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Roger E. Olson
Um dos mais prevalecentes mitos difundidos por alguns calvinistas sobre o
Arminianismo é que ele é o tipo de teologia mais popular nos púlpitos e bancos evangélicos.
Minha experiência contradiz essa crença. Depende muito de como consideramos a teologia
arminiana. Os críticos calvinistas estariam corretos se o Arminianismo fosse o
Semipelagianismo. Mas ele não é, como espero mostrar. O evangelho pregado e a doutrina da
salvação ensinada na maioria dos púlpitos e tribunas evangélicos, e crido na maioria dos
assentos de igrejas evangélicas, não é o Arminianismo clássico, mas o Semipelagianismo, se
não um completo Pelagianismo. Qual é a diferença? O teólogo H. Orton Wiley, da Igreja do
Nazareno, corretamente define o Semipelagianismo dizendo, “Ele sustentava que restou poder
suficiente na vontade depravada para dar o primeiro passo em direção à salvação, mas não o
suficiente para completá-la. Isso deve ser feito pela graça divina.” 1[1] Esta antiga heresia tem
origem nos ensinos dos assim chamados massilianos, liderados principalmente por João
Cassiano (m. 433 d.C), que tentou construir uma ponte entre o Pelagianismo, que negava o
pecado original, e Agostinho, que defendia a eleição incondicional sobre o fundamento de que
todos os descendentes de Adão nascem espiritualmente mortos e culpados do pecado de Adão.
Cassiano acreditava que as pessoas são capazes de se voltarem para Deus mesmo à parte de
qualquer infusão da graça sobrenatural. Isto foi condenado pelo Segundo Concílio de Orange
em 529 (sem endossar a extrema doutrina agostiniana da predestinação).
O Semipelagianismo tornou-se a teologia popular da Igreja Católica Romana nos
séculos que antecederam a Reforma Protestante. Ele foi completamente rejeitado por todos os
reformadores, exceto os assim chamados racionalistas ou antitrinitarianos, tais como Fausto
Socinus. Alguns calvinistas adotaram a prática de se referir a toda teologia que ficou aquém do
Calvinismo rígido (TULIP) como semipelagiana. Isto, no entanto, está incorreto. Hoje em dia, o
Semipelagianismo é a teologia padrão da maioria dos cristãos evangélicos americanos.2[2]
Podemos comprovar isto na popularidade de clichês como “Se você der um passo em direção a
Deus, ele fará o resto do caminho em direção a você,” e “Deus vota em você, Satanás vota
contra você, e você tem o voto decisivo,” juntamente com a negligência quase total da
depravação humana e da incapacidade nas questões espirituais.
O Arminianismo é quase totalmente desconhecido, e menos ainda crido, no cristianismo
evangélico popular. Um dos propósitos deste livro é superar este déficit. Um mito predominante
sobre o Arminianismo é que a teologia arminiana é equivalente ao Semipelagianismo. Isto será
contestado no processo de refutação de vários outros mitos que tratam da condição humana e
da salvação. Isto é apenas uma antecipação do ponto de vista arminiano que será mais para
frente exposto.
Em primeiro lugar, é importante compreender que o Arminianismo não tem uma
doutrina ou ponto de vista específico sobre tudo no Cristianismo. Não há nenhuma doutrina
arminiana especial das Escrituras. Os arminianos do coração – os arminianos evangélicos –
acreditam nas Escrituras e têm a mesma gama de opiniões sobre os seus detalhes como os
calvinistas. Alguns arminianos acreditam na inerrância bíblica e outros não. Todos os
arminianos evangélicos estão comprometidos com a inspiração sobrenatural da Bíblia e sua
autoridade sobre todos os assuntos de fé e prática. Da mesma forma, não há uma eclesiologia
ou escatologia arminiana distintiva; os arminianos refletem o mesmo espectro de interpretações
que os outros cristãos. Um mito popular promovido por alguns calvinistas é que todos os
teólogos arminianos aceitam a teoria governamental da expiação e rejeitam a teoria da
substituição penal. Isso é simplesmente falso. Os arminianos acreditam na Trindade, na
1[1] H. Orton Wiley, Christian Theology (Kansas City, Mo.: BeaconHill, 1941),
2:103.
2[2] Não posso afirmar o mesmo de cristãos evangélicos em outros países,
porque eu não sei o suficiente sobre eles para fazer tal declaração.
divindade e humanidade de Jesus Cristo, na depravação da humanidade devido à Queda
primitiva, na salvação pela graça somente através da fé somente, e em todas as outras crenças
protestantes essenciais. A justificação como justiça imputada é afirmada pelos arminianos
clássicos seguindo o próprio Arminius. As doutrinas distintivas do Arminianismo têm a ver com a
soberania de Deus sobre a história e a salvação; a providência e a predestinação são as duas
doutrinas chave onde os arminianos se separam dos calvinistas clássicos.
Não há melhor ponto de partida para examinar as questões da providência e
predestinação que a própria Remonstrância. Ela é o documento fundamental do Arminianismo
clássico (além dos escritos de Arminius). A Remonstrância foi preparada por mais ou menos 43
(o número exato é debatido) pastores e teólogos reformados holandeses após a morte de
Arminius em 1609. O documento foi apresentado em 1610 para uma conferência de líderes da
igreja e do estado em Gouda, Holanda, para explicar a doutrina arminiana. Ele foca
principalmente nas questões da salvação e especialmente a predestinação. Várias versões da
Remonstrância (da qual os remonstrantes receberam o seu nome) existem. Iremos usar uma
tradução para o inglês do original em latim apresentada de forma um tanto condensada pelo
estudioso inglês do Arminianismo A. W. Harrison:
1. Que Deus, por um decreto eterno e imutável em Cristo antes da fundação do mundo,
determinou eleger, da raça caída e pecadora, para a vida eterna, aqueles que, através
de Sua graça, creem em Jesus Cristo e perseveram na fé e obediência; e, ao contrário,
resolveu rejeitar os não convertidos e os descrentes para a condenação eterna (Jo
3.36).
2. Que, em consequência disto, Cristo, o Salvador do mundo, morreu por todo e cada
homem, de modo que Ele obteve, pela morte na cruz, reconciliação e perdão pelo
pecado por todos os homens; de tal maneira, porém, que ninguém senão os fiéis
verdadeiramente desfrutam dos mesmos (Jo 3.16; 1Jo 2.2).
3. Que o homem não podia obter a fé salvadora de si mesmo ou pela força de seu
próprio livre-arbítrio, mas se encontrava carente da graça de Deus, através de Cristo,
para ser renovado no pensamento e na vontade (Jo 15.5).
4. Que esta graça foi a causa do início, desenvolvimento e conclusão da salvação do
homem; de forma que ninguém poderia crer nem perseverar na fé sem esta graça
cooperante, e consequentemente que todas as boas obras devem ser atribuídas à graça
de Deus em Cristo. Quanto ao modo de operação desta graça, no entanto, não é
irresistível (At 7.51).
5. Que os verdadeiros crentes tinham força suficiente através da graça divina para lutar
contra Satanás, o pecado, o mundo, sua própria carne, e obter vitória sobre eles; mas
se por negligência eles não poderiam apostatar da verdadeira fé, perder a alegria de
uma boa consciência e ser privado da graça necessária, deve ser mais plenamente
investigado de acordo com a Sagrada Escritura.3[3]
Observe que os remonstrantes, como Arminius anteriormente, não tomaram qualquer
posição sobre a questão da segurança eterna dos crentes. Ou seja, eles deixaram em aberto a
questão se uma pessoa verdadeiramente salva poderia cair da graça ou não. Eles também não
seguiram o padrão da TULIP. Embora o modelo de cinco pontos que descreve a crença
calvinista fora desenvolvido mais tarde, a negação dos três pontos centrais é bastante clara na
Remonstrância. No entanto, ao contrário da ideia popular sobre o Arminianismo (especialmente
entre os calvinistas), nem Armínio nem os remonstrantes negaram a depravação total; eles a
afirmaram. É claro que a Remonstrância não é uma declaração completa da doutrina arminiana,
mas ela aborda bem a sua essência. Além do que ela diz, há um campo de interpretação onde
os arminianos às vezes discordam entre si. Todavia, existe um consenso arminiano geral, e é
isso o que este breve resumo irá explicar, recorrendo amplamente ao teólogo nazareno Wiley,
9[9] H. Orton Wiley, Introdução à Teologia Cristã (São Paulo, SP: Casa
Nazarena de Publicações, 1990), p. 270.
10[10] Ibid., p. 294.
11[11]H. Orton Wiley, Christian Theology (Kansas City, Mo.: BeaconHill, 1941),
2:341, 343.
do Espírito Santo exercida para o homem enfraquecido pelo pecado. Pelo que se refere
aos impotentes, é tida como força capacitadora. É aquela manifestação da influência
divina que precede a vida de regeneração completa.12[12]
12[12]H. Orton Wiley, Introdução à Teologia Cristã (São Paulo, SP: Casa
Nazarena de Publicações, 1990), p. 298.
13[13] Ibid., p. 300.
14[14] Ibid.
indivíduo em receber a graça da regeneração e justificação. Como Wiley coloca, a salvação “é
um trabalho feito nas almas dos homens pela operação eficaz do Espírito Santo. O Espírito
Santo exerce seu poder regenerador apenas em certas condições, isto é, nas condições de
arrependimento e fé.”16[16] Assim, a salvação é condicional, não incondicional; os humanos
exercem um papel e não são passivos ou controlados por alguma força, interna ou externa.
É aqui onde muitos críticos monergistas do Arminianismo apontam o dedo e declaram
que a teologia arminiana é um sistema de salvação pelas obras, ou pelo menos algo inferior à
vigorosa doutrina de Paulo da salvação como um dom gratuito. Se ele deve ser livremente
aceito, eles afirmam, é merecido. Pelo fato do ato de aceitação ser crucial, o que é recebido
não é um dom gratuito. Os arminianos simplesmente não conseguem entender essa afirmação
e sua acusação implícita. Como veremos em vários pontos ao longo deste livro, os arminianos
sempre têm afirmado enfaticamente que a salvação é um dom gratuito; até mesmo o
arrependimento e a fé são apenas causas instrumentais da salvação e impossíveis à parte de
uma operação interna da graça! A única causa eficiente da salvação é a graça de Deus através
de Jesus Cristo e do Espírito Santo. A lógica do argumento de que um dom livremente recebido
(no sentido de que poderia ser rejeitado) não é um dom gratuito surpreende a mente
arminiana. Mas a principal razão para os arminianos rejeitarem a noção calvinista da salvação
monergística, em que Deus incondicionalmente elege alguns para salvação e inclina suas
vontades irresistivelmente, é que ela ofende o caráter de Deus e a natureza de um
relacionamento pessoal. Se Deus salva incondicionalmente e irresistivelmente, por que ele não
salva a todos? Apelar para mistério neste ponto não satisfaz a mente arminiana porque o
caráter de Deus como amor se mostrando em misericórdia está em jogo. Se os homens
escolhidos por Deus não podem resistir a ter um relacionamento correto com Deus, que tipo de
relacionamento é esse? Pode uma relação pessoal ser irresistível? Tais predestinados são
realmente pessoas em um relacionamento assim? Estas são questões fundamentais que
motivam os arminianos – como outros sinergistas – a questionarem toda forma de monergismo,
incluindo o Calvinismo rígido. A questão não é, mais enfaticamente, uma visão humanista do
livre-arbítrio autônomo, como se os arminianos fossem apaixonados pelo livre arbítrio pela sua
própria causa. Qualquer leitura imparcial de Arminius, Wesley, ou qualquer outro arminiano
clássico, irá revelar que este não é o caso. Pelo contrário, a questão é o caráter de Deus e a
natureza do relacionamento pessoal.
Anteriormente eu observei que não apenas a predestinação mas também a providência
fornece um ponto de diferença entre o Arminianismo e o Calvinismo. Em resumo, os arminianos
creem na soberania divina e na providência, mas as interpretam diferentemente dos calvinistas
rígidos. Os arminianos consideram que Deus se auto-limita em relação à história humana.
Portanto, muito do que acontece na história é contrário à perfeita vontade antecedente de
Deus. Os arminianos afirmam que Deus está no comando da natureza e da história, mas negam
que Deus controla todo evento. Os arminianos negam que Deus “esconde um rosto alegre” por
trás dos horrores da história. O diabo não é o “diabo de Deus”, ou mesmo um instrumento da
auto-glorificação providencial de Deus. A Queda não foi preordenada por Deus para algum
propósito secreto. Os arminianos clássicos acreditam que Deus pré-conhece todas as coisas,
incluindo todo evento mal, mas rejeitam qualquer noção de que Deus provê “impulsos secretos”
que controlam até as ações de criaturas malignas (angélicas ou humanas).17[17] O governo de
15[15] H. Orton Wiley, Christian Theology (Kansas City, Mo.: BeaconHill, 1941),
2: 395, 393.
16[16] Ibid., p. 419.
17[17] Calvino conhecidamente atribuiu até os atos pecaminosos e maus dos
ímpios aos impulsos secretos de Deus. Uma cuidadosa leitura do livro 1, cap. 18
– “Deus utiliza-se das obras dos ímpios, e inclina suas mentes para cumprir
Seus juízos, de forma que Ele se mantém puro de toda mancha.” – das
Institutas da Religião Cristã revela isso. Lá, entre outras coisas, Calvino diz que
“visto que a vontade de Deus é declarada ser a causa de todas as coisas, fiz da
sua providência o princípio determinante para todos os planos humanos e
Deus é abrangente, mas porque Deus se limita para permitir a livre agência humana (por uma
questão de relacionamentos genuínos que não são manipulados ou controlados), esse governo
é exercido de modos diferentes. Tudo o que acontece é, pelo menos, permitido por Deus, mas
nem tudo que acontece é positivamente desejado ou mesmo tornado certo por Deus. Assim, o
sinergismo entra na doutrina arminiana da providência bem como da predestinação. Deus pré-
conhece mas não age sozinho na história. A história é o produto de ambas as agências divina e
humana. (Não devemos esquecer as agências angélicas e demoníacas também!) O pecado
especialmente não é nem desejado nem governado por Deus, exceto no sentido que Deus o
permite e o limita. Mais importante, Deus não o predestina ou o torna certo. Não é possível
uma expressão breve melhor do entendimento arminiano da providência do que a fornecida
pelo teólogo reformado revisionista Adrio König:
Há lamentavelmente muitas coisas que acontecem sobre a Terra que não são a
vontade de Deus (Lc 7.30 e todo outro pecado mencionado na Bíblia), que são contra a
sua vontade, e que derivam do incompreensível e sem sentido pecado no qual
nascemos, no qual a maior parte dos homens vivem, e no qual Israel persistiu, e contra
o qual até os “mais santos homens” (Heid. Cat. p. 114) lutavam todos os seus dias
(Davi, Pedro). Deus tem apenas um curso de ação para o pecado, e que é prover sua
expiação, por tê-lo totalmente crucificado e sepultado com Cristo. Tentar interpretar
todas estas coisas através do conceito de um plano de Deus cria dificuldades
intoleráveis e dá origem a mais exceções do que regularidades. Mas a mais importante
objeção é que a ideia de um plano é contra a mensagem da Bíblia, visto que Deus
mesmo se torna inacreditável se aquilo contra o qual ele lutou com poder, e pelo qual
ele sacrificou seu único Filho, foi, todavia, de alguma forma parte integrante do seu
conselho eterno. Então, é melhor partir da ideia que Deus tinha um certo objetivo em
mente (a aliança, ou o reino de Deus, ou a nova Terra – que são a mesma coisa vista
obras, não só para exibir sua força nos eleitos, que são guiados pelo Espírito
Santo, mas também para obrigar o réprobo à obediência” (Institutes of the
Christian Religion 1.18.2, ed. John T. McNeill, trad. Ford Lewis Battles
[Philadelphia: Westminster Press, 1960], p. 232). Os arminianos acreditam que
o calvinismo rígido não pode escapar de fazer de Deus o autor do pecado e do
mal, e assim contrariando o seu caráter.
de diferentes ângulos) que ele irá alcançar conosco, sem nós, ou mesmo contra nós.18
[18]
Fonte: Arminian Theology: Myths and Realities, pp. 30-39
Tradução: Samuel Paulo Coutinho
http://www.arminianismo.com/index.php/categorias/diversos/artigos/44-roger-e-olson/1365-
roger-e-olson-uma-breve-visao-da-teologia-arminiana
http://www.arminianismo.com/index.php/categorias/diversos/artigos/44-roger-e-olson/
1331-roger-e-olson-os-arminianos-tentam-reformar-a-teologia-reformada
Roger E. Olson
Uma das críticas mais comuns ao Arminianismo por seus adversários é que ele é uma
“teologia centrada no homem”. (Eu ocasionalmente usarei a expressão de gênero exclusivo
porque ela é usada com bastante frequência pelos críticos do Arminianismo. Ela significa, é
claro, “centrada na humanidade”). Um crítico reformado do Arminianismo que frequentemente
levanta essa acusação é Michael Horton, professor de teologia no Seminário Teológico de
Westminster (campus Escondido) e editor da revista Modern Reformation[1] (Reforma
Moderna). Tenho tido longas conversas com Horton sobre o Arminianismo clássico e seus
estereótipos e de outros críticos reformados, mas até agora ele ainda diz que o Arminianismo é
“centrado no homem”. Quase todos os artigos da infame edição especial de maio/junho de
1992 da Modern Reformation[2] sobre o Arminianismo repete esta caricatura. Horton não é
exceção. Em seu artigo “Evangelical Arminians” (Arminianos Evangélicos), onde ele diz que “um
evangélico não pode ser arminiano mais do que um evangélico pode ser católico romano”,[3] o
teólogo do Seminário de Westminster e editor da revista também chama o Arminianismo de
“uma mensagem centrada no homem, de potencial humano e relativa impotência divina”.[4]
Horton dificilmente é o único crítico que tem feito esta acusação contra o Arminianismo.
Vários autores de artigos da edição sobre o “Arminianismo” da Modern Reformation fazem a
mesma coisa. Por exemplo, Kim Riddlebarger, seguindo B. B. Warfield, afirma que a liberdade
humana é a premissa central do Arminianismo, o seu “primeiro princípio” que rege todo o resto.
[5] Isto é simplesmente uma outra maneira de dizer que o Arminianismo é “centrado no
homem”. O teólogo luterano Rick Ritchie faz a mesma acusação contra o Arminianismo na
mesma edição da Modern Reformation.[6] Nessa edição o teólogo Alan Maben cita Charles
Spurgeon quando diz que: “O Arminianismo [é] uma religião e heresia natural, de rejeição a
Deus e auto-exaltação” e o homem é a figura principal em perspectiva.[7]
Talvez a forma mais sofisticada de dizer a mesma coisa é fornecida pelo estudioso da
ortodoxia protestante Richard Mueller em seu volume sobre Armínio intitulado God, Creation
and Providence in the Thought of Jacob Arminius. Mueller escreve que “O pensamento de
Armínio evidencia... uma maior confiança na natureza e nos poderes naturais do homem... do
que a teologia de seus contemporâneos reformados”.[13] Ele passa a acusar Armínio de
confundir natureza e graça e de colocar a criação no centro da teologia, negligenciando a
redenção. Ele escreve que Armínio tendia “a entender a criação como manifestando o propósito
último de Deus”.[14] Uma leitura atenta da interpretação de Mueller da teologia de Armínio irá
revelar que ele está acusando-a de ser antropocêntrica ou centrada no homem ao invés de
centrada em Deus e focada na graça. Uma leitura atenta de Armínio, por outro lado, irá revelar
quão equivocada é esta avaliação.
O que esses e outros críticos querem dizer quando acusam o Arminianismo de ser
“centrado no homem” ou “centrado na humanidade”? E o que significaria para uma teologia ser
centrada em Deus, como eles afirmam que a deles é? Especialmente no atual ressurgimento
calvinista de cristãos “jovens, inquietos e reformados”, é importante esclarecer esses termos
como frequentemente se ouve dizer, como se fosse um mantra, que teologias não-calvinistas
são centradas no homem enquanto a teologia reformada é centrada em Deus. O seu principal
guru, John Piper, frequentemente fala sobre o “Teocentrismo de Deus” e se refere a tudo na
criação e redenção para a glória de Deus como o principal fim. Sua implicação, ocasionalmente
afirmada, é que o Arminianismo não satisfaz esta visão elevada de Deus. Muito frequentemente
sem qualquer consideração do que essas designações significam, os novos calvinistas de hoje
as espalham como clichés e slogans.
Certamente existe alguma verdade nessas críticas, mas elas erram o alvo quando
apontadas para a teologia arminiana clássica. Infelizmente, muito raramente os críticos
mencionam algum teólogo arminiano ou citam do próprio Armínio para apoiar essas acusações.
Quando eles dizem “Arminianismo”, eles parecem querer dizer a religião popular, que em geral
é, reconhecidamente, semipelagiana. Alguns, mais notavelmente Horton, aponta o revivalista
do século dezenove, Charles Finney, como o culpado de rebaixar o Cristianismo americano a
uma espiritualidade centrada no homem. Se Finney é um bom exemplo de um arminiano é
altamente questionável. Concordo com Horton e outros que o Cristianismo bem popular nos
Estados Unidos, incluindo muito do que se passa por “evangélico”, é centrado no homem.
Discordo deles, no entanto, sobre o Arminianismo clássico, sobre o que eu suspeito que a
maioria deles sabe muito pouco.
Em segundo lugar, aparentemente, para os críticos reformados do Arminianismo, a
teologia centrada em Deus deve ver Deus como aquele que determina toda a realidade, e que
inclusive ordena, projeta, governa e controla o pecado e o mal, que são então introduzidos no
plano, propósito e vontade de Deus. A vontade perfeita de Deus sempre está sendo feita,
mesmo quando paradoxalmente contemplá-la o faz sofrer (como John Piper gosta de afirmar).
A única visão da soberania de Deus que irá satisfazer os críticos reformados do Arminianismo é
a providência meticulosa na qual Deus planeja e torna tudo certo, até as mínimas decisões das
criaturas, mas mais notavelmente a queda da humanidade e todas as suas consequências,
incluindo o sofrimento eterno dos pecadores no inferno. O lado negativo disso, obviamente, é
que o Deus que está no centro é, mais uma vez, moralmente ambíguo na melhor das hipóteses
e um monstro na pior. O teólogo David Bentley Hart assim se expressa: Deve-se considerar o
preço dessa centralidade em Deus:
Ela nos obriga a crer e amar um Deus cujos bons propósitos serão realizados não
somente apesar de – mas inteiramente por meio de – cada crueldade, cada miséria
fortuita, cada catástrofe, cada traição, cada pecado que o mundo já tenha conhecido;
ela nos obriga a crer na eterna necessidade espiritual de uma criança morrer de uma
morte agonizante de difteria, de uma jovem mãe devastada pelo câncer, de dezenas de
milhares de asiáticos sendo engolidos em um instante pelo mar, de milhões
assassinados em campos de extermínio, gulags[15] e pela fome provocada (e assim
por diante). É uma coisa estranha, na verdade, buscar [uma teologia centrada em
Deus]... à custa de um Deus que se torna moralmente repugnante.[16]
O ponto de tudo isso é simplesmente este: Não adianta muito construir uma teologia
centrada em Deus se o Deus que está no seu centro é pura e simplesmente poder, de caráter
moral ambíguo. “Glória” é um termo ambíguo. Quando separado de virtude não é digno de
devoção. Muitos dos monarcas da história foram “gloriosos” e ao mesmo tempo eram
sanguinários e cruéis. A verdadeira glória, a melhor glória, a glória correta, digna de adoração,
honra e devoção inclui necessariamente a bondade. Poder sem bondade não é verdadeiramente
glorioso, mesmo se ele é chamado assim. O que faz alguém ou algo digno de veneração não é
o simples poder, mas a bondade. Quem é mais digno de imitação e até veneração, Madre
Teresa ou Adolf Hitler? Hitler conquistou a maior parte da Europa. Madre Tereza tinha pouco
poder além do seu exemplo. E, no entanto, a maioria das pessoas diria que Madre Teresa era
mais “gloriosa” do que Adolf Hitler. Deus é glorioso porque ele é tanto grande quanto bom e
sua bondade, assim como sua grandeza, deve ter alguma ressonância com o nosso melhor e
mais alto conceito de bondade ou então ela não faz sentido.
Tudo que deve ser dito é que os críticos do Arminianismo são aquelas pessoas do
provérbio que atiram pedras na casa dos outros enquanto vivem em casas de vidro. Eles falam
interminavelmente sobre a glória de Deus e sobre a centralidade em Deus enquanto sugam a
bondade de Deus e dessa forma o despem de sua real glória. Sua teologia pode ser centrada
em Deus, mas o Deus em seu centro é indigno de estar no centro. Melhor uma teologia
centrada no homem do que uma teologia que gira em torno de um ser que dificilmente se
distingue do diabo.
Apesar das objeções em contrário, irei argumentar que a teologia arminiana clássica é
tão centrada em Deus quanto o Calvinismo, se não mais. O Deus no seu centro, cuja glória, ao
contrário das afirmações dos críticos, é a finalidade ou propósito principal de tudo, não é
moralmente ambíguo, o que é o ponto principal do Arminianismo. De alguma forma, a teologia
arminiana foi estigmatizada com a má reputação de crer muito fortemente na liberdade
humana. Isso nunca foi verdade. O Arminianismo real sempre acreditou na liberdade humana
por uma razão principal: proteger a bondade de Deus e, dessa forma, a reputação de Deus em
um mundo cheio de maldade. Existe apenas uma razão para a teologia arminiana clássica
enfatizar o livre-arbítrio, mas ela tem dois lados. Primeiro, proteger e defender a bondade de
Deus; em segundo lugar, tornar clara a responsabilidade humana pelo pecado e o mal. Ela não
tem absolutamente nada a ver com algum desejo humanista de autonomia da criatura ou de
crédito pela salvação. Nunca consistiu em vanglória, exceto na bondade do Deus que cria,
governa e salva.
Por que será que Armínio rejeitava e por que será que os arminianos clássicos rejeitam
o Calvinismo? Certamente não é porque ele é centrado em Deus. Como irei demonstrar, a
própria teologia de Armínio era totalmente centrada em Deus em todos os sentidos. Armínio e
seus seguidores rejeitaram o Calvinismo porque, como o próprio Armínio dizia, ele é
“repugnante à natureza de Deus”.[18] Como assim? Segundo Armínio (e todos os arminianos
clássicos concordam), o Calvinismo implica que “Deus realmente peca. Porque, (de acordo com
essa doutrina,) Ele induz a pecar por um ato que é inevitável, e de acordo com seu próprio
propósito e intenção primária, sem ter recebido qualquer indução anterior a tal ato de qualquer
pecado ou demérito precedente no homem”. Além disso, “A partir da mesma posição, nós
também podemos inferir que Deus é o único pecador. Pois o homem, que é impelido por uma
força irresistível a cometer o pecado (isto é, a perpetrar algum ato que foi proibido), não se
pode dizer que ele próprio peca”. Finalmente, “Como uma legítima consequência, também
resulta que o pecado não é pecado, pois o que quer que seja que Deus faça, isso não pode ser
pecado, nem deveria quaisquer de seus atos receber essa designação”.[19]
Qualquer um que tenha lido os sermões de John Wesley “Sobre a Graça Livre” e “A
Predestinação Calmamente Considerada” sabe muito bem que ele rejeita o Calvinismo pela
mesma razão dada por Armínio antes dele. No primeiro sermão ele descreveu a dupla
predestinação (que ele corretamente argumentava que é necessariamente implicada pela
eleição incondicional calvinista clássica) como “Que blasfêmia esta, como alguém pensaria que
poderia fazer tinir os ouvidos de um cristão!”[20] Segundo ele, essa doutrina “destroi todos
seus atributos [de Deus] de uma só vez” e “representa o mais santo Deus como pior do que o
diabo, como mais falso, mais cruel, e mais injusto”.[21] No sermão “A Predestinação
Calmamente Considerada”, Wesley rejeitava o Calvinismo por um único motivo: não porque ele
negava o livre-arbítrio do homem, mas porque ele “destroi a justiça de Deus”. Ele pregava
como se fosse para um calvinista: “você supõe que Ele [a saber, Deus] os envia [a saber, os
réprobos] para o fogo eterno, por não escapar do pecado! Isto é, em termos simples, por não
ter aquela graça que Deus decretou que eles nunca deveriam ter! Que estranha justiça! Que
imagem você extrai do Juiz de toda a terra!”[22] Qualquer um que tenha lido os arminianos
clássicos posteriores sabe que seu principal motivo para rejeitar o Calvinismo é o mesmo: ele
impugna a bondade de Deus bem como mancha a sua reputação. Isso não tem nada a ver com
a valorização do livre-arbítrio humano em si e por si, e eu desafio os críticos a demonstrarem o
contrário.
Confesso que a mente de... um homem natural e carnal é obscura e sombria, que suas
afeições são corruptas e desordenadas, que sua vontade é teimosa e desobediente e
que o próprio homem está morto em pecados. E eu adiciono a isto, que o professor que
atribui tanto quanto possível à Graça Divina obtém a minha mais alta aprovação, desde
que ele tanto defenda a causa da Graça como não inflija prejuízo à Justiça de Deus e
não retire o livre-arbítrio para fazer o que é mau.[27]
O contexto desta declaração deixa claro que a preocupação de Armínio com o livre-
arbítrio é evitar injúria à bondade de Deus, tornando-o o autor do pecado e do mal. Para ele, o
livre-arbítrio humano é sempre a causa do pecado e do mal e Deus nunca é a sua causa,
mesmo que indiretamente. (Embora, deve ser notado que em sua doutrina da providência,
Armínio afirma que uma criatura não pode fazer nada sem a permissão de Deus e até mesmo a
sua cooperação). Esta é a única razão pela qual ele afirma o livre-arbítrio.
A segunda questão levantada pelos críticos do Arminianismo tem a ver com as alegadas
limitações de Deus e a falta de soberania e poder. O presidente do Seminário Teológico Batista
do Sul, Al Mohler, escreve em The Coming Evangelical Crisis que “O Deus arminiano, em última
análise, não tem onisciência, onipotência e soberania transcendente”.[32] Eu argumento que
esta acusação não tem peso algum. Qualquer um que lê Armínio ou seus fiéis seguidores, os
arminianos clássicos, não pode sair com essa impressão. Todos enfatizam a soberania de Deus
sobre a sua criação, incluindo a providência específica, e todos ressaltam o poder de Deus
limitado apenas pela sua bondade. O que confundem os críticos reformados (e talvez outros) é
o pressuposto arminiano subjacente da auto-limitação voluntária de Deus em relação à
humanidade. No entanto, que Deus se limita a si mesmo de maneira nenhuma significa que ele
é essencialmente limitado. De acordo com a teologia arminiana, Deus é soberano sobre a sua
soberania e sua bondade condiciona o seu poder. Do contrário, ele seria pura e simplemente
poder sem caráter. Como afirmei anteriormente, isso o tornaria indigno de adoração.
Vou começar, como fiz antes, com o próprio Armínio. O que ele acreditava sobre a
soberania e o poder de Deus? Primeiro, ele corretamente apontava que, embora ele afirmasse o
domínio absoluto de Deus sobre a criação, “A declaração de domínio não tem glória por si só, a
menos que ele tenha sido devidamente utilizado”.[33] Em seus “Debates Privados” e seus
“Debates Públicos”, Armínio fez um grande esforço para afirmar e apoiar o que é chamado de
teísmo cristão clássico com todos os atributos tradicionais inerentes a ele, incluindo a
onipotência e a soberania. Uma declaração mais forte a respeito dos atributos incomunicáveis
de Deus não poderia ser encontrado em qualquer outro lugar. Quanto à soberania, Armínio
confessou que “Satanás e os homens ímpios, não somente não podem realizar, mas, na
verdade, não podem até mesmo começar alguma coisa, exceto pela permissão de Deus”.[34]
Até mesmo alguns arminianos podem considerar algumas das declarações de Armínio
sobre a soberania de Deus perplexas, se não perturbadoras. Ele atribuía todo o poder a Deus e
negava que qualquer criatura tivesse a capacidade de realizar alguma coisa, inclusive o mal,
independentemente de Deus. Aos críticos que o acusavam de limitar a Deus e exaltar a
autonomia humana, Armínio escreveu:
Eu abertamente reconheço que Deus é a causa de todas as ações que são perpetradas
pelas criaturas. Porém, eu meramente exijo isso, que essa eficiência de Deus seja assim
explicada de modo que nada, seja o que for, seja depreciado da liberdade da criatura, e
que a culpa do próprio pecado não seja transferida a Deus: isto é, que possa ser
demonstrado que Deus é de fato o causador do ato, no sentido que ele permite o
próprio pecado, ou melhor, que Deus é, ao mesmo tempo, o causador e o que permite
o mesmo ato.[35]
Esta é uma expressão da doutrina de Armínio a respeito da divina cooperação na qual a
criatura não pode agir sem a permissão e ajuda de Deus. Deus quer que as suas criaturas
tenham o livre-arbítrio e, portanto, deve relutantemente cooperar com as criaturas em seus
atos pecaminosos, porque elas não podem agir independentemente dele. No entanto, ele não
planeja, propõe ou torna certo qualquer pecado ou mal.
Para ainda mais explicar o ponto: Em sua “Uma Carta Dirigida a Hippolytus A Collibus”,
Armínio fez um grande esforço para afirmar a soberania, o poder e o controle providencial
divinos sobre a criação. Ele especula que foi acusado de manter “opiniões deturpadas a respeito
da Providência de Deus” porque negava que “com relação ao decreto de Deus, Adão pecou
necessariamente”.[36] Em outras palavras, ele rejeitava a visão típica calvinista de que Deus
preordenou e tornou certo o pecado de Adão. Entretanto, ele asseverava que, apesar de sua
rejeição da necessidade da queda de Adão, ele ensinou uma visão vigorosa e elevada da
providência de Deus:
Eu muito solicitadamente evito duas causas de ofensa, – que Deus não seja proposto
como o autor do pecado, – e que sua liberdade não seja retirada da vontade humana:
Estes são dois pontos que, se alguém souber como evitá-los, refletirá sobre nenhum
ato que eu não vou, nesse caso, muito alegremente reconhecer que seja atribuído à
Providência de Deus, desde que uma justa consideração seja atribuída à divina
preeminência.[37]
O que é absolutamente claro a partir do contexto é que sua insistência que a liberdade
não seja retirada da vontade humana tem somente um único motivo – que Deus não seja
proposto como o autor do pecado. Ele não tinha nenhum interesse secreto na autonomia
humana ou no livre-arbítrio por sua própria causa. Sua centralidade em Deus girava em torno
de dois focos: a bondade imaculada de Deus e a absoluta dependência da criatura de Deus
para tudo que é bom. Estas não podem deixar de ser notadas, pois elas aparecem em quase
todas as páginas de seus escritos.
E quanto aos arminianos posteriores? Será que eles permaneceram fiéis a esta elevada
doutrina da supremacia de Deus em e sobre todas as coisas? Enquanto afirmava tudo que
Armínio e os primeiros remonstrantes ensinaram sobre a doutrina, incluindo o controle de Deus
sobre todas as coisas na criação, Richard Watson corretamente advertiu que “a soberania de
Deus é uma doutrina bíblica que ninguém pode negar; porém isso não significa que as noções
que os homens aprazem formar dela devem ser recebidas como bíblicas”.[41] Por exemplo, ele
afirma que Deus podia ter impedido a queda de Adão e todas as suas más consequências, mas
considerou melhor permiti-la.[42] Que Deus meramente a permitiu e não a preordenou ou a
causou é onde a doutrina da providência de Watson se distancia da visão reformada típica. No
entanto, ele rejeita qualquer noção de que Deus seja de algum modo o autor do pecado como
incompatível com a bondade de Deus.[43] O próprio fato que ele afirma que Deus poderia ter
impedido a queda aponta para a sua forte visão da onipotência e soberania de Deus.
Novamente, em Watson, vemos uma sutil, mas definitiva suposição da voluntária auto-limitação
de Deus a fim de manter o Deus que se encontra no centro da teologia bom e digno de
adoração.
O resultado de tudo isto até agora é que a teologia arminiana clássica não tem uma
ênfase centrada no homem. A principal preocupação de Armínio não era elevar a humanidade
ao mesmo nível de Deus ou superior a ele; ninguém pode lê-lo de forma justa e ter essa
impressão. Sua principal preocupação era elevar a bondade de Deus ao mesmo nível ou até
mesmo sobre o poder de Deus, sem diminuir em nada o poder de Deus. A forma que ele
conseguiu isso foi por meio da ideia da voluntária auto-limitação divina – algo que ele em todos
os lugares supõe e sugere sem expor explicitamente. O teólogo reformado Richard Mueller
corretamente descobriu e trouxe à luz este elemento do pensamento de Armínio. Ele reconhece
os dois igualmente importantes impulsos no pensamento de Armínio: o direito absoluto de Deus
de exercer poder e controle e a livre limitação de Deus do poder para o bem da integridade da
criação:
O ponto é que toda e qualquer limitação do poder e controle soberano de Deus para
dispor de suas criaturas como ele quer é auto-imposta, quer por sua natureza, quer por suas
promessas do pacto. Isto dificilmente resulta em uma teologia centrada no homem! Na
realidade, pode-se corretamente afirmar que certas doutrinas reformadas da necessidade da
criação, incluindo a redenção e a condenação, para a completa manifestação dos atributos de
Deus e plena exibição de sua glória resulta em uma teologia centrada na criação, que rouba
Deus de sua liberdade e torna o mundo necessário para ele.
Como sempre, vou começar com o próprio Armínio. Qualquer um que lê os seus
“Debates Privados”, “Debates Públicos” ou seus “Discursos” não pode negar que ele faz da
glória de Deus o propósito supremo de tudo, incluindo a criação, a providência, a salvação, a
Igreja e a consumação. Em seus “Debates Privados”, Armínio declarou claramente que Deus é a
causa de toda bem-aventurança e que o “fim” da bem-aventurança é duplo: “(1.) uma
demonstração da gloriosa sabedoria, bondade, justiça, poder e igualmente da perfeição
universal de Deus; e (2.) sua glorificação pelos beatificados”.[45] Para que ninguém pense que
ele torna Deus dependente da criação ou que a criação é necessária para Deus, Armínio declara
em sua “Apologia ou Defesa” que tudo quanto Deus faz ad extra[46] é absolutamente livre –
até mesmo sua auto-glorificação através da criação e da redenção: “Deus livremente decretou
formar o mundo, e livremente o formou: E, neste sentido, todas as coisas são feitas de forma
contingente em relação ao decreto divino; porque nenhuma necessidade existe por que o
decreto de Deus deve ser apontado, uma vez que ele procede de sua própria pura e livre...
vontade”[47] Em outras palavras, somente a crença de Armínio na liberdade libertária, tanto
de Deus quanto das criaturas, protege a absoluta contingência e, portanto, a liberdade da
criação. O que é mais glorioso? Um Deus que cria para glorificar a si mesmo de forma
absolutamente livre ou um, como o Deus de Jonathan Edwards, que não pode fazer
diferentemente do que faz?
Anteriormente eu disse que Armínio quase sempre conclui que tudo no céu e na terra é
para a glória de Deus. Há uma e somente uma exceção. Em sua discussão sobre o pecado, ele
conclui, especificamente aqui no que diz respeito ao primeiro pecado, que “Não havia nenhum
fim para este pecado”.[53] Tanto o homem que pecou quanto o diabo estabeleceram um fim
ou propósito para o pecado, mas no final das contas o pecado não poderia ter um propósito
que seria transportá-lo para a vontade de Deus que não o faria pecado. Pelo contrário, o
primeiro pecado, como todo pecado, foi algo irracional e inexplicável – exceto pelo apelo ao
abuso do homem do livre-arbítrio. No entanto, Deus tinha um fim em permiti-lo: “atos gloriosos
a Deus, que possam surgir dele”.[54] Em outras palavras, enquanto o pecado não glorifica a
Deus, a redenção dos pecadores o glorifica.
Concluo com essa observação. A diferença entre as teologias arminiana e calvinista não
está na centralidade do homem versus a centralidade em Deus. O verdadeiro Arminianismo é
tão completamente centrado em Deus quanto o Calvinismo. Uma leitura justa dos teólogos
arminianos clássicos, de Armínio a Thomas Oden, não pode deixar de encontrar neles uma
ressonante confirmação da centralidade em Deus de toda a criação e redenção. A diferença, ao
invés disso, se encontra na natureza e no caráter do Deus que está no centro desses dois
sistemas. O Deus que está no centro do Calvinismo clássico e extremado, tipificado pela TULIP,
é um ser moralmente ambíguo em poder e controle, que dificilmente se distingue do diabo. O
diabo quer que todas as pessoas vão para o inferno enquanto que o Deus do Calvinismo quer
que algumas pessoas, talvez a maioria, vão para o inferno. O diabo é o instrumento de Deus
para causar destruição e terror no mundo – para a glória de Deus. O Deus que está no centro
do Arminianismo clássico é o Deus de Jesus Cristo, cheio de amor e compaixão, bem como
justiça e ira, que voluntariamente limita o seu poder para permitir a rebelião da criatura, mas é,
não obstante, a fonte de todo bem, para cuja glória e honra tudo existe, exceto o pecado.
Fonte: http://www.rogereolson.com/2010/11/28/arminianism-is-god-centered-theology/
http://www.arminianismo.com/index.php/categorias/diversos/artigos/44-roger-e-olson/
1223-roger-e-olson-o-arminianismo-e-uma-teologia-centrada-em-deus