Você está na página 1de 42

Livro: Beleza Mágica

Autor: Thomas Brezina

Tradução de: Claudia Cavalcanti

Editora: Ática

Ano: 2004

Transcrito por: Anair Meirelles

Ilustrado por: Tanara


Bandeira

Uso exclusivo dos alunos


do Instituto Santa Luzia

Beleza Mágica: isso existe?

Oi, gente! Meu nome é Cris!


Acho que sou legal, mas tenho um problema: às vezes não consigo ficar
calada. E foi justamente isso o que aconteceu com uma aposta. Se eu
perder...
Não, ainda não posso falar nada. Primeiro preciso contar a vocês uma
coisa importante: gosto de dar risada, e muito, mas quando me olho no
espelho, meu humor
vai por água abaixo. É que me sinto terrivelmente feia.
Para começar, os cabelos. São tão lisos que mais parecem saídos de uma
espiga de milho. Preferia ter cachos. E meu rosto, então? Uma empadinha
murcha, simplesmente
horrível. Meus braços são tão compridos que eu poderia fazer o papel de
homem-macaco em qualquer circo. E minhas pernas, curtas e grossas demais,
parecem as de um
hipopótamo.
Só tem uma coisa que impede que me tranque no porão para sempre e nunca
mais veja a luz do dia.
Essa coisa se chama "Beleza Mágica".
Beleza Mágica não é um creme.
Beleza Mágica não é uma pílula.
Beleza Mágica não são sais de banho, tampouco pó.
Beleza Mágica é magia pura, e ela fará de mim e das minhas duas
melhores amigas, Bia e Vani, as meninas mais bonitas da cidade.
Todos acham que nós três somos garotas absolutamente normais. E
realmente, como as nossas famílias, parecemos bem normais. Mas guardamos
um segredo... e esse
segredo não é nem um pouco normal.
No porão da Câmara Municipal de nossa cidade existe uma porta lilás que
só nós podemos ver. Sim, estou falando sério. Se o zelador passar por
aquela parede,
ele só verá tijolos. Mas se nós pararmos diante dela, então a porta
aparecerá sem fazer barulho e se abrirá misteriosamente.
Atrás dela há uma espécie de depósito cheio de livros, cestas, malas -
a maior tranqueira. E no meio dessa bagunça mora um sapo gordo que gosta
de fumar charuto
e se empanturrar de batatas chips. Esse é Alex. Ele nos incumbiu de uma
importante missão, pois em nossa cidade nem tudo é como parece ser.
Mas isso eu conto mais tarde. Por enquanto basta que vocês conheçam
Alex e saibam que nos seus livros velhos podem ser encontrados todo tipo
de exorcismos e
fórmulas mágicas. Não são coisas como "abracadabra" ou "sim-salabim-bim-
bim", mas fórmulas de verdade, capazes de provocar efeitos inesperados.
Alex permite que os livros sejam folheados e lidos, mas não deixa que
os levemos para casa. Isso é terminantemente proibido. Há poucos dias,
por acaso, encontramos
o livro sobre a beleza mágica e tivemos que copiar as fórmulas mais
interessantes, em código, claro, pois ninguém além de nós pode conhecê-
las.
Bia, Vanessa e eu somos realmente boas com códigos secretos. Não
paramos de inventar novos códigos e só nos comunicamos por meio de
mensagens secretas. Assim,
mesmo que elas caiam em mãos erradas, certamente nada acontecerá. Pois
além de nós três, ninguém saberá decifrá-las.
Foi na minha casa que nos encontramos para testar as fórmulas mágicas
da beleza. Meus dois irmãos mais velhos, César e Antônio, estavam no
treino de basquete,
e papai e mamãe, no trabalho. Portanto, a previsão de paz era completa.
Vanessa, que não acredita muito em feitiçarias, não queria participar.
Bia é diferente, ela é muito medrosa mas também muito curiosa. Além
disso, quer ficar
tão magra quanto um cabo de vassoura (ela tem mesmo uma barriguinha...).
No livro de Alex encontramos fórmulas do tipo "Adeus, espinhas",
"Cabelos sedosos", "Cachos de mel", "Graça sedutora" (seja lá o que isso
for) e até uma fórmula
para "Beleza avassaladora"!
-- Acho que não devemos nos preocupar com detalhes. Vamos experimentar
logo esta fórmula aqui! - sugeri às minhas amigas.
Vani torceu a boca, Bia fez uma careta de medo. Mas a única alternativa
era a de seguir em frente.
Para fazer o feitiço precisávamos de um espelho grande e de uma foto da
pessoa que achássemos especialmente bonita.
Por sorte, Vanessa, Bia e eu moramos na mesma rua. Elas correram para
suas casas e pegaram as fotos. Eu arrumei uma de Estela May, famosa
estrela pop que invadiu
as paradas de sucesso nos últimos tempos, que é simplesmente sensacional.
Um arraso, com aqueles cabelos de cachos naturais e olhos grandes.
Vanessa trouxe a foto de uma atleta.
-- Eu não quero mais ser tão magra - explicou.
Bem, era o que ela queria. Mas, na minha opinião, a tal da atleta
parecia mais um Rambo de biquíni.
Bia escolheu a foto de uma atriz que todos acham maravilhosa. Ela me
faz lembrar uma tábua, de tão magra.
Com as fotos em mãos, deveríamos nos posicionar diante do espelho, e
dizer a fórmula. Foi o que fizemos.
De inicio não conseguimos pronunciar a fórmula, soava estranha.
Tentamos pelo menos cinco vezes, mas em todas elas acabávamos caindo na
maior gargalhada. Até
que, por fim, derrubamos as fotos no chão e as apanhamos ainda às
gargalhadas.
Somente na sexta vez, conseguimos nos concentrar e dizer a fórmula em
voz alta.
E então... NADA ACONTECEU!
No espelho vimos apenas a velha Vani, a velha Bia e a velha Cris.
Vanessa magra demais, Bia gorda demais, e eu, com pernas de hipopótamo e
braços de macaco.
A beleza mágica não havia funcionado.
Mas, na manhã seguinte, tudo iria ser diferente...

Levantando com o pé esquerdo

Ao acordar não notei nada diferente. Estava cansada e sem vontade de ir


à escola, pois tinha prova de matemática na primeira aula.
De manhã não consigo raciocinar. Vestida com minha enorme camiseta-
pijama, saí de meu quarto para ir ao banheiro.
Do quarto ao lado saiu César. Ele tem quase 18 anos, é um velho. Mas as
meninas são loucas por ele. Todas as tardes ele recebe pelo menos três
telefonemas diferentes.
César usa óculos, mas ele só os coloca depois do banho. Naquela manhã
ele me olhou, apertou os olhos, abriu-os novamente e balbuciou:
-- Não acredito!
Ofegante, voltou ao seu quarto para pegar os óculos.
Tive uma suspeita. A fórmula da beleza fizera efeito. Eu agora parecia
tão estonteante quanto Estela May.
Todo desajeitado, César enfim colocou os óculos e chegou bem perto de
mim examinando-me dos pés à cabeça, como se eu estivesse pintada de
verde.
-- E aí? - perguntei, ansiosa. - O que você acha?
-- Este é seu pijama novo? - perguntou César.
O que é que ele queria dizer com aquilo?
-- Ou é carnaval?
-- O quêêê???
Cuidadosamente, César estendeu a mão e pegou no meu braço com a ponta
dos dedos.
Agora eu também podia ver. Por baixo das mangas curtas de minha
camiseta podiam ser vistos verdadeiros pacotinhos de músculos. Respirei
fundo e corri para o
banheiro.
Quando olhei no espelho, comecei a arquejar como um peixe fora d'água.
Eu não tinha mais braços de macaco, nem pernas de hipopótamo. Eu era um
verdadeiro bolo de músculos.
Do banheiro, ouvi um sino tocar. Como a casa da Bia fica justamente em
frente à minha, estendemos um cabo de uma janela para a outra. Quando
queremos mandar
uma mensagem secreta, balançamos o cabo para que na outra ponta toque um
sino.
Mas dessa vez Bia não mandou uma mensagem. Lá estava ela na janela,
agitando os braços desesperadamente, ela agora tinha uma vistosa
cabeleira cacheada bem armada.
De longe parecia um capacete de astronauta.
Depois tocou o sino da janela do corredor. É de lá que sai um cabo
diretamente para o quarto de Vani, que é minha vizinha da casa ao lado.
Lá estava ela, mas
eu quase não conseguia vê-la, parecia um fio de cabelo de tão magra.
Deu tudo errado! Nós tínhamos trocado as fotos ao apanhá-las do chão!
E agora?
-- Cris, vem tomar café! - gritou mamãe lá de baixo.
Minha mãe é genial. Eu a adoro. Às vezes pensam até que somos irmãs!
Mas claro que ela nem desconfia do nosso segredo. Ninguém pode ficar
sabendo, mas como continuar
escondendo agora?
Corri e me tranquei no banheiro.
Em seguida escutei César gritando:
-- Mãe, você pode vir aqui um instante? Acho que tem alguma coisa
errada com a Cris.
-- Ela está doente? - perguntou mamãe, preocupada.
Parece ter caído num formigueiro - ouvi César dizer.
E logo escutei minha mãe subindo as escadas.
Eu estava encostada na porta do banheiro pensando desesperadamente no
que fazer. Quando virei a cabeça para o lado, dei de cara com o espelho
que vai até o chão.
Assustada, tive um calafrio, e todos os meus poderosos músculos
latejaram e saltaram.
Nunca mais eu poderia sair na rua daquele jeito, ficaria no banheiro
para sempre. Antônio, meu irmão, é superjeitoso; com certeza saberia
instalar uma janelinha
na porta do banheiro, por onde minha mãe me daria as refeições.
Lá fora, mamãe bateu na porta. Primeiro delicadamente, depois com
força.
-- Cris, abra, por favor - pediu.
Não me mexi.
-- CRIS!!!! - esbravejou alguém que não era nenhum de meus irmãos nem
meu pai.
No instante seguinte meus ouvidos foram bombardeados por um barulho
horrível. A porta do banheiro foi arrombada e diante de mim apareceu um
rosto furioso.
Eu o conhecia. Era o meu professor de geografia, que se
chamava Wolf.
O que ele estava fazendo no banheiro da minha casa???

A foto do cartaz

-- Bom dia! - disse ele, mordaz.


-- Bom dia, mas o quê...? - não consegui continuar. Eu não estava em
casa. Estava sentada na minha carteira da escola, na última fila, ao lado
da janela.
Logo senti que tinha ficado vermelha. Primeiro no rosto, depois nas
orelhas e por fim até a raiz dos cabelos. Estava com a cabeça deitada na
carteira. O professor
Wolf havia se curvado, de modo que pôde me fitar nos olhos.
-- E então, dormiu bem, senhorita? - ele perguntou, com uma voz que
mais parecia um rosnado. Segurava uma régua larga, que tinha estalado
antes, ao meu lado,
no tampo da carteira.
A culpa era do filme a que eu tinha assistido na TV na noite anterior.
Um filme terrível, assustador. Não costumo ficar
com medo quando vejo esse tipo de filme. Mas, depois de ter desligado a
TV, não consegui sair da sala para ir ao meu quarto. Meus irmãos não
estavam, e papai e mamãe
tinham ido visitar uns amigos. Estava sozinha em casa e tive de ficar no
sofá da sala até quase meia-noite. Fiquei com medo de que o homem com as
luvas pretas do
filme pudesse aparecer.
(Não contem isso a ninguém. Morro de vergonha!) Pouco antes da meia-
noite meus pais chegaram. Quando ouvi a chave girar na fechadura, saí em
disparada de meu
esconderijo e subi correndo para o meu quarto. Três segundos depois
estava dormindo profundamente, mas mesmo assim fiquei sonada no dia
seguinte.
A classe toda me olhava e, como estava muito irritada com aquilo, fiz
uma careta de raiva. Claro que o professor Wolf viu e ficou furioso
comigo outra vez. Como
castigo, me mandou fazer uma lição de casa especial.
Havia uma explicação para meu sonho com o feitiço da beleza. Primeiro,
porque quase sempre me sinto horrorosa mesmo, e segundo, porque grandes
novidades tinham
nos pegado de surpresa.
No começo da aula de geografia a diretora veio até nossa sala. Não sei
por quê, mas ela me lembra uma truta. Além disso, fala de um jeito muito
esquisito.
-- Queiridos alunos! - ela disse. - Na próuxima semana vem aqui oum
famouso fotógrafo. Está proucurando uma meinina para ouma proupaganda.
É assim que ela fala, juro! Bom, mas o fotógrafo estava à cata de uma
garota da nossa escola que depois apareceria sorrindo, em todas as
paredes e muros da cidade.
E não só isso: ela até faria um comercial de IV e ganharia um
monte de dinheiro.
Aquilo tudo era muito excitante, mas eu não tinha esperanças. Por que
razão o fotógrafo me escolheria? Logo eu, que tinha pernas de hipopótamo
e braços de macaco?
Suspirei fundo e olhei para as colegas. Éramos quatorze meninas, todas
mais bonitas do que eu. Todas! Não tinha a menor dúvida disso.
Finalmente, o sinal acabou com a aula-tortura de geografia. Na saída, o
professor Wolf me disse:
-- Se isso voltar a acontecer, vou pedir para seus pais virem à escola.
Mais que depressa fiz uma cara de culpada. Não, mamãe e papai não
deveriam saber daquele fora.
Bia e Vanessa se aproximaram e me cutucaram com o cotovelo.
-- Oi, dorminhoca! - disseram. - Estamos no verão. Cedo demais para
hibernar.
-- O que vocês acham da vinda do fotógrafo? -perguntei.
Vanessa deu de ombros.
-- Não tenho muita vontade de ser escolhida. Na próxima semana tenho
teste no judô para tentar mudar para a faixa azul. Para mim, isso é mais
importante.
Bia agia como se tudo aquilo lhe fosse indiferente, mas eu não
acreditava muito nisso.
-- Com certeza não seremos escolhidas, não é? - perguntei a minhas
amigas.
-- Muito dificilmente, porque nós três só em parte somos
bonitas - riu Vanessa. - Cris, você tem os mais belos olhos e o mais
maravilhoso sorriso. Bia, seus cabelos são demais. E eu... com o que
poderia contribuir?
-- Você tem o melhor porte - opinou Bia.
-- Precisaríamos de um verdadeiro doutor. Frankenstein para transformar
nós três numa beleza perfeita! -constatou Vanessa.
-- De vocês três pode-se fazer no máximo um monstro - brincou
alguém atrás de nós.

Pamela

Nos viramos e vimos Pamela, naquele momento, a número um da turma.


Atrás dela estavam suas discípulas, que a acham "o máximo.
Realmente, não gosto de reconhecer isso, mas Pamela é linda. Tem
cabelos louros maravilhosos, que sua mãe sempre varia com novos
penteados: encaracolados, com
coque, ou com rabo-de-cavalo. Ela é a única da turma que às vezes pode
usar batom ou sombra. Além disso, gosta de espalhar que ganha de presente
perfumes franceses e cremes
para o rosto.
Pamela só veste jeans, malhas e camisetas de grife, com a marca bem à
mostra. Além do mais, é esbelta. Não tem mais aquelas gordurinhas de
criança.
Na nossa turma quase todo mundo a considera bem legal. E todos querem
ser amigos dela. Mas Pamela tem sempre só três "melhores amigas",
substituídas depois de
algumas semanas. É por isso que as outras meninas sempre andam atrás
dela, esperando serem as próximas "melhores amigas".
Nós três - Bia, Vani e eu - não suportamos a tal da Pamela.
-- O que você acabou de dizer? - perguntou Vanessa, cruzando os braços.
Pamela também cruzou os braços, levantou as sobrancelhas e disse em tom
provocador:
-- Disse que de vocês três se pode fazer no máximo um monstro. - Ela se
virou para suas discípulas, que mais que depressa caíram na gargalhada.
Afinal de contas,
sua "chefe" estava bancando a engraçadinha.
Não consegui achar graça.
-- Você se acha muito engraçadinha! - retruquei. Pamela fez uma cara
séria e balançou a cabeça.
-- Não, não mesmo. Só estou dizendo a verdade. Novas risadas de suas
fãs.
Àquela altura nós três tínhamos cruzado os braços e encarávamos Pamela
com fúria.
-- Também não acho que um doutor Frankenstein fosse estragar suas facas
com vocês - prosseguiu Pamela. - Ele precisaria cortar a gordura da Bia;
no caso da Vanessa
ele precisaria de um serrote; e para alguém como Cris ele teria que usar
os dentes.
Foi possível ouvir Vanessa respirando fundo e se colocando em posição
de ataque. Se não a tivéssemos impedido, ela teria feito Pamela rodar
pelos ares, o
que causana muitos problemas depois. Por isso a seguramos com força.
Bia quis dizer alguma coisa, mas não conseguiu falar.
Ela estava vermelha de tanta raiva e olhava perplexa para sua barriga.
-- Aposto que uma de nós três vai ser a escolhida pelo fotografo -
acabei dizendo.
Pamela ria forçadamente, e as outras guinchavam como um bando de
hienas.
-- Muito bem, o que vamos apostar? - perguntou Pamela.
Eu não tinha a menor idéia e acabei sendo pega de surpresa.
-- Quem ganhar recebe da outra um ano inteiro de mesada - sugeriu
Pamela.
Um ano inteiro de mesada??? E eu já estava endividada com meus irmãos
porque minha mesada nunca era suficiente. Como iria pagar minha dívida?
-- Estou achando que você ficou em dúvida - provocou Pamela.
-- Claro que não - teimei. Ela me estendeu a mão e fizemos o acordo.
-- Vocês são testemunhas! - disse Pamela às suas discípulas. E
dirigindo-se a mim acrescentou: - Você já pode começar a economizar, pois
vai perder. Nenhuma de
vocês, horrorosas, será escolhida para as fotos. Afinal de contas, não é
um comercial para a Casa dos Horrores.
As outras começaram a cacarejar e guinchar novamente. Pamela se virou e
se afastou pelo corredor, com seu séqüito atrás, como servas de uma
rainha.
Bia bateu na testa e resmungou:
-- Será que você ainda tem salvação?
Vanessa também estava furiosa comigo:
-- Claro que vamos perder essa aposta e você vai ficar sem mesada.
Era só o que me faltava.
-- Muito obrigada pela grande ajuda! - desabafei. -Vocês querem ser
minhas amigas? Vocês são... são... ah, me deixem em paz.
Louca de raiva, peguei meu lanche e fui embora.
-- Horrorosa! Horrorosa! - ouvi gritarem as discípulas de Pamela.
Quando Vanessa e Bia apareceram na sala, o séquito de Pamela sibilou:
-- Olha lá, Gordurinha e Esqueleto!
Por sorte deu o sinal nesse momento, evitando uma briga das boas.
Mas durante a aula elas continuaram fazendo brincadeiras de mau gosto.
Lisa e Bina, que se sentavam na minha frente, sempre soltavam uma
gracinha:
-- Oi, Horrorosa, como vão Gordurinha e Esqueleto?
No exato momento em que puxei o cabelo das duas, Miller, nosso
professor de matemática, virou-se na minha direção e, pela segunda vez no
mesmo dia, ganhei uma
lição de casa especial.
Quando Miller começou a encher a lousa com enormes equações, Bia me
jogou um papelzinho dobrado. Peguei o disco decodificador e li a mensagem

Como se tornar maravilhosa

Senti um alívio. Detesto quando brigo com Bia e Vani. As duas se


viraram para mim e piscaram. Eu pisquei de volta , e com isso tudo voltou
às boas.
Mas como eu poderia ganhar a aposta?
O resto do dia na escola foi terrível. Pamela havia enfeitiçado todas
as suas discípulas contra nós três. De toda parte ouvíamos: "Horrorosa!
Gordurinha! Esqueleto!".
De uma hora para a outra, todos ficaram contra nós. Estávamos
arrasadas.
De repente me senti mais feia do que nunca. E Bia não parava de passar
a mão na barriga. O rosto de Vanessa ficou ainda mais magro e ossudo.
Não pegamos o ônibus na volta para casa, fomos a pé. Na sorveteria deu
vontade de tomar um sorvete, mas Bia não quis. Ela achava que podia ficar
ainda mais gorda.
Minha vontade de tomar sorvete também passou logo. Agora eu tinha de
economizar. E Vani não quis tomar um sorvete sozinha, claro.
-- Depois do almoço vamos procurar Alex e pedir um conselho - propôs
Vanessa.
Alex, o sapo falante, existe realmente, não é a penas um sonho. Para
despistar, nunca vamos juntas até a Câmara Municipal. Cada uma escolhe um
caminho diferente.
No guia da cidade, marcamos pelo menos vinte trajetos que levam até a
Câmara. Só precisamos dizer o número para saber que caminho cada uma
escolheu.
-- Vou pelo nove - disse Bia.
-- Eu, pelo dezoito - disse Vanessa.
Escolhi o número dois, que era o mais curto.
-- Quem vai cuidar das batatas chips? - Vani perguntou. - Vamos
precisar levar muitas, para deixar Alex bom humor e ver se assim nos
ajuda.
Bia levantou a mão.
-- Levo todos os sacos de chips que temos em casa. Não quero mais comer
essas coisas mesmo...
Marcamos às quatro da tarde.
No caminho até lá, lembrei como havíamos descoberto porta secreta.
Tínhamos ido com a turma ao Museu da Cida e procurávamos um banheiro,
pois tínhamos bebido
mui refrigerante. Acabamos descendo até o porão e passamos p~ velha
parede de tijolos. De repente ouvimos um barulhinho em seguida surgiu uma
porta lilás, que depois
se abriu.
Tive coragem e fui a primeira a passar pela porta. dentro dei de cara
com o sapo horroroso. Ele nos cumprimentou com as seguintes palavras:
-- Finalmente! Quanto tempo ainda ia precisar esperar?
Ficamos boquiabertas. Afinal de contas, não é todo c que encontramos
sapos que falam.
Alex explicou então a nossa missão, ameaçando-n com centenas de
espinhas e com queda dos cabelos, ca~ não a cumpríssemos. Legal, não é?
Em nossa cidade, tudo parece normal, mas é pura ilusão. Existem pessoas
que guardam segredos incríveis. De v em quando, algumas se transformam em
monstros; outra
na realidade, há muito tempo não estão vivas. Conhecem' até dois aliens,
bem disfarçados, um de padeiro e outro dentista.
Nossa missão consiste em manter sob controle os mortos-vivos e monstros
da cidade, que se disfarçam de pessoas completamente normais. Não é nada
fácil, podem
acreditar.
Mas somos garotas fortes que costumam cumprir suas tarefas
Pelo menos, na sua maior parte.
Às vezes nossas pernas ficam bambas. Na realidade, quase sempre. Mas
não quero falar disso agora.
Quando cheguei ao porão da Câmara Municipal, Bia e Vani já estavam lá.
Alex havia aberto todos os sacos de chips e espalhado as batatas fazendo
um enorme círculo
ao seu redor, comendo descontroladamente.
-- Vão falando logo, o que estão querendo? - perguntou, mastigando.
Contamos o que havia acontecido.
-- E como você tem tantos livros, queríamos saber se existe algum que
contenha fórmulas e receitas de como se tornar maravilhosa - concluí.
Com as patas verdes, Alex apalpou suas verrugas e fez uma careta. Por
fim, caiu para trás às gargalhadas, balançando as patinhas no ar.
-- Beleza mágica! - guinchou alto. - Se existe beleza mágica? Mas,
crianças, claro que não! Caso contrário eu já seria uma top model!
Imaginei Alex diante das câmaras, vestido de mulher, e quase caí na
gargalhada.
Mas logo em seguida ficou claro o que Alex tinha acabado de dizer.
Beleza mágica só existia em sonho, por isso não havia esperanças de que
eu pudesse ganhar
a aposta.
Nós três afundamos nas velhas cestas resmungando, desapontadas:
-- Oh, não!
Alex ficou sentado sobre as pernas e abocanhou um punhado de chips, que
mastigou fazendo um ruído quase ensurdecedor.
-- Em todo caso, estou me lembrando de duas outras possibilidades... -
falou, depois de um tempo, como que para si mesmo. Ansiosas, olhamos para
ele.

As três feras

-- Nesta cidade mora uma bruxa. Ela deve ter uns trezentos anos -
contou Alex.
-- Trezentos anos? Isso não existe! - exclamou Vanessa.
Alex olhou para ela, irritado.
-- Existe, sim. Bruxas podem sempre mudar de aparência. É por isso que
nunca envelhecem.
-- E quem é essa bruxa? - quis saber Bia.
Alex deu de ombros.
-- Não sei. Vocês vão ter que descobrir. Talvez ela possa ajudá-las a
se transformarem em belas garotas.
Em nossa cidade moram cerca de 44 mil pessoas. Como poderíamos
encontrar uma bruxa? Seria como procurar a famosa "agulha no palheiro".
-- E qual é a outra possibilidade? - perguntei. Alex saltou para fora
do círculo de batatas chips e começou a remexer num monte de livros. Um
após o outro, foi
jogando-os para o lado até encontrar um pequeno volume verde-cheguei. A
capa era simplesmente nojenta. Como uma velha pele de cobra ressecada.
Grossos cabelos pretos despontavam
da capa, sobre a qual havia, além disso, pequenas protuberâncias
parecidas com espinhas. Eca!
Alex riu com ar maroto.
-- Esse livro é divertido. Há cerca de duzentos e cmqúenta anos eu
também participei de um concurso de beleza masculina e acabei ganhando.
Graças a este livro.
Franzi a testa, curiosa.
-- Qual é o segredo dele?
-- Ele tem fórmulas que podem fazer com que apareçam verrugas nas
concorrentes, narizes compridos, orelhas de abano, carecas e olhos
remelentos - explicou
Alex, com um largo sorriso.
Aquilo não parecia mau. Era um bom "presente" para Pamela. Eu não
excluiria nada: sete verrugas no mínimo, um nariz bem grande e
torto e orelhas de Dumbo, aquele elefante voador. Claro que não poderia
faltar uma careca brilhante e remelas em um olho só, o que é muito mais
nojento.
-- Mas existe um pequeno problema - disse Alex.
-- Qual?
-- Bem, pode acontecer de mais tarde o feitiço virar contra o
feiticeiro.
-- O quê? - gritei. - Mas então não tem sentido!
-- Você quer ganhar a aposta ou não? - Alex perguntou, mordaz.
Claro que queria, mas apesar disso não queria ficar realmente horrorosa
um ano depois.
-- Aqui está! Querem levá-lo? - Alex estendeu-nos o livro. Ele tinha um
cheiro horrível de ovo podre.
-- Não, obrigada! - recusamos.
Já eram quase cinco da tarde, hora de voltar para casa. Despedimo-nos e
saímos da caverna. Não tínhamos conseguido muita coisa. Aliás, não
tínhamos saído do
lugar.
No jantar, um novo choque. Meu irmão mais velho, César, disse de
repente:
-- Irmãzinha, você está me devendo uma coisa.
Mamãe olhou-nos sem saber do que se tratava.
Mamãe é realmente como uma amiga. Mas quando o assunto é dinheiro, ela
é imprevisível.
Ela não admite que um empreste dinheiro para o outro. Segundo ela: "Só
se pode gastar o que se tem". É que meu avó foi à falência e aqueles
foram tempos difíceis
para minha mãe. Ela ainda era uma menina. Por isso é tão rígida quando se
trata de mesada e empréstimos.
-- Sim, sim, vou devolver - respondi rapidamente a César.
-- O que você vai devolver? - quis saber Mamãe.
-- Hã...? A caneta azul fosforescente que ele me emprestou - menti.
Não gosto muito de mentir. Tenho a impressão de que minha cara denuncia
quando estou inventando coisas.
Antônio é diferente de meu irmão mais velho. E dois anos mais novo do
que César e ainda não é muito grande. Gosta de brincar comigo.
-- Estão promovendo um novo concurso de fotos do banco - contou ele. -
Desta vez eles querem fotos engraçadas. Quero participar de qualquer
maneira, mas sábado
é o prazo final de entrega e na próxima quarta-feira já serão divulgados
os vencedores, e suas fotos serão expostas.
Antônio já havia vencido dois concursos de fotografia.
-- Tire fotos de César pensando. Ele faz sempre uma cara engraçada -
sugeri.
César torceu o nariz.
-- Muito engraçado! Mas talvez Antônio devesse esconder uma câmera na
sala quando todos estivéssemos fora -sugeriu César, ironicamente.
Ai, não acredito! Fiquei com as orelhas vermelhas. Não sei como ele
descobriu que eu estive assistindo escondido a filmes de terror.
-- Eu... eu vou pegar suco - disse rapidamente, levantando-me. - Alguém
mais quer?
-- Só se for vermelho-sangue - disse César, piscando para mim.
Eu estava em maus lençóis. César queria seu dinheiro de volta, e eu
ainda não tinha. Se perdesse a aposta, a situação ficaria ainda pior.
Além disso, estava
com medo de voltar para a escola. Com certeza as fãs de Pamela não
parariam de fazer comentários idiotas nas nossas costas.
Estava morta de cansada e por isso fui dormir cedo. Depois que escovei
os dentes e sai do banheiro, tocou o sininho na janela do corredor. Vani
me enviou uma
mensagem secreta, por uma mangueirinha que ficava ao lado do cabo.
Vanessa transformou a mensagem numa bolinha de papel e a empurrou pela
mangueira com um secador de cabelos.
O tratamento de beleza

Estava muito cansada, dormi imediatamente. Como todos os dias, na manhã


seguinte Vanessa veio me buscar. Tocamos a campainha da casa de Bia e
fomos de ônibus
para a escola.
-- Então, o que acham? - perguntou Vanessa.
Na noite anterior eu havia enviado a Bia a mensagem de Vani. Amarrei um
pedaço de arame em torno do bilhete, fiz um gancho e pendurei aquilo no
cabo. Levantei-o
um pouco, e a mensagem escorregou facilmente até a casa de Bia.
-- Por que não tentamos por vias normais? Minha mãe vai uma vez por
semana a um salão de beleza e funciona. Vamos fazer isso também! -
sugeriu Vanessa.
Eu já tinha ouvido falar desses salões. Uma vez lá dentro, toda a
mesada do mês vai embora.
-- Não temos condições para isso - eu disse, balançando a cabeça
negativamente.
Vanessa fez um gesto tranqüilizador.
-- Conheço a dona do salão "Oásis", que minha mãe freqüenta. Ela é
muito simpática. Vou pedir que nos ajude.
Bem, melhor do que nada.
-- Mesmo que não adiante, prejudicar não vai - foi a minha opinião.
-- Depois da escola vou passar pelo salão - prometeu Vanessa.
Aquela manhã foi simplesmente terrível. Pamela e suas seguidoras não
pararam de soltar piadinhas. Fingimos que não
estávamos escutando. Mas claro que ouvíamos tudo o que diziam. Era
péssimo.
Percebi que Bia não estava comendo quase nada, passava seu lanche
adiante, mas engolia em seco quando nos via comendo.
-- Você está querendo emagrecer? - perguntei.
Bia fez que sim, muda.
-- Bom dia, gorducha - cumprimentou nesse momento um dos fãs de Pamela.
Bia trincou os dentes ruidosamente. Não sei se eu me enganei, mas acho
que tinha lágrimas nos olhos. Provavelmente de raiva.
À tarde eu já tinha feito as lições, quando recebi uma nova mensagem de
Vanessa. Suas duas irmãs são especialmente curiosas, por isso ela nunca
telefona. Ela
tem medo de que uma delas escute. A mãe de Vanessa é muito rígida e
proíbe muita coisa. Com certeza não aprovaria nossos planos de beleza.
Ansiosa, desembrulhei a bolinha de papel enviada por Vanessa.
Boa pergunta. "O mais depressa possível", foi minha resposta. A maioria
dos produtos com certeza precisava de um pouco de tempo para fazer
efeito.
Era quinta-feira. Na sexta à noite mamãe e papai costumam ir ao cinema.
Meus dois irmãos com certeza também sairiam, pois no sábado podiam dormir
até mais tarde.
Bia, Vanessa e eu, portanto, podíamos nos encontrar na minha casa.
Convidei-as para a noite seguinte.
Na sexta tivemos uma grande surpresa na escola. Liliana, a
representante da turma, no fim do intervalo, foi até a frente da sala e
toda séria gritou:
-- Façam silêncio que preciso ler um aviso muito importante. Trata-se
do assunto do cartaz com as fotos.
Todas as meninas obedeceram; aos garotos pouco interessava aquele
assunto.
Meu coração começou a bater forte. Devo reconhecer que estava nervosa.
Talvez o fotógrafo não viesse mais e aí a aposta ia por água abaixo junto
com toda aquela
tensão.
Liliana tem cabelos pretos curtos e quase sempre veste calça e camiseta
brancas. Não sei como ela consegue estar sempre tão limpa.
-- O que está acontecendo? - gritou Pamela, impaciente, jogando, com
gestos estudados, os cachos louros sobre os ombros.
-- O fotógrafo já esteve anonimamente na escola nos observando -
respondeu Liliana. - Ele anotou três nomes.
-- Três? Como, três? - perguntou Pamela, indignada.
-- Essas três já foram escolhidas para o cartaz. Na próxima semana ele
combinará todos os detalhes com elas -prosseguiu Liliana.
-- E quem são essas três? - quiseram saber todos.
-- Cris, Bia e Vanessa! - informou nossa representante.
Olhamos uma para a cara da outra e quase explodimos de tanta alegria.
Mas Liliana continuou:
-- Essas três estarão no cartaz com o título: "A Bela e as Três Feras"!
A turma inteira começou a rir alto. Todos, sem exceção. E Pamela ria
mais alto que todos. Claro que essa encenação tinha sido idéia sua.
Liliana ainda não terminara:
-- A garota que vai representar a "Bela" continua sendo procurada.
Não havia salvação para o resto da manhã. Todos chamavam Bia de "Gorda-
Fera", Vanessa de "Caveira-Fera" e a mim de "Besta-Fera".
Tínhamos vontade de chorar. Mas se demonstrássemos desespero, Pamela e
suas fãs iriam ficar ainda mais felizes. Então só nos restava engolir em
seco e suportar
a dor de barriga.
Ou deveríamos ter espancado todas elas?
Nem isso teria dado certo, pois éramos minoria.
Por que todos obedeciam às ordens de Pamela? Por que todas iam atrás
dela como cachorrinhos amestrados? Por que todos estavam contra nós? Não
tínhamos feito
nada a ninguém!
Bia era a mais infeliz.
-- Não quero voltar mais para a escola - disse, a caminho de casa. -
Agora chega!
-- Olá, Feras! gritou-nos Bernardo, nosso colega, ao passar por nós de
bicicleta.
-- Dê o fora! urramos, muito mais alto do que gostaríamos, mas
precisávamos pôr para fora a raiva.
Vanessa nos abraçou.
-- Vai dar tudo certo. Hoje à noite vamos desfrutar de um tratamento de
beleza. A dona do salão "Oásis" me prometeu um monte de coisas. Tudo de
graça. Ela não
é o máximo?
Combinamos de nos encontrar às seis.
À tarde, lá estava eu diante do espelho me olhando de todos os ângulos.
Não eram apenas os braços de macaco e as pernas de hipopótamo que me
incomodavam, era simplesmente tudo. Eu parecia um bebê. Meu rosto era
redondo e rosado,
e meus cabelos, escorridos; nunca estiveram tão feios.
Mas havia algo ainda pior. Perdi o fôlego ao descobrir...

A transformação

Tinha uma espinha no queixo e começava a nascer outra na ponta do


nariz. Quando as vi no espelho, parecia que brilhavam de tão vermelhas.
-- Oh, não! - gemi.
Com certeza já tinha perdido a aposta. E a mesada não era o único
problema. Pamela ficaria insuportável se fosse escolhida para as fotos,
instigando todos a
nos provocar ainda mais. Com o tempo não agüentaríamos.
Ainda restava uma esperança. Talvez Vanessa ganhasse. Ela era realmente
muito magra, mas isso está na moda. Bia não tinha chance, estava claro,
mas eu não diria
isso a ela de jeito nenhum.
Estávamos mesmo em apuros!
Ainda por cima, por pouco não deu tudo errado à noite. Meu pai chegou
tarde do escritório, estava muito cansado. Queria ficar em casa.
-- Ah, não, Oscar. Eu já comprei as entradas para o cinema! - reclamou
minha mãe.
Felizmente ela conseguiu convencer meu pai e eles saíram.
Ufa, foi por pouco.
Antônio saiu para tirar as fotos do concurso do banco, e César ficou
batendo papo no telefone com uma garota. Depois tomou um banho de meia
hora e desapareceu.
Finalmente, tínhamos a casa só para nós.
Vanessa trouxe uma sacola cheia de tubos e garrafinhas.
-- A dona do salão me explicou tudo - ela disse. -A filha dela também
gosta de se embelezar e por isso ela nos deu as coisas.
Colocamos tudo sobre a mesa e lemos os rótulos. Logo descobri o produto
que eu precisava: um xampu para deixar os cabelos como eu queria. Foi o
que deduzi lendo
a etiqueta "cabelos cacheados". Além disso quis fazer uma máscara facial
que supostamente dava à pele "uma aparência radiante e limpa". Meu desejo
mais íntimo era
que ela também fizesse sumir espinhas.
-- Não vou ficar magra usando essas coisas - suspirou Bia.
-- Existe um tal "emagrecedor" - lembrou-se Vanessa, que pegou um
frasco marrom de tamanho médio e deu a Bia.
-- Será que adianta? - perguntou Bia. - Será que bebo ou esfrego isso
em mim?
-- Acho que você bebe - respondeu Vanessa, insegura. Ela estava
querendo fazer uma máscara facial de nata e pepino.
-- Começamos? - perguntou.
-- Vamos tentar! - respondi.
No andar de baixo de minha casa há um quarto de hóspedes, e era lá que
queríamos inaugurar nosso "salão de beleza". Vanessa pegou a nata e o
pepino e eu fui
para o banheiro lavar os cabelos com o xampu para cachos. O xampu tinha
alguma coisa estranha, era ensebado, oleoso e ruim de enxaguar.
Quando terminei, enrolei uma toalha de mão como se fosse um turbante na
minha cabeça, conforme tinha lido nas instruções. Depois voltei ao quarto
de hóspedes.
Bia estava se esfregando com o líquido verde.
-- O negócio é para esfregar, pois tem um cheiro horrível. Não se pode
beber isso - explicou-me.
Como achava meu rosto redondo e gordo demais, peguei um pouquinho do
líquido espesso e verde. Conhecia aquele cheiro, mas não sabia de onde.
A máscara de pepino e nata deixou Vanessa simplesmente hilariante. Ela
tinha de arrebitar o nariz para que as rodelas de pepino não
escorregassem.
A cena no quarto de hóspedes era a seguinte: eu com o turbante e o
líquido verde no rosto; Bia com o líquido verde nos braços e pernas, e
Vanessa com a máscara
de pepino.
-- Tenho ainda pó facial, rimel e sombra - contou Vanessa. - Além
disso, algumas amostras de perfume. Podemos experimentar tudo.
Não demoramos muito para ficar entediadas. Não queríamos mais esperar
sentadas pela chegada da beleza. E eu estava superansiosa para ver meus
cachos. Cuidadosamente,
tirei o turbante.
-- Ei, o que vocês acham? - perguntei às minhas amigas.
Vanessa engoliu em seco. Bia arregalou os olhos.
O que estava acontecendo?
-- Cachos maravilhosos? - ainda consegui perguntar. Pressentia que algo
tinha dado errado. Na mesinha na minha frente havia um espelho. Levantei-
o e me olhei.
Minhas pernas ficaram bambas.

Uma grave suspeita

Eu estava com os cabelos verdes. Para ser mais exata, com mechas
verdes. E a espinha na ponta do nariz tinha ficado ainda mais vermelha
com o líquido verde.
Vanessa deu um grito. Virei-me em sua direção e vi-a apontando para o
jardim. A janela estava aberta; do lado de fora, o meu irmão Antônio. Ele
estava com a
câmera em nossa direção disparando milhares de Jiasbes sobre nós.
-- Dê o fora! - vociferei.
Parecia que o dedo de Antônio havia grudado no disparador. Ele não
parava de fotografar.
-- Pare! Não! - continuei a berrar. Só então tive a idéia de fechar as
cortinas.
Bia veio tremendo em nossa direção e apontou para seus braços. Ela
tinha tirado o líquido verde com a toalha e a pele estava muito vermelha.
-- Está ardendo como fogo! - choramingou.
Juntas, fomos ao banheiro enxaguar aquela coisa. Então me enfiei
debaixo do chuveiro e lavei o cabelo pelo menos cinco vezes com xampu
normal.
Mesmo assim as mechas verdes não saíram!
Quando voltamos ao quarto de hóspedes, Vanessa não estava mais lá.
Tinha levado todos os produtos de beleza. Os tubos e as garrafas haviam
desaparecido.
O que significava aquilo?
-- Eu... eu preciso falar com minha mãe - disse Bia, apontando para as
manchas vermelhas.
Como meus pais ainda demorariam para voltar do cinema, fui com Bia até
a casa dela.
A mãe de Bia pôs as mãos na cabeça quando nos viu. Ela cheirou os
braços de Bia e disse:
-- Acho que você esfregou detergente no corpo.
Detergente! Era isso! Por isso aquele cheiro me era familiar.
-- E você, Cris, você passou uma tinta no cabelo. Agora vai ter de
esperar um pouco até sair.
Não eram palavras muito tranqüilizadoras. Será que eu teria de ficar
algum tempo com os cabelos verdes?
A mãe de Bia pegou uma pomada no estojo de primeiros socorros e cuidou
de todas as queimaduras. A pomada aliviou a irritação.
-- Posso saber por que vocês fizeram isso? - perguntou. Felizmente não
precisamos responder, pois naquele instante tocou o telefone.
Como explicaria à minha mãe os cabelos daquela cor? Despedi-me de Bia e
fui correndo para casa. Cobri a cabeça com as mãos para que ninguém visse
meus cabelos
verdes.
Lembrei-me de Antônio. Tinha de resgatar as fotos que ele havia tirado.
Fui até o seu quarto. Mas ele não estava. Não o encontrei em nenhum
lugar.
Peguei um gorro de inverno em meu quarto e enfiei-o até as orelhas.
Agora, pelo menos meus cabelos estavam escondidos.
Quando fui para cama e comecei a pensar sobre o que havia ocorrido e as
conseqüências, tive uma grave suspeita. Na realidade, era um a suspeita
terrível. A idéia
mais horrível que já tive. Tinha de mandar uma mensagem para Bia
imediatamente.
Havia uma dúvida: os tubos e frascos não continham o que estava
indicado nos rótulos. O conteúdo tinha sido trocado. Alguém tinha feito
aquilo. E eu sabia quem.
Toquei o sino do quarto de Bia e mandei o bilhete. Bia não respondeu.
Provavelmente não estava lá.
Fiquei andando pra lá e pra cá em meu quarto, até que finalmente
escrevi uma mensagem para Vanessa.
Puxei com insistência o fio que tocava o sino no quarto de Vanessa, mas
ninguém respondeu. Insisti, mas nada da Vanessa aparecer. Será que ela
estava com peso
na consciência?
Peguei o secador e empurrei a mensagem secreta pela mangueira. Se
prestasse atenção, encontraria o bilhete.
Foi uma noite terrível. Não parava de me perguntar por que Vanessa
tinha feito aquilo. Só podia ter sido de propósito!
Ela não havia usado os produtos que trouxera do salão. Tinha pegado
nata e pepino de minha casa. Com certeza nada lhe acontecera.
E por que agora ela não dava notícias?
Estava com medo da minha mãe quando visse os meus cabelos verdes. Por
isso me cobri inteira e fingi que estava dormindo quando ela chegou em
casa.
Naquela noite tive pesadelos. Meus cabelos estavam cada vez mais curtos
e tingidos de uma cor verde brilhante, meus braços eram tão compridos que
podia enrolá-los
diversas vezes em torno de meu corpo.
-- Acorde, dorminhoca! - ouvi minha mãe chamar. Abri os olhos, vi o
reflexo do sol na parede ao lado da cama e senti a mão de mamãe sobre
meus ombros.
Imediatamente me lembrei do que havia acontecido no dia anterior.
Cobri-me inteira com o lençol e me escondi.
-- O que está acontecendo? - perguntou mamãe, preocupada.
Delicadamente, ela quis levantar o lençol, mas segurei-o pelas pontas com
toda a força. - Você está
doente?
-- Não, está tudo em ordem - balbuciei baixinho.
-- Então venha tomar café - ela disse e saiu.
Esperei um pouco, pulei da cama e corri para o banheiro.
-- Cris, seus cabelos - gritou mamãe. Ela estava parada no alto da
escada me esperando.
Agora não dava mais para esconder, fiquei simplesmente paralisada,
aguardando o que aconteceria. Mamãe não brigou muito. Mas também nunca
tinha me visto de cabelos
verdes.
Ela se aproximou e levantou meu queixo com o dedo indicador, para que
eu pudesse olhá-la nos olhos.
-- Vocês brincaram com produtos de beleza? - perguntou, rindo.
Fiz que sim. Não estava mentindo.
-- Ah, Cris - suspirou mamãe. - O que posso dizer? Não mexa mais nessas
coisas, está bem?
Fiz que sim novamente.
-- Simplesmente vamos ter de deixar seus cabelos assim. E contra
espinhas eu tenho um bom produto - consolou-me mamãe.
Quando me olhei no espelho do banheiro, foi como se um raio tivesse me
atingido. Agora eu já tinha cinco pontos vermelhos no rosto.
Claro que César e Antônio riram de minha cara, quando desci para o café
da manhã. Papai me chamou de "Roxinha" - ha-ha-ha, que engraçado.
Já eram dez horas da manhã. Eu havia dormido muito. Normalmente gosto
de sair aos sábados para fazer compras, mas dessa vez preferi ficar em
casa, precisava
falar urgente-mente com Vanessa.
Fui até sua casa e toquei a campainha. Sua irmã mais velha, Suzana,
abriu a porta. Ela sempre tem o nariz tão arrebitado que qualquer dia é
capaz de chover dentro.
-- O que você quer? - ela perguntou.
-- Falar com Vanessa.
-- Ela não está.
-- Onde ela foi?
-- Foi até a fonte do parque.
-- Fazer o que lá? - eu quis saber.
-- Não sei. Só ouvi ela marcando encontro com alguém pelo telefone -
explicou Suzana, fechando a porta na minha cara.
Aquilo estava ficando esquisito. Com quem Vanessa teria marcado um
encontro no parque? Como o parque não ficava longe dali, fui até lá ver
do que se tratava.
A fonte fica exatamente no meio do parque. Trata-se de uma velha fonte
que de vez em quando espirra algumas gotas d'água.
Em seguida vi Vanessa. Ela estava ao lado da fonte acompanhada. Nos
senados da TV que gosto de ver, nesse ponto, a cena sempre acaba com
música.
Era exatamente assim que me sentia naquele momento. E estava
boquiaberta.

Hum-hum-hum

Minhas mãos não paravam de tremer enquanto escrevia o bilhete a Bia.


Estava totalmente confusa. Afinal, éramos amigas. As melhores amigas.
Como Vanessa pôde fazer isso? Nunca imaginei isso dela. Nunca!
Sentia-me muito mal.
Bia não estava em seu quarto. Por isso fui até sua casa. A porta estava
aberta, chamei por ela várias vezes. Mas quem apareceu foi Félix, seu
irmão menor.
-- Cadê Bia? - perguntei.
Ele se limitou a mostrar a língua.
-- Onde ela foi? - insisti.
-- Baaa! - foi a resposta.
Fiquei muito brava. Peguei o carro de controle remoto de Félix e fingi
que ia quebrá-lo em dois e ameacei:
-- Ou você me diz agora onde está Bia, ou vou transformar seu carrinho
num quebra-cabeça.
Fez efeito.
-- Bia saiu e não disse para onde ia. E agora me devolve o meu
carrinho!
Devolvi-lhe o brinquedo, que ele segurou com força.
-- Entregue isto a ela! - pedi a Félix, e lhe estendi o bilhete com a
mensagem secreta. É claro que ele o abriu imediatamente, mas não
conseguiu decifrar o código.
Na minha bolsa eu tinha umas balas que dei a Félix, com a advertência:
-- Não esqueça o bilhete, certo?
Félix desembrulhou as balas e fez que sim com a boca cheia.
Foi um dia terrível. Esperei, esperei, mas nada de Bia aparecer. Eu
tinha que desabafar com alguém. Decidi sair para visitar Alex.
Vesti uma capa com capuz, dentro do qual consegui esconder meus cabelos
verdes.
Quando entrei no porão, Alex estava acocorado diante de um colorido
tabuleiro de jogo. Sobre ele, algumas moscas gordas.
-- O que você está fazendo? - perguntei, intrigada. Nesse momento uma
mosca se arrastou para um dos campos vermelhos. Alex abriu a boca,
esticou sua língua comprida,
caçou a mosca e a devorou prontamente.
-- Estou jogando "Cace a Mosca" - explicou Alex. - Se uma mosca vier
para o campo vermelho, tenho de caçá-la.
Como a barriga de Alex estava maior do que normalmente, ele já devia
ter comido várias.
-- Estou com problemas - comecei.
-- Problemas criam rugas, e como você quer ficar mais bonita, deve
parar com isso imediatamente - foi o conselho de Alex.
Comecei a contar tudo o que havia acontecido, mas Alex não prestava
atenção. Ele só estava preocupado com o maldito jogo.
-- Ei, estou falando com você! - reclamei.
-- E eu estou jogando - berrou Alex. - Não te convidei para vir.
Faltou-me ar de tanta raiva.
-- Eu... eu preciso de sua ajuda! - gritei.
Alex levantou a cabeça e fez "hum-hum-hum".
-- O que isso significa? - Eu estava totalmente fora de controle.
Nos senados da TV as mulheres sempre nesses momentos, acabam jogando
pratos contra a parede.
-- Calma - foi o conselho de Alex.
Mas com isso ele só me deixou com mais raiva e mais desesperada.
-- Minha melhor amiga é minha inimiga e na próxima semana vou perder
uma aposta, todos vão morrer de rir de mim, estou falida, minha mãe vai
ficar furiosa quando
souber disso, e além de tudo tenho espinhas! - Depois dessa frase
precisei recobrar o fôlego.
Alex parecia não ter a menor pena de mim.
-- Preciso conhecer essa bruxa. Por favor, tente descobrir quem é ela -
implorei a Alex.
-- Pergunte ao espelho - sugeriu-me o sapo, apontando para uma moldura
dourada esculpida com caras risonhas de figuras horripilantes.
O espelho pode nos mostrar a verdadeira face de cada habitante da
cidade. É só perguntar que depois de algum tempo aparece a imagem da
pessoa. Em seguida, lentamente
ela se transforma naquilo que de fato ela é, muitas vezes uma figura bem
horrenda.
Fui para a frente do espelho e olhei dentro dele, mas não vi o meu
reflexo. O espelho é como uma janela e, mesmo quando pendurado numa
parede, ele parece ter
outro fundo. Dependendo de como está seu humor, vê-se um gramado com
flores (bom humor) ou uma tempestade (mau humor). Naquele dia ele estava
simplesmente preto.
-- Por favor, mostre-me a bruxa - pedi-lhe.
Um pássaro esvoaçou para fora do espelho e depois entrou.
-- O que significa isso? - perguntei a Alex.
-- É simples: ele pensa que você está meio aérea, nas nuvens -
explicou-me o sapo.
Era o suficiente. Eu não agüentava mais.
-- Você... você e realmente... - vociferei.
-- Você está com ovos fritos nos olhos e ervilhas nos ouvidos -
retrucou Alex friamente.
Precipitei-me para fora do porão e corri para casa, sem parar uma só
vez.
Quando dobrei a esquina da nossa rua, sofri um novo choque.

A bolsa-porquinho

Vi Bia e Vanessa juntas. Elas estavam na porta do jardim da casa de


Vanessa conversando. Fiquei escondida atrás do muro da casa para que não
me vissem.
Por que Bia estava falando com Vanessa? Ela sabia que Vanessa estava
jogando sujo. Será que as duas eram cúmplices? Será que tinham se tornado
fãs de Pamela?
Aquilo não podia ser verdade. Tive a maior vontade de chorar ou fazer
um escândalo com as duas. Como na TV: gritos, xícaras voando, água
espirrando e cabelos
arrancados.
Exatamente assim e mais um pouco.
Mas não sei por que não consegui. Simplesmente fiquei parada, cerrei os
punhos e tremi de ódio.
Pamela era a número um da turma. Quem fosse sua amiga era de alguma
forma melhor do que as outras. Bia e Vanessa tinham certeza de que eu
perderia a aposta.
E quem quer ter uma amiga perdedora?
Por fim, a mãe de Vanessa a chamou e ela precisou entrar. Bia também
foi para casa. Esperei um pouco e também fui para a minha.
Papai e mamãe tinham voltado das compras, e eu os ajudei a carregar as
coisas.
-- Hoje à tarde vamos visitar tia Olga. Você quer vir? -perguntaram.
Tia Olga não era exatamente minha tia preferida, mas mesmo assim disse
que ia. Eu não queria ficar perto daquelas duas traidoras.
A bicicleta de Bia estava encostada no muro de sua casa. Devia ter
saído com ela e ainda não a havia guardado. No bagageiro estava a bolsa-
porquinho de Bia,
que eu queria ter igual. É urna bolsa pequena de pelúcia cor-de-rosa que
tem a forma de um porquinho feliz.
De repente, senti vontade de me vingar. Olhei para os lados para
garantir que não havia alguém olhando. Mais que depressa, fui até lá e
peguei a bolsa-porquinho
do bagageiro. Depois escondi-a debaixo de meu pulôver e a levei para meu
quarto.
Bia com certeza iria procurar a bolsa desesperadamente. Mas ela era a
culpada daquilo tudo. Nunca pensei que ela e Vanessa pudessem ser tão
malvadas.
O zíper da bolsa estava aberto; senti um cheiro esquisito vindo de
dentro. Alguma coisa mofada, talvez. O cheiro era tão ruim que precisei
abrir a janela.
O que poderia ser?
Abri bem a bolsa para poder olhar dentro. Lá estava o Livro com a capa
de pele de cobra, os cabelos pretos e as espinhas. O livro das fórmulas
com as quais se
podia aprontar as piores coisas com os outros.
Lembrei-me de minhas espinhas. Apalpei-as cuidadosamente. Certamente já
estavam maiores.
-- Isso foi obra de Bia - sussurrei chocada. - Foi ela a responsável
pelas espinhas em meu rosto.
Ela deve ter guardado o livro sorrateiramente quando estivemos com
Alex.
Não fiquei com peso na consciência por ter surrupiado a bolsa-
porquinho. Foi até bom o que fiz. Caso contrário, Bia, a traidora, teria
aprontado outras atrocidades
comigo.
Agora eu já fervia de tanta raiva. Queria me vingar de Bia e Vanessa.
Elas ainda iriam passar pelo que eu estava passando.
-- Cris, você está pronta? Estamos indo! - gritou mamãe lá de baixo.
Na minha mochila eu carregava um recipiente plástico em que guardava
meu lanche. Guardei o livro mágico ali. Fechei a tampa hermeticamente
para que não saísse
o mau cheiro. Queria levar o livro para a casa de tia Olga e dar uma
lida. Talvez achasse algumas fórmulas com as quais pudesse infernizar a
vida das minhas ex-amigas.
Naquele dia, minha mãe e eu estávamos vestindo roupas muito parecidas:
calça jeans, um pulôver com capuz e tênis. Como duas irmãs, nos abaixamos
na entrada de
casa para amarrar os tênis. Foi quando César saiu da cozinha e disse:
-- Ei, irmãzinha, você sabe que...
Eu sabia o que ele queria. Ele queria seu dinheiro de volta. Com
certeza tinha algum programa à noite e precisava dele urgentemente. Mas
eu estava dura.
-- Sim, sim, eu sei... - respondi rapidamente. - Aliás, Isabela está à
sua procura.
Era uma mentira deslavada, mas necessária. Isabela é a paixão de César,
mas algumas semanas antes eles haviam brigado e não tinham se falado
mais. César sempre
me contava suas encrencas amorosas, e por isso sabia de tudo.
-- Isabela está me procurando? - perguntou César, incrédulo.
Fiz que sim, e acrescentei com uma cara séria:
-- Mas não era para você saber.
Meu irmão mais velho logo esqueceu o dinheiro e se precipitou para o
telefone.
Era melhor dar o fora rapidamente, antes que ele descobrisse a verdade.
Isabela com certeza o mandaria passear.
Saí de casa e saltei para o banco traseiro de nosso carro.
-- Podemos ir! - gritei.
Papai e mamãe sorriram e entraram.
-- Normalmente você tem de voltar em casa pelo menos três vezes e pegar
alguma coisa que esqueceu - disse papai.
-- Mas hoje, não! - declarei, radiante.
Papai ligou o carro e deu partida. Pelas frestas do muro dei uma olhada
em casa. Estava imaginando César lá fora, verde de cólera, tentando parar
o carro para
despejar todo o seu ódio em cima de mim.
Mas ele não apareceu.
Ao passar pela praça, lembrei-me de algo.
-- Hã... Eu estou com vontade de... - anunciei, envergonhada.
-- Mas aqui, no meio da praça? Você não é um cachorro - riu papai.
-- No museu da Câmara Municipal há um banheiro -expliquei. - Desço e
vou correndo até lá.
-- Está bem! - Felizmente meu pai encontrou uma vaga para estacionar e
parou.
Quanto a mim, claro que não fui ao banheiro, mas até o porão do Alex.

O pior está por vir

-- Por favor, diga-me pelo menos como posso reconhecer a bruxa -


implorei.
Alex estava dando uma nova tragada no seu charuto fedorento, ao mesmo
tempo que lia um jornal antigo. Ele não disse palavra e se limitou a
olhar-me com cara
de poucos amigos, através de seu monóculo.
Então remexeu numa montanha de roupas velhas e por fim encontrou um
anel. Em vez de pedra ele tinha um olho fechado.
-- Quando você encontrar uma bruxa de verdade, o olho se abrirá e
piscará para você. E agora me deixe em paz
-- resmungou Alex, irritado.
Agora eu iria mesmo deixá-lo em paz. Satisfeita, fui embora com o anel.
O resto do sábado decorreu sem maiores acontecimentos. Tia Olga havia
feito uma saborosa torta e contou dando risadas como tinha conseguido
espantar uma toupeira
de seu jardim para o do vizinho, onde agora o bichinho estava cavando um
enorme buraco.
Mais tarde fui para o jardim e subi numa árvore. Foi lá que pude
folhear o livro com as fórmulas malévolas.
Mas não utilizei nem essa fórmula nem qualquer outra, pois me lembrei
do aviso de Alex: o que eu desejar hoje para os outros, mais tarde eu
mesma terei.
Não, obrigada.
À noite escrevi um bilhete igual para Bia e para Vanessa.
Na realidade, eu nem precisaria ter escrito as mensagens em código
secreto, qualquer um podia saber o que estava escrito. Mas como já tinha
feito, mandei os
papeizinhos assim mesmo.
No domingo vi Vanessa sair com Bia. Tudo estava muito claro: agora elas
podiam contar uma à outra, rindo, como conseguiram infernizar minha vida.
Pela manhã
eu havia descoberto uma outra espinha no queixo. Com certeza as duas
encontrariam Pamela para contar as novidades.
Na segunda-feira eu teria preferido não ir à escola. Em hipótese alguma
eu iria junto com minhas duas ex-amigas. Esperei que elas fossem para o
ponto de ônibus
e depois fui a pé para a escola. Na sala de aula, sentei correndo em meu
lugar e enfiei a cabeça dentro do capuz do pulôver. Ninguém deveria ver
os cabelos verdes
e as espinhas.
-- Cris, você...
Era Bia que estava ao meu lado. Eu simplesmente virei o rosto e olhei
para fora da janela.
-- Ei, o que é isso? - ela perguntou, brava.
-- Só vou dizer uma coisa: livro com espinhas -resmunguei.
Bia respirou fundo.
-- Ah! Foi você que surrupiou minha bolsa? - bufou ela.
-- Peguei você no flagra, não foi? - Não pude me conter e olhei para
ela. Bia estava vermelha de raiva.
-- Pode ficar contente com as espinhas - gritei, pois deu o sinal e ela
já estava indo para o seu lugar.
Mas o pior aconteceu no recreio: Pamela puxou o capuz de minha cabeça e
mostrou a todo mundo meus cabelos verdes. Foram gargalhadas pra todo
lado!
-- Obrigada pela dica, Vanessa - gritou Pamela.
Agora não havia mais dúvidas. As duas realmente eram cúmplices.
Aquilo era o inferno total!
Minha mãe foi me buscar na escola.
-- Esqueci completamente que tínhamos hora na dentista - ela disse
quando entrei no carro.
E ainda por cima isso...
A dentista era uma mulher com o belo nome de Kátia Couve. Era jovem,
com porte atlético e simpática. Mas apesar disso era uma dentista, embora
muita gente dissesse
que a broca de seu consultório doía menos.
Ela examinou meus dentes e acenou satisfeita.
-- Está tudo em ordem!
Respirei aliviada e comecei a me levantar da cadeira de tortura. Mas a
Dra. Kátia me segurou.
-- Isto quer dizer que você precisa usar um aparelho.
Um aparelho? Como assim, de repente?
Seus dentes incisivos estão indo para frente. Se você não quiser
parecer um coelhinho em pouco tempo, vai ter que usar um aparelho -
explicou ela. - Gostaria
de colocar um aparelho móvel hoje mesmo. Daqui a três dias você volta e
poderei começar os preparativos para um aparelho fixo.
-- Não, não pode ser - protestei.
-- Como, não? - quiseram saber minha mãe e a dentista.
-- Porque... porque... - comecei a gaguejar e não consegui dizer a
verdade.
-- Não vai doer - prometeu-me a Dra. Kátia.
Uma hora depois saí do consultório com um aparelho que ficava o dia
inteiro na boca. Quando eu sorria, via-se o arame sobre os dentes.
Um horror! Um horror dos horrores! Estava com tanta vontade de chorar!
Com certeza o aparelho também era obra de Bia. Meu único consolo era que
em pouco tempo
ela também teria que usar um.
No jantar tinha minha comida preferida: pizza. Mas com o aparelho ela
ficava com gosto de prato de alumínio à milanesa.
César estava com muita fome e devorou duas pizzas grandes. De repente
ele olhou para mim e disse:
-- Temos de tirar umas coisas a limpo.
Que susto! A história com Isabela!
-- Como assim? - perguntei, com cara de inocente.
-- Isabela não me procurou - disse César, muito sério.
-- Mas ficou muito feliz com o meu telefonema, e agora voltamos a nos
encontrar. Obrigado, irmãzinha.
Tirei um peso do coração. Pelo menos uma boa notícia!
Fui escovar os dentes no lavabo. Pelo menos não tinha espelho, e não
precisava me ver. Como era possível ser tão feia?
Era triste. Não tinha mais melhores amigas, perderia a aposta, e além
disso parecia a noiva do Frankenstein.
Poderia acontecer algo pior?
Uma coisa já posso lhes dizer. A resposta a essa pergunta é: "Sim'!

Pior ainda

Sempre uso uma correntinha no pescoço com um pingente em forma de


coração. Na parte de trás estão gravados a data de meu
aniversário e o meu grupo sanguíneo. Foi um presente de minha tia Júlia.
Como não queria usar no dedo o anel com o olho fechado, pendurei-o na
correntinha. No domingo, na segunda e na terça-feira fui passear durante
horas com nosso
cão Amadeus, esperando que o anel piscasse quando eu passasse por alguma
mulher.
Claro que ele não piscou. Eu estava sendo perseguida pelo azar. Mas
Amadeus ficou muito contente, pois eu nunca passeava com ele.
Na quarta-feira lia-se em letras garrafais na lousa da classe: "Não
deixem de passar pelo banco e olhar a vitrine! Vale a pena!".
Ao ler aquilo, tive uma grave suspeita. Mas precisei esperar cinco
longas aulas para poder comprovar se a minha suspeita estava certa.
Não, eu não estava enganada.
Na vitrine do banco estavam pendurados grandes pôsteres que mostravam
as fotos vencedoras do concurso. Mais uma vez, Antônio ganhara o primeiro
lugar. Via-se
a foto que fizera de nós exposta bem no centro.
Eu estava simplesmente horrorosa. Com os cabelos verdes arrepiados,
gritando como uma histérica e ainda por cima apontava para a espinha na
ponta do nariz.
Bia sequer aparecia na foto, e Vanessa, com sua máscara facial de
pepino, estava totalmente desfocada ao fundo.
Ouvi risos à minha volta. Acho que todos da minha turma tinham vindo
ver a foto.
Pamela também, claro.
-- Oh, Cris, a Bela! - dizia, com uma falsa admiração, girando os olhos
e torcendo as mãos. - Aposto que o fotógrafo vai te escolher depois desta
sua experiência
como modelo.
Mais uma vez, todos guinchavam de tanto rir.
Não pude conter as lágrimas. Eu só choro raramente, mas naquele momento
não deu para agüentar.
Os meninos acharam aquilo maluco e as meninas se viraram rapidamente.
Eu fiquei completamente sozinha ali na rua, as lágrimas correndo pelo meu
rosto.
De repente, Bia estava ao meu lado.
-- Cris, olha, você... - começou ela, sem jeito.
-- Dê o fora! - berrei. - Me deixe em paz!
Bia recuou, como se eu lhe tivesse dado um soco na barriga. Mas eu
simplesmente corri dali até em casa sem parar sequer uma vez.
Antônio já havia chegado e contava orgulhoso sobre o primeiro lugar.
Fui em sua direção, bati nele e berrei:
-- Seu patife! Seu... seu... idiota!
-- Cris, calma - pediu mamãe.
Chorando, contei a ela o que se via na foto.
-- A escola inteira está morrendo de rir. E você é o culpado! - gritei
para meu irmão.
Antônio não sabia o que dizer e parecia envergonhado.
Mamãe me pegou no colo e me acalmou.
-- Cris, o que está acontecendo? Já faz uns dias que você está meio
esquisita - começou.
Eu queria contar tudo a ela, mas não podia. Com certeza brigaria por
causa da aposta. Eu tinha apostado dinheiro! Muito menos podia contar
sobre o feitiço de
Bia sobre mim. O livro era nosso segredo.
-- Qual é o prêmio do concurso? - perguntou mamãe a Antônio.
-- Bem, dinheiro depositado numa conta corrente -meu irmão respondeu
muito a contragosto.
-- Acho que uma parte dele pertence a Cris. Afinal de contas, ela foi a
sua "modelo" - ponderou minha mãe.
Antônio não ficou muito entusiasmado com aquela sugestão, mas acabou
concordando. Claro que eu não recebi nada, pois César imediatamente
cobrou o dinheiro do
empréstimo.
Como veio, foi. Mas pelo menos não tinha mais dívidas. Nunca Bia,
Vanessa e eu tínhamos brigado tão feio. Acabaram as mensagens secretas
entre nós e não nos
falávamos mais. Mas as duas não mereciam tratamento diferente!
Só que para dizer a verdade, elas faziam muita falta. Afinal de contas,
são minhas duas melhores amigas. Não, eram minhas duas melhores amigas!
Só houve um pequeno fio de esperança: minhas espinhas tinham diminuído.
Todos os dias mamãe passava sobre elas um líquido que ardia, mas ajudava.
-- Você comeu muito chocolate nos últimos tempos? -ela me perguntou um
dia.
Sim, eu tinha comido, por causa de tudo o que estava acontecendo.
Sempre que fico nervosa como chocolate.
-- Então é por isso que você está com espinhas -explicou mamãe.
Se ela soubesse quais eram as outras formas de ter espinhas no rosto...
Na quinta-feira precisei voltar à Dra. Kátia Couve. Ela deveria fixar
um aparelho que ficaria três meses em minha boca.
Eu ainda não tinha me acostumado com ele. Ficava passando a língua pelo
arame. Além disso, o aparelho me incomodava, pois comprimia os dentes.
Naquela tarde minha mãe não tinha tempo de me acompanhar e fui sozinha
à dentista. Ela foi novamente muito simpática e se mostrou satisfeita
quando examinou
meus dentes e o aparelho.
Eu me deitei na cadeira odontológica como se estivesse numa cama. A
correntinha com o pingente de coração e o anel-olho haviam escorregado
para fora de minha
camiseta e me arranhava o pescoço. Quis empurrar os penduricalhos para
dentro da camiseta quando senti alguma coisa: o olho estava piscando.

Uma grande surpresa

A princípio pensei que estava enganada. Levantei o anel de forma que


pudesse vê-lo.
Ele piscou para mim.
Não havia dúvida.
E na sala só estava a Dra. Kátia.
Fiquei com calor e com frio ao mesmo tempo. Comecei a suar e a tremer.
A Dra. Kátia não poderia ser uma bruxa! Bruxas tinham narizes pontudos
e verrugas, uma corcunda e um gato preto no ombro.
Ou não?
Em nossa cidade tudo é realmente possível. Dizem que embaixo da cidade
existe uma fonte radiativa que atrai demônios e monstros. Por isso tantos
deles escolhem
viver aqui. Algumas criaturas podem ser perigosas, e ai precisamos entrar
em ação - mesmo que isso não seja tão simples.
A dentista não parecia perigosa. De jeito nenhum.
-- Cris, você não está se sentindo bem? - perguntou preocupada, pois eu
tremia muito.
-- Está... está tudo bem...
O que eu deveria falar? Alex nos fez prometer não dizer nada a ninguém
sobre o que sabíamos. Aquilo tinha de permanecer um segredo, senão
estaríamos correndo
perigo de vida.
Mas a Dra. Kátia Couve poderia me ajudar. Talvez ela conhecesse uma
fórmula que me fizesse divina e maravilhosa.
Atordoada, procurei as palavras certas para perguntar a ela sobre a
fórmula.
-- Hum... ....... A senhora conhece muitas coisas... que os outros não
conhecem - comecei.
A doutora sorriu, surpresa.
-- O que você quer dizer com isso?
-- Bem, a senhora... não sente muitas dores...
Com certeza a Dra. Kátia usava seus poderes secretos desconhecidos de
todos, menos de mim.
A dentista permaneceu em silêncio e continuou o seu trabalho.
-- Eu... eu gostaria de ser tão bonita quanto a senhora.
-- Desabafei.
A Dra. Kátia desviou a vista de seu trabalho e me olhou dos pés à
cabeça.
-- Quando eu era da sua idade, eu teria dado tudo para ser tão bonita
quanto você - contou.
O quê? Ela gostaria de ter tido braços de macaco e pernas de
hipopótamo?
-- Sempre desejei ter cabelos lisos, mas os meus eram terrivelmente
cacheados. E minhas pernas pareciam palitos de dente - prosseguiu ela. De
repente ela me
olhou nos olhos. - Você por acaso não se acha bonita?
Decidi não enrolar e simplesmente fiz que não.
-- Bem, então os outros também não a acharão bonita - disse a dentista.
-Este é o segredo. É preciso se gostar e se admirar. Não tem sentido
querer ser como
os outros.
-- Verdade? - Não consegui dizer mais nada.
-- Verdade! - A dentista tentava moldar melhor o aparelho. - Acho que
você é bem bonita. E as mechas de cabelo verdes estão na moda. Suas
colegas de classe
devem ter a maior inveja de você.
Eu ainda não havia pensado dessa maneira.
-- A senhora acha que EU sou bonita? - perguntei, pois custava a
acreditar.
-- Mas acabei de dizer isto!
-- Se... se a senhora pudesse fazer mágica... e se eu quisesse que me
transformasse numa garota bonita... a senhora faria? - perguntei.
-- Eu a aconselharia a dar uma olhada no espelho! Você não precisa de
mágica para ser bonita!
Ela piscou para mim e pediu que eu abrisse a boca. Cuidadosamente,
fixou o aparelho.
Infelizmente, ele coube direitinho e a dentista se despediu de mim. Eu
teria conversado mais tempo com ela.
Não tinha certeza se a simpática dentista era realmente a bruxa de que
falara Alex. Mas mesmo assim ela tinha me dado um conselho muito bom -
talvez tão valioso
quanto uma fórmula mágica de beleza...
Na rua, parei diante da primeira vitrine e me olhei no vidro. Talvez eu
não fosse assim tão horrorosa... Arrebitei o queixo, levantei os ombros e
me observei
de todos os ângulos.
-- Você é bonita - disse a meu reflexo. Como resposta, mostrei a língua
para mim mesma.
Ao chegar em casa, alguém jogou um aviãozinho de papel em minha
direção. Virei-me e vi Félix parado na janela da casa de Bia. Ele se
abaixou rapidamente, mas
era tarde. Peguei o aviãozinho e quis mandá-lo de volta. Mas desisti.

O grito de socorro

Félix! - chamei. - Tenho um presente pra você!


O sabichão saiu correndo de casa. Peguei-o pela gola de seu pulôver e
espanei o papel diante de seu nariz:
-- Esta é a carta que você deveria entregar a Bia. Por que não
entregou?
Félix soltou uma risadinha e balançou a cabeça.
-- Mas as balas eu não vou te devolver - falou.
Eu o soltei e ele caiu na grama.
Bia não havia recebido a minha informação sobre Vanessa! Portanto,
talvez ela nem soubesse a verdade. Nunca a tinha visto com Pamela na
escola. Vanessa, sim,
até mesmo duas vezes conversando.
Irmãzinha, correio pra você! - anunciou César, quando entrei na
cozinha. Ele tinha pegado refrigerante na geladeira e enchido um prato de
biscoitos. César pode
comer montanhas de biscoitos que nunca engorda.
Na mesa da cozinha havia um envelope verde-claro. Abri-o
-- e César, curioso, olhou por sobre os meus ombros. Por sorte a carta
estava escrita em código secreto. Irmãos curiosos parecem ser uma praga.
O que significava aquilo? O que teria acontecido? Eu tinha ido para o
meu quarto decodificar a mensagem. Quando terminei, perguntei a César:
-- Quem trouxe a carta?
Ele deu de ombros.
-- Não tenho a menor idéia, acho que foi colocada por baixo da porta.
De tão nervosa, quase não consegui fazer a lição. Quando finalmente
seriam quatro horas? O que teria acontecido?
Às quatro em ponto cheguei ao porão da Câmara Municipal, me postei
diante da parede e entrei pela porta lilás.
Ninguém tinha chegado ainda. Preguiçoso, Alex descansava numa espécie
de rede e me olhou com cara de sono.
-- Por que a perturbação? - quis saber o sapo.
-- Está havendo um caso urgente? O que é? Um vampiro? Um
extraterrestre? Um lobisomem? - perguntei.
-- A única urgência é você - berrou Alex, e se virou para o outro lado.
- Excepcionalmente reina a paz neste antro de monstros.
Agora eu não estava entendendo mais nada.
Vi um brilho lilás iluminar por trás dos meus ombros quando Bia e
Vanessa entraram.
-- Vocês também foram chamadas? - perguntei. -Talvez isto seja uma
armadilha.
-- Não, nós mandamos a carta - explicou Vanessa. -Pois finalmente
queremos saber por que você está agindo assim!
Quase me faltou ar.
-- E você ainda pergunta... traidora!
Vanessa apertou os lábios. Depois se virou para Bia e disse em voz
baixa:
-- Vou embora.
Bia a segurou.
-- Não, fique aqui.
- Você é cúmplice de Pamela! - joguei na cara de Vanessa. - E você,
Bia, entrou no jogo! Você me arranjou as espinhas com fórmulas mágicas.
Por isso roubou
o livro.
Alex se levantou e nos olhou muito sério.
-- Quem roubou o quê?
Bia ficou vermelha.
-- Bem... sinto muito... mas... bem... eu só peguei o livro...
porque... queria me vingar.
Alex apontou a pata em nossa direção e sibilou:
-- Como castigo, aquela que está com o livro vai começar a se coçar
toda!
Logo em seguida minha cabeça começou a coçar, depois as pernas e os
braços e sobretudo as costas. Era uma coceira alucinante. Minhas unhas
não chegavam até lá
e comecei a esfregar as costas na parede.
-- Pare com isso, eu estou com o livro. Mas vou devolvê-lo! - prometi a
Alex.
Alex estalou os dedos e o encanto acabou.
-- De quem você queria se vingar? - perguntei a Bia, desafiando-a. - Eu
não te fiz nada.
Bia me fitou com os olhos arregalados.
-- E não pensei mesmo em me vingar de você. Como pôde achar isso?
Queria pagar na mesma moeda a aqueles que me chamaram de Gordurinha e...
Tem idéia de quanto
isso é ruim para mim?
E eu lá, com cara de boba.
Vanessa respirou fundo e se colocou na minha frente.
-- E no que diz respeito a mim e Pamela, realmente o assunto era você.
Você e essa maldita aposta. Eu telefonei para Pamela e fui encontrá-la.
Queria convencê-la
a desistir da aposta porque eu tinha levado os produtos que acabaram
tingindo seus cabelos e queimado sua pele.
Agora eu estava parecendo ainda mais boba.
-- Mas... mas como as coisas foram trocadas das garrafinhas? -
balbuciei.
Vanessa deu de ombros.
-- Não tenho a menor idéia, mas sinto muito realmente. Agora está
claro, ou não?
Eu me via como a mais perfeita idiota.
-- Por que todo esse nervosismo? Eu lhe disse que você tinha ovos
fritos nos olhos e ervilhas nas orelhas -lembrou Alex.
-- Quer dizer que o tempo todo você sabia da verdade?
-- perguntei.
Alex não respondeu, mas deu um risinho torto. Se isso não fosse
um "sim"...
Vanessa, Bia e eu nos abraçamos.
-- Isto nunca mais pode acontecer entre nós - prometemos umas às
outras. - Não, nunca!
-- Assim espero, pois você perturbaram meu sono da beleza! - gemeu
Alex. - Por isso, fora!
Saímos, esquecendo excepcionalmente de tomar qualquer precaução.
Tínhamos tanta coisa para conversar. Contei a minhas duas boas e velhas
amigas sobre a Dra.
Kátia Couve.
-- É preciso gostar de si mesma - disse Bia. - Parece simples, mas
realmente não é.
-- Poderíamos dizer umas às outras como somos bonitas. Talvez isso
ajude! - sugeri.
-- Mas até amanhã, com certeza não - suspirou Vanessa. - E amanhã que o
fotógrafo vai à escola.
Eu quase tinha esquecido disso. E infelizmente agora me lembrei. Minha
mesada estava indo embora pelo ralo.
Caladas, andamos pela cidade.
-- Aquele é o salão de beleza "Oásis" que me deu os produtos - disse
Vanessa, e apontou para o outro lado da rua. Atravessamos e observamos a
entrada azul-turquesa
com toldo de listras azuis e brancas. Na porta havia uma plaquinha de
metal com o nome da proprietária. Quando li não acreditei!

As desculpas

O salão de beleza é da mãe de Pamela! - gritei. Vanessa e Bia também


custaram a acreditar. Mas na
plaquinha de metal realmente estava escrito: Proprietária
-- Elisa Turquis. O sobrenome de Pamela também era Turquis.
-- Quer dizer que a mãe dela fez isso para que não fôssemos escolhidas
para as fotos, e assim sua filha ganhasse?
- perguntou Bia, furiosa.
Vanessa encheu o peito, acenou para que a acompanhássemos e entrou no
salão de beleza. Na frente era a sala de espera; no fundo havia cortinas,
atrás das quais
se podiam ouvir vozes.
Uma mulher de cabelos cor acaju apareceu e cumprimentou Vanessa com
simpatia.
Vanessa não respondeu e perguntou imediatamente:
-- A senhora é a mãe de Pamela?
Ela - tratava-se então de Elisa Turquis - fez que sim.
-- Vocês conhecem Pamela? São amigas?
-- Por acaso Pamela sabia que os produtos que me deu eram para mim? -
prosseguiu Vanessa. Quem a visse, poderia acreditar que se tratava de uma
detetive.
-- Sim.. Ela até me ajudou a arrumá-los - disse a mãe de Pamela.
Agora ficava tudo claro.
Juntas, contamos tudo o que havia acontecido. A cada detalhe, Elisa
Turquis ficava mais séria.
-- Não pode ser verdade - disse por fim, baixinho. Ela apontou para as
poltronas na sala de espera e disse: - Sentem-se, por favor.
Ouvimos que ela telefonava na parte de trás do salão. Alguns minutos
depois a porta se abriu e Pamela entrou. Seu sorriso logo desapareceu
quando nos viu.
Sua mãe começou a lhe passar a maior descompostura na nossa frente.
-- Você é realmente horrível - acusou-a. - Olhe só para sua cara! Só
ouço reclamações sobre você. Você é realmente uma vergonha! E mais! Terá
de se desculpar
com suas colegas. É simplesmente irresponsável o que você fez!
O tempo todo Pamela ficou cabisbaixa. Por fim, sussurrou um "sinto
muito".
-- A aposta fica anulada - exigi.
Pamela fez que sim.
Sua mãe não parava de brigar com ela. Foi uma cena realmente
desagradável. Nós três queríamos sumir dali depressa. Somente quando
chamaram a mãe de Pamela lá
de trás, pudemos finalmente ir embora.
Pamela foi conosco. Ela não repetiu que sentia muito ou coisa parecida,
apenas murmurou:
-- Ela vive reclamando de mim.
É incrível, mas quase tive pena de Pamela. Quase.
O melhor foi que Bia, Vanessa e eu voltamos a ser amigas. À noite as
duas puderam vir à minha casa por uma hora, e no banheiro, diante do
espelho, treinamos
nos achar bonitas. Elogiamos tudo que nos agradava em especial. Foi muito
divertido.
Infelizmente, Antônio e César ficaram escutando atrás da porta. Até que
não agüentaram e caíram na gargalhada.
Aquilo nos deixou um pouco envergonhadas. Ficamos as três muito
vermelhas de vergonha.
-- "Acho a covinha do meu queixo altamente sedutora" - remedou César,
repetindo o que ouvira.
-- Quando sua Isabela telefonar, vou contar que você tem outra namorada
- ameacei.
César não demorou a ficar mudo. Isabela parece uma palavra mágica, só
de ouvi-la, seus olhos começam a brilhar.
Na sexta-feira todas as meninas de nossa classe estavam diferentes.
Todas estavam arrumadas e vestiam roupas chiques. Algumas não paravam de
ir ao banheiro para
se arrumar em frente ao espelho.
Pamela cumpriu a promessa e disse a suas discípulas que a aposta estava
anulada. Mas declarou:
-- Foi injusto, porque Cris perderia a aposta de qualquer forma. - Na
escola ela era muito mais arrogante do que perto da mãe.
Não liguei mais para ela. O importante é que não havia mais aposta e
que eu poderia ficar com minha mesada.
Na terceira aula a diretora entrou na nossa sala, acompanhada de um
homem pequeno, careca no alto da cabeça e com um longo rabo-de-cavalo.
-- Queiridos alunos e alunas, este é o seinhor Grol, oum famouso
fotógrafo. Coumo lhes disse, ele está proucurando garoutas para um
cartaz.
Grol balançou a cabeça, no que foi acompanhado pelo comprido rabo-de-
cavalo. Ele colocou a mão nas costas e começou a passear entre as
carteiras, observando
as meninas.
Todas estavam sentadas e ainda tiveram tempo de arrumar os cabelos com
as mãos. Ele não olhou muito para Vanessa e Bia, que sentam na frente. Ao
passar por duas
outras garotas, até parou.
Depois se aproximou de Pamela, que lhe jogou um sorriso largo e fez
pose, como se já estivesse sendo fotografada.
Ele não perdeu muito tempo com ela.
E então o fotógrafo se aproximou de mim, parou e me fitou.

As saudáveis garotas de hoje

Meu coração disparou.


O fotógrafo se curvou, tirou do bolso um lenço e espirrou em alto e bom
som. Em seguida continuou sua pesquisa, como se eu não existisse.
Por fim ele voltou para perto da diretora e balançou a cabeça, calado.
-- Não, infelizmente, são garotas simpáticas, mas nenhuma apropriada
para o cartaz - sussurrou-lhe.
Claro que todas escutamos; foi possível ouvir um ou outro suspiro de
decepção.
-- Bem, então a aula pode continuar disse a diretora.
Não foi agradável ouvir aquilo, pois estávamos na aula de matemática.
De qualquer maneira eu havia perdido a aposta. Para falar a verdade,
fiquei decepcionada que o fotógrafo tenha parado na minha frente só para
espirrar. Por um
momento eu até havia me achado bem bonita.
No intervalo, todas falavam do fotógrafo e zombavam dele, imitando-o.
Pamela não cansou de dizer que o fotógrafo Grol deveria estar cego por
não ser capaz de
valorizar o seu tipo.
A diretora se aproximou de nós. Lamentando, ela deu de ombros e disse:
-- Beim, sinto muito, meinhas meininas. Mas ous fotógrafos têim um
gousto singular. Aléim disso, Grol já peinsou numa pessoa.
Claro que todas nós queríamos saber de quem se tratava.
E então aconteceu. Não acreditei no que ouvi. Estava esperando tudo,
menos aquilo.
-- No cartaz vencedor do concurso de fotografia do banco ele viu uma
menina amalucada que é exatamente o que está procurando para o cartaz -
anunciou a diretora.
-- Mas é a Cris! - urrou Pamela. - Cris em crise. Com cabelos verdes,
máscara facial e espinhas!
-- Sim, sim, sim! Grol está procurando alguém assim!
-- A diretora balançava a cabeça nervosamente e bateu nos meus ombros,
contente.
-- Ele não reconheceu você por causa do boné!
Claro, o boné! Eu não havia desistido dele.
-- E para que será o cartaz? - quis saber Pamela.
Isto eu só vim a saber depois. Mas era verdade: Grol realmente me
queria para o cartaz. Só que Antônio lhe mostrou outras fotos em que Bia
e Vanessa apareciam
mais.
O fotógrafo quis que elas também participassem.
Dois meses depois nós três sorriamos num cartaz espalhado por toda a
cidade. Com cabelos bem coloridos, máscaras faciais e rostos selvagens.
Nele estava escrito:

Leite é força e saúde!


Sim, fizemos propaganda para leite!
Claro que nossas colegas de turma acharam aquilo sem graça e zombaram
de nós. "As garotas do leite", era como nos chamavam. Mas estavam apenas
com ciúme e inveja.
No estúdio fotográfico, enquanto fazíamos umas caretas malucas, o
fotógrafo disse:
-- Não sei bem o quê, mas vocês três têm alguma coisa... alguma coisa
incomum. Vocês não são como as outras garotas. O que faz vocês serem tão
diferentes?
Nós três nos olhamos, caímos na gargalhada e respondemos
misteriosamente:

Leite é força e saúde!


-- E segredo!

Você também pode gostar