, na consumação dos séculos. Apenas devemos aceitar que tudo o que
ocorre no mundo é por meio da vontade divina, que tudo o que acontece já tem um propósito
estabelecido para atingir um alvo, uma meta, um fim a ser alcançado. É melhor aceitar que tudo o que
ocorre é por meio da vontade de Deus com uma ‘’santa ignorância’’ do que especular os mistérios
incompreensíveis, que neste mundo jamais nos serão revelados.
Assim como a eleição, a reprovação faz parte do decreto da predestinação. Muitas pessoas
que aceitam a eleição bíblica se recusam a crer que Deus tenha rejeitado o restante da humanidade
para a perdição. Preferem crer que enquanto no caso dos eleitos o Senhor decretou todos os meios
adequados para a salvação destes, atuando de forma ativa e direta, enquanto que os demais
simplesmente não foram eleitos, em que estes se lançam à perdição eterna por sua própria vontade,
mas não porque foi da vontade de Deus. Estas pessoas defendem a tese em que como os réprobos se
perdem por causa da sua vontade escravizada pelo pecado, logo não há a necessidade de Deus os
reprovar. Contra esta objeção, pode-se dizer que nenhum fato ocorre por acaso ou fora da vontade de
Deus. Embora seja verdade que os réprobos jamais querem abandonar a condição de escravos do
pecado e submeter à vontade de Deus e que por isso são responsáveis e culpados pela própria
perdição eterna, primeiramente isto ocorre porque Deus não os amou de forma tão especial a ponto
de providenciar a salvação destes, não os contemplou, mas os rejeitou, negou ou omitiu a graça
salvadora para o restante da humanidade e a deixou permanecer no estado pecaminoso e seguir seu
próprio curso e julgará a este restante por seus atos. Porém, deve-se evitar o outro extremo: embora
seja verdade que Deus não intencionou salvar o restante da humanidade, Deus não é culpado pela
perdição destes, visto que o Senhor não os incentiva a pecar, apenas deixa a este restante seguir seu
próprio caminho, o qual jamais amará o Senhor a ponto de desejar se libertar de seu estado corrupto
e se submeter aos mandamentos de Deus na Sua Palavra e que por causa disso merece a condenação
eterna. Além da soberania de Deus, outro fator que sustenta a veracidade da doutrina da reprovação
é a forte ligação entre a eleição e a reprovação. Como já foi estudada anteriormente, a eleição tem
sinônimo de seleção, que implica o significado de aceitar, favorecer ou dar preferência a alguém e
deixar de lado as demais opções, tomar um lado e reprovar as demais possibilidades. Conforme já foi
estudado, a predestinação inclui dois aspectos: a eleição, que significa basicamente o decreto que
determina a salvação de algumas pessoas; e a reprovação, que significa basicamente o decreto que
determina não salvar o restante, deixando os ímpios seguirem seu próprio caminho e condená-los
por seus pecados (importante lembrar que decretar não salvar não significa ou não tem sinônimo de
‘’lançar alguém à perdição’’, em que o segundo caso implicaria que Deus seria o autor do pecado).
Embora a eleição e a reprovação sejam lados distintos, opostos e contrários entre si, ao mesmo
tempo são intrinsecamente ligados entre si, de tal forma que a eleição não pode existir sem a
reprovação, e esta não pode existir sem a eleição. Embora sejam dois lados opostos, estão
intimamente ligados entre si, tal como a moeda que possui dois lados opostos e inseparáveis.
Portanto, por implicação lógica, enquanto Deus seleciona alguns para a salvação, automaticamente a
conclusão é que o restante foi rejeitado. É nisto que consiste a seleção: a escolha de alguns e a
rejeição de outros, não existe eleição sem reprovação, é impossível separar os dois aspectos. Sem a
reprovação, as palavras eleição, seleção e predestinação perdem o sentido e o uso destas se tornaria
desnecessário ou até impróprio nas Escrituras.
Esta profunda ligação que a eleição possui com a reprovação é comprovada também por
outras duas maneiras. Por exemplo, como já foi estudado anteriormente, somente os eleitos são
regenerados, convertidos, justificados, adotados como filhos de Deus e santificados e que todos esses
aspectos da salvação são atos soberanamente divinos, em que até mesmo a fé é dom de Deus (Ef 2:8-
9), não vem das boas obras ou do interior do homem, sequer pode ser algo criado pelo homem.
Portanto, os trechos bíblicos que sustentam a doutrina da eleição, por implicação lógica evidenciam a
reprovação. A outra forma de se provar esta ligação é demonstrando o contraste da vida e do destino
dos eleitos e dos reprovados. Por exemplo, enquanto que as ‘’ovelhas’’ de Jesus ouvem a sua voz,
seguem a ele, ganham a vida eterna e jamais perecem (Jo 10:27-28), aos demais Cristo fala: ‘’vós não
credes, porque não sois das minhas ovelhas’’ (Jo 10:26). Por implicação, este último grupo não foi
reprovado porque não creu, mas não creu porque foi reprovado, não faz parte das ‘’ovelhas’’ de Jesus.
Em Jo 17:1-26, Jesus não roga pelo mundo, ‘’mas por aqueles que me tens dado, porque são teus’’ (Jo
17:9), ‘’dê a vida eterna a todos aqueles que lhe tens dado’’ (Jo 17:2), ‘’Pai santo, guarda-os no teu
nome’’ (Jo 17:11), ‘’que os guardes do Maligno’’ (Jo 17:15), ‘’Santifica-os na verdade’’ (Jo 17:17).
Quanto ao restante, por implicação, pertence aos reprovados, que só lhes restam a condenação para a
perdição eterna. Em contraste com alguns efésios que se desviaram da verdade, ‘’Todavia o firme
fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem’’ (2Tm
2:18-19). A diferença entre os dois grupos é que os últimos não se desviaram por pertencerem ao
Senhor, ou seja, os eleitos; os demais que se desviaram são os reprovados. Quando o apóstolo Paulo
foi pregar a um grupo de mulheres na cidade de Filipos (At 16:9-14), apenas Lídia atendeu a
chamada do Evangelho porque ‘’o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia’’.
Este ato soberano de Deus de abrir o coração é chamado de regeneração. Visto que a regeneração é
um ato instantâneo exclusivamente divino, se apenas o coração de Lídia foi aberto pelo Senhor,
significa que Deus não quis regenerar e converter as outras mulheres, Deus não quis salvar as demais
mulheres, ou seja, estas mulheres estavam no grupo dos reprovados. O mesmo aconteceu na igreja
de Antioquia, quando Paulo pregou ‘’Os gentios, ouvindo isto, alegravam-se e glorificavam a palavra
do Senhor; e creram todos quantos haviam sido ordenados para a vida eterna’’ (At 13:1,48). A
implicação lógica é que os demais gentios que não foram ordenados para a vida eterna não creram,
isto é evidência que estavam no grupo dos reprovados. Enquanto que os eleitos respondem a Cristo,
o ‘’Bom Pastor’’ (Jo 6:37-39,44,65, 10:27-28; At 13:48; Rm 8:30), os reprovados rejeitam a chamada
do Evangelho (Jo 8:43-47, 10:26). Os escolhidos tem seus nomes inscritos no Livro da Vida (Dn 12:1,
Lc 10:20, Fp 4:3, Hb 12:23, Ap 21:27) e os demais não tem seus nomes inscritos (Ap 13:8, 17:8,
20:15). Os nomes destas pessoas que não foram escritos no Livro da Vida é sinônimo de que tais
nomes foram omitidos, não foram contemplados, não foram incluídos entre os nomes daqueles que o
Senhor escolheu para salvar, isto é, foram reprovados. Enquanto Deus conserva a salvação dos
eleitos (Jo 17:11-12,15; Rm 8:29-30, 8:33-37), os reprovados estão destinados à perdição (Jo 17:12,
Rm 9:22, Jd 1:4).
Não apenas por meio da soberania divina nos assuntos da salvação e pela ligação com a
eleição que a doutrina da reprovação é evidenciada, mas também por trechos bíblicos que declaram
explicitamente o estado dos reprovados. Por exemplo, o apóstolo João diz que aqueles que deixam de
congregar com os irmãos de fé é porque ‘’não eram dos nossos; porque se fossem dos nossos, teriam
permanecido conosco’’ (1Jo 2:19). Os nomes dos reprovados não estão incluídos no Livro da Vida (Ap
13:8, 17:8, 20:15), Jesus Cristo explica que um dos motivos para contar parábolas é porque aos
reprovados não lhes foi dado conhecer os mistérios do Reino dos Céus (Mt 13:10-14), não podem
crer porque seus corações estão endurecidos pelo pecado (Jo 12:37-40), o fim dos inimigos de Cristo
é a perdição (Fp 3:18-19), são chamados de ‘’vasos de ira, preparados para a perdição’’ (Rm 9:22),
enquanto os eleitos alcançaram a salvação, ‘’os outros foram endurecidos’’ (Rm 9:15-18, 11:7-10),
não possuem o selo de Deus (Ap 9:4), estão destinados para o juízo (1Pe 2:8, Jd 1:4), como os
reprovados naturalmente rejeitam o conhecimento de Deus, o Senhor ‘’os entregou a uma disposição
mental reprovável’’ (Rm 1:28-32). As Escrituras também relatam indivíduos específicos destinados à
perdição, tais como Ismael (Gn 21:10-13, Rm 9:6-9), Esaú (Gn 25:21-26, Ml 1:2-3, Rm 9:10-13), o
faraó (Êx 7:3-5, Rm 9:15-18) e Judas (Sl 69:25, 109:8, Lc 22:22, Jo 17:12, At 1:15-20). O apóstolo
Paulo também explica que nem todos os descendentes naturais de Abraão são filhos de Deus, mas
apenas os filhos da promessa. Ou seja, aqueles que não foram contados ou incluídos entre os filhos da
promessa, embora sendo descendentes de Abraão, não foram considerados como filhos de Deus, ou
seja, foram rejeitados pelo Senhor. Portanto, diante das evidências por meio da soberania divina na
salvação, da profunda ligação entre eleição e reprovação e dos versículos que tratam diretamente do
assunto, não há como negar que a reprovação é uma doutrina bíblica.
Após os esclarecimentos, a defesa da doutrina por meio da soberania divina nos assuntos da
salvação, de sua forte ligação com a eleição e a sua sustentação bíblica, o significado da doutrina da
reprovação será definido teologicamente. A reprovação é o aspecto negativo da predestinação,
decisão eterna, soberana e imutável em que Deus determinou negar ou omitir sua graça para o
restante da humanidade, deixou-o permanecer em seu estado corrupto e pecaminoso e que punirá
por seus atos pecaminosos para a manifestação da sua gloriosa justiça. Significa que Deus, em Seus
conselhos eternos, não amou os reprovados de forma especial como no caso dos eleitos, mas os
rejeitou, decidiu não derramar sua graça salvadora, mas os deixou permanecerem em seu estado
pecaminoso, seguindo seu próprio curso de vida e que os julgará para a condenação por seus atos
maus para o louvor da sua gloriosa justiça. Diferente do caso dos eleitos, a reprovação é um ato
negativo, em que Deus determina não agir ou atuar em favor dos reprovados, apenas deixa este
grupo seguir seu próprio curso de vida. Desta forma, Deus não providencia nenhum meio para a
salvação dos reprovados, seus nomes não foram inscritos no Livro da Vida, não fazem parte do plano
divino da salvação, não estão incluídos entre aqueles que foram redimidos por Cristo, não são
regenerados pela obra do Espírito Santo, não são livrados dos efeitos mortais do pecado. Diferente
dos eleitos, a atuação divina sobre os reprovados é negativa, Deus não impulsiona ou incentiva os
reprovados a pecar, mas deixa-os permanecerem em seu estado corrupto e pecaminoso, os quais
livremente seguem seu próprio curso de vida e permanecem no pacto de obras. Desta forma, ao
seguirem seu próprio curso de vida, atendendo sua vontade e paixões pecaminosas, jamais desejam
se libertar de seu estado corrupto e conhecer a Deus para a salvação, mas rejeitam o conhecimento
do Senhor, desprezam os mandamentos da Palavra de Deus, decidem permanecer na servidão do
pecado, entregam-se cada vez mais aos seus desejos, intenções, pensamentos, emoções e atos
pecaminosos e querem viver de maneira independente de Deus. Assim, embora pela vontade
soberana Deus não intencione salvá-los, os reprovados desejam não se submeter aos padrões divinos
e ainda decidem permanecer como servos do pecado e que por isso são moralmente responsáveis
por seus atos. Desta forma, Deus decretou na eternidade punir os reprovados para a morte eterna
por causa de seus atos pecaminosos e que são julgados no devido tempo. Como o julgamento de Deus
para a condenação tem como base os atos pecaminosos dos reprovados, estes também são
responsáveis e culpados pelo julgamento divino, são responsáveis e culpados por se entregarem ao
pecado e se destinarem para a perdição eterna. Portanto, Deus não é o autor da condenação, mas os
reprovados é que são responsáveis por sua própria condenação. Enquanto que o decreto da eleição
resulta em salvação, motivo de regozijo e louvor da graça e misericórdia de Deus, o decreto da
reprovação resulta em condenação, motivo de tristeza pelo estado de corrupção dos reprovados e da
iminente condenação destes e no louvor da justiça de Deus. Ambos os aspectos da predestinação
cumprem seus propósitos e papeis a que foram destinados, a saber, a manifestação da glória de Deus.
Porém, ambos os decretos cumprem em dar louvor a Deus de maneiras diferentes, enquanto a
eleição evidencia a graça e misericórdia de Deus, a reprovação evidencia a justiça de Deus, em que o
Senhor é santo e por isso determina punir os pecados dos reprovados. Enquanto que a eleição ensina
que o homem é impotente para tentar salvar a si mesmo com suas obras e que depende
exclusivamente de Deus para obter o favor imerecido, a reprovação nos ensina o temor a Deus, a
praticar cada vez mais a santidade e que todo pecado é julgado por Deus.
O decreto da reprovação tem como causa fundamental a vontade soberana de Deus, ou seja,
o decreto é absoluto, a razão pela qual Deus escolhe um e rejeita ou pretere outro é baseado tão
somente na vontade de Deus. Nossa mente falha e limitada não pode e não consegue ir além desta
resposta, pois se nos indagarmos a respeito se há algo além da vontade divina, nossa resposta é que
não sabemos. Porém, devemos sempre aceitar que a vontade de Deus é boa, sábia, justa e santa.
Devemos aceitar que nem sempre compreenderemos a vontade de Deus, devemos confiar que tudo
aquilo que o Senhor faz é bom e devemos parar de tentar descobrir os mistérios que Deus não
permitiu revelar pela Sua Palavra. A causa fundamental do decreto da reprovação não pode ser o
pecado, pois como toda a humanidade é pecadora, logo ninguém seria salvo. A causa fundamental do
decreto da reprovação também não se baseia na presciência das obras humanas ou de alguma
desvantagem contida no homem, pois a condição espiritual dos eleitos antes da regeneração é
exatamente idêntica ou igual a dos reprovados. Portanto, a causa fundamental em escolher um e
rejeitar outro se baseia exclusivamente na vontade soberana de Deus. Enquanto que na eleição o
Senhor concede aquilo que o homem não merece, a saber, a graça salvadora, no decreto da
reprovação e do ato da condenação Deus concede aquilo que o homem merece, a saber, a punição
eterna pelos pecados.
Vejamos o comentário dos Cânones de Dort sobre a reprovação: ‘’Nem todos os homens são
eleitos; alguns, pois, são preteridos na eleição eterna de Deus. De acordo com seu soberano, justo,
irrepreensível e imutável bom propósito, Deus decidiu deixá-los na miséria comum em que se lançaram
por sua própria culpa, não lhes concedendo a fé salvadora e a graça da conversão. Para mostrar sua
justiça, decidiu deixá-los em seus próprios caminhos e debaixo de seu justo julgamento e, finalmente,
condená-los e puni-los eternamente não apenas por causa de sua incredulidade, mas também por todos
os seus pecados, para mostrar sua justiça. Este é o decreto da reprovação, o qual não torna Deus o autor
do pecado (tal pensamento é blasfêmia!), mas o declara temível, irrepreensível e justo Juiz e Vingador
do pecado’’. A Confissão de Fé de Westminster define a reprovação nos seguintes termos: ‘’Segundo o
inescrutável conselho de sua própria vontade, pela qual concede ou recusa misericórdia, como lhe
apraz, para a glória de seu soberano poder sobre as suas criaturas, o restante dos homens, para louvor
de sua gloriosa justiça, Deus não quis contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa de seus
pecados’’.
Refutação das teses contrárias à vontade de Deus como a causa da reprovação: quando
o Senhor fez a distinção na eternidade entre eleitos e reprovados, isto não se deu porque os últimos
eram piores que os primeiros. Na verdade, perante o Senhor, os eleitos são iguais aos reprovados
antes da conversão; ambos são pecadores e merecedores da ira de Deus, nenhum dos grupos merece
o favor de Deus. Embora seja verdade que os reprovados mereçam estar incluídos entre aqueles que
serão condenados, porque neles reside o pecado, porém, não é verdade que o pecado é o que
condiciona a Deus reprovar estes indivíduos. Embora seja verdade que a condenação eterna tenha
sua causa no pecado, porém, esta não é a causa de um indivíduo ser selecionado entre os reprovados,
mas sim a vontade soberana de Deus. Pois, se o pecado fosse a condição para Deus reprovar certos
indivíduos, todos seriam igualmente reprovados. Visto o pecado residir tanto nos eleitos, como nos
reprovados; se a causa da reprovação estiver fundamentada no homem ou em alguma coisa que ele
faz e não na vontade soberana de Deus, não haveria distinção, existiram apenas os reprovados, afinal
todos são filhos de Adão. Quanto a este ponto, a Bíblia expressa claramente: ‘’pois não há homem que
não peque’’ (2Cr 6:36), ‘’pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão
debaixo do pecado, como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há
quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há
nem um sequer’’ (Rm 3:9-18 cf Sl 14:1-3, 53:1-3 e Ec 7:20), ‘’porque não há distinção, pois todos
pecaram e destituídos estão da glória de Deus’’ (Rm 3:21-26), ‘’Se dissermos que não temos cometido
pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós’’ (1Jo 1:10). Como já foi dito
anteriormente, o estado dos eleitos antes da conversão é exatamente igual ao dos reprovados, ou
seja, se Deus basear Suas escolhas nas condições destes indivíduos, não haverá distinção entre
eleitos e reprovados, pois ao depender do homem, só haverá reprovados. Daí a razão, em crer que a
escolha destes indivíduos, não se fundamenta naquilo que eles podem apresentar para atrair o favor
de Deus, mas se fundamenta tão somente na livre e soberana escolha de Deus. Sobre a condição
espiritual dos eleitos antes da conversão, diz a Escritura: ‘’Agora, porém, libertados do pecado,
transformados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a santificação e, por fim, a vida eterna’’
(Rm 6:17-32), ‘’Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a
lei do Espírito da vida te livrou da lei do pecado e da morte’’ (Rm 8:1-2). ‘’Ele vos deu vida, estando
vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo,
segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre
os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a
vontade de nossos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. Mas
Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós
mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, – pela graça sois salvos’’ (Ef 2:1-10).
‘’Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual
temos a redenção, a remissão dos pecados’’ (Cl 1:13-14), ‘’E a vós outros também que, outrora, éreis
estranhos e inimigos no entendimento pelas vossas obras malignas, agora, porém, vos reconciliou no
corpo da sua carne, mediante a sua morte, para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e
irrepreensíveis’’ (Cl 1:18-23). Ora, se a causa da reprovação for fundamentada naquilo que o homem
tem em interior ou pelo que faz, não haveria distinção, existiriam apenas os reprovados, e o caso que
mais claramente demonstra este fato é o da época de Noé. Nos tempos primitivos da história da
criação, toda a raça humana se entregou aos seus próprios desejos, intenções e ações pecaminosas, a
humanidade se tornou tão ímpia, depravada e corrompida, que Deus determinou condenar à morte
toda a humanidade pelas águas do dilúvio (Gn 6:11-13). A família de Noé foi preservada com vida
principalmente para dar continuidade ao plano da redenção (Gn 6:17-19, 9:8-17). Mas, se
porventura, alguém ainda acredita que Noé foi escolhido por sua fidelidade, deve-se lembrar que o
servo do Senhor nem sempre foi um homem íntegro, pois logo após Deus ter feito Aliança com a sua
família, em que prometeu não destruir a humanidade e a criação por meio da água outra vez, Noé
embriagou-se e ficou nu, seu filho Cam viu a nudez e o fez saber a seus irmãos (Gn 9:20-23). Por ter
pecado, Noé poderia ter sido excluído desta Aliança bendita e recebido a ira como todos os demais,
porém, Deus não revogou Sua Aliança. Portanto, até mesmo Noé foi escolhido e preservado na
Aliança depois do pecado pela graça livre de Deus, favor imerecido, escolhido e preservado por
misericórdia e não por recompensa à fidelidade. Outro caso que confirma a vontade soberana divina
e não o pecado como a causa fundamental da reprovação é o dos assírios da cidade de Nínive, capital
do Império Assírio. A história bíblica e secular registra que os assírios eram o povo mais ímpio,
desumano e cruel tanto entre eles mesmos, como no tratamento dos povos conquistados. Para este
povo mais depravado do mundo, que Deus ordenou o profeta Jonas pregar julgamento contra a
cidade (Jn 3:1-4). Ao ouvir a mensagem de Jonas, os habitantes da cidade, incluindo o rei e os nobres,
se arrependeram de seus pecados, clamaram a Deus e praticaram jejum (Jn 3:5-9). Estava no arbítrio
de Deus em conceder misericórdia ou justiça. Ao invés de aplicar justiça por causa das iniqüidades do
povo, aprouve ao Senhor conceder misericórdia ao povo mais perverso e malvado do mundo (Jn
3:10), contrariando a falsa tese de que a causa fundamental da reprovação dependa do pecado. Outro
caso é o do jovem rico (Mt 19:16-26, Mc 17:17-27, Lc 18:18-27) e Zaqueu (Lc 19:1-10). O jovem rico,
vangloriando em seu coração pela guarda da lei, apresentou-se à Jesus, perguntou a Cristo se faltava
alguma coisa para receber a vida eterna. Jesus ordenou o jovem rico vender seus bens e doar o lucro
das vendas aos pobres para segui-lo. O jovem achou muito difícil o mandamento e não obedeceu,
assim Jesus mostrou que ninguém pode ser salvo pelo cumprimento da lei, pois nenhum homem é
capaz de cumprir perfeitamente a lei. Enquanto isso, ao rico, avarento e defraudador Zaqueu, o chefe
dos publicanos, que não prezava pelo cumprimento da lei, Jesus o chamou para jantar em sua casa,
ele recebeu a Cristo com alegria, prometeu doar metade de seus bens aos pobres e restituir quatro
vezes àqueles que foram defraudados. Foi a este miserável pecador e não ao religioso jovem rico, que
Jesus concedeu a salvação. Se a tese que a reprovação possui base fundamental no pecado, estiver
certa, então por que Jesus não salvou o jovem rico ao invés de Zaqueu (Mt 19:16-22, Lc 19:1-10)?
Outro exemplo, que demonstra claramente que o fundamento da reprovação está tão somente na
vontade soberana de Deus, é o caso de Esaú e Jacó. Eles eram gêmeos, filhos dos mesmos pais, Isaque
e Rebeca, mesmo antes de terem praticado bem ou mal, Deus já tinha escolhido Jacó e rejeitado Esaú,
‘’para que o propósito de Deus permanecesse firme, quanto à eleição, não por obras, mas por aquele
que chama’’ (Rm 9:10-13). Acrescenta-se o fato de que Esaú era mais velho e, portanto, herdeiro
natural de tudo quanto Isaque possuía; enquanto Jacó era conhecido por ser enganador, pelo fato de
ter conseguido a bênção da primogenitura ao enganar seu pai. Mesmo assim, Jacó foi escolhido para
gerar a descendência do povo de Deus e Esaú foi rejeitado por Deus, mais um exemplo de que a
seleção de quem é escolhido ou rejeitado depende tão somente da livre e soberana vontade de Deus.
Ora, se a tese do pecado como fundamento da reprovação é verdadeira, então porque Jacó, em
desvantagem em relação à Esaú, não foi rejeitado? Este também é o mesmo exemplo do caso da
escolha de Moisés e da rejeição do Faraó, aos quais diz Deus: ‘’Logo, ele tem misericórdia de quem
quer e também endurece a quem lhe apraz’’ (Rm 9:18). E o último, o que dizer do apóstolo Paulo, que
antes da conversão era perseguidor implacável dos fieis em Cristo (At 8:3, 9:1-2) e o pior inimigo?
Após a conversão, o apóstolo chamava a si mesmo de o ‘’principal’’ pecador (1Tm 1:15-16) e que não
se considerava digno de ser chamado de apóstolo (1Co 15:9-10). Pela lógica do pecado como
fundamento da reprovação, Paulo, com estas características, era para ser rejeitado por Deus. Porém,
assim como aconteceu com muitas pessoas, Deus já tinha traçado o plano da redenção na vida deste
homem na eternidade (At 9:15, Gl 1:15) e, no tempo devido, quando Paulo estava à caminho em
Damasco, o Cristo glorificado apareceu nos céus, chamou-o e separou-o para ser filho de Deus (At
9:3-6,17) e o tornou ‘’apóstolo dos gentios’’, ‘’mestre dos gentios’’, sendo o homem que mais
contribuiu para a causa do evangelho no século I, quando pregou em quase todas as regiões do
Império Romano (At 9:15, 1Co 15:9-10, Gl 1:15-17, Ef 3:7-8, 1Tm 2:7, 2Tm 1:11). Como a vida deste
homem mudou radicalmente, de o ‘’principal dos pecadores’’ e perseguidor implacável dos cristãos,
para o título ‘’mestre dos gentios’’. Esta obra transformadora do Espírito Santo é pura graça e
misericórdia, nunca foi mérito de Paulo, pois ele nada fez para merecer a salvação, mas pelo
contrário, merecia a condenação eterna. Além da ideia da reprovação ter como fundamento o pecado
não tem base bíblica, também não tem dedução lógica coerente. Se caso os reprovados seriam apenas
os mais perversos, e os escolhidos como os mais bondosos ou menos malvados, então a salvação
deixaria de ser uma obra da graça, o favor imerecido. Assim, a salvação deixaria de ser incondicional,
livre e soberana, mas passaria a ter como base os méritos do homem, daquilo que pode apresentar
diante de Deus para atrair Seu favor. Deste modo, a salvação deixaria de depender das mãos do Deus
Todo-Poderoso, mas passaria a depender das condições do homem. O homem menos perverso ou o
mais bondoso, ao invés de glorificarem a Deus, com humildade, pela salvação imerecida para eles,
orgulhar-se-iam de si mesmos, bateriam no peito e diriam: fui salvo, atraí o favor de Deus por ser
melhor que meus semelhantes, por isso eu mereci ser salvo. Então, ao invés de enxergarmos a Deus
como livre, independente e soberano para escolher quem quer salvar ou rejeitar, dependendo tão
somente de Sua livre vontade, Deus seria obrigado pelo homem para salvar ou condenar. Portanto,
esta ideia distorce todo o conceito bíblico da salvação. O estudo bíblico que refuta a ideia do pecado
como fundamento da reprovação, também refuta a ideia da previsão do pecado como fundamento da
reprovação. Outros, preferem crer que o fundamento da eleição e da reprovação possui como base a
previsão da fé (eleição) ou da incredulidade (reprovação). Além do fato de que todos, eleitos (antes
da conversão) e reprovados, são igualmente pecadores, que entre eles mesmos não há nenhuma
distinção, daí ninguém merecer a salvação, mas todos igualmente merecem a condenação eterna no
lago de fogo e enxofre; todos nascem no pecado e são escravos dele. Esta condição em que todos se
encontram, a escravidão no pecado, só pode ser mudada até que chegar o momento em que Cristo
liberta os amados do Pai por meio da obra do Espírito Santo. Por causa desta condição decaída, o
homem não pode ter fé, fazê-la nascer ou brotar dentro de si (Ef 2:8-10). Como sua natureza foi
escravizada pelo pecado, as demais áreas humanas também foram afetadas, incluindo a vontade e a
razão. Não há uma área do ser humano que tenha permanecido intacta ou livre dos efeitos do pecado.
Desta forma, o homem já nasce com o pecado dentro de si e sua natureza inteiramente corrompida
(Sl 51:5; Jr 13:22-23, 17:9; Mc 7:20-23). Como resultado, naturalmente o homem é constituído como
inimigo de Deus, está morto em delitos e pecados, são chamados de filhos do Diabo, filhos da
desobediência, filhos da ira (Jo 8:44, At 13:10, Ef 5:3-7, Cl 3:5-6, 1Jo 3:8-10). Ele se rebela e viola as
leis divinas todos os dias, sua vontade é inclinada apenas para o mal, dentro de si procede apenas
atos e intenções malignas, não cogita das coisas espirituais, mas odeia e despreza tudo aquilo que se
relaciona com Deus, julgando-as sem valor, pois não entende e também não quer entender as coisas
celestiais (Gn 8:21; Rm 1:28-32, 3:9-18; 1Co 2:14). Não quer vir para a luz, mas permanece nas
trevas porque suas obras são más, enquanto rejeita a obra de Cristo revelada no evangelho
permanece debaixo da ira de Deus, seu coração é endurecido (Jo 3:17-20, 3:36; 1Jo 3:14). Nestas
condições, o homem não pode ter fé em Deus, ela não surge, nasce ou brota dentro de si. Este fato
pode ser comprovado através do efeito da pregação do evangelho, pois o ímpio rejeita prontamente a
oferta da salvação em Cristo, não quer ter comunhão íntima com Deus. Ao invés de confiar na obra de
Cristo e nela descansar, rejeita esta graça, naturalmente prefere conquistar a salvação através das
obras, ao tentar sem sucesso o cumprimento perfeito da lei. Os ímpios repudiam a graça, não querem
serem agraciados com um dom imerecido, mas tentam inutilmente conquistar a salvação por mérito,
recompensa, como um prêmio aos seus esforços. Eles não querem agradecer e glorificar a Deus pela
salvação imerecida, que é resultado do Altíssimo, mas desejam se orgulhar por conquistar a salvação,
desejam dar glória a si mesmos. Esta atitude é semelhante ao do jovem rico e de Zaqueu. O jovem
rico se apresentou a Jesus tentando conquistar a salvação pelas boas obras e foi rejeitado, o avarento
e defraudador foi chamado de modo soberano por Jesus e por isso houve a salvação. Abraão, a quem
lhe foi prometido a descendência de um povo santo, Deus lhe chamou soberanamente (Gn 12:1-4,
15:5, 22:1-18). Os discípulos não escolheram se tornar apóstolos, mas isto se deu porque Jesus os
chamou de maneira irresistível (Lc 5:1-11, Jo 15:16), como foi o chamado de Mateus (Mt 9:9). A
Bíblia também registra sobre os gentios, que creram todos quantos foram ordenados para a vida
eterna (At 13:46-49). Quando Paulo estava indo para Damasco, seu objetivo era perseguir e prender
cristãos, mas a glória de Cristo apareceu no céu, chamou-o soberanamente, o perseguidor virou
apóstolo (At 9:3-6,17). Quando o apóstolo Paulo pregou o evangelho, o Senhor abriu o coração de
Lídia para atentar às coisas que Paulo dizia (At 16:13-15). Em nenhum destes casos está relatado que
o homem ‘’abriu seu coração’’, ‘’que deu lugar à Deus’’ ou que primeiro teve fé para só depois o
Espírito Santo convertê-lo. Na verdade, é o contrário, Deus abre o coração, vence a dureza do
coração, concede fé para que o homem creia e se arrependa em Cristo. Se Deus não agir
primeiramente no homem, este nunca terá fé e nunca será salvo. Quando Jesus se refere como o bom
pastor e os seus eleitos como as ovelhas, ele diz aos fariseus que as chama, elas ouvem a voz e segue
ao Mestre. Por outro lado, os demais rejeitam a Cristo porque não são suas ovelhas. Ou seja, os
reprovados rejeitam a Cristo porque nunca pertenceram a ele, não foi porque Deus previu a rejeição
destes. A Escritura nega que o homem tem primazia ou a iniciativa na salvação pelo simples fato de
declarar que a salvação começa quando Deus predestina alguns para a salvação e completa quando
Deus glorifica Seus filhos. Paulo diz que estava plenamente certo em relação aos filipenses, pois
Aquele que começou a boa obra há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus, que Deus realiza em nós
tanto o querer como o realizar (Fp 1:6-7, 2:12-13). Portanto, o processo ou as etapas da salvação, o
início, o meio e o fim, são conduzidos por Deus, não pelo homem (Rm 8:28-30). Assim, Deus é o único
responsável pela salvação, toda a glória, honra e louvor é dado a Deus pela obra da salvação (Rm
9:23-24, Ef 1:3-12, Hb 12:2) . Portanto, se Deus não agir no interior do homem, este nunca irá ter fé e
nunca será salvo. Daí, como o homem naturalmente nunca terá fé se Deus não conceder, novamente,
se a reprovação for baseada na previsão da incredulidade, não haverá distinção entre suas criaturas.
Se Deus esperar que os homens tenham fé para depois salvá-los, não haverá salvação, apenas
condenação, todos seriam igualmente reprovados. A conclusão é que se a causa da reprovação
estiver fundamentada na previsão da ação de suas criaturas, não haverá distinção. Como todas as
pessoas são igualmente depravadas, seguem o curso da natureza corrompida e estão em rebelião
contra Deus, a única chance de haver distinção entre eleitos e reprovados é por causa da vontade
soberana de Deus. O fundamento da eleição e da reprovação, ao invés de causar orgulho nos filhos de
Deus, o efeito é que causa conforto, segurança, confiança e gratidão a Deus por não dependerem da
própria vontade para se salvarem e nem serem contados entre os reprovados. Portanto, a tese de que
a reprovação se baseia na previsão da incredulidade, e a eleição se baseia na previsão da fé, não tem
fundamento bíblico.
Ora, se todas as coisas pertencem ao Senhor, que Ele é Rei e domina tudo quanto existe, que
faz tudo que Lhe apraz e ninguém pode impedir, frustrar ou bloquear Seus planos, qual razão em
acreditar que algum detalhe da criação ocorre por acaso ou que Deus não queira? Portanto, tudo
quanto ocorre, nos céus e na terra, assim acontece porque primeiramente Deus quis. Ora, se é assim,
a resposta adequada porque alguns se arrependem de seus pecados e confiam na obra de Cristo, e
outros se recusam ao chamado e permanecem a vida toda na sua impiedade, é porque assim a Deus
aprouve que isto acontecesse, ‘’Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado’’ (Mt 11:25-27). Tudo
quanto o Senhor deseja, acontece. Assim, se fosse da vontade do Pai salvar todas as pessoas do
mundo inteiro, logo assim isto iria se concretizar, o inferno estaria vazio. Afirmar que Deus
intencionou salvar todas as pessoas, mas estas conseguem contrariar Sua vontade e vencê-la ao
permanecerem ímpios por toda a vida, sendo posteriormente condenadas ao fogo eterno, é uma
contradição. Tal contradição significa dizer que Deus não é Soberano, que não tem todo o poder em
Suas mãos, que não é onipotente e que seu poder é inferior ao das criaturas. Ou seja, tal contradição,
se caso fosse verdadeira, deturparia o Ser de Deus. Como confiar em um Deus cujo poder, autoridade
e vontade podem ser resistidas e frustradas pelo homem? Tal contradição não possui suporte bíblico
e lógico. A conclusão é que todos aqueles que Deus quis salvar, foram, são e serão salvos no tempo
determinado por Ele mesmo. Todos aqueles que Deus não quis salvar, nunca serão transformados
verdadeiramente pelo Espírito Santo, estão contados entre aqueles que serão condenados
eternamente, permanecem ímpios por toda a vida apesar de ouvirem as pregações da Igreja e ao fim
da vida recebem a sentença de morte eterna.
A noção de que Deus existe, que há um Ser superior sobre todos é uma crença generalizada
de toda a raça humana, todos os homens já nascem com esta ideia, embora não saibam formular
conceitos corretos sobre Ele. Isto não significa que todos os povos do mundo conhecem exatamente o
Deus que se revelou nas Escrituras, mas acreditam que há um Ser superior que é bondoso, amoroso,
justo, poderoso, santo e que um dia exigirá prestação de contas dos atos morais destes povos com
base na Lei divina no Tribunal divino (Rm 2:11-16). Por mais distante e isolada que seja alguma tribo
dos demais povos, possui certas noções de Deus que é comum para todos os povos, como também
possui certos padrões morais do que é certo e errado que também é comum para todas as pessoas do
mundo e que um dia Deus julgará estes povos pela Lei que implantou em cada pessoa (Rm 2:11-16).
Isto é possível porque quando Deus criou o homem, estampou nele a Sua imagem e semelhança (Gn
2:7-8). Adão tinha forte noção da existência e da presença de Deus, porque o Senhor se revelou para
Adão e se relacionava com ele no jardim do Éden. Mesmo após a Queda, a consciência de que Deus
existe ainda está no interior do homem, embora este fato tenha causado a quebra do relacionamento
do homem com Deus e que por isso é considerado morto espiritualmente. Esta noção da existência
de Deus se dá porque Deus implantou no homem duas propriedades de forma inapagável, que nem a
Queda conseguiu destruir: senso de divindade e a semente da religião. O senso de divindade diz
respeito que todo ser humano tem noção ou consciência que existe um Ser superior acima de todos,
que criou todas as coisas, possui seus padrões morais e julga a humanidade com base neles, que é
Todo-Poderoso, Eterno, que governa o universo, que regula o tempo e as estações do ano. Estas
noções sobre Deus é uma crença comum para todos os povos. A noção de uma única divindade que
rege o mundo não é uma ideia exclusiva dos israelitas e depois também dos cristãos. Nem mesmo o
monoteísmo (crença em um só Deus) veio depois do politeísmo (crença em vários deuses), pois a
Bíblia descreve pessoas e povos primitivos que criam em um só Deus, como por exemplo, os egípcios
(Agar em Gn 16:1,13 e o faraó em Gn 41:38), os filisteus (rei Abimeleque em Gn 20:3-8), os gregos
(atenienses em At 17:22-28), Enoque (Gn 5:18), Noé e sua família (Gn 6:9). Portanto, o politeísmo é a
corrupção do monoteísmo. Até mesmo o politeísmo evidencia o monoteísmo, apesar da multidão de
ídolos, creem que uma única divindade superior criou o mundo e todas as demais coisas, incluindo a
multidão de ídolos que são como deuses menores, que um dia julgará toda a humanidade com base
nos seus padrões morais e que regula o tempo e as estações do ano, como no caso dos gregos,
romanos, hindus, germânicos, etc. Esta consciência de um Ser supremo está presente em todos os
homens, é inapagável, impossível de ser eliminada. Desta forma, é impossível o ateísmo real, pois o
ateu, embora não afirme explicitamente que Deus existe, o senso de divindade está nele. O que o ateu
faz é lutar para eliminar, sem sucesso, a consciência que Deus implantou nele, a noção de que o
Senhor existe. Conforme afirma o texto de Rm 1:18-22, o problema do panteísta, politeísta e do ateu
não é que desconhecem o Deus verdadeiro, na verdade todos os povos possuem noção da existência
de Deus. O problema é que estes povos, quando recebem o conhecimento de Deus, rejeitam e se
rebelam contra o Senhor, tentam sufocar e negar o conhecimento do Ser de Deus que receberam e
preferem confiar em suas especulações filosóficas, científicas ou no misticismo pagão. Mesmo assim,
a noção da existência continua no interior do homem, impossível de apagar, então o homem ímpio
luta durante toda a sua vida para apagar, sem sucesso, o senso de divindade. Não há como apagar
esta noção porque o homem foi criado à imagem e à semelhança de Deus, foi criado para glorificar o
Criador, sua estrutura reflete o caráter, a sabedoria e a grandeza do Senhor (Gn 1:26-28). Embora a
Queda tenha causado o rompimento do relacionamento entre Deus e o homem e distorcido a imagem
de Deus no homem, não destruiu o senso de divindade. Como disse João Calvino: ‘’Que existe na mente
humana, e na verdade por disposição natural, certo senso da divindade, consideramos como além de
qualquer dúvida. Ora, para que ninguém se refugiasse no pretexto de ignorância, Deus mesmo infundiu
em todos certa noção de sua divina realidade, da qual, renovando constantemente a lembrança, de
quando em quando instila novas gotas, de sorte que, como todos à uma reconhecem que Deus existe e é
seu Criador, são por seu próprio testemunho condenados, já que não só lhe rendem o culto devido, mas
ainda não consagram a vida a sua vontade’’.
Porém, a humanidade não apenas reconhece que há um só Deus Supremo, Criador de todas
as coisas, Todo-Poderoso e Justo. Ao entrar em contato com a revelação natural e assim obtendo o
conhecimento de Deus, o homem não fica indiferente diante de Deus. Como o homem foi criado à
imagem e à semelhança de Deus, possui alguns atributos divinos em quantidade limitada (como
amor, longanimidade, misericórdia, justiça, santidade, sabedoria, conhecimento, etc.), a estrutura do
corpo humano foi criada de tal forma que tudo nela reflete o caráter de Deus. Mesmo após a queda,
quando o homem olha para si, percebe que há nele mesmo algumas características que refletem o
Criador. Assim como toda a criação (Sl 19:1, Is 6:3), o homem foi criado por Deus para glorificar o
Senhor para sempre. Deus criou e fez do homem a criação mais elevada e distinta das demais coisas
criadas, pois o homem foi feito para que pudesse administrar a criação de do Senhor (Gn 1:26-28),
como uma espécie de vice-regente de Deus. Conforme afirmam os textos bíblicos de Gn 1:26-30,
2:16-17 e 3:8-10, o homem também foi criado para se relacionar e cultuar a Deus para sempre.
Glorificar a Deus significa reconhecer que Ele é Criador e Senhor de todas as coisas, engrandecer e
exaltar o Seu nome por tudo que acontece, oferecer culto Àquele que é infinitamente mais Poderoso
que todas as criaturas, confiar e entregar o destino da vida para Deus, temer a Deus, obecedê-Lo e
amá-Lo acima de todas as coisas, ser fiel e viver de modo agradável ao Santíssimo (1Sm 12:24, Sl
100:1-5, Pv 3:1-10, Ec 12:13, 1Co 10:31). Em resumo, glorificar a Deus significa reconhecê-Lo como
único Deus verdadeiro, Senhor e Criador de tudo que existe, prestar culto e louvor a Deus, temer,
amar e obedecer ao Senhor acima de todas as coisas. Portanto, o homem foi criado para prestar
louvor e culto a Deus por todas as coisas, o que só pode cumprido por meio de um relacionamento
correto, comunhão com Deus. Adão e Eva prestavam culto à Deus na ‘’viração do dia’’ (Gn 3:8-10),
pois ainda tinham correto relacionamento com o Senhor. Porém, Adão pecou contra Deus,
desobedeceu a Lei de Deus, rebelou-se contra o Senhor, o que ocasionou na quebra do
relacionamento correto que tinha com Deus, foi afastado e banido da presença do Senhor (Gn 3:17-
24). Como Adão era o representante federal da raça humana, toda a humanidade sofreu também os
efeitos da Queda. Como Deus é Santo e que odeia o pecado, assim que a humanidade tornou-se
pecadora, foi banida da presença do Senhor, ou seja, o pecado quebrou a comunhão entre Deus e o
homem, o relacionamento do homem com Deus passou a ser de inimizade, era impossível ao homem
restaurar aquela comunhão perfeita por suas próprias forças. Sem comunhão, não há como glorificar
a Deus de modo correto. Não foi Deus que falhou quando criou o homem, mas foi o homem que
falhou em cumprir seu propósito e que por isso encontra-se em situação de separação e inimizade
contra Deus (Is 59:1-3, Rm 3:23). Foi criado para cultuar a Deus, mas em seu estado pecaminoso
acaba dando louvor a criatura no lugar do Criador, desobedece a Lei do Senhor diariamente, em seu
coração não há temor de Deus e odeia qualquer coisa ou assunto que se relaciona com Deus. É por
preferir glorificar a criatura ao invés do Criador é que o mundo possui tantas religiões, pois ao invés
de dar louvor a Deus acaba criando ídolos em forma de estátua ou adora fenômenos da natureza
como se fossem deuses (Rm 1:21-23). Para justificar suas transgressões contra o Deus único e
verdadeiro, inutilmente o homem criou sistemas de sacrifícios de animais para tentar aplacar a ira de
seus ídolos. O homem falhou em cumprir seu propósito em glorificar a Deus e não pode restabelecer
àquela comunhão perdida por si mesmo. João Calvino comentou sobre a semente da religião:
‘’Certamente, se em algum lugar se haja de procurar ignorância de Deus, em nenhuma parte é mais
provável encontrar exemplo disso que entre os povos mais retrógrados e mais distanciados da
civilização humana. E todavia, como declara aquele pagão, não há nenhuma nação tão bárbara,
nenhum povo tão selvagem, no qual não esteja profundamente arraigada esta convicção: Deus existe! E
mesmo aqueles que em outros aspectos da vida parecem diferir bem pouco dos seres brutos, ainda assim
retêm sempre certa semente de religião. Tão profundamente penetrou ela à mente de todos, que este
pressuposto comum se apegou tão tenazmente às entranhas de todos! Portanto, como desde o princípio
do mundo nenhuma região, nenhuma cidade, enfim nenhuma casa tenha existido que pudesse
prescindir da religião, há nisso uma tácita confissão de que no coração de todos jaz gravado o senso da
divindade’’. Porém, muitíssimo antes da Queda, o Senhor já havia estabelecido o plano da redenção na
eternidade, escolheu e separou muitas pessoas para formar um povo exclusivamente Seu, as quais
foram escolhidas e separadas pelo Senhor com o propósito de Lhe glorificar corretamente (Is 43:1-5;
Rm 9:10-24; Ef 1:4-12; 1Pe 2:9-10, 5:10). Também neste plano formado desde a eternidade, para
estas pessoas escolhidas individualmente para formar o povo particular do Senhor, foi decidido entre
a Trindade que o Filho de Deus resgataria este povo de volta para Deus (Ap 13:8). O Filho de Deus
assumiu forma de homem sem deixar de ser Deus, Jesus Cristo, que morreu em favor deste povo,
pagou com a morte a penalidade dos pecados destas pessoas separadas, restabeleceu àquela
comunhão perdida no jardim do Éden e que por isso estas pessoas podem glorificar o Senhor da
maneira como Ele se agrada (Jo 17:5-12, Ef 2:4-10, Ap 5:9).
Como já foi tratado do assunto de que maneira toda a humanidade tem noção da existência
de Deus mesmo após a Queda, o assunto no momento é de que maneira a raça humana pode
conhecer a Deus, ou seja, como os homens podem conhecer certos atributos e a essência do Ser de
Deus. O homem foi criado não apenas com a capacidade de saber que Deus existe, mas também pode
conhecer algumas coisas a respeito do Senhor, à medida que Ele se revela por meio das coisas
criadas. Porém, o homem não tem a capacidade de conhecer e descrever tudo ou de maneira
completa e satisfatória sobre o Criador, pois é um ser finito e pecador, mas pode conhecer e
descrever alguns aspectos do Ser de Deus. Como já foi tratado anteriormente, jamais o homem
poderá obter conhecimento de Deus por meio de especulações filosóficas ou no misticismo pagão. Se
Deus desejasse nunca se revelar por meio das coisas criadas, jamais o homem poderia conhecer o
Senhor. E ainda que esteja implantada na constituição humana a noção de que Ele existe, o homem
jamais poderia formular qualquer conceito sobre Deus se não houvesse a revelação divina na
natureza, na condução da história (revelação natural) e do registro de Seu Ser e de Suas obras nas
Escrituras (revelação especial). Portanto, apenas o conhecimento de Deus implantado no homem,
que o faz ter noção da existência de Deus, não é suficiente para formular o conceito do Ser de Deus e
conhecer alguns de seus atributos, é preciso receber a revelação natural e verbal. Como disse o
teólogo presbiteriano, Heber Carlos de Campos: ‘’Para que os seres humanos pudessem conhecer a
Deus, este não somente deu-lhes um conhecimento que está impresso na sua própria constituição
natural, como também um conhecimento que vem mediante as obras da criação e da sua condução da
História, e também o conhecimento derivado da revelação verbal, que está registrada nas Escrituras do
Antigo e do Novo Testamento’’.
Deus não se revela apenas no interior do homem, quando implantou conhecimento acerca de
Si mesmo no nascimento de cada pessoa, mas também se revelou por meios externos, por meio da
Sua criação e da Sua providência. As Escrituras dão farto testemunho que a criação aponta para o
Criador. Conforme o relato de Gênesis 1, a essência, a estrutura e a organização harmoniosa da
criação existe porque reflete a vontade e o plano de Seu Criador, foi criada por Deus, o qual se
agradou de Sua obra e declarou que é boa. Como o Senhor é bondoso, amoroso, sábio, justo e
soberano, assim também é a Sua criação, pois foi criada para refletir Seu caráter e Seus atributos.
Ainda que muitas pessoas, povos e nações jamais tenham tido contato com as Escrituras, não podem
alegar que jamais conheceram a Deus, pois toda a criação está marcada com as ‘’impressões digitais
divinas’’, o ‘’selo de Deus’’ está estampado em todo lugar. Por exemplo, ao discursar com Jó, Eliú
aponta para a criação para demonstrar a sabedoria e a soberania de Deus quando cria e utiliza a
chuva como demonstração de seu amor e misericórdia (Jó 36:27-31), e as tempestades com seus
trovões são utilizadas como demonstrações de sua justiça (Jó 36:32-33). Eliú continua seu discurso
no capítulo 37, a conclusão é que Deus controla as forças da natureza, os fenômenos climáticos e as
estações do ano (Jó 37:2-11) conforme a Sua vontade, para cumprir Seus propósitos: ‘’E tudo isso faz
ele vir para disciplina, ou para exercer a sua misericórdia’’ (Jó 37:12-13). Este discurso aponta para a
majestade e a grandeza de Deus, pois se os fenômenos naturais são muito mais poderosos e
incontroláveis aos homens, muito mais poderoso é Aquele que cria, controla e rege estas forças
segundo a Sua vontade. Eliú aponta para as obras de Deus na natureza para que os atributos de Deus
sejam contemplados pelos homens: ‘’Lembra-te de magnificares as obras que os homens celebram.
Todos os homens as contemplam; de longe as admira o homem’’ (Jó 36:24-25), ‘’Inclina, Jó, os
ouvidos a isto, para e considera as maravilhas de Deus’’ (Jó 37:14). O Salmo 8 declara que a criação
aponta que Deus é magnífico em toda a terra, porque a majestade de Deus é claramente percebida
nos céus (Sl 8:1). Em seguida, o salmista Davi declara que ao observar, contemplar e estudar os céus,
a vastidão, a beleza, a variedade e a grandeza do universo comparada com o homem, este torna-se
um ser insignificante e pequeníssimo, sem importância (Sl 8:3-4). O Salmo declara que o universo
aponta a glória de Deus, pois se é assim o universo, infinitamente maior é o poder, a grandeza e a
sabedoria de Deus, pois este imenso universo foi obra dos ‘’dedos de Deus’’ (Sl 8:3). Ainda que a
criação seja muitíssima maior e mais poderosa que o homem, Deus colocou esta criação sob o
domínio do homem, que neste Salmo estava sendo insignificante quando comparado com a criação, o
que revela a bondade e a graça de Deus para com a humanidade (Sl 8:6-8). Por causa disso, o Salmo
termina em louvor a Deus, declarando quão magnífico é o nome de Deus em toda a terra (Sl 8:9). O
Salmo 19 aponta a mesma direção: ‘’Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as
obras das suas mãos’’ (Sl 19:1). Em seguida, o salmista declara que a revelação de Deus é claramente
vista na criação, e que é possível obter conhecimento do Ser de Deus e de Seus atributos todos os
dias, desde o princípio do mundo até a consumação dos séculos, pois a revelação de Deus na natureza
não cessa, é contínua e ininterrupta (Sl 19:2). E, por último, como os céus e o firmamento, obras do
Criador, estão em todo o lugar, logo em qualquer região do planeta a revelação do Ser de Deus pode
ser contemplada por toda a humanidade. Portanto, mesmo nas regiões mais remotas e isoladas,
nenhum homem pode dizer que não conhece Deus (Sl 19:3-6). O Salmo 104, o autor desconhecido
emprega muitas figuras simbólicas para descrever Deus como o Criador de tudo o que existe, da
maneira como Ele controla Sua criação e como esta Lhe serve, o que resulta em louvor a Deus por
parte daqueles que contemplam a criação e as obras de Deus (Sl 104:1). Por isso, a criação aponta
para a glória e a majestade de Deus (Sl 104:2). Este Salmo fala da maneira que Deus criou e controla
a Sua criação: os céus estendidos como uma cortina (Sl 104:2), o mundo é organizado, estável e
harmonioso por ser obra de Deus (Sl 104:5), a correta distribuição e divisão da água em rios, lagos,
mares e oceanos sustenta todos os animais (Sl 104:9-13), o Senhor criou campos e florestas para
alimento dos animais e à serviço do homem (Sl 104:14-16), a divisão em dia e noite para que os
animais e os homens busquem alimento por meio da caça e do trabalho (Sl 104:19-23). As obras de
Deus são incontáveis, por isso o salmista louva ao Senhor por causa da infinita sabedoria e do poder
de Deus: ‘’Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste’’ (Sl 104:24), ‘’A
glória do SENHOR seja para sempre! Exulte o SENHOR por suas obras!’’ (Sl 104:31).
O Ser de Deus e Seus atributos também são claramente manifestados e revelados para o
homem através da ação da providência, da sabedoria e do juízo divino na história da criação. Se as
pessoas pararem por um pouco de tempo para pensar e refletir, toda a criação e o que ocorre nas
civilizações humanas apontam para Deus como o Criador e o Provedor, a ideia do acaso é ridícula. A
complexidade do mundo, com suas leis naturais, ordem e beleza, a multiforme variedade de florestas,
matas, campos, regiões cobertas por gelo, deserto, os números e variedades da forma de espécies de
plantas e animais, o perfeito equilíbrio e harmonia entre o meio-ambiente e as criaturas vivas, as
catástrofes naturais como furação, tempestade e terremoto, a correta mudança na ordem das
estações do ano e da troca entre tempo chuvoso e ensolarado apontam para a sabedoria, soberania,
poder, amor e justiça de Deus em relação aos povos do mundo. Tudo o que ocorre na criação aponta
para os atributos de Deus (At 14;17, 17:26; Rm 1:20). Se nas civilizações humanas as pessoas podem
viver de modo ordenado, em harmonia, sem caos e anarquia, autoridades regendo a sociedade e a
justiça punindo criminosos e recompensando os bons cidadãos, é porque há no interior de cada ser
humano o senso de moralidade, a noção do que é certo e errado existe porque Deus gravou sua lei
moral no interior de cada pessoa (Rm 2:14-15). Se as atividades humanas, tais como a música, a
pintura, arquitetura, a medicina e a tecnologia são incontáveis e se desenvolvem progressivamente
ao longo dos anos e que se fazem cada vez mais complexas e que isso aumenta o bem-estar e o
conforto humano, se o conhecimento humano se desenvolve cada vez mais e de forma ininterrupta, é
porque Deus instila uma porção de Sua infinita sabedoria em cada ser criado à Sua imagem e
semelhança. Deus também é claramente manifestado em situações quando a vida humana corre
risco, quando a providência divina é claramente percebida em situações que a vida de uma pessoa é
protegida. Situações em que milhões de vidas são preservadas e livradas da morte de um acidente de
trânsito, de um acidente no trabalho, quando a tentativa de assassinato e roubo é frustrada, quando o
homem rural passeia pelas matas sem ser picado por cobra ou atacado por algum animal selvagem e
feroz, todas estas coisas resultam em louvor de gratidão a Deus.
Os atributos de Deus, Seu eterno poder e o Seu Ser são claramente manifestados, percebidos
e conhecidos pelo homem através da divina atuação providencial na história da criação. Por exemplo,
os egípcios e os hebreus conheceram quem é o único Senhor e Soberano de toda a terra e o único
digno para ser adorado no contexto histórico de Êxodo. O faraó havia dito: ‘’Quem é o SENHOR para
que lhe ouça eu a voz e deixe ir a Israel? Não conheço o SENHOR, nem tampouco deixarei ir a Israel’’
(Êx 5:2). O objetivo do surgimento do profeta Moisés e das dez pragas que abateram o Egito era para
anunciar algumas coisas a respeito de Deus, para demonstrar quem Ele é: ‘’Eu, porém, endurecerei o
coração do faraó e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas... Saberão os
egípcios que eu sou o SENHOR, quando estender eu a mão sobre o Egito e tirar do meio deles os
filhos de Israel’’ (Êx 7:3-5). A cada praga que abatia o Egito, Deus endurecia ainda mais o coração do
faraó, o que ocasionava o anúncio de outra catástrofe até chegar à décima praga e, por fim, a
libertação do povo de Israel. Em cada praga, Deus anunciava aos egípcios e aos hebreus o Seu eterno
poder, o domínio sobre toda a criação e a justiça sobre a opressão dos egípcios (Êx 9:27-29). O
resultado da manifestação da ira de Deus não estava restrita àquela geração de hebreus e de egípcios,
em conhecer quem é o único e verdadeiro Deus, os Seus feitos poderosos tinham como alvo que as
gerações posteriores se lembrassem destas maravilhas para sempre: ‘’Vai ter com Faraó, porque lhe
endureci o coração e o coração de seus oficiais, para que eu faça estes meus sinais no meio deles, e
para que contes a teus filhos e aos filhos de teus filhos como zombei dos egípcios e quantos prodígios
fiz no meio deles, e para que saibais que eu sou o SENHOR’’ (Êx 10:1-2). A leitura do Antigo
Testamento deixa claro que um dos motivos para o surgimento de períodos de apostasia na história
de Israel era o esquecimento ou a interpretação errada dos feitos maravilhosos de Deus, por isso os
profetas do Antigo Testamento sempre exortavam a Israel para lembrar-se destas maravilhas e
assim voltarem a serem fieis a Deus. O Salmo 107 demonstra que Deus é bom e misericordioso para
com o Seu povo, especialmente quando Seus filhos clamam pelo Seu nome diante das tribulações e
das adversidades que os acompanham. O Salmo repete quatro vezes em que o povo clama por
misericórdia e por isso Deus atende (Sl 107:6,13,19,28), o que dá a entender que Deus sempre livra
da tribulação e do sofrimento aqueles que clamam pelo Seu nome e se arrependem de seus pecados,
pois afinal ‘’ele é bom, e a sua misericórdia dura para sempre’’ (Sl 107:1). Também por quatro vezes,
após os atos de bondade e de misericórdia do Senhor, o salmista convida o leitor a louvar a Deus por
Suas maravilhas, o salmista deixa claro que o Senhor é digno de ser louvado e adorado por causa de
Suas obras (Sl 107:8,15,21,31). O contexto histórico é a volta do povo de Deus do exílio da Babilônia
para Jerusalém, que ficou 70 anos em cativeiro babilônico por conta da sua infidelidade à Aliança
com Deus, e como esse povo foi guiado e cuidado por Deus até chegar à terra prometida. O Salmo diz
que Deus conduziu este povo de forma segura e pelo caminho certo, atravessando o deserto, até
Jerusalém (Sl 107:4,7), providenciou água e alimentos para acabar com a sede e a fome do povo (Sl
107:5,9), o livramento das cadeias para aqueles que se arrependeram de sua rebeldia contra a
Palavra de Deus (Sl 107:10-16), a cura de doenças mortais para aqueles de uma vida marcada pela
rebeldia contra Deus (Sl 107:17-20), o mar se acalmou para aqueles que chegaram à Israel por meio
de navios (Sl 107:23-30). Por fim, o Salmo conclui dizendo que a misericórdia do Senhor é motivo de
alegria para os justos e de contemplação para os sábios (Sl 107:42-43). No Salmo 145, o salmista
Davi louva e exalta o nome do Senhor por causa da sua insondável e infinita grandeza (Sl 145:3). Esta
infinita grandeza e majestade do Senhor são demonstradas através de Suas obras, de Seus poderosos
feitos e de Suas maravilhas operadas por meio da natureza. Tais obras podem ser contempladas e
meditadas por todas as pessoas, obras divinas que são tão maravilhosas a ponto destas pessoas
anunciarem seus feitos poderosos de geração em geração (Sl 145:4-6). Todas as gerações anunciam
também os feitos poderosos de Deus por causa da Sua justiça, bondade e misericórdia (Sl 145:7). O
salmista diz que o Senhor é tardio para Se irar, dando a entender que espera ou dá muito para o
pecador se arrepender de suas transgressões, ou espera o pecador transgredir deliberadamente até
que encha a ‘’medida da iniquidade’’ para que a justiça de Deus se torne mais claramente manifesta e
pesada, que o pecador se torne indesculpável por suas transgressões e merecedor da sentença de
Deus. Porém, o Senhor atende de prontidão àqueles que verdadeiramente se arrependem de seus
pecados e delitos e clamam pelo Seu nome, concedendo-lhes a Sua misericórdia e bondade (Sl 145:7-
9). Todos os que invocam e temem verdadeiramente pelo Seu nome, Ele atende o clamor com
prontidão, livra Seus filhos das angústias, protege todos que amam Seu nome e com justiça extermina
os ímpios (Sl 145:17-20). O Senhor restaura com Sua graça àqueles que vacilam (Sl 145:14) e
disponibiliza provisão de alimentos para todos os seres viventes (Sl 145:14-15). Quando o apóstolo
Paulo e Barnabé curaram um paralítico em nome de Jesus, houve grande alvoroço na cidade de
Listra, na região de Licaônia, na atual Turquia, os habitantes pensaram que eram deuses em forma de
homens e queriam fazer sacrifícios em homenagem a eles (At 14:8-13). Como os habitantes não
tinham entendimento das Escrituras, sequer conheciam as profecias do AT a respeito de Jesus Cristo,
Paulo e Barnabé utilizaram o mesmo discurso do AT, pregaram o evangelho a partir da revelação
geral. Conforme Paulo, ainda que no passado os povos gentios fossem idólatras, Deus deixou
testemunho acerca de Si mesmo através da providência: ‘’contudo, não se deixou ficar sem
testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo o
vosso coração de alegria’’ (At 14:15-17). O conteúdo do discurso de Paulo aos moradores de Listra é
exatamente o mesmo quando pregou aos habitantes de Atenas, na Acaia, atual Grécia. Na época,
Atenas era um importante centro cultural, intelectual e econômico, cidade que era muito lembrada
pelos grandes filósofos que ali surgiram e pela sua idolatria reinante. Assim, como os habitantes de
Listra, os atenienses não conheciam as Escrituras, o que causou surpresa e curiosidade ao ouvir o
discurso de Paulo, por isso os filósofos levaram o apóstolo para o Areópago (At 17:16-21). Assim
como ocorreu em Listra, Paulo pregou o evangelho baseado na revelação geral, ao dizer que Deus é o
Criador e o Soberano sobre todas as coisas (At 14:22-24). Deus deu testemunho acerca de si mesmo
através da providência ao dar e preservar a vida, ao abençoar a raça humana para se multiplicar e se
espalhar pelo mundo, assim como também estabeleceu os limites territoriais dos povos (At 17:25-
26), ‘’pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos’’ (At 14:28).
Portanto, mesmo entre os povos jamais alcançados pelo evangelho de Deus, há imenso
testemunho acerca de Deus em toda a parte. Em todo o lugar, em toda a criação, ‘’as impressões
digitais divinas’’ estão estampadas, através da observação da natureza qualquer pessoa conclui que
tudo foi obra do Deus Criador. A ideia de que as coisas vieram do nada, ao acaso, de forma aleatória é
tola, fútil e simplista. O modo como se constitui a criação, a sua complexidade, a variedade e a beleza
de corpos celestes, ecossistemas, plantas e animais, a maneira como toda a criação trabalha de um
modo organizado e harmonioso, entre outras coisas, aponta que só pode ter sido criado por Deus.
Além disso, a obviedade e da conclusão de que Deus criou todas as coisas está no fato de que a
criação foi feita para refletir o caráter e a glória de Deus. Segundo, Deus também implantou
conhecimento acerca de Si mesmo no interior de cada homem. Toda a humanidade foi criada à
imagem e à semelhança de Deus, isto quer dizer que o homem reflete de forma limitada alguns
atributos de Deus. Todas as pessoas, sem exceção, possuem o senso de divindade, isto é, todas as
pessoas possuem a consciência de que Deus existe. Todas as pessoas, sem exceção, possuem a
semente da religião, foram criadas originalmente para adorar e prestar culto à Deus. Todas as
pessoas possuem a lei moral de Deus gravada em seus corações, portanto, possuem conhecimento e
discernimento entre o certo e o errado, entre o bem e o mal, estas pessoas agem baseadas nestes
conceitos, o que as fazem reflexos do caráter moral de Deus. Portanto, os padrões morais da
sociedade, de forma imperfeita e limitada, apontam para Deus. Além disso, se estas pessoas olharem
e estudarem a complexa constituição de seu próprio corpo, os trilhões de células que trabalham de
forma engenhosa, harmoniosa e organizada para garantir as funções vitais do corpo, a variedade de
tecidos e órgãos com suas respectivas funções e, por último, a maneira engenhosa e detalhada que
trabalha cada sistema do corpo. Ao se estudar o sistema digestivo, como o alimento entra pela boca e
é digerido e desestruturado pelos órgãos até chegar ao intestino e extrair deste alimento todos os
carboidratos, vitaminas e sais minerais, os quais entram pela corrente sanguínea e, daí serem
distribuídos para todas as células do corpo, entre outros sistemas apreciados para se estudar, o
homem perceberá que seu corpo foi criado por Deus. Portanto, crer em Deus não é uma fé cega, um
suicídio intelectual, uma invenção da religião para responder as perguntas do homem e apaziguar
seus medos e suas aflições. Crer e conhecer o Ser de Deus significam contemplar e tirar a conclusão
correta do farto testemunho de Deus através das Suas obras maravilhosas e feitos poderosos na
natureza, da complexa constituição do corpo humano, de que todo homem por natureza acredita em
alguma divindade e presta culto à ela e da providência divina que preserva a vida das pessoas ao
livrar estas da fome, sede, de uma possível anarquia, caos e desordem na sociedade, de assassinatos,
de roubos, de acidentes de trabalho e de trânsito, de ser atacado por algum animal selvagem e outros
tantos atos graciosos. Para conhecer o Criador e Senhor sobre todas as coisas não é preciso formular
argumentos engenhosos baseados na lógica, pois as Escrituras dizem: contemplem, observem e
estudem as obras de Deus na natureza, seu próprio corpo e as diversas vezes que fora livrado da
morte de forma repentina! Não há como o homem dizer que não conhece ao Senhor, não há como
fugir de Deus, pois Suas obras estão em todo o lugar: ‘’Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para
onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá
estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá haverá de
guiar a tua mão, e a tua destra me susterá’’ (Sl 139:7-10). Ainda que o testemunho acerca do Ser de
Deus e de Seus atributos esteja estampado em todo o lugar, por meio das coisas criadas, no interior
de cada homem e na providência que age na vida de cada pessoa, de uma maneira tão clara e
escancarada, contudo o homem rejeita o conhecimento verdadeiro que recebe do próprio Deus. O
problema não está em não conhecer o Deus que escreveu as Escrituras, pois todos os povos
conhecem verdadeiramente o Senhor, o problema está na rebeldia do homem contra o Criador.
Conforme o apóstolo Paulo: ‘’A ira de Deus se revela do contra toda impiedade e perversão dos
homens que detém a verdade pela injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto
entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim como o seu
eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio
do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas’’ (Rm 1:18-20). Ainda que todo
homem nasça pecador, servo e escravo deste, constituído como inimigo de Deus, recebe de forma
clara o conhecimento acerca de Deus desde o começo da história da criação, voluntariamente rejeita
e sufoca toda a verdade que provém de Deus porque não quer se sujeitar ao único Senhor. De forma
voluntária e deliberada se recusa a entregar sua vida aos cuidados do Criador. Por receber a
mensagem divina de forma clara e disponível para todos os povos do planeta, o homem torna-se
responsável e indesculpável por receber o conhecimento verdadeiro de Deus, como o homem em seu
estado natural sempre se recusa a obedecer ao Criador, merece ser condenado: ‘’Tais homens por
isso são indesculpáveis; porquanto tendo o conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus,
nem lhe deram graças’’ (Rm 1:21). Como no caso dos habitantes de Listra, ainda que Deus tenha dado
farto testemunho acerca de Si mesmo através da providência, abençoando o povo com a chuva e com
a colheita de alimentos, ainda assim os homens preferem continuar rebeldes para com Deus (At
14:16-17). E como no caso dos atenienses, mesmo quando entram em contato com a revelação geral
e recebem o verdadeiro conhecimento de Deus, prontamente os homens se recusam a entregar suas
vidas aos cuidados do Criador (At 17:30-32). Com a recusa impenitente, o homem, ao receber o
conhecimento pela revelação natural de Deus, sufoca e reprime a verdade recebida, em seguida
distorce a mensagem. Ele distorce o conhecimento recebido ao confiar em especulações filosóficas e
científicas, tentar negar que exista algum tipo de divindade ou passa a adorar alguma força da
natureza como se fosse um deus, fabrica seu próprio ídolo e engana a si mesmo ao dizer que a
divindade inexistente o criou e que é o deus verdadeiro (Êx 32:1-6; Sl 115:3-8; Is 42:17, 44:9-20; Jr
10:3-5). O homem faz tudo isso de forma voluntária porque não quer ter comunhão com o
verdadeiro Deus: ‘’se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração
insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível
em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis... pois
eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura no lugar do Criador’’
(Rm 1:21-25). A situação do homem em contato com a revelação geral pode ser demonstrada por
uma ilustração: o homem, apesar de cego, a luz do sol está ao seu redor, ele não consegue enxergar.
Quando fica sabendo que sua cegueira tem cura, prefere não ouvir e até tampa seus ouvidos, se
recusa a ser curado e prefere ficar cego até que ele mesmo descubra sua própria maneira de curar a
cegueira, ele não quer ser ajudado. Assim é o homem que recebe a revelação geral, mas se recusa,
distorce o significado da mensagem e fabrica um ídolo para ser adorado como um deus para resolver
as suas necessidades básicas. O propósito da revelação geral é demonstrar ao homem o Ser de Deus e
que é seu dever obedecer ao Criador, porém, como o homem sempre se recusa, a consequência desta
revelação é a ira de Deus e a condenação do pecador. Além disso, a revelação geral não revela a
pessoa e a obra de Jesus Cristo, não mostra como o homem pode ser salvo e nem o perdão de Deus
em Cristo. Para isso, é necessária a revelação especial através da Bíblia, que é anunciada pela
pregação da Igreja. A primeira conclusão deste longo estudo de como Deus trata dos povos não-
cristãos é que Deus é Justo em condená-los, afinal estes possuem o conhecimento verdadeiro de
Deus, mas preferiram se recusar a adorá-Lo, sufocaram e distorceram este conhecimento, adorando a
criatura no lugar do Criador. Segundo, a pregação do evangelho ainda não alcançou tais povos, é
porque estes merecem ser condenados por rejeitarem a revelação geral. Terceiro, quando os
missionários não são enviados para estes povos isolados, Deus demonstra Sua soberania e Sua graça
por não querer salvá-los, afinal todos são pecadores e a salvação é um ato de graça, não é concedido
por obrigação ou por merecimento, Ele dá a quem quer.
A graça comum na vida dos reprovados: ao contrário do que algumas pessoas pensam, os
eleitos não são apenas visitados com graça e bênção e os reprovados com pecado e punição. Afinal,
ainda que os eleitos já tenham sido chamados para a salvação, ainda pecam, embora sua natureza
regenerada pelo Espírito os leva a se arrepender e continuar praticando a santidade. E os
reprovados, ainda que jamais venham a se arrepender de suas práticas iníquas e que por toda a vida
serão escravos do pecado, contudo, o pecado que os domina não são levados até as últimas
consequências e ainda são fartamente abençoados por meio da providência divina (sol, chuva, abrigo
e alimentos) e com dons e talentos que permitem o desenvolvimento da sociedade nos aspectos
intelectuais, culturais, jurídicos, sociais, etc. Isto é possível porque Deus restringe os efeitos mortais
do pecado para não levar a humanidade se autodestruir até a sua extinção, permitindo a humanidade
conviver com algum tipo de ordem e harmonia e, ainda abençoa toda a humanidade, incluindo eleitos
e reprovados, com os recursos naturais e concedendo dons e talentos que permitem o
desenvolvimento da raça humana. Esta operação do Espírito Santo é chamada de graça comum, pois
as bênçãos naturais são concedidas para todos, é diferente da graça eficaz, em que somente os eleitos
recebem a redenção por meio de Cristo. Desta forma, o conceito e definição teológica de graça
comum são duplos. O primeiro é a operação do Espírito Santo concedida para toda a humanidade, na
qual, sem remover o domínio do pecado no coração humano, Ele restringe os efeitos últimos e
mortais do pecado quando exerce influência sobre o homem por meio da Sua revelação geral ou
especial, evitando o caos e anarquia dominar a sociedade até chegar a sua autodestruição e extinção
e mantendo a ordem e a harmonia na vida social e a promoção da justiça civil para punir os
criminosos e recompensar os bons cidadãos. O segundo conceito é a concessão do Espírito Santo
para toda a humanidade os recursos naturais como a chuva, o sol, abrigo e alimentos e dons e
talentos utilizados para promover o desenvolvimento da sociedade em todos os aspectos e o bem-
estar de cada pessoa. Algumas pessoas não creem que o derramamento de bênçãos sobre toda a
humanidade seja expressões da graça de Deus comum a todos os homens, mas como expressões da
bondade, misericórdia e longanimidade. Tais pessoas esquecem que Deus derrama estas bênçãos
sobre a raça humana pecadora, que possui nenhum direito sobre bênçãos, não as merece. Deus não
poderia ser misericordioso, bondoso ou benevolente sem ser primeiramente gracioso, daí o nome de
graça comum. Embora a graça comum seja distinta da graça eficaz, não são duas espécies de graça, é
apenas uma só graça manifestada sobre duas formas diferentes. Devemos notar as seguintes
diferenças entre a graça eficaz e a comum. A graça eficaz é determinada pelo decreto da eleição, seus
efeitos se estendem apenas aos eleitos; remove a culpa, o domínio e a penalidade do pecado,
regenera e converte o homem para uma vida de santificação; é irresistível no sentido em que
transforma a vontade do homem de tal maneira que o torna desejoso de crer e se arrepender em
Cristo; muda a realidade espiritual do homem, renova completamente a sua natureza pecadora. Já a
graça comum é determinada pelo decreto da criação e se estende para toda a humanidade; não
remove a culpa, o domínio e a penalidade do pecado, apenas restringe os efeitos do pecado ou
ameniza os seus resultados; é resistível, pois a bênção do chamado externo do evangelho sempre é
rejeitado; não muda a realidade espiritual; apenas muda a realidade moral, no sentido de torná-lo
receptivo à verdade por meio da revelação especial e geral, persuasão moral ou pela força do Estado.
Embora a graça comum e a eficaz sejam duas manifestações distintas do favor de Deus, contudo,
assim como existe ao mesmo tempo a distinção e a relação entre a eleição e a reprovação, assim
também as duas diferentes manifestações da graça encontram-se interligadas uma à outra. A graça
comum não existe apenas para atender o propósito do decreto da criação, do mandato cultural, mas
existe principalmente para atender aos propósitos da história da redenção, na execução do plano da
salvação na vida dos eleitos e do desenvolvimento do povo de Deus. Isto é verdade tanto no aspecto
negativo (restrição do pecado) quanto no positivo (concessão de dons e talentos). Quando o apóstolo
Paulo disse que Deus ‘’suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a
perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia’’
(Rm 9:22-23), está querendo dizer que Deus suporta com muita paciência os reprovados e adia sua
execução final e fatal sobre a vida deles, porque os réprobos são usados pelo Senhor para conduzir
ou participar da história da salvação na vida dos eleitos. Embora o réprobo jamais se arrependerá de
seus pecados, porém quando a justiça de Deus é aplicada na sua vida depravada, os eleitos poderão
observar que uma vida marcada pelo pecado leva à ruína e à destruição e enfim se arrependem e
creem em Cristo. Outra verdade anunciada por este trecho é que quando Deus adia a sentença de
morte para o reprovado, isto dá tempo suficiente para o réprobo gerar filhos, que se foram eleitos,
um dia estes irão crer e se arrepender em Cristo Jesus (Gn 4:17, 5:21-25). Isto também é verdade na
vida do eleito, quando Deus adia a morte deste por causa de seus pecados, é para que o eleito tenha
tempo suficiente para crer e se arrepender em Cristo. Outro exemplo é o caso de Ciro, a quem o
Senhor o chamou de ‘’ungido’’ (Is 45:1). Embora Ciro, rei dos persas, tenha sido pagão por toda a sua
vida, este foi levantado pelo Senhor para cumprir o plano da redenção, a saber, libertar os judeus do
cativeiro babilônico e edificar a cidade de Jerusalém (Is 45:1-14), e assim preservar o povo de Deus
da destruição cultural e espiritual nas mãos dos babilônios. Se o Senhor não tivesse capacitado o rei
Ciro com dons na arte da guerra para conquistar a Babilônia e talento para administrar o reino, com
certeza o povo de Deus não teria sobrevivido à opressão. Portanto, tanto o aspecto negativo como o
positivo da graça comum servem aos propósitos do plano da redenção. Quanto ao aspecto negativo,
este consiste na atuação graciosa do Espírito Santo em restringir ou suavizar a ação, efeito e
resultado do pecado na vida dos réprobos e dos eleitos ainda não regenerados. Em Sua atuação
graciosa, Deus não permite que o pecado atinja seus últimos estágios principalmente para preservar
a humanidade de se autodestruir, caso contrário não haveria salvação para os eleitos. Ou seja, o
pecador nunca é tão mal quanto poderia ser, isto é, não lhe é permitido que o ímpio desenvolva todo
o potencial de sua natureza corrupta. Se o reprovado não desenvolve todo o potencial para cumprir o
catálogo de pecados listado pelo apóstolo Paulo (Rm 1:28-31, 3:9-18), é porque Deus restringe a ação
da natureza depravada do pecador. Além disso, ao restringir a ação do pecado e adiar a sentença de
morte do reprovado, prolongando a vida do pecador, no dia em que chegar o juízo, a justiça de Deus
se tornará cada vez mais pesada na vida deste reprovado, o qual se tornará cada vez mais
indesculpável, pois no tempo oportuno não se arrependeu de seus pecados. Que Deus restringe a
ação pecaminosa e adia Sua sentença de morte, isto pode ser provado pelos seguintes trechos: Gn
20:3-7, 31:4-7; Is 48:1-12; Jr 7:23-29; Lc 13:6-9; Rm 2:4-6; 2Pe 3:1-9. A restrição do pecado e o
adiamento desta sentença podem ser provados pelo exemplo de Adão e Eva, mesmo conscientes da
sentença de morte em caso de desobediência (Gn 2:15-17), pecaram, mas não morreram
instantaneamente, pelo contrário, viveram por muitos anos e geraram a Sete (Gn 4:25), que de sua
linhagem veio o nascimento do Redentor. O mesmo se pode dizer da preservação do povo de Deus no
Egito, que mesmo sob intensa opressão e escravidão, não foi extinto pela impiedade dos egípcios (Êx
1:8-12), quando o povo de Deus foi preservado da destruição durante o cativeiro babilônico e nos
tempos da perseguição romana. Graças ao adiamento desta sentença e da restrição do pecado é que
os assírios que habitaram a cidade de Nínive tiveram tempo suficiente para se arrependerem antes
da aplicação da sentença divina da destruição (Jn 3:4-10). Quando Deus não restringe as ações do
pecado e o homem é deixado à própria sorte, livre para seguir o caminho da impiedade até as últimas
consequências, o resultado é catastrófico (Sl 81:10-12, Rm 1:24-32, como no caso do Dilúvio, em que
a humanidade foi deixada à própria sorte e sua depravação sem limites ocasionou a sua destruição,
exceto a família de Noé (Gn 6:11-13,17-18). O mesmo ocorreu com as cidades de Sodoma e Gomorra,
a corrupção sem limites ocasionou a destruição destas cidades, somente a família de Ló foi
preservada da destruição (Gn 18:20, 19:15-29). Quando o homem está livre para desenvolver o
potencial de sua natureza corrupta, ocorre como no caso de Saul, em que o Espírito de Deus deixa de
operar a restrição e um espírito maligno passa a lhe atormentar (1Sm 16:14), passando a perseguir
Davi (1Sm 18:11, 19:1,10,11), praticou pecado de adivinhação (1Sm 28:5-8) e se suicidou quando
perdeu a batalha para os filisteus (1Sm 31:1-4). O que teria acontecido com a humanidade, se Deus
não tivesse limitado os efeitos mortais da Primeira e Segunda Guerra Mundial? O que teria
acontecido com a humanidade, se Deus tivesse permitido estourar uma guerra nuclear na crise dos
mísseis de Cuba, durante o período da guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética? Deus
reprime os efeitos do pecado e adia a Sua sentença de morte para os reprovados e os eleitos ainda
não regenerados através da revelação geral e especial, pela força do Estado, pressão da opinião
pública e juízo divino. Pela revelação geral, a graça comum opera através do conhecimento de Deus
implantado no interior do homem, através do senso de moralidade, em que a consciência humana faz
o discernimento entre o que é certo e o que é errado, ora aliviando a pessoa quando faz o que é certo,
ora acusando a pessoa quando faz o que é errado (Rm 2:14-16). Este senso fica ainda mais aguçado
quando a pessoa observa as obras de Deus por meio da natureza e quando entra em contato com a
pregação do evangelho, pelo chamado externo do Espírito Santo (1Co 7:14). Pela força policial ou
militar do Estado e da aplicação da justiça civil, a Bíblia diz que o governo civil é ordenado pelo
Senhor como ‘’ministro de Deus’’ para manter a ordem na sociedade. Por meio da força do Estado, o
Senhor aplica punição os criminosos e recompensa os bons cidadãos. Resistir às autoridades significa
também se rebelar contra Deus (Rm 13:1-7). Quando uma sociedade é fortemente influenciada pela
revelação especial, pelos princípios cristãos, agindo pela consciência, a opinião pública é uma forte
aliada para reprimir desde a má conduta moral do cidadão, até a prática de crimes mais horríveis e
repugnantes. E, por último, através da ação providencial de Deus, ora punindo os pecados dos
homens com doenças, acidentes de trânsito e de trabalho, terremotos, furacões; ora outorgando
bênçãos imerecidas para o homem como a chuva, o sol, o alimento, a promoção de trabalho, o
progresso da tecnologia, a descoberta de cura para doenças. Assim, os homens temem a justiça divina
e praticam o que é certo porque isso atende melhor seus interesses. Quanto ao aspecto positivo, este
consiste na atuação graciosa do Espírito Santo em derramar incontáveis e inúmeras bênçãos sobre
toda a humanidade. Desta forma, os reprovados, apesar de que jamais deixarão de serem inimigos de
Deus e que por isso não merecem qualquer favor divino, ainda assim são abençoados fartamente
todos os dias. Tanto os eleitos, como os reprovados são alvos das incontáveis dádivas do Criador,
tanto os bons, como os maus o Senhor despeja sobre eles as bênçãos de forma indiscriminada (Sl
145:7-16, Mt 5:44-45, Lc 6:35-36, At 14:8-17, Rm 2:4). A Bíblia diz: ‘’porque ele faz nascer o sol sobre
maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos’’ (Mt 5:45), ‘’Pois ele é benigno até para com os
ingratos e maus’’ (Lc 6:35). Quando observamos o mundo, percebemos que os reprovados recebem
mais bênçãos terrenas que os eleitos. Portanto, a tese popular no meio cristão de que somente os
eleitos recebem as bênçãos terrenas é insustentável. Por receberem inúmeras dádivas do Criador, os
reprovados tornam-se ainda mais indesculpáveis diante de Deus, a justa punição de morte eterna por
causa de seus pecados é mais pesada e mais claramente manifestada, visto que apesar de Deus agir
com bondade e misericórdia, ainda assim os réprobos se recusam a entregarem e confiarem suas
vidas no Senhor (Rm 2:1-5). Além disso, ao receberem as bênçãos, os réprobos não reconhecem
como dom de Deus e nem o glorificam, mas creem que tal dom veio de si mesmo, vangloriam a si
mesmos e as sua intenções são utilizar os dons em benefício apenas de si próprios. Apesar disso,
estas dádivas que os réprobos recebem possuem relação com a história da redenção. Muitos
reprovados são abençoados por causa dos eleitos, Deus abençoa os reprovados por amor aos eleitos,
as bênçãos que atingem os reprovados tem efeito nos eleitos, ou porque as bênçãos dos reprovados
conduzem os eleitos à salvação ou apenas fazem parte da história da salvação dos eleitos. Por
exemplo, Ismael, filho de Abraão e que não era herdeiro da promessa do pacto da graça, por amor à
Abraão o Senhor prometeu abençoar Ismael, em que a sua descendência seria uma grande nação (Gn
17:18-21). Por amor à José e porque fazia parte do plano da salvação em preservar o povo de Deus
no Egito, Deus abençoou o capitão da guarda, Potifar (Gn 39:1-5), faraó e toda a terra do Egito (Gn
41:38-49). O rei da Babilônia, Nabucodonosor, teve uma excelente administração sobre seu império
porque Deus concedeu inteligência e sabedoria a Daniel e seus três amigos (Dn 1:17-21, 2:47-49).
Mais uma evidência de que Deus abençoa a vida dos réprobos por causa da história da redenção dos
eleitos é o gênio militar de Alexandre da Macedônia, de Júlio César e das legiões romanas. Por meio
das conquistas militares de Alexandre, o idioma, a ciência e a cultura grega se espalharam e se
tornaram dominantes por todo o Oriente em menos de vinte anos. Esta influência foi tão forte que o
idioma grego predominou na Europa e no Oriente Médio até a queda de Roma, em 476 d.C. Graças ao
sucesso militar das legiões romanas, as regiões da Europa Ocidental, do norte da África e do Oriente
Médio estavam submetidas ao poder de Roma. Para manter a unidade e a coesão territorial do
imenso império e garantir a rápida locomoção das tropas em caso de repelir alguma revolta, foi
construído um vasto sistema de estradas. Assim, o mundo ocidental tinha a língua grega como idioma
predominante e as inúmeras estradas garantiam a rápida locomoção de tropas e mercadorias. Por
causa disso, a pregação do evangelho atingiu todas as regiões do Império Romano em muito pouco
tempo, em menos de cem anos, resultando em conversão de muitas pessoas em pouquíssimo tempo.
Além das inúmeras bênçãos naturais, o Senhor também concede tanto para os eleitos, como para os
reprovados a vocação para realizar o trabalho e dons e talentos para fazerem coisas extraordinárias
que beneficiarão a humanidade. Por exemplo, na descendência ímpia de Caim, Jabal foi o primeiro a
praticar a criar gado, seu irmão Jubal inventou a música e Tubalcaim criou os primeiros
instrumentos de guerra (Gn 4:17-22). Bezalel e Aoliabe conseguiram construir o tabernáculo, seus
instrumentos e a Arca da Aliança, com perfeição, porque o Espírito Santo os encheu de ‘’habilidade,
de inteligência e de conhecimento, em todo artifício, para elaborar desenhos e trabalhar em ouro,
prata, em bronze, para lapidação de pedras de engaste, para entalho de madeira, para toda sorte de
lavores’’ (Êx 31:1-10, 35:30-35). Também está registrado na Bíblia que o Senhor concedeu gênio
militar para alguns homens vencerem as batalhas contra os gentios e livrarem o povo de Deus da
opressão: Josué (Js 1:1-6), Gideão (Jz 6:33-35,19-23), Jefté (Jz 11:29), Sansão (Jz 15:14-15), Davi
(1Sm 18:25-29). E, por último, também foi o Senhor quem capacitou e deu habilidades para que
Zorobabel construísse o Templo de Jerusalém após voltar do exílio da Babilônia (Zc 4:6-10).
Portanto, é Deus quem concede dons e talentos e capacita muitos homens, tanto eleitos como
reprovados, para desenvolver a filosofia, a matemática, a física, a química, a tecnologia, a medicina, a
astronomia, a música, a literatura, a pintura e escultura, a arquitetura, o comércio, a criação de leis
para garantir uma sociedade mais justa, etc. Embora as bênçãos espirituais estejam reservadas
exclusivamente aos eleitos, o mesmo não se pode dizer das bênçãos terrenas, as quais estão
disponíveis para todos. Ora, porque Deus ama os Seus escolhidos, quantos eleitos têm sido
abençoados por causa dos dons e talentos administrados pelos réprobos? Assim como no caso da
importância de Ciro para a libertação dos judeus, qual cristão irá recusar uma operação cirúrgica ao
saber que o médico é pagão? Qual cristão irá recusar um medicamento ou uma vacina ao saber que
foram inventados por homens ímpios? Por acaso os pais cristãos proibirão seus filhos de estudarem
em escolas de excelência acadêmica por que os professores não professam a fé cristã? Por acaso os
cristãos não poderão ler livros de todas as áreas do saber humano e ver filmes de ótima qualidade
por que a maioria dos intelectuais e artistas não é crente? Os crentes não poderão apreciar uma bela
orquestra sinfônica por que os integrantes desta são incrédulos? Os crentes não poderão usufruir do
conforto e de bom padrão de vida por que o progresso da ciência e da tecnologia é estimulado por
ímpios? Os crentes estão proibidos de trabalhar em locais onde o patrão não é cristão? Se o crente
está no meio de um processo jurídico, não poderá pedir auxílio de um advogado especializado na
causa por ser incrédulo? Ao se encontrar em uma situação de risco de perda de vida, qual cristão irá
recusar ajuda de algum incrédulo? Portanto, aqui está refutado o dualismo. Em último lugar, toda vez
que os reprovados produzem algo bom, isto não provém deles mesmos, nem mesmo as intenções.
Embora um reprovado faça algo bom como um reflexo da imagem de Deus que está nele, contudo,
esta mesma imagem pós-Queda está corrompida. Toda vez que um réprobo faz algo bom, a sua
intenção é naturalmente má, ou é para atender seus interesses egoístas, ou para prejudicar o
próximo. Portanto, sem a graça comum de Deus, o homem só consegue utilizar suas capacidades
naturais apenas para o mal. Porém, como todo dom e talento provêm e é concedido por Deus, o
Senhor administra estes dons naturais concedidos ao homem para cumprir Seus propósitos,
especialmente no que se refere ao plano histórico da redenção na vida dos eleitos. E por último,
quando os reprovados produzem algo bom, isto não provém deles mesmos, nem mesmo as
intenções. Embora um reprovado faça algo bom como um reflexo da imagem de Deus que está nele,
contudo, esta mesma imagem pós-Queda está corrompida. Toda vez que um réprobo faz algo bom, a
sua intenção é naturalmente má, ou é para atender seus interesses egoístas, ou para prejudicar o
próximo. Portanto, sem a graça comum de Deus, o homem só consegue utilizar suas capacidades
naturais apenas para o mal. Porém, como todo dom e talento provêm e é concedido por Deus, o
Senhor administra estes dons naturais concedidos ao homem para cumprir Seus propósitos,
especialmente no que se refere ao plano histórico da redenção na vida dos eleitos. Isto se aplica no
caso das guerras de conquistas militares gregas e romanas. Enquanto os gregos, por meio de
Alexandre Magno, difundiram o idioma, a ciência e a cultura grega pelo Oriente, os romanos
construíram estradas em suas regiões dominadas, ambos os povos não fizeram isto por amor ao
próximo ou para glorificar a Deus, mas para atender seus próprios interesses. Porém, o Senhor
administrou a genialidade dos dois povos para o evangelho se espalhar por toda a parte com muita
rapidez.
Deus não tem prazer na morte do ímpio: enquanto a eleição é citada na Bíblia como
motivo de louvor, regozijo e alegria, em que Deus é o autor da salvação de Seus amados, o mesmo
não ocorre com os réprobos. É equivocado afirmar que Deus teve tanto prazer em escolher uns para
a salvação e outros para a perdição. Enquanto que Deus é o responsável pela salvação dos eleitos, o
mesmo não se pode dizer sobre a condenação dos réprobos, em que a Bíblia afirma o homem e os
anjos maus como os verdadeiros responsáveis. A Palavra de Deus diz: ‘’Tão certo como eu vivo, diz o
SENHOR Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu
caminho e viva’’ (Ez 33:11). Neste versículo não há contradição, pois ao ler o contexto do capítulo de
Ezequiel, o Senhor constituiu o profeta Ezequiel como atalaia do povo, para advertir Israel sobre seus
pecados. Esta se refere à Israel, o povo escolhido do Senhor, que na época que não procedia
retamente, segundo a Palavra do Senhor. Além disso, em conjunto com outros versículos da Bíblia,
percebe-se que a fé e o arrependimento vêm de Deus, não do homem, todos aqueles que Deus deu
este dom se achegam à Deus, o direito de conceder misericórdia e perdão de pecados é do Senhor,
que concede para quem Ele quer. O apóstolo Paulo escreveu aos romanos que nem todos os que
descenderam de Abraão e de Jacó são de fato considerados como os que pertencem exclusivamente a
Deus, mas os filhos da promessa, em que Deus é que faz a distinção entre os filhos da carne e os da
promessa (Rm 9:6-13). Mas, mesmo ao saber que nem todos os descendentes da carne seriam de fato
eleitos por Deus, Paulo se entristeceu pela situação dos israelitas: ‘’tenho grande tristeza e incessante
dor no coração; porque eu mesmo desejaria ser anátema, separado de Cristo, por amor de meus
irmãos, meus compatriotas, segundo a carne. São israelitas’’ (Rm 9:1-5). A tristeza de Paulo se
resume no fato em que os israelitas receberam a Aliança de Deus, a lei, os profetas e o Cristo, mas
mesmo assim os que não pertencem a Deus permaneceram incrédulos. Como já foi estudado
anteriormente, embora os réprobos jamais farão parte do reino de Deus, enquanto vivem aqui na
terra recebem de Deus, inúmeros dons e talentos e a provisão por meio da chuva, comida, abrigo (Mt
5:45; At 14:17; 17:27; Rm 1:19; Tg 1:17). É verdade que Deus prolonga a sentença final do ímpio,
adiando a sua morte, deixando-o viver em pecado por muito tempo para torná-lo indesculpável
diante do julgamento de Deus e para que os eleitos sejam salvos no devido tempo (Rm 9:22-23).
Ainda assim, Deus demonstra ter longa paciência com o ímpio, deixando-o viver por muito tempo
antes de dar o julgamento final. Assim como o propósito que o Senhor tem na pregação do evangelho
aos ímpios é torná-los ainda mais indesculpáveis e endurecê-los por causa da rejeição da chamada,
também é verdade que o Senhor quer tornar mais conhecido o Seu Ser e Seus atributos ao homem. O
Senhor fez esta distinção entre eleitos e réprobos na eternidade passada, porque o fato de exercer
misericórdia sobre uns e justiça sobre outros, irá trazer mais honra e glória ao Seu nome do que
somente exercer misericórdia ou justiça. Nos eleitos, Deus é louvado e glorificado pela misericórdia,
pelo favor divino imerecido, pela Sua Bondade e pelo Seu amor. Nos réprobos, Deus é glorificado por
ser Justo e Santo, por punir o pecado, aborrecer da injustiça, da maldade e garantir que nenhum
pecador pode afrontar a Deus com o seu pecado sem que haja retribuição justa, uma penalidade, uma
sentença. É quando Deus pune o pecador é que o Seu caráter santo é considerado mais seriamente
pelos eleitos, Deus demonstra Seu grande poder e faz Seu nome terrível e temível para todas as
nações quando decide punir os pecadores. O mesmo ocorre com o decreto da entrada do pecado.
Deus não é o autor do mal, não criou o mal e não coloca impiedade ou incredulidade no coração dos
homens, mas decretou a certeza da entrada do pecado no mundo. Como pode um Deus Santo e Justo,
que não pode contemplar o pecado sem desejar a punição, que preza pelo cumprimento da Sua lei
para os moradores da terra, que não aceita a rebeldia, ter decretado a entrada do pecada do pecado?
O pecado em si não é bom, pois é a distorção da vontade e do caráter moral de Deus. Porém, até
mesmo para o pecado há propósitos divinos, que acabam promovendo a honra e a glória ao nome de
Deus. Embora o pecado é mal em si mesmo, quando é usado para cumprimento dos propósitos
divinos, seu resultado é bom, porque ao ser vencido, subjugado e reprimido pela onipotência de
Deus, manifesta a grandeza, o poder e a justiça de Deus. A soberania de Deus é mais claramente
manifestada quando Deus manobra o mal para se transformar em bem (Gn 50:20), quando manobra
o pecado para manifestar a glória da graça e misericórdia de Deus na salvação da Igreja (Rm 5:6-11,
5:15-21, 8:28; Ef 2:4-7), quando transforma o resultado do pecado para glorificar à Cristo (1Co
15:24-25, Ef 1:21-22, Fp 2:9-11, Cl 1:13-16) e o nome de Deus (Sl 51:4, Pv 16:4, Jo 9:1-3, Rm 9:17,22-
23, 1Co 15:28).
O propósito da reprovação é para punição dos pecados: ainda que o homem tenha se
corrompido na Queda por meio de seu representante federal, Adão, contudo, Deus não
mudou e jamais muda, Ele continua a ser o que é, perfeitamente Santo e Justo. O pecado é
basicamente a falta ou falha em cumprir os requisitos da lei de Deus, a falta de conformidade
à lei divina, violar ou transgredir a lei do Senhor. O Breve Catecismo de Westminster define o
que é pecado: ‘’Pecado é qualquer falta de conformidade à Lei de Deus, ou qualquer
transgressão desta lei’’. As Escrituras definem o pecado como transgressão da Lei (1Jo 3:5) e
injustiça (1Jo 5:17). O pecado consiste tanto em violar ou transgredir o que Deus não
permite em Sua lei, em sentido positivo, romper ou ultrapassar limites que Deus impôs na
Sua Palavra; como também em não cumprir o que Deus ordenou, falhar em cumprir ou não
praticar o que Deus ordenou, omissão, em sentido negativo. Por exemplo, mandamentos
como ‘’Não tomarás em vão o nome do Senhor’’ (Êx 20:7), ‘’Não matarás’’ (Êx 20:13), ‘’Não
furtarás’’ (Êx 20:17), são ordenanças negativas, dizendo que o homem não deve fazer,
impondo limites ao homem. Violar estes mandamentos consiste no aspecto positivo do
pecado. Exemplos: ‘’Honra teu pai e tua mãe’’ (Êx 20:12), ‘’Amarás, pois, o Senhor, teu Deus’’
(Mc 15:30), ‘’Amem-se uns aos outros’’ (Jo 13:34). Estes mandamentos são ordenanças
positivas, dizendo que o homem deve fazer. Deixar de fazer algo que o Senhor ordenou
resulta no aspecto negativo do pecado. Nos dois aspectos, o pecado significa se opor aos
mandamentos de Deus, se rebelar contra o que Ele determinou na Sua lei, ofender Seu
caráter santo, é uma afronta a Sua autoridade. Ainda que a humanidade tenha perdido sua
retidão original, Deus continua sendo perfeito e eternamente Santo e Justo. Como foi criada
para refletir o caráter moral divino, Deus continua exigindo de Suas criaturas a perfeição
moral. A falha em obedecer perfeitamente a lei consiste em punição, atrai a ira divina, Deus
precisa aplicar a justiça no pecador para satisfazer as exigências da Sua lei, a saber, a morte
eterna, sofrimento eterno no inferno. A Bíblia relata que quando Adão pecou, estava
consciente que a sua desobediência seria castigada com a morte, como as Escrituras também
relatam que o salário do pecado é a morte, o pecado faz separação entre Deus e os homens e
que uma única falha em cumprir a lei torna o homem responsável por quebrar toda a lei.
Como toda a humanidade pecou, a raça humana merecia receber a ira de Deus e ser
condenada eternamente ao inferno. Porém, na eternidade, antes da Queda ocorrer, Deus já
tinha decretado Seus propósitos. Na eternidade, decidiu escolher parte da humanidade para
salvar, redimiu Seus eleitos e os livrou da punição da morte eterna por meio da morte
substitutiva de Jesus Cristo, que cumpriu perfeitamente a lei em lugar dos escolhidos. Aos
demais, Deus decidiu não redimir, não aplicar os efeitos da redenção em Cristo, não livrá-los
da morte eterna, mas determinou punir os pecados dos réprobos. Deus poderia ter escolhido
punir toda a humanidade pecadora, como também poderia ter escolhido redimir toda a
humanidade e livrá-la dos efeitos do pecado e da morte eterna. Mas, Deus não quis
demonstrar somente ira, como também não quis demonstrar apenas misericórdia. Deus
deseja que toda a raça humana conheça a totalidade do Seu Ser, deseja manifestar a
totalidade dos Seus atributos para que Seu nome seja glorificado. O Senhor decidiu ser mais
sábio, cujo propósito é maior que somente salvar ou condenar e que trará mais glória ao Seu
nome, quando escolheu uns para exercer misericórdia e outros a justiça. Quando Deus
escolheu uns para exercer justiça, Ele demonstra a seriedade da desobediência da lei, que
isso ofende Sua santidade, atrai a justiça divina, que é uma afronta à Sua autoridade, que
odeia infinitamente o pecado e o quanto deseja puni-lo. Quando Deus escolheu alguns para
exercer justiça, o Senhor demonstra o quanto Ele zela pela honra e santidade do Seu nome,
que nenhum pecador pode afrontar o Seu nome sem receber punição. Desta forma, Deus
demonstra que é a Autoridade Suprema, que nenhum pecador pode desobedecê-Lo e ficar
ileso, sem receber punição. Quando o Senhor zela pela honra do Seu nome, quando aplica a
justiça, demonstra o Seu poder, demonstra que nenhuma criatura é mais poderosa que o
Criador. Quando o Senhor aplica a justiça, Ele demonstra que deseja atender as exigências da
Sua lei, que honra pela Sua santidade e satisfazer a Sua justiça. Se Deus aplicasse apenas
justiça, o homem não conheceria o amor, a misericórdia, a compaixão, a graça. Da mesma
forma, se Deus aplicasse apenas misericórdia, o homem não conheceria a justiça, a seriedade
em andar em retidão na Palavra, a seriedade da punição em caso de desobediência, não teria
noção da importância de zelar pelo nome do Senhor, não teria noção da autoridade do poder
de Deus. Quando Deus decidiu demonstrar a totalidade de Seus atributos, o homem conhece
melhor quem Ele é, e o Seu nome é duplamente honrado e glorificado na justiça e na
misericórdia, do que somente justiça ou misericórdia. Este foi o caso da humanidade na
época do dilúvio, em que era muitíssima má, corrupta, depravada e ímpia. Deus poderia ter
concedido misericórdia àquela humanidade, poderia tê-la redimido, mas escolheu
demonstrar Sua justiça ao punir com a morte através das águas do dilúvio, por causa do alto
grau de impiedade e corrupção moral que dominou a raça humana, não havia um justo
sequer, exceto Noé e sua família (Gn 6:11-18). Como também é o mesmo caso das cidades de
Sodoma e Gomorra, cuja depravação e corrupção moral estava tão grande, que não sobrou
um justo sequer, Deus determinou exterminar os habitantes destas cidades por meio de
pedras de fogo e enxofre (Gn 19:23-25). O mesmo aconteceu com Herodes, que após realizar
um acordo de reconciliação com os habitantes de Tiro e Sidom, não deu glória a Deus pelo
sucesso. Por dar glória a si mesmo e não a Deus, o Senhor tirou a vida de Herodes como
punição, este foi comido por vermes. Outro exemplo que demonstra que o Senhor tem
propósitos maiores e mais sábios que salvar literalmente todos os homens é o caso de Faraó.
A Escritura registra que Deus endureceu o coração do Faraó (Êx 7:3-5), portanto não quis
salvá-lo, mas quis fazer dele outro propósito. O propósito de Deus sobre Faraó e seu povo
era de julgamento por causa da opressão sobre os filhos de Israel e da idolatria
predominante no Egito. Cada sentença de justiça que o Senhor executou nas dez pragas,
Deus manifestou o Seu poder, mostrou aos egípcios que somente Ele é o Deus verdadeiro e
que não há nenhum outro como Ele (Êx 7:3-5). A repercussão por causa dos sinais da ira de
Deus sobre Egito foi muito grande, de tal forma que a notícia se espalhou para os povos do
Oriente Médio (Êx 9:14-16). É isto que a Escritura diz a respeito do propósito que tinha com
Faraó: ‘’Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o
meu poder e para que o meu nome seja anunciado por toda a terra’’ (Rm 9:14-18). Ao invés
de converter o coração de Faraó, preferiu endurecer o coração para mostrar o Seu poder, a
Sua grandeza e majestade, para declarar que não há nenhum outro como Ele e espalhar a
fama de seu julgamento sobre o Egito para toda a terra. Desta forma, os hebreus viram o
quão poderoso é Deus, os egípcios perceberam que só Ele é o único Deus verdadeiro e a fama
das dez pragas se espalhou pelo mundo. Desta forma, ao poupar os hebreus da ira e julgar os
egípcios, mostrando Seu poder, isso lhe trouxe muito mais honra e glória do que salvar o
mundo inteiro. Portanto, o propósito de Deus sobre os réprobos é muito maior, mais sábio e
traz mais honra e glória ao Seu nome do que salvar o mundo inteiro. O exemplo de Faraó
também serve para mostrar a misericórdia aos eleitos por serem poupados da ira, não serem
contados entre os reprovados, e também demonstra a seriedade do caráter santo e justo de
Deus, que é coisa horrenda cair nas mãos de Deus. Quando os eleitos observam a justiça
sendo cumprida sobre os réprobos, temem e honram ainda mais ao Senhor, se tornam mais
humildes diante de Deus por não receberem a justiça de Deus;
O propósito da reprovação é para utilizar os ímpios na edificação espiritual dos
eleitos: outro propósito que o Senhor colocou aos reprovados é para o bem daqueles que
amam a Deus (Rm 8:28). O Senhor utiliza os réprobos em prol dos eleitos, para o bem deles,
daí os réprobos são utilizados de diversas formas por amor aos eleitos. O primeiro motivo, é
que Deus utiliza os réprobos para perseguir e infligir sofrimento nos cristãos. Como já foi
explicado anteriormente, Deus não é o autor do mal, nem mesmo coloca maldade no coração
dos ímpios. Esta maldade já está contida no interior dos ímpios, que é a verdadeira origem,
Deus apenas administra esta maldade para cumprir Seus propósitos. No caso dos eleitos,
quando estes caem em tentações, pecam continuamente e começam a se desviar do caminho,
o Senhor utiliza os réprobos para causar danos materiais e físicos para que os eleitos se
voltem para Deus. Como sabemos, um eleito jamais se perderá do caminho do Senhor,
sempre continuará firme e fiel na promessa da redenção consumada, ou seja, é impossível o
eleito perder a salvação. Porém, tal perseverança do eleito não vem dele mesmo, mas de
Deus, que através do Espírito Santo o incentiva a ter contínua comunhão com Deus, servir,
honrar e temer Seu nome todos os dias. Embora o eleito depois de convertido, deixa de ser
servo do pecado, contudo, ainda é pecador, luta contra a carne todos os dias, algumas vezes o
eleito pode cair em terríveis pecados. Quando o eleito começa a se perder, a se afastar da
comunhão de Deus, o Senhor utiliza todos os meios possíveis para fazer o eleito se voltar
para Deus, os réprobos são os melhores instrumentos para este fim. Isto é evidente no
período de Juízes, em que os filhos de Israel, repetidamente, ‘’fizeram o que era mal perante
o SENHOR e se esqueceram do SENHOR, seu Deus’’ e ainda adoravam ídolos das nações
pagãs (Jz 3:7,12, 4:1, 6:1, 8:33-35, 10:6, 13:1). Isto suscitava a ira de Deus, que entregava Seu
povo para o domínio opressivo dos mesopotâmios, edomitas, cananeus, midianitas, filisteus
e amonitas. Diante da opressão, os filhos de Israel clamavam a Deus, se arrependiam de seus
pecados e voltavam a ser fieis na Aliança. Daí, o Senhor enviou os juízes, título para líderes
militares hebreus daquela época, para libertar o povo da opressão dos gentios: Otniel, Eúde,
Sangar, Débora, Gideão, Tola, Jair, Jefté e Sansão. Quando os eleitos cometem terríveis
pecados, de modo que desonre o nome do Senhor e que leva os ímpios a blasfemarem de
Deus, o Senhor utiliza os réprobos como instrumentos de justiça, para disciplinar os filhos de
Deus com mão forte, vara de ferro, para dar dura repreensão e os fazerem sofrer duramente.
Ora, os eleitos, por temerem o Senhor não podem dar dura repreensão, mas os réprobos é
que são os instrumentos adequados nas mãos de Deus, pois não há limites para sua maldade,
assim sua maldade é administrada para disciplinar duramente os filhos de Deus. Este é o
caso do rei Davi, que após cometer adultério com Bate-Seba e tramar um plano para Urias
morrer em batalha, o profeta Natã repreende o rei e pronuncia a sentença do Senhor contra
o pecado de Davi (2Sm 12:9-15). A consequência do pecado de Davi atingiu sua família, que
ficou extremamente abalada após o incesto de Amnom com sua irmã Tamar (2Sm 13:10-14),
o assassinato de Absalão contra Amnom por causa do incesto (2Sm 13:32-33), a revolta de
Absalão contra o trono de Davi (2Sm 15:7-18, 18:6-8) e a trama de Seba contra Davi (2Sm
20:1-2, 20:14-22). Tudo isto aconteceu por consequência do pecado de Davi, inclusive o rei
reconheceu que todas estas coisas vinham do Senhor por causa de seu pecado (2Sm 16:5-
13). Este também é o caso da nação de Judá, que repetidamente pecava contra o Senhor
porque era infiel ao Senhor, principalmente no que diz respeito à idolatria, opressão dos
mais fracos da sociedade, por não respeitar o ano sabático da terra e outras infidelidades
que o povo cometia contra a Aliança de Deus. Em consequência da infidelidade da nação à
Aliança, Deus levantou os caldeus como instrumento de justiça, para disciplinar duramente
os judeus. Observem a descrição de Deus sobre os caldeus: ‘’Pois eis que suscito os caldeus,
nação amarga e impetuosa, que marcham pela largura da terra, para apoderar-se das
moradas que não são suas. Eles são pavorosos e terríveis, e criam eles mesmos o seu direito
e a sua dignidade... Eles todos vêm para fazer violência; o seu rosto suspira por seguir
avante; eles reúnem os cativos como areia’’ (Hc 1:5-11). Como sabemos, os caldeus, sob o
comando de Nabucodonosor, destruíram a cidade de Jerusalém, levaram os judeus cativos
para a Babilônia, cidade em que ficaram por 70 anos. O terceiro motivo que Deus utiliza os
réprobos em prol dos eleitos é para a promoção da santificação, do abandono progressivo do
pecado e aumentar a fé destes em Cristo Jesus. Deus utiliza a maldade dos réprobos para
causar sofrimento nos eleitos. É meio ao sofrimento que os cristãos oram, buscam a
comunhão com Deus, depositam mais confiança n’Ele, praticam evangelização nas ruas e
missões, buscam a santificação e o abandono do pecado como nunca fizeram antes. O
sofrimento e a perseguição são maus em si mesmos, mas os seus resultados nos cristãos é a
edificação espiritual (Rm 5:3-5). Os réprobos são os melhores instrumentos para causar
sofrimento e perseguição aos cristãos. Foi por meio da perseguição dos judeus, que a Igreja
deixou de estar encerrada em Jerusalém e começou a se espalhar pelo mundo, a começar por
Samaria (At 8:1-7). O apóstolo Paulo reconheceu que a perseguição dos ímpios promoveu a
fidelidade dos tessalonicenses à Palavra (1Ts 2:13-16, 2Ts 1:3-8), de tal maneira que Paulo
elogiou a atitude destes cristãos para outras igrejas: ‘’a tal ponto de nós mesmos nos
gloriarmos de vós nas igrejas de Deus, à vista da vossa constância e fé, em todas as vossas
perseguições e nas tribulações que suportais, sinal evidente do reto juízo de Deus, para que
sejais considerados dignos do reino de Deus, pelo qual, com efeito, estais sofrendo’’ (2Ts 1:3-
5). E, por último, o propósito que Deus tem na vida dos reprovados é para mostrar o Seu
amor e Sua misericórdia aos eleitos. Quando Deus demonstra a misericórdia apenas para os
eleitos é que o amor divino se torna especial. Se Deus manifestasse amor e misericórdia para
todos, não teria grande valor, pois é comum à todos, talvez esse amor divino seria
banalizado. Mas, quando Deus demonstra misericórdia apenas para os Seus amados, o amor
divino torna-se especial e valorizado por Seus filhos. Foi assim que aconteceu com os
egípcios e os israelenses, O Senhor fez distinção entre os dois grupos, em que os primeiros
sofreram com a ira de Deus manifestada em dez pragas por causa da teimosia do Faraó, e os
segundos foram poupados da ira divina (Êx 9:4-6, 9:26, 10:22-23, 11:6-7, 12:13). É o mesmo
caso também na distinção entre Israel e Edom, em que o primeiro recebeu a Aliança do
Senhor, a revelação escrita da lei e a posse da terra prometida, e o segundo recebeu apenas
maldição, sua terra era continuamente arrasada pelos vizinhos pagãos (Ml 1:2-5).
Por causa da variedade de versões sobre o plano da redenção e também devido a muitos
estudiosos terem caído na armadilha das infindáveis e vãs especulações, que produzem mais
contenda e divisão do que mais esclarecimento ao assunto, edificação espiritual, amor e união entre
os irmãos, muitos teólogos evitam discutir e se aprofundar no assunto. A consequência é que muitos
teólogos, mesmo entre os reformados, acabando se omitindo dessa discussão e não incluem o debate
sobre a ordem lógica dos decretos de Deus, ou tratam de uma forma muito superficial. Por exemplo,
o respeitado e renomado teólogo, Timothy George, chegou a citar um trecho das Institutas da Religião
Cristã, escrito por João Calvino, para defender a tese de não debater sobre a ordem lógica dos
decretos de Deus: ‘‘’que [as cousas] que o Senhor deixou recônditas em secreto não perscrutemos, [as]
que pôs a descoberto não negligenciemos, para que não sejamos condenados ou de excessiva
curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão, de outra’’ (Inst., III, XXII, 4). Os calvinistas posteriores,
muitas vezes esquecendo estas palavras, tendiam a enredar-se em debates sem fim sobre a ordem
precisa dos decretos de Deus, os indícios da eleição na atividade de uma pessoa no mundo e assim por
diante’’. Embora que, se o debate sobre a ordem lógica dos decretos de Deus sem levar em
consideração o que diz a Bíblia Sagrada, ir além do que está escrito ou especular sobre mistérios que
Deus não permitiu revelar em Sua Palavra, o estudo sobre a ordem no plano da redenção se torna
infrutífero, inútil e perda de tempo. Neste sentido, o alerta de Timothy George é válido, é
compreensível o temor de cair na especulação. Porém, quando o estudo do assunto tem como
parâmetro e limite dado pela Palavra, levando-a em alta consideração, como a única fonte e
autoridade em assunto de fé e prática, o estudo é riquíssimo e edificante. O assunto, tratado da
maneira correta, tem resultados teológicos e práticos na vida do cristão. Quando o crente se
aprofunda nos estudo sobre os decretos de Deus, providência e predestinação, quando se estuda as
etapas sequenciais de cada decreto, respeitando a sua ordem, ele se humilha perante Deus. O cristão
se humilha e ao mesmo exalta a Deus por causa de Sua infinita, insondável e multiforme sabedoria,
da Sua perfeita e suprema justiça sobre pecadores que estão sempre em rebelião contra Deus, Seu
infinito poder que é capaz de quebrantar o coração do pior pecador com a força da Sua vontade, Seu
eterno amor sobre pecadores indignos de Seu favor, Sua rica misericórdia que é muito mais elevada
que o entendimento humano. Em segundo lugar, o crente se sente privilegiado e amado por Deus ao
descobrir o maravilhoso e grandioso amor de Deus demonstrado por Cristo Jesus, que é resultado do
magnífico plano da salvação estabelecido desde a eternidade, em que ao mesmo tempo outros não
querem conhecer este maravilhoso plano. Em terceiro lugar, o crente consciente de seu raciocínio
falho e limitado, por mais que se esforce em compreender todo o mistério de Deus revelado em
Cristo, algumas vezes tropeçará em seus pensamentos e jamais conseguirá compreender com
plenitude todo o desígnio de Deus. Diante desta realidade, ao invés de se entregar às vãs
especulações, confiará na Palavra, que ela é suficiente para responder suas indagações. Ainda que
não consiga entender todo o plano de Deus, confiará seus pensamentos e seus caminhos no Senhor,
dará glória, honra e louvor ao Todo-Poderoso porque a maravilhosa sabedoria divina transcende a
todo entendimento humano. A profunda e insondável sabedoria divina em estabelecer Seus decretos
com perfeição levará o cristão a exaltar e amar ainda mais o Senhor de todo o coração. Em quarto
lugar, sobre a citação de João Calvino, o objetivo do reformador francês não era refutar a discussão
sobre a ordem lógica dos desígnios divinos, da qual ele mesmo também comenta nas Institutas da
Religião Cristã e em seu comentário sobre a epístola de Romanos. O objetivo do reformador de
Genebra era combater aqueles que especulavam sobre os mistérios de Deus não revelados na
Palavra, daqueles que contendiam sem levar em consideração a Palavra ou ultrapassar os limites da
Escritura, daqueles que tentavam inutilmente esquadrinhar todo o pensamento de Deus. Até porque,
na sua época não havia o debate sobre a ordem lógica dos decretos de Deus, o qual passou a ser
levado a sério e de maneira formal somente após a sua morte. Sobre isso, Calvino comenta com estas
palavras: ‘’Portanto, tudo quanto na Escritura se dá a conhecer acerca da predestinação, é preciso
cuidar para que disso não privemos os fieis, a fim de que não pareçamos ou maldosamente defraudá-los
da benevolência de seu Deus, ou acusar e escarnecer o Espírito por haver divulgado essas coisas que
seria proveitoso fossem suprimidas e mantidas em segredo. Insisto que devemos permitir ao homem
cristão abrir a mente e os ouvidos a todas as palavras de Deus que lhe são dirigidas, desde que se faça
com esta moderação: que assim que o Senhor haja fechado sua santa boca, também fecha ele atrás de si
o caminho à especulação. Aqui está o melhor limite da sobriedade: que ao aprendermos sigamos a Deus,
deixando que ele fale primeiro; e se o Senhor deixa de falar, tampouco nós queiramos saber mais, nem
avançar mais um passo’’ (Institutas, capítulo XXI, tópico 3, parágrafo 2).
Embora a importância dada a discussão da ordem lógica dos decretos de Deus se deu após a
morte de João Calvino, a discussão sobre a ordem lógica dos decretos de Deus é antiga, oriunda da
época dos Pais da Igreja, principalmente nos tempos de Agostinho de Hipona. Este é o momento
propício para a apresentação deste debate ao longo da história da Igreja. Esta apresentação histórica
não poderia ter sido acrescentada no capítulo sobre o debate histórico da predestinação, pois o
objetivo logo no início era de estabelecer os alicerces fundamentais da doutrina da predestinação,
para somente depois estudar em detalhes os aspectos e as implicações teológicas e práticas desta
doutrina.
Em diversos pontos doutrinários, Agostinho tem posição infralapsariana. Por exemplo, sobre
a base doutrinária que se deve fundamentar a predestinação, a maneira correta de explicar e
defender a doutrina da predestinação é sobre uma ordem antropológica e soteriológica. Assim como
muitos infralapsarianos, Agostinho explicava a doutrina sempre em relação ao pecado e a total
necessidade e dependência do homem em relação à graça divina. Segundo o teólogo, devido ao
estado corrupto da natureza humana, sem a graça divina, sem a ação iniciativa e soberana do Senhor,
nenhum homem poderá ser salvo. Portanto, Agostinho aborda a predestinação como ponto de
partida ou princípio da salvação. Por causa das circunstâncias histórico-teológicas, faz sentido
explicar a predestinação naqueles termos, pois este tipo de abordagem possui muita persuasão
apologética. Na época, o doutor da graça utilizou deste tipo de abordagem para defender o conceito
da graça como favor imerecido, a salvação como iniciativa e dom divino e a total corrupção humana.
Esse tipo de abordar a predestinação fica claríssimo ao ler o livro ‘’A Predestinação dos Santos’’,
principalmente na introdução e a maneira como o livro foi organizado. Na sua introdução, o mestre
da Igreja diz que o objetivo de escrever o livro se deve aos pedidos de Próspero e Hilário, para os
quais ele explica a predestinação como ponto de partida da salvação, visto que ‘’o gênero humano
nasce sujeito ao pecado, do primeiro homem e que alguém se livra deste mal somente pela justiça do
segundo homem. Chegaram também a confessar que a graça de Deus se antecipa às vontades humanas
e que ninguém tem capacidade de começar ou terminar uma boa obra por suas próprias forças’’. Ainda
no mesmo livro, Agostinho escreveu: ‘’Daí o ele ter dito: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu
vos escolhi, não porque o escolheram para serem escolhidos, mas para que o escolhessem, ele os
escolheu. Isso porque a misericórdia se lhes antecipou (Sl 53:11) segundo a graça, não segundo uma
dívida. Portanto, retirou-os do mundo quando ele vivia no mundo, mas já eram eleitos em si mesmo
antes da criação do mundo. Esta é a imutável verdade da predestinação da graça’’. Outro ponto
teológico que Agostinho tem em comum com os infralapsarianos é a definição da predestinação. Em
seus livros, tais como ‘’A Correção e a Graça’’, ‘’A Predestinação dos Santos’’ e ‘’O Dom da
Perseverança’’, é muito frequente que, ao abordar a predestinação, quase que exclusivamente trata
da predestinação para a vida eterna. Aliás, nestas obras, percebe-se rapidamente que Agostinho
algumas vezes utiliza a palavra ‘’eleição’’, em outras utiliza o termo ‘’predestinação’’ para tratar do
mesmo assunto: como Deus age na vida de Seus escolhidos. Agostinho escreveu desta maneira por
tratar da predestinação como sinônimo de eleição, o que fica de modo ainda mais claro quando
define o que é predestinação, sempre relacionado com o conceito de graça: ‘’Todavia entre a graça e a
predestinação há apenas esta diferença: a predestinação é a preparação para a graça, enquanto a
graça é a doação efetiva da predestinação... Portanto, a predestinação de Deus, que é a prática do bem,
é, como disse, preparação para a graça, mas a graça é efeito da própria predestinação’’. Outro ponto
infralapsariano que Agostinho adota a respeito do assunto, é a questão da ordem lógica dos decretos
de Deus. Quando o Pai da Igreja trata a respeito dos eleitos e dos reprovados, trata como se ambos
participassem da mesma massa da perdição, em que se diferenciam porque os primeiros são
separados por Deus desta massa, enquanto que os segundos não são retirados desta massa. Para
Agostinho, o ponto de partida da predestinação e da diferenciação entre eleição e reprovação é a
partir da Queda, conforme escreveu no livro ‘’A Correção e a Graça’’: ‘’Deus agirá com sua
misericórdia, se o corrigido está afastado da massa da perdição pela liberalidade da graça e não está
entre os vasos de ira destinados à perdição, mas entre os vasos de misericórdia que Deus predestinou
para a glorificação. E agirá com seu juízo, se está entre os condenados e não está predestinado como o
outro’’. Quando Deus contemplou para salvar alguns na eternidade, levou em consideração os
homens em estado caído, pecaminoso, os quais, pela graça divina, são separados e libertados da
massa corrupta. Portanto, para Agostinho, a predestinação é posterior à Queda, como está escrito na
sua carta ‘’Ao Mosteiro de Hadrumeto’’: ‘’O Apóstolo, dirige-lhes esta advertência: Pois quem é te
distingue? Ele o diz porque somente Deus pode distinguir o homem da massa da perdição originária de
Adão, para torná-lo vaso de eleição’’. Como Agostinho trata a predestinação como sinônimo de
eleição, ele não coloca a reprovação sob o decreto da predestinação, mas ao lado deste, que em seu
esquema lógico coloca a predestinação e a reprovação dentro do decreto da providência. Sobre a
reprovação, Agostinho sempre interpretou em termos negativos, em contraste com os eleitos, em
que a ação divina é positiva. Enquanto os eleitos são separados da massa da perdição, os reprovados,
não são retirados deste estado, são abandonados nesta massa corrupta, permanecem nela. Para o
teólogo, enquanto Deus retira os eleitos da massa da perdição, no caso dos reprovados Ele apenas
deixa de agir. Os réprobos são deixados neste estado por permissão divina, eles não sofrem
intervenção de Deus, mas são abandonados pelo justo juízo de Deus neste estado, conforme escreveu
em ‘’O Dom da Perseverança’’: ‘’Os demais, porém, por um justo juízo divino, são abandonados na massa
da perdição, onde foram abandonados os tírios e os sidônios... Contudo, se, por um mais alto juízo de
Deus, não são separados da massa da perdição pela graça da predestinação, não lhes aproveita nem a
pregação nem os sinais divinos, mediante os quais poderiam crer se ouvissem a pregação ou
presenciassem os sinais. Nesta mesma massa da perdição foram abandonados os judeus que não
chegaram a crer nos grandes e evidentes milagres realizados em sua presença’’.
Porém, Agostinho não está totalmente de acordo com o pensamento infralapsariano, pois
também escreveu algumas coisas a respeito do eterno plano da redenção que são típicas do
pensamento supralapsariano. Por exemplo, embora tenha descrito a Queda como previsão e
permissão da Sua santa vontade, o teólogo declara que Deus usou a Queda para o cumprimento de
propósitos bem específicos e determinados por Ele, pensamento típico dos supralapsarianos, como
escreveu no livro ‘’A Cidade de Deus’’: ‘’Mas Deus tudo previu e não pode ignorar que o homem viria a
pecar... Claro que o homem com o seu pecado não pode perturbar o plano divino, nem como que obrigar
Deus a mudar o que tinha estabelecido. Deus, na sua presciência, previu uma e outra coisa, isto é, quão
mal se viria a tornar o homem que Ele criou bom e o bem que havia de tirar desse mal’’. Em seu
comentário ao livro de Gênesis, no Livro IX, do capítulo III – XII, em que trata minuciosamente sobre
a tentação que deu origem à Queda, alguns dos motivos para Deus permitir a Queda é transformar o
mal em bem à favor dos eleitos e a justa punição aplicada nos ímpios para gerar temor nos Seus
amados, para o estímulo à prática do bem e o valor em depender da graça de Deus em contraste às
consequências nefastas ao desprezar o Criador. No pensamento agostiniano, a permissão e a
previsão da Queda não são interpretadas no sentido negativo, em que Deus previamente sabia e
deixou que a Queda ocorresse, sem ter feito nada para impedir, no sentido em que se omitiu de
anular a tentação, ou ainda como algo que seria contra a vontade do Criador e mesmo assim
aconteceu. No pensamento agostiniano, esta permissão é interpretada no sentido ativo e positivo, em
que todas as coisas acontecem necessariamente por causa da vontade do Criador (‘’Comentário ao
Gênesis’’, Livro VI, capítulo XV). Em seu comentário ao livro de Gênesis, ele ainda escreveu: ‘’O que,
pois, quer dizer o Salvador, por sua própria boca, quando diz que um pássaro não cai na terra sem a
vontade do Pai, e que a erva do campo, que não tarda em ser jogada ao fogo, ele a veste? Acaso não
confirma a divina Providência governa não somente toda essa parte do mundo destinada aos seres
mortais e corruptíveis, mas também suas mais vis e abjetas partezinhas?’’. E sobre a criação de Adão,
no comentário ao livro de Gênesis, Agostinho confirma que nenhum acontecimento pode contrariar a
vontade de Deus e, ainda tudo ocorre porque Deus quis, por desejo divino: ‘’Assim, pois, Deus não o
fez contrariando a causa que sem dúvida determinara querendo, visto que nada faz contra sua
vontade’’. Outro aspecto do pensamento agostiniano que está em acordo com os supralapsarianos é a
respeito do fundamento da reprovação. Com exceção de alguns infralapsarianos, como François
Turrentini, a grande maioria acredita que o fundamento da reprovação é a condenação dos pecados
dos ímpios. Ainda que Agostinho ensinou que os reprovados permanecem na massa da condenação,
contudo o fundamento da reprovação e a razão da diferença entre eleitos e réprobos é a soberana
vontade de Deus, como está escrito no livro ‘’A Predestinação dos Santos’’: ‘’Portanto, por que não
ensina a todos para que venham a Cristo, senão porque todos os que ele ensina, ensina pela
misericórdia, e os que não os ensina por sua justiça? Ele faz misericórdia a quem quer e endurece a
quem quer’’. E, por último, embora o teólogo tenha interpretado a reprovação no sentido negativo,
contudo interpretou a ação divina quanto ao pecado como ativa e positiva, como é no pensamento
supralapsariano. Em seu livro ‘’Confissões’’, chamou Deus de ‘’regularizador’’ de pecados (tópico 10),
no sentido em que Deus administra o pecado conforme Sua vontade, para cumprimento de Seus
santos propósitos, tirando proveito do mal para punir os rebeldes ou para torná-lo em bem à favor
de Seus eleitos, como escreveu em ‘’Confissões’’: ‘’utilizavas em meu proveito o erro dos que me
coagiam, e utilizavas a minha falta para castigar-me; punição que eu merecia, embora pequeno, pois
era grande pecador. Assim, tu me fazias o bem por meio daqueles que o não o faziam, e me davas justa
retribuição pelos meus próprios pecados’’.
A controvérsia entre a posição agostiniana e a pelagiana sobre a graça foi julgada pelo
Concílio de Orange. Neste Concílio, a posição pelagiana foi derrotada e considerada herética, porém,
nem tudo o que Agostinho ensinou acerca da graça foi acatado. O Concílio aceitou o pensamento
central de Agostinho sobre a graça, como a total corrupção da natureza humana, da necessidade da
iniciativa divina para a salvação e a graça como favor imerecido. Contudo, o ensino agostiniano sobre
a predestinação foi rejeitado e em seu lugar foi explanado o conceito da vontade divina na redenção
de toda a raça humana. Embora a posição agostiniana tenha prevalecido, a controvérsia sobre o
verdadeiro entendimento acerca da predestinação não cessou, os adversários de Agostinho tentaram
criar um meio-termo entre as ideias de Agostinho e Pelágio, de onde surgiu o semipelagianismo. O
debate teológico sobre a predestinação se tornou cada vez mais acirrado até culminar no século IX,
onde os principais expoentes se tornaram rivais por causa de suas ideias: Gottschalk de Orbais,
Ratramno, Lupo Servato, Prudêncio de Troyes e Floro de Lyon, defensores do conceito agostiniano;
Incmaro de Reims, Rábano Mauro e João Erígena, defensores do semipelagianismo. Como o objetivo
deste tópico é estudar sobre como os principais mestres pensavam sobre a ordem lógica dos
decretos de Deus, neste momento o que interessa é conhecer a contribuição dos agostinianos para a
compreensão do plano da salvação.
Após a morte de Agostinho, o primeiro grande estudioso que deu uma contribuição
significativa sobre o debate foi o teólogo Isidoro de Sevilha (560 – 636). Isidoro foi o primeiro a
afirmar de forma explícita o conceito de dupla predestinação, ou seja, incluir a reprovação e a eleição
dentro do decreto da predestinação, que é um conceito supralapsariano. Por meio deste conceito, o
bispo espanhol defendia fortemente a soberania de Deus, tanto para a salvação dos eleitos, quanto
para a condenação dos reprovados: ‘’Há uma dupla predestinação, quer do eleito para descansar, quer
do condenado para morrer. Ambas são causadas pelo julgamento divino’’ (‘’A Tradição Cristã’’, volume
3, de Jaroslav Pelikan). Porém, sobre a reprovação, Isidoro algumas vezes interpretou em termos
positivos, e em outros casos em termos negativos. Enquanto assumiu no sentido positivo que os
reprovados foram predestinados à punição e que foram condenados, também ensinou no sentido
negativo que os reprovados foram abandonados por Deus. No pensamento do bispo espanhol,
enquanto a graça atua somente nos eleitos, nos reprovados não há a atuação da graça e que por isso
eles ‘’não conseguiam, nem mesmo se quisessem, lamentar suas maldades’’ (‘’A Tradição Cristã’’,
volume 3, de Jaroslav Pelikan).
Dois séculos mais tarde, quem seguiu muito próximo do ensino de Isidoro foi o monge
agostiniano, Gottschalk de Orbais (808 – 867). Ao se apoiar nos estudos de Agostinho de Hipona,
Ambrósio de Milão, Gregório de Rimini, Próspero e Fulgêncio, o monge não só tornou o pensamento
sobre a predestinação de forma mais clara que Agostinho, como também expandiu o pensamento do
Pai da Igreja. Como Isidoro, Gottschalk reafirmou o ensino sobre a dupla predestinação. O monge
fundamentou este ensino sobre a doutrina de Deus, nos atributos divinos, outro conceito
supralapsariano, especialmente sobre a imutabilidade, transcendência ou decisão soberana na
eternidade, com implicações na sabedoria e onisciência divina. O teólogo declarou que se Deus não
tivesse preordenado a condenação dos demônios e dos ímpios, eles não seriam condenados, pois ‘’se
ele faz algo que não tenha feito por meio da predestinação, ele simplesmente teria de mudar’’ (‘’A
Tradição Cristã’’, volume 3). Portanto, o raciocínio do autor é este: Deus é imutável em seu Ser
porque decidiu todas as coisas antes da fundação do mundo, decidiu o destino de todos os
acontecimentos e das Suas criaturas por meio de Sua preordenação. Não há motivos para Deus
mudar Suas decisões, pois Ele é onisciente. Logo, a razão de crer na dupla predestinação é porque
Deus é imutável, assim como todas as coisas, quer sejam boas, quer sejam más, ocorrem somente por
preordenação divina. Ao defenderem o fundamento da reprovação na imutabilidade e na decisão
soberana sobre todas as coisas na eternidade, Gottschalk e Ratramno basearam este conceito no
versículo bíblico de Tg 1:17, ‘’Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das
luzes, em quem não pode haver variação ou sombra de mudança’’. Para eles, segundo este versículo,
há não nenhuma possibilidade que Deus decidiu sobre o inferno depois que o demônio caiu. Ao
defender a dupla predestinação, Gottschalk também ensinou que a ação de Deus nos eleitos é
diferente nos reprovados. Enquanto que os primeiros são alvos do amor divino e são libertados do
domínio do pecado por meio da ação positiva e efetiva de Deus, os segundos são alvos da ira divina
por meio da ação permissiva de Deus. Sobre a ação de Deus sobre os reprovados, o monge defendeu
que Deus não colocou impiedade no coração dos réprobos, apenas deixou ou permitiu que os
reprovados continuassem a pecar por meio de sua própria vontade, a qual só consegue escolher o
pecado antes da salvação: ‘’nenhum de nós consegue escolher o livre-arbítrio para o bem, mas só para o
mal’’ (‘’A Tradição Cristã’’, volume 3). Ele também assume que era melhor para os ímpios serem
condenados do que terem permissão para continuar a pecar (‘’A Tradição Cristã’’, volume 3).
Portanto, Gottschalk cria que a entrada do pecado no mundo se deu por meio de um decreto
permissivo, mas que tornou certa a sua entrada (‘’História das Doutrinas Cristãs’’, de Louis Berkhof),
que é um conceito infralapsariano. Porém, o monge ensinou que o Senhor preordenou a justa
punição do pecado e dos ímpios quando disse que Deus não predestinou coisas más, mas só coisas
boas, uma das quais, no entanto, era sua justiça, que não deixa o pecado sem punição (‘’A Tradição
Cristã’’, volume 3).
CITAR JÓ 12 E QUE AS NAÇÕES COMO GOTA D’ÁGUA EM UM BALDE PARA A PARTE QUE
FALA DA SOBERANIA DE DEUS SOBRE OS MORADORES DA TERRA E SOBRE OS MONARCAS
ESCREVER SOBRE O ALVO FINAL DA REPROVAÇÃO: A GLÓRIA DA JUSTIÇA DE DEUS:
PUNIÇÃO SOBRE O ÍMPIO, (DEUS QUER DAR A CONHECER O SEU PODER, A SUA JUSTIÇA, QUER
MANIFESTAR A GLÓRIA DA SUA JUSTIÇA. DESCREVER O EXEMPLO DE FARAÓ, EM QUE DEUS
PODERIA TER SALVO TODO O EGITO, MAS NÃO QUIS, POIS ELE TINHA PROPÓSITOS MAIORES E
MAIS SÁBIOS PARA PROMOVER A GLÓRIA DO SEU NOME), A DEMORA EM SENTENCIAR O ÍMPIO
COMO PROVA DA PACIÊNCIA DE DEUS E PARA MANIFESTAR CADA VEZ MAIS CLARA E DE FORMA
INDESCULPÁVEL SUA IRA SOBRE O ÍMPIO, A JUSTIÇA SOBRE O ÍMPIO DEMONSTRA A GRANDEZA
DA MISERICÓRDIA SOBRE OS ELEITOS. MARTYN LLOYD-JONES DIZ O SEGUINTE: ‘’POIS BEM, O
APÓSTOLO ESTÁ ASSEVERANDO, ENTÃO, QUE TUDO EM DEUS, POR SER ELE DEUS, POR SUA
NATUREZA SANTA, POR SEU CARÁTER JUSTO E RETO, ODEIA O PECADO. O PECADO E DEUS SÃO
PERPÉTUOS OPOSTOS, E COM TODA A INTENSIDADE DO SEU SER DEUS ABORRECE O PECADO E
DESEJA PUNI-LO. ISTO É NECESSARIAMENTE VERDADE A RESPEITO DE DEUS. E O APÓSTOLO
DECLARA QUE, POR ISSO MESMO, AO PUNIR O PECADO, DEUS MANIFESTA ESTES ASPECTOS DO
SEU GLORIOSO SER E DO SEU CARÁTER. É PUNINDO O PECADO E LEVANDO À DESTRUIÇÃO OS
PECADORES, QUE DEUS FEZ E FAZ CONHECIDO O PODER DA SUA IRA’’. ESCREVER QUE ATRAVÉS
DA PUNIÇÃO AO PECADO, ELE NOS FAZ CONHECER AINDA MAIS SOBRE SUA NATUREZA E SEUS
ATRIBUTOS, ESPECIALMENTE O DA JUSTIÇA E DA SUA SANTIDADE (COLOCAR VERSÍCULOS QUE
MOSTRAM DEUS PUNINDO HOMENS PECADORES E QUE A PENA DO PECADO É A MORTE). OUTRO
PROPÓSITO DA REPROVAÇÃO É QUE DEUS USA OS RÉPROBOS PARA CAUSAR SOFRIMENTO NOS
CRISTÃOS E ASSIM AUMENTAR A FÉ E A CONFIANÇA DOS ELEITOS NO SENHOR (1TS 1:4-10
EXPLICA ESTE PROPÓSITO). SOBRE A LONGA PACIÊNCIA QUE DEUS TEM SOBRE OS ÍMPIOS, LER
PRINCIPALMENTE O SEGUNDO E O TERCEIRO MOTIVO DE MARTYN LLOYD-JONES NAS PÁGINAS
270 – 273, AS INSTITUTAS NAS PÁGINAS 437 – 440 E A DOGMÁTICA REFORMADA NA PÁGINA 401.
SOBRE A INTRODUÇÃO, LER PRINCIPALMENTE MARTYN LLOYD-JONES NAS PÁGINAS 274 – 278.
OUTRO PROPÓSITO DA REPROVAÇÃO É PARA DEMONSTRAR AOS FILHOS DE DEUS A DISTINÇÃO
ENTRE AQUELES QUE TRATA COM AMOR E MISERICÓRDIA E AQUELES QUE TRATA COM A JUSTA E
SANTA IRA, SOBRE ISSO, LER ROMANOS DE HENDRIKSEN NA PÁGINA 436. LER TAMBÉM A
INTRODUÇÃO DA REPROVAÇÃO EM MARTYN LLOYD-JONES NAS PÁGINAS 277 – 278
VERSÍCULOS QUE APOIAM O ALVO FINAL DOS REPROVADOS: ‘’TODA ÁRVORE QUE MEU
PAI NÃO PLANTOU SERÁ ARRANCADA’’, ‘’PORQUE NÃO VOS CONHEÇO, TODOS AQUELES QUE
PRATICAM A INIQUIDADE’’, ‘’ETERNA DESTRUIÇÃO (2TS 1:9)’’, EPÍSTOLA DE JUDAS
ESCREVER SOBRE QUE DEUS NÃO TEM PRAZER NA MORTE DO ÍMPIO. ESCREVER QUE
EMBORA A ELEIÇÃO SEJA MOTIVO DE ALEGRIA, A REPROVAÇÃO É MOTIVO DE TRISTEZA, POIS É
PARA JULGAMENTO DE CONDENAÇÃO PARA OS ÍMPIOS. ENQUANTO QUE DEUS TEM PRAZER EM
SALVAR O ELEITO, NÃO PODE-SE DIZER QUE DEUS TEM PRAZER EM CONDENAR O ÍMPIO. DEUS
CONDENA O ÍMPIO PARA MANIFESTAR A GLÓRIA DA SUA JUSTIÇA. AINDA QUE O ÍMPIO TENHA
SIDO DESTINADO À PERDIÇÃO ETERNA E SEU DESTINO É CERTO, AINDA ASSIM, ENQUANTO O
ÍMPIO VIVE AQUI NA TERRA, ELE É ABENÇOADO POR DEUS COM INÚMEROS DONS E TALENTOS.
PORÉM, APROUVE A DEUS ELEGER À SALVAÇÃO QUEM ELE QUIS E CONDENAR QUEM ELE QUIS.
VER JOÃO CALVINO E WAYNE GRUDEM. VER COMENTÁRIOS BÍBLICOS SOBRE EZ 33:11, REFUTAR
AS OBJEÇÕES SOBRE OS VERSÍCULOS QUE TRAZEM A PALAVRA ‘’TODOS’’. DIZER QUE CREMOS NA
DOUTRINA DA REPROVAÇÃO PORQUE ELA É BÍBLICA, E É POR ISSO QUE DEVEMOS ACEITAR, POIS
PARA A MENTE HUMANA É HORRÍVEL PENSAR QUE PECADORES ESTÃO DESTINADOS À
CONDENAÇÃO, MAS INFELIZMENTE ISTO É O QUE A BÍBLIA ENSINA, E ESTA TAMBÉM É A
REALIDADE QUE PRESENCIA+MOS TODOS OS DIAS. COM BASE NA EXPERIÊNCIA DE VIDA,
SABEMOS QUE A MAIORIA REJEITA O CHAMADO AO EVANGELHO E MUITOS DELES O REJEITARÃO
POR TODA A VIDA, SEM JAMAIS TER SE ARREPENDIDO DE SEUS PECADOS.
ADAPTAR OS DOIS ÚLTIMOS TÓPICOS DA EXPIAÇÃO PARA O TÓPICO ‘’A OBRA REDENTORA
DE CRISTO’’ DA ELEIÇÃO
ESCREVER O TÓPICO ‘’ELEIÇÃO E SEUS ASPECTOS’’ NA ORDEM: AQUILO QUE O PAI FEZ
PELA ELEIÇÃO, O QUE O ESPÍRITO FEZ PELA ELEIÇÃO E O QUE O FILHO FEZ PELA ELEIÇÃO.
APÓS O TÉRMINO, REORGANIZAR O TÓPICO SOB O SISTEMA TRINITÁRIO: AQUILO QUE O
PAI FEZ PELA ELEIÇÃO, O QUE O FILHO FEZ PELA ELEIÇÃO E O QUE O ESPÍRITO SANTO
FEZ PELA ELEIÇÃO
COLOCAR VERSÍCULOS QUE MOSTRAM QUE DEUS UTILIZA AS MÁS AÇÕES DOS HOMENS
EM BEM MORAL PARA O SEU POVO, PARA O CUMPRIMENTO DE SEUS PROPÓSITOS, NO
TÓPICO ‘’RELACIONA-SE COM TODOS OS ACONTECIMENTOS’’