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Carlos Henrique Goulart Arabe Vv TO Li O PROJETO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES EM UM PER{ODO DE CRISE MESTRADO EM CIENCIA POLITICA INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Outubro de 1998 [Arta | [36367706 | Carlos Henrique Goulart Arabe DESENVOLVIMENTO NACIONAL E PODER POLITICO O PROJETO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES EM UM PERIODO DE CRISE Dissertagio de Mestrado apresentada junto ao Departamento de Ciéncia Politica do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob orientago do Prof. Dr, Reginaldo C. Corréa de Moraes Este exemplar corresponde 4 redagao final da dissertagio defendida e aprovada pela Comjssao Julgadora em oe i gl Prof. Dr. Sebastiao C. Vek — . = Navarro de Toledo Outubro de 1998 Resumo Esta dissertagdio avalia a elaboragio programatica do Partido dos Trabalhadores (PT) entre os anos de 1989 e 1994, considerada como um projeto de desenvolvimento nacional. O enfoque basico de andlise so as relagdes entre desenvolvimento nacional e poder politico, tomando como referenciais os contextos nacional ¢ internacional do periodo. Por este dngulo, busca-se compreender as diferengas entre os dois momentos de afirmagao do projeto do PT. A nogao de crise nacional é uma categoria basica para esta andlise. A inserg&o deste projeto no campo de debate dos problemas do “subdesenvolvimento” € feita através do exame de trés modelos explicativos que o influenciam: o estruturalismo da CEPAL, a escola da dependéncia e a interpretagao do desenvolvimento desigual e combinado. Diagndsticos e vias de superagao do “subdesenvolvimento” so colocados em contraponto. Capitalismo periférico ou transig&io ao socialismo sao as grandes disjuntivas como pano de fundo histérico. Para Aylene Aos quetidos Camilo e Isadora Aos meus pais, exemplos de generosidade, A memoria do Isaac Ackcelrud ‘Aos que continuam a latar para transformar o Partido dos Trabathadores em partido revolucionatio, especialmente aos companheiros da Democracia Socialista Agradecimentos sinceros ao amigo ¢ professor Regis, aos professores Caio, Edmundo e Sebastiao Em grande medida devo este modesto trabalho ao ambiente que tertho o privilégio de compartithar com companheiros como Joao Machado, Joaquim Soriano, Juarez Guimaraes, Gustavo Codas, José Correia, Raul Pont, Dotores, Fabio Pereira, italo Cardoso, Félix Sanchez, Nalu Faria, Tatau Godinho e, mais raramente mas de modo mareante, com Michael Lowy, Francisco Louga e Daniel Bensaid. ‘Naturalmente, as falhas deste trabalho devem ser imputadas somente ao autor. Por fim, registro a ajuda do sistema de bolsas da CAPES Indice Introducao Definigtio do campo temitico ¢ qualificag3o das questdes formuladas a) O problema do desenvolvimento al) Desenvolvimento ¢ subdesenvolvimento a2) A relagio entre desenvolvimento nacional e poder politico b) E possivel falar em ums projeto de desenvolvimento nacional ¢ de poder em torno 4s duas candidaturas de Lula? ©) A importancia de utilizar 0 referencial dos contextos em que se apresenta 0 projeto ¢ os sinais particulares que definer cada um deles d) Ainda que seja plausivel considerar um projeto de desenvolvimento nacional do PT, porque relacioné-lo com certos debates sobre os impasses ¢ possibilidades do desenvolvimento na periferia do capitalismo? Capitulo 1 Contomos e idéias nucleares do projeto de desenvolvimento nacional do PT a) A claboragio do projeto de desenvolvimento nacional ao longo dos encontros partidarios ai) Da fundagio ao 4° Encontro nacional a2) 5° Encontro nacional: bases para o projeto de desenvolvimento nacional a3) 6° Encontro nacional: primeiro ptojeto de desenvolvimento nacional a4) 7° Encontro nacional ¢ © 1° Congreso: o interregno a5) 8° Encontro nacional: retomando a perspectiva do 5° ¢ 6° Encontros nacionais, 6) 9° Encontro Nacional: segundo projeto de desenvolvimento nacional b) Primeiro e segundo projeto de desenvolvimento nacional do PT: unidade e diferengas bi) A avaliagao da crise 2) Projeto de desenvolvimento ¢ a questo do poder 3) Mercado intemo e mercado internacional bd) Reforma agriria 5) Inflagtio 126) Estado: papel econdmico ¢ transformagées politicas ©) Uma sintese Capitulo 2 Contexto histérica ¢ 0 projeto de desenvolvimento nacional do PT 4) Dindmica da sociedade brasileira e dindmica intemacional nos anos 80 al) A questi internacional 22) Da crise do padrio de desenvolvimento ao abandono do desenvolvimentismo 43) Instabilidade e polarizagdio politicas 4) Cariter, auge e vicagem da crise brasileira 20 24 25 25 26 29 31 33 34 36 30 42 50 56 59 83 67 na 7 79 b) PT: da crise nacional a crise do desenvolvimento. Conceitos utitizados ¢ concepedes programaticas em 1989 e 1994 Capitulo 3 Para onde vai o desenvolvimento? a) Estruturalismo b) Escola da dependéncia ¢) Interpretagio do desenvolvimento desigual e combinado d) Os trés “modelos” anteriores ¢ 0 projeto do PT €) O projeto de desenvolvimento nacional do PT Conelusio Post scriptun Bibliografia 84 92 98 102 105 107 109 115 124. 128 Apxesentagao Essa dissertagio analisa a elaborago programatica do Partido dos Trabalhadores {PT) em 1989 1994, quando este partido disputou a Presidéncia da Reptblica apreseniando uma piataforma voltada para responder & crise da sociedade brasileire. 1989 € 1994 so dois momentos singulares na hist6ria recente do Brasil. Marcam, cada um a seu modo, o auge € 0 final de um perfodo de impasses politicos ¢ econémicos que se desenvolveu a partir de uma dupla combinagao de problemas estratégicos para o capitalise brasileiro. Estes problemas tiveram sua expressiio mais acabada na incapacidade de dar sequéncia ao crescimento econémico do pés-guerra, em particular ao dos anos 70, ¢ na instabilidade do regime politico que substitui o regime militar. Podemos dizer que os principais temas debatidos pelos atores politicos no desfecho deste periodo histérico diziam respeito as saidas e alternativas face a crise do desenvolvimento capitalista brasileiro e simultancamente a crise do Estado, scu principal agente. Para estas questes convergiram as atengdes ¢ delas derivaram varios conflitos. Compreender a proposta do Partido dos Trabalhadores neste contexto € 0 que ‘nos propomos neste estudo, © programa do PT dos anos 1989 € 1994 pode ser visto - é sob este angulo que pretendemos estuda-lo - como um projeto de desenvolvimento nacional. Os termos deste projeto estavam intimamente articulados com a critica do Estado ¢ com a perspectiva de transforma-lo, Ainda que inacabado, o projeto de desenvolvimento do PT constituiu um ponto de vista geral sobre os principais problemas histéricos do pais naquele momento. Distintivo em relagio a outras altemativas © apoiado por uma expressiva base social, representou também uma determinada compreensio de futuro, uma certa utopia calcuiads. A avaliagao critica do projeto para a sociedade brasileira estruturado pelo PT nos anos de 1989 ¢ 1994 é ainda algo por ser feito. Grande parte dos estudos sobre 0 PT volia-se para a investigagio do partido na sociedade, sua origem ¢ evolucio, sua auitonomia e grau de integragao ao Estado e mesmo sua evolugio programatica ! ‘Nao conhecemos ainda um conjunto de estudos que tratem da questo especifica de como 0 PT se propés a resolver o principal dilema da sociedade brasileira depois de décadas de crescimento do pés-guerra. Ou, utilizando um enfoque auxiliar, que tratam da indagagdo de como os impasses da crise do desenvolvimento ¢ do desenvolvimentismo langam seus problemas ao debate politico ¢ tedrico. Nossa pretensiio neste estudo é discutir as definigSes programaticas do PT naquilo que concernem a uma proposta de desenvolvimento para o Brasil (naturalmente, inctuindo sua relagio com a questiio do poder politico). Isto nos conduz as resolugdes partiddrias tomadas, destacadamente, no 6° Encontro Nacional - base para © primeiro programa de Lula, em 1989 - eno 9° Encontro Nacional do PT - que definiu o programa da segunda candidatura, em 1994. 1 Nesta linha de enfoque, para citar alguns dos estudos realizados no ambito da Unicamp, estiio dissertagSes. como GUIMARAES, J. R. - Claro enigma: o PT ¢ a tradi¢Zo socialista. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas. Campinas, sm. , 1990; CEZAR, B.T. ~ Verso, reverso, transverso. Dissertagtio de Mestrado, Unicamp, Campinas, 1995; CICONE, R. B. - Da Intenggo a0 Gesto: um olhar gramseiano sobre a possibilidade de integragdo do PT A ordem. Disserlago de Mestrado, Unicamp, Campinas, 1995; FURTADO, 0. H. P. - Trajetos e Perspectivas Social-Democratas: Do Modelo Europeu para o PSDB ¢ o PT no Brasil. Dissertagflo de Mestrado, Unicamp, Campinas, 1996. Pretendemos também contextualizar o que chamamos de projeto de desenvolvimento nacional do PT, no sentido de compreender mudangas de formulagao ¢ © seu significado mais amplo A luz da dindmica politica ¢ das possibilidades abertas (e modificadas) pela crise dos anos 80 e pelo seu desdebramento a partir de 1989. Discutiremos ainda em que medida podemos conectar a construgo do projeto de desenvolvimento delineado pelo PT com alguns dos debates acerca do desenvolvimento na periferia, Oestudo se organiza em cinco partes: = introducio: a definigiio do campo temético © a qualificagio das questées formuladas; ~ capituio 1: 2 exposig0 dos contomos ¢ idéias nucleares de um possivel projeto de desenvolvimento nacional do PT; ~ capitulo 2: o exame dos contextos nacionais em que este projeto sc expressa, ‘vale dizer, a situacio politica e a dinamica social em 1989 ¢ em 1994 (vistos como anos caracteristicos e condensadores de periodos maiores}; ~ capitulo 3: o cotejamento do projeto do PT com enfoques mais amplos sobre 0 tema e que julgamos ter relagio com a elaboragio petisia. Vale dizer, com 0 desenvolvimentismo da Cepal, com a “escola” da dependéncia ¢ com a concepgio socialista que considera a possibilidade da transigzio a partir das contradigdes do capitalismo nos pafses da periferia; ~ conclusdes: onde sintetizaremos as conclus6es parciais obtidas em cada um dos capitulos: 1 sobre a validade de considerar um projeto de desenvolvimento nacional do PT © a0 mesmo tempo compreender sua perspectiva cm rolagdo as transformagdes das estruturas de poder; 2. sobre a contextualizagao politica deste projeto; 3. sobre os vinculos ¢ referéncias mais gerais ou histéricas que permitem apontar alcances ¢ limites desta elaboragao especitica. Buscaremos dar conta destes objetivos tomando como base para anélise os documentos oficiais do Partido dos Trabalhadores no periodo compreendido entre a sua fundag2o e 0 9° Encontro nacional bem como textos ¢ artigos que se relacionam com © debate programatico do PT. Este € © material basico para o capitulo 1, que considera também algumas das contribuigdes fimdamentais para o estudo do desenvolvimento na periferia do cepitalismo. Para tratar 0 capitulo 2 nossa referencia & principalmente a literatura politica e econdmica brasileira recente, tomando ainda algumas contribuigdes teéricas gerais sobre 0 debate de “situagdes de crise”. Voltaremos a literatura que sumaria o debate desenvolvimentista, € a aportes criticos a esta elaboragao bem como a algumas contribuigdes de tradig&io socialista, para desenvolver os temas presentes no capitule 3. Introduce Defini¢ao do campo tematico © qualificagao das questdes formuladas Sustentaremos a seguir o que se formula como questdes basicas deste trabatho. Iniciaremos, na parte a, introduzindo uma discussio sobre o “desenvolvimento nacional”, expressfo que carrega varios significados ¢ que tem uma rica histéria de debate. Pretendemos ainda nesta introdugio justificar a intima conexio entre desenvolvimento nacional e poder politico. Naturalmente este tratamento serd limitado ao objetivo de estabelecer parametros para adentrar aos aspectos centrais que compdem nosso estudo. Buscaremos em seguida, nas partes b, ce d, justificar as razdes e a plausibilidade de: ~ tomar a claboragio do PT, em 1989 e 1994, como um efetivo projeto de desenvolvimento nacional; ~ considerar a necesséria correlagde deste projeto com a evolugao © a mudanga de curso na sociedade brasileira (influenciada pelos acontecimentos internacionais) no perfodo em questo; - e, a utilidade de levar em conta outras abordagens sobre o desenvolvimento pata realizar um exame em profundidade sobre o sentido histérico do projeto defendido pelo Partido dos Trabalhadores. a) O problema do desenvolvimento al} Desenvolvimento e subdesenvolvimento A questio do desenvolvimento nacional ¢ posta diante dos paises e regides que, no processo de constituigdo do capitalismo como um sistema universal, integram-se a este sistema de forma subordinada e “atrasada”. Ainda que nfo se possa abstrair as condigdes nacionais do desenvolvimento capitalista, 0 que vale tanto para os paises que podem ser chamados de centrais como para aqueles periféricos, é possivet reconhecer uma problematica especifica para um conjunto de paises capitalistas “subdesenvolvidos”.2 Quais os destinos — ou, de forma mais precisa, quais as possibilidades histéricas de desenvolvimento — destas nagdes? Esta, talvez, seja a grande questo que envolve 0 tema do desenvolvimento na periferia do capitatismo. Intimamente ligada a ela esté a avaliagho da natureza destas sociedades. Por isso mesmo as varias abordagens sobre 0 desenvolvimento na periferia do capitalismo tém como pano de fundo, de forma explicita ou implicita, uma determinada compreensao da Histéria e, em particular, do capitalismo. Desse ponto de vista pensamos nfo incorrer no risco de uma anilise simplificadora se dissermos que a grande maioria das correntes que procuram explicar @ 2 Autores como Arrighi, que se orientam pela concepefio de economia-mundo, propdem uma estratificagsio da economia mundial em trés blocos: centro, semniperiferie ¢ periferia, mas de toda forma realcam a especificidade das regiGes ndo centrais do capitalismo. Cf. - ARRIGHI, G.- A ilusdo do desenvolvimento, Petrépolis, RE: Vozes, 1997, p. 137 e seguintes. condigao “subdesenvolvida” pode ser inserida em um mesmo campo metodoldgico: o que organiza a investigagao a partir de uma 6tica evolucionista ou unilinear.? Para este campo, o desenvolvimento da periferia, em um contexto de capitalismo. como sistema universal, tem como tinica possibilidade o desenvolvimento capitalista. Entre os estudos inseridos nesta perspectiva, certamente os mais notorios sdo os de autores Vinculados, ou inspirados, pela Comissio Econémica para América Latina (CEPAL)4 Ainda que a CEPAL tenha insistido sobremaneira na problematica especifica do subdesenvolvimento, recusando, portant, as generalizagdes a-histéricas advindas de interpretagSes baseadas na teoria econémica clissica, e sobretudo na neoclissica, é evidente sua identidade originaria com a primeira abordagem, no aspecto fundamental de operar conceitualmente exclusivamente no interior do modo capitalista de produgao. Localizam-se também neste campo metodolégice interpretagBes com uma matriz teérica diferente, que advém de uma interpretago linear ou evolucionista do proprio marxismo, Sao as andlises “etapistas”, que se articularam sob a influéncia dos Partidos 3 Tomamos a idéia de concepgio unitinear da historia - por oposig¢do a uma concepcao multilinear — do brilhante estudo organizado por Shanin a respeito da intervenclo de Marx na chamada questo russa. Shanin e seu colaboradores evidenciam que Mare considerava seriamente a hipétese de uma possibilidade de desenvolvimento ndo-capitalista a partir da comunidade camponesa, aproximando-se de formulagies consideradas “populistas” ¢ distanciando-se dos marxisias russos contemporineos a este debate, que defendiam a inevitabilidade do desenvolvimento capitalista como uma etapa necessdria para a criago de condigées para uma transformagio socialista. Cf, SHANIN, T. - Late Marx and the Russian Road, Nova York: Monthly Review Press, 1983. Também SAWER, M. - Marxism and the question of the asiatic mode of production. Haya: Martinus Nijhoff, 1977. 4 Nossas referéncias bésicas para o exame da CEPAL sio MORAES. R. C. C. - Planejamento: democracia ov difadura? So Paulo: Tese de Doutoramento, Depto. De Filosofia, Letras ¢ Giéncias Humanas da USP, 1987; RODRIGUEZ, 0. - Teoria do subdesenvolvimento da CEPAL. Rio de Janciro: Forense Universitiria, 1981; ¢ BIELSCHOWSKY, R. - Pensamento Comunistas posteriormente 4 década de 30.5 Ainda que nao operassem exclusivamente no mundo conceitual do modo capitalista de produco, o desenvolvimento capitalista éa periferia significava necessariamente uma etapa histérica a ser cumprida. As décadas de 40 © 50 registram o aparecimento de uma série de estudos econdmicos e socioldgicos sobre o “subdesenvolvimento”. Os primeiros, influenciados pelo keynesianismo, ¢ 0s titimos pelas teorias da modemizagio, formavam um conjunto com uma abordagem linear e evolutiva, vendo o subdesenvolvimento basicamente como um estigio a ser superado € 0 desenvolvimento capitalista como 0 destino comum da ampla periferia do sistema. Normalmente se considera a “economia do desenvoivimento” como tendo sido iniciada ao final dos anos 40. “A critica feroz do estruturalismo latinoamericano em relagio 4 teoria neoclissica, ¢ as discussdes subsequentes a que esta deu lugar, foram parte de um processo mais gerai que viu o surgimento da economia do desenvolvimento, A teoria do desenvolvimento floresceu durante os anos cinquenta ¢ sessenta...”7 Esta observaglo pode ser considerada correta de tomamnos estritamente os desdobramentos (evolutivos de ruptura) da teoria econdmica a partir da chamada econdmico brasileiro: 9 cielo ideolégico do desenvolvimentismo. 2* ed., Rio de Janeiro. Contraponto, 1995, 5 CE LOWY, M. - Dialéctica y revolucién. México: Sigio Veintiuno editores, 1975, p. 149 seguintes, Cf. igualmente SAWER, M., op. cit. 6 MEIER, G. M. - The formative period. in MEIER, G. M. ¢ SEERS, D. - Pioneers in Development. World Bank/Oxford University Press, 1984; MORAES, R. C. C. - Planejamento: democracia on ditadura? Sao Paulo, Tese de Doutoramento, Depto. de Filosofia, Letras ¢ Ciéncias Humanas da USP, 1987, pp. 73 a 76. escola classica (Ricardo, Smith). A esta primeira grande hegemonia na economia politica seguiu-se a contrarevolugio neoclassica ¢, depois da grande crise dos anos 30, um periodo de hegemonia keynesiana, No contexto desta hegemonia é que se instala, apés a Il Grande Guerra, ¢ toma lugar proprio o que se poderia denominar de economia do desenvolvimento. Convencionou-se chamar os autores deste periodo inicial de “pioneiros”.$ Se tomarmos, no entanto, um enfoque mais amplo, que aliés se encontra em virios estudos sobre o problema do desenvolvimento, observaremos que o tema — ainda que sob um tratamento metodologico substancialmente distinto — ver sendo objeto de estudo ha mais tempo.? Podemos encontrar em Marx elementos importantes de investigago sobre as regides “atrasadas”. B possivel assinalar dois enfoques nestes estudos: um, 0 mais celebrizado, na idéia de que os paises “adiantados” mostravam o caminho ¢ arrastavam os mais atrasados na diresdio do desenvolvimento capitalista; outro, menos corhecide ¢ difundido, que se estabeleceu a partir dos estudos de Marx sobre a Russia, onde se levanta a possibilidade (e a critica a inevitabilidade do desenvolvimento capitalista) de um desenvolvimento nao capitatista para aquele pais 7 CE. KAY, C, - Estudios del desarrollo, neoliberalismo ¢ teorias latinoamericanas, Revista Mexicana de Sociologia, ano LV/a.%3, julho/setembro de 1993. 8 CE BUSTELO, P. - Teorias contemporineas del desarrollo econémico, Madrid: Editorial Sintesis, 1998, p. 115 e seg. 9 Nesse sentido um estudo interessante, ainda que bastante parcial, especialmente no que toca & avaliaglo das concepgSes de Marx, esta em ARNDT, H. W. - Economic Development: A Semantic History. Neste trabalho busca-se a origem do termo e dos conceitos de desenvolvimento nos estudos em lingua inglesa, identificando em Marx ¢ em autores que conheciam sua obra a primeira formulagde coerente do probleme do desenvolvimento. Além disso, este mesmo estudo identifica nos historiadores do império britinico ~ ¢ mesmo nos debates ¢ informes politicos do periodo — a utilizago do termo, ainda que sob conceitos diversos. Cf, ARNDT, H, W. - Economic Development: A Semantic History. Economic Development and Cultural Change, volume 29, n.° 3, april 1981. id que se encontrava “em atraso” relativamente aos paises capitalistas industrializados.!? A propria nogao de atraso, neste caso, deixa de ser vista como referente a uma etapa ¢ passa a ser percebida como produto histérico. E sobretudo interessante para o que nos propomos em nosso estudo, destacar esta segunda versio iniciada por Marx, A contraposigfio metodolégica a este campo € a que admite — ¢, em algumas interpretagdes, considera como inica possibitidade de desenvolvimento — uma via mio capitalista, mais propriamente, em transigSo ao socialismo, para o desenvolvimento da periferia. Neste campo encontram-se a interpretaglio marxista do desenvolvimento desigual e combinadoll, algumas correntes da escola da dependéncia!? ¢ algumas andlises baseadas na teoria dos sistemas mundiais!3, Aqui ganha determinagio fundamental, por sobre as caracteristicas nacionais ou locais, 0 aspecto mundial do sistema capitalista. A universalizagao do capitalism modifica (e condiciona) as possibitidades de desenvolvimento de cada sociedade que se compde como parte deste 10 Cf, BUSTELO, P. - op. cit,, p. 55 ¢ seg. Mas a referéncia basiea para os iltimos trabalhos de ‘Marx especialmente voltados para o estudo da Russia camponesa esti em Shanin, T., Late ‘Marx: gods and craftsmen. in SHANIN, T. - Late Marx and The Russian Road. New York: Monthly Review, 1984. 1 Concepgao formulada por Trostky para analisar a revolug%o russa de 1905. Baseia-se na anilise do capitalismo como uma totalidade universal. Cf. LOWY, M. - The Politics of Combined and Uneven Development. Londres: Verse, 1981; e, MANDEL, E.~ Trotski: Teoria y Practica de la Revolucién Permanente. México: Siglo Veintiuno editores, 1983. 12 Trata-se de um conjunto bastante variado de elaboragées criticas a CEPAL ¢ ao seu desenvolvimentismo. Aqui nos referimos aos trabathos de Andre Gunder Frank, em particular FRANK, A G. - América Latina: subdesarrollo o revolueién, México: Ediciones Era, 1973. 13 Destacando-se especialmente a coletinea em ARRIGHI, G. - op. cit. E de se notar, inclusive, a observagiio deste autor sobre 2 possibilidade negativa de uma “terceira vin": 0 nfo- desenvolvimento, Questionando a possibilidade de um desenvolvimento capitalista pare o conjunto da periferia, Arrighi levanta, além de uma perspectiva socialista para enfocar a questo, 2 hipétese do nilo-desenvolvimento, algo que parece ganhar atualidade no atual periodo histérico. In ARRIGHI, G. - op. cit. i sistema, Nao se repete, a partir deste ponto de vista, a trajetdria “ideal” dos paises que ascenderam inicialmente & condigio de capitalistas. Do mesmo modo, as categorias analiticas utilizadas para compreender estes paises seriam anacrénicas para o estudo dos demais. As cortentes tedricas que partilham deste campo metodolégico tém em comum a perspectiva - ou ainda a possibilidade ~ de um desenvolvimento nacional nao- capitalista. A elaborago ¢ a polémica sobre 0 problema do desenvolvimento tém, como jé referimos, uma histéria longa. Ainda que diferente na forma (e no contetido) que adquiriu a partir da década de 1940, a investigagao sobre as regiées “atrasadas” comesou a se constituir, no pensamento socialista, desde fins do século passado. A partir do inicio deste século, com as andlises sobre o imperialismo, a questi ganha corpo como um dos temas centrais nos debates socialistas. 4 A bifureagio dos estudos sobre 0 “subdesenvolvimento”, expressando dois grandes campos metodolégicos, indica, em uma primeira aproximagao, a polémica em tomo ao tema do desenvolvimento na periferia do capitalismo, um debate que se 14 © tema foi destaque dos primeiros congressos da III Internacional, fundada em 1919, Sobressai ainda em estudos de Lenin, anteriores a esta data, sobre o desenvolvimento capitalista na Russia € ainda sobre o imperialismo. Do mesmo modo, de forma até mais significativa e explicita, encontramos esta temética nos textos de Trotsky, anteriores € posteriores a fundagdo da IIT Internacional, Usilizando um angulo de andlise diferente ~ a que se baseia no chamado estudo dos sistemas mundiais ~ Wallerstein procura localizar a questo do desenvolvimento como uma disputs entre Estados ¢ sistemas econdmicas, Este autor trata o debafe em tomo ao desenvolvimento como parte de una disputa politica ¢ ideolégica mundial mais ampla, opondo os Estados Unidos e a recém criada Unilio das Repiblicas Sovialistas Soviéticas. Assim, data 0 inicio dos debates sobre 0 "subdesenvolvimento” em meados dos anos 20. Cf, WALLERSTEIN, I. - The concept of national development, 1917-1989: Elegy and Requiem, in WALLERSTEIN, ‘After Liberalism, New York, The New Press, 1995. 12 desdobra em varios planos, fazendo parte, em alguns momentos histéricos, da agenda da direita ¢ da esquerda, sendo tratado por varias abordagens tedrivas e ideoldgicas. 2) A relagio entre desenvolvimento nacional e poder politico Alguns estudos sobre a CEPAL procuram identificar a concepgio de Estado que se estabeleceu de forma subjacente ao idedrio desenvolvimentista. Mesmo nfio sendo alvo de trabalhos especificos dos autores estruturalistas, a questo do poder joga um papel decisivo nesta linha de elaborago. A comegar pelo fato do Estado ser concebido como um agenie ativo ¢ condutor do processo de desenvolvimento, De modo explicito, a agdo do Estado visa constituir e fortalecer as instituighes econdmicas e relagdes sociais fundadas no mercado.15 Mas trata-se também de afastar do poder estatal aqueles setores sociais vineulados as estruturas econémicas do “‘atraso”; de buscar um poder racional, conferindo imenso papel aos quadros técnicos que assegurariam a coeréncia entre os objectives econémicos desenvolvimentistas ¢ as decisbes politicas. Esta ¢ uma condigao essencial para por em marcha todo o projeto de desenvolvimento nacional, visto que 0 Estado deveria dedicar-se totalmente a esta tarefa e estar desimpedido de outros compromissos. As classes sociais interessadas em superar o atraso, em conguistar 0 desenvolvimento econémico, como que delegariam (¢ respaldariam) poder a um setor social especifico, os técnicos, para representa-las e agir em seu nome.16 15 RODRIGUEZ, O. - op. cit; ¢ BIELSCHOWSKY, R, - Pensamento econdmico brasileiro: 0 cicle ideokigico do desenvolvimentismo, 2* ed,, Rio de Janeiro, Contraponto, 1995. 16 MORAES, R. C. C. - Planejamento: democracia ou ditadura?, Sio Paulo, Tese de Doutoramento, Depto. De Filosofia, Letras e Ciéncias Humanes da USP, 1987. 13 Os trabalhos da CEPAL sic embleméticos da dupla natureza dos debates desenvolvimentistas. Ao mesmo tempo que trataram de constituir um esforgo teérico especifico - investigar a probiemitica do atraso econémico no contexto de um desenvolvimento capitalista intemacionalmente desigual - constituiram-se como instrumentos poderosos para a articulagio de projetos politicos nacionais.!7 Esta elaborago foi to infiuente, sobretudo na regitio latino-americana, que € possivel afirmar que ainda hoje ¢ idéia de desenvolvimento tem uma associagao imediata com aquela instituigdo. E que mesmo grande parte das criticas mais substantivas a esta elaboragao tiveram de partir de (¢ em alguns casos adotaram), em alguma medida, coneeitos € referéncias “cepalinos”.!8 E importante notar, desde ja, que em um momento de crise do desenvolvimento, a década de 60, especialmente na América Latina o tema do desenvolvimento foi apropriado também por correntes de pensamento marxistas ou proximas a estas, como foi o caso da chamada escola da dependéncia, As interpretagdes dependentistas, com mediagdes variadas, convergem mais diretamente para os problemas do Estado (¢ da autonomtia deciséria nacional) a partir das andlises dos impasses do desenvolvimento econémico. E possivel destacar dentre os ramos em que se diversificam os estudos da dependéncia a interpretap2o dos impasses econémicos como fundamentalmente impasses © conflitos politicos, cuja resolugio 17 RODRIGUEZ, ©. - Teoria do subdesenvolvimento da cepal, Rio de Janeiro, Forense Universitaria, 1981 18 CARDOSO DE MELLO, J. M. - © capitalisme tardio, Sio Paulo, Brasiliense, 1982. 14 depende, em ultima instincia, das Iutas sociais © politicas, e portanto de mudangas estruturais do Estado, no interior de cada pais.19 Dentre as concepeSes socialistas que julgamos ter influenciado as etaboragdes programaticas do PT no periodo assinalado, a que se baseia na interpretagio do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo propée a superagiio do atraso econémico e da opresstio nacional através de um processo de “revoludo permanente” culminando com a transformagio socialista do Estado?0. Ainda que niio trate da mesma forma o problema do desenvolvimento, 0 que esta em jogo € a constituicao de paises dominados em nagdes, que é uma terntica comum tanto dos desenvolvimentistas como dos dependentistas. A questio do Estado ¢ sua transformagio é tio mais importante quanto mais conflitos se estabelecem no projeto do desenvolvimento proposto. & nitido, sobretudo na primeira elaboragao do projeto do PT (1989), o esforgo em conectar novas dindmicas na economia e no Estado. O desenvolvimento é, ai, mais que um proceso econémico de superagilo de bloqueios e limites impostos pelo capitalismo periférico; é um proceso de enfrentamento e superagio de contradigdes entre as classes sociais. Nenhum dos grandes problemas econdmicos é analisado de forma “pura”. Aa contrario, busca-se quem siio os beneficidrios ¢ os perdedores, a quem serve determinada condigdio econdmica ¢ como foi dirigida sua construg&e historicamente. Assim o desenvolvimento nao ¢ neutro ¢ 19 CARDOSO, F. H. ¢ FALETTO, E - Dependencia y desarrollo en América Latina, México, 15° ed, Siglo XXI, 1979, 20 Estamos nes referindo as andlises dos limites do desenvolvimento capitalista na periferia que se baseiam na tese do desenvolvimento desigual e combinado, elaborada por Trotsky. Cf. ‘MANDEL, E. - Trotsky como altemativa, So Paulo, Xamé, 1995, p. 129 a 145 e MANDEL, E. is seus impasses resultam de ume determinada dominagdo de classe. A conclusdo légica do projeto, expressa com vigor na sua primeira formulagio, € que 0 desenvolvimento pressupSe a juta pela elevago da classe trabalhadora 4 condigto de classe dirigente da soviedade, Nesta perspectiva problema do desenvoivimento econémico esti inteiramente associado a uma nova configuragdo das classes sociais e do Estado. ») E possivel falar em um projeto de desenvolvimento nacional ¢ de poder em Tanto em 1989 como principalmente em 1994 0 tema central de organizagio programatica da proposta do PT é o de articular uma saida a crise do desenvolvimento. E bem verdade que esta saida se apresenta muito mais como delineamentos gerais ¢ grandes diretrizes, estando longe de uma formulagio e formalizagiio acabadas. Expressam, no entanto, um ponto de vista geral sobre a crise ¢ o desenvolvimento no Brasil, distintive de outros, E mais, a seu tempo ¢ ainda que possa ter sido de forma efemera - 0 que ainda nao sabemos definitivamente - reuniu um expressivo apoio sociat ‘em tomo as suas idéias. ‘A temética do desenvolvimento esta presente com clareza nas formulagdes programaticas do 6° Encontro Nacional do PT (1989), quando se busca encontrar uma resposta a crise do desenvolvimento, superando o nacional-desenvolvimentismo. Esta aliemativa, chamada nas resolugdes do 5° Encontro Nacional do PT de democritico- popular, comeca ento a adquirir um contorno mais definide de projeto. E tem como ~ Classes sociales et crise en Amérique Latine, Paris, Critiques de l'économie politique, 1.” 16- 17, setersbro, 1974, 16 centro nuclear a idéia de desenvolvimento nacional intimamente articulada & uma transformacao do Estado. Neste momento incidem com bastante forga, compondo o nucleo da formulagio, alguns elementos de uma visto de transigfio ao soctalismo, o que é dado pela critica a0 Estado (uo pressuposto de uma radical alteraciio como base para implementar 0 projeto © como aspecto diretor do projeto), pela critica ao desenvolvimento capitalista e, sobretudo, pela dinfmica anticapitalista para 0 desenvolvimento de novo tipo. Nesta formulagao desenvolvimento ¢ transigdo so tratados em conjunto, com o segundo “guiando” a visio geral de projeto.2! Mais ainda, a perspectiva é de constituir um processo nacional auténomo face ao mercado ¢ ao capital internacionais, fortalecendo o earater nacional do projeto e distanciando-se (sen8o opondo-se) 4 dinimica do capitalismo internacional (imperialismo).22 Em grande medida o programa de 1994 prossegue o de 1989, como se pode ver nas Diretrizes para o Programa de Governo (1993) € nas resolugdes de 9° Encontro ‘Nacional (1994). Neste momento, no entanto, o eixo mais coerente € 0 da retomada de certo desenvolvimentismo, ocupando um lugar central a idéia que o motor do programa um conjunto de reformas econdmicas, em particular as que gerariam um mercado intemo de massas (0 que da as demais idéias um carater subordinado e configura um tom economicista A visio geral de projeto). A anterior relag3o entre desenvolvimento € 21 PARTIDOS DOS TRABALHADORES - Resolugées Politicas do 6° Encontro Nacional do PT, Secretaria Nacional de Comunicacéo do Diretério Nacional, Sio Paulo, 1989. Citadas em seguida como 6° EN. 22 6 EN, p. 40. VW poder ¢ alterada, com © primeiro assumindo 0 “posto de comando”23 Além disso, a relagao com o mereado internacional assume um cardter ambiguo: por um lado afirma- se um desenvolvimento centrado num mercado interno de massas, por outro assume também uma postura algo construtiva frente ao hegemonismo (nio mais formulando o dominio do capitalisme intemacionai como imperialismo) e uma idéia de integragao “soberana” ao mercado internacional.24 c) A importincia de utilizar o referencial dos contextos em que seapresenta 0 s particul: in S$ Este ponto refere-se aos contextos histdricos ¢ politicos em que se apresentam disputam as alternativas gerais para o pais, especificamente os dois momentos que em que estamos caracterizando a proposta estruturada pelo PT. Isso tem importéncia porque ajuda a qualificar o carater de "viabilidade histérica” que de alguma forma é um elemento de conformagio de um projeto (o que 0 distinguiria, por exemplo, de um instrumento de propaganda, utilizando uma distingao sempre recorrida no debate dos partidos de esquerda). Além disso, pode penmitir compreender melhor as mudancas no interior do proprio projeto gue estamos analisando. 23 PARTIDOS DOS TRABALHADORES - 1994. Lula Presidente. Uma RevoiugZo Democrética no Brasil. Programa de Governo. Projeto para Discussdo, 2* edigdo, Cadernos de Teoria e Debate, Sio Paulo, 1994 (onde encontram-se as Diretrizes para elaborago do Programa de Governo Lula-94, de outubro de 1993}; Resolugées do 9° Encontro Nacional do PT, Diretério Nacional do PT, Sio Paulo, 1994; Bases do Programa de Govemno, Teoria ¢ Debate, Sao Paulo, 1994, As formulagdes que estamos referindo esto no principal documento, as Bases do Programa de Governo. 13 1989 ¢ 1994 significam contextos diferentes. © primeiro condensa todo um periodo de crise e uma polarizagio de alternativas. O segundo expressa muito mais uma disputa condicionada por uma altemativa vencedora e em andamento. Resumidamente, poderiamos apresentar os seguintes aspectos de cada um dos dois momentos de expressio do projeto “petista” de desenvolvimento: 1989: ponto culminante da crise, resultado de longos impasses sem projetos vencedores, Resume, digamos, trés expressivos processos: primeiro, o esgotamento do padrao de desenvolvimento, a sequéncia de "ientativas e erros” ao fongo dos anos 80 tespecificamente durante os 5 anos de Governo Samey) € progressiva mudanga de agenda que sucede o plano Cruzado; segundo, a instabilidade politica que marca o periodo e que identifica uma profiunda crise de diregdo politica das classes dominantes; tereciro, a progressiva afirmagio de um campo politico e social antagonista, estruturado em tomo ao PT. 1994; a crise do periodo anterior esté na fase descendente, com uma alterag’o significativa do caréter dos impasses. A conjugagio de uma agenda nova (inaugurada politicamente pela vitéria de Collor) e sobretudo a estabilizagdo iniciada em 1994 (¢ naturalmente 0 significado da eleigo de Fernando Henrique Cardoso), expressaram © consolidaram uma nova coesiio das classes dominantes em termos de condugto do pais com a derrota do PT, caracterizando uma etapa nova. No interregno entre 03 dois momentos (1989 e 1994), ocome o imipeachment que repde algumas condicdes de disputa nacional de projeto. Mas esta reposigfo € parcial (no retoma 0 conjunto dos 24 PARTIDOS DOS TRABALHADORES - Bases do Programa de Governo, Teoria ¢ Debate, So Paulo, 1994, p. 50, p.116. 119 ep. 143 4 145. De agora em diante citado como BASES. 9 elementos que caracterizaram 1989) ¢ dificiimente se pode avaliar aquele episédio como algo mais que crise de governo.25 Pensamos ser possivel nesta parte correlacionar a forma de articulagao que toma © projeto do PT em 1989 € em 1994 com as condigdes especificas do contexte politico em cada um destes momentos, Ov seja, podemos ver as mudangas intemas ao programa nao 56, por exemplo, pelo Angulo da “correlagiio de forgas interna” ao partido ou da evoluedio da sua inserg%o no Estado (como tratam alguns estudos), mas pelo Angulo da correlagao de forgas na sociedade, impondo restrigdes mas também novas disjuntivas. Sob este ponto de vista, em 1994 os novos condicionantes fazem parte de um novo movimento global da sociedade. E necessaria nesse ponto uma nota sobre o contexto na América Latina (ao menos, referente aos dois outros paises mais importantes, México e Argentina) que, antes do Brasil ¢ também apds crises profongadas, passam a experimentar novos cursos de orientagao (mais tarde seguidos pelo Brasil) 26 Este tipo de observagio, que de alguma forma trata do tema da viabilidade histérica, traz pelo menos uma implicagtio importante ¢ complexa. Trata-se da relaglo entre coeréncia e viabilidade: uma formulagao aparentemente mais realista ( mais adaptada ao curso dominante) pode perder em cocréncia e em viabilidade a longo prazo, pois de alguma forma se subordina a altemnativas as quais se opde. De outro lado, uma 25 VELASCO E CRUZ, S. C. - Estado ¢ economia em tempo de crise - politica industrial ¢ ‘wansigfo politica no Brasil nos anos 80. Campinas, Depto, de Ciéneis Politica do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Unicamp, 1992, p. 181. 26 Apoiamos nossa interpretagio em BATISTA JR., P. N. - © Plano Real a luz da experiéncia mexicana ¢ argentina, in Estudos Avangudos, Sio Paulo, Instituto de Estudos Avangados da USP, vol. 10, 1.° 28, seternbro/dezembro 1996, 20 formulagiio que para manter a coeréncia perde o sentido de disputa mais imediata pode se transportar para outro terreno, valido, mas diferente do aqui tratado, Ainda que menos elaborado © ainda que mais radical, 0 projeto de desenvolvimento do PT apresentado em 1989 pode ser visto com mais "viabilidade" justamenie pelo ambiente social ¢ politico do pais, pelo curso dos movimentos globais, da sociedade. Dificilmente se pode pensar no problema de um projeto de desenvolvimento nacional fora de um contexto de crise. Fora deste contexto um projeto desta natureza estar entre duas escolhas (que o descaracterizariam enquanto tal): ou buscar uma aderéncia (¢ adestio) ao curso politico, econémico ¢ ideoldgico dominante na sociedade ‘ou apresentar-se na contracorrente dos acontecimentos e se configurar menos como um projeto de desenvolvimento ¢ mais como uma via para disputas futuras. Este dilema estava mais presente em 1994 do que em 1989, Um argumento se apresenta na forma de questiio: o que sucedeu com o debate sobre o desenvolvimento ao longo da década de 80? Ousariamos dizer que se algo se perdeu nesta década foi a capacidade do pensamento critico de prosseguir os esforgos @ partir dos impasses da dependéncia e do rico debate sobre o imperialismo ¢ 0 desenvolvimento nacional dos paises periféricos que teve lugar nas décadas de 60 e 70. ‘Ha um relativo vazio teérico do debate sobre o desenvolvimento ao longo dos anos 80 24 no Brasil, contrastando com as décadas anteriores ¢, de uma forma um tanto paradoxal, desenhando uma simetria entre a crise de desenvolvimento ¢ a crise da critica a0 desenvolvimentisme.2? Em certo sentido este periodo foi um longo proceso de mudanga de agenda, resultado de derrotas poiiticas da esquerda acumuladas desde a década anterior (Chile), de uma profunda alteragio da correlacdo de forgas mundial, e de um forte deslocamento das preocupagbes na economia ¢ no conjunto das ciéncias sociais, tendo cada vez mais Tugar os temas do ajuste ¢ da estabilizagao.2® Tem no entanto um papel especifico decisive o proprio esgotamento das claboragdes em tomo do tema da dependancia e a auséneia de novos caminhos que poderiam ser abertos pelas varias abordagens criticas & “escola” da dependéncia2? Pensamos que a elaboragdo do PT retoma temas do antigo debate, ainda que submetido as lacunas e deficiéncias deixadas pelo longo siléncio do periodo. As idéias norteadoras do programa de desenvolvimento do PT encontram parcialmente analogia com as que permearam o debate desenvolvimentista e da dependéncia, embora recolham também fortes snbsidios em outros tipos de elaboracao. Assim, pensamos poder identificar a presenca de trés influéncias teéricas na formulagto petista: uma inspiragio estruturalista (0 papel do Estado na condugo do desenvolvimento ¢ a tematica da formulagio de um projeto nacional alternativo, a idéia 27 EIORI, J. L. - © vOo da coruja: uma leitura nfo liberal da crise do Estado desenvolvimentista, Rio de Janeiro, EAUERY, 1995, p. xi a xx. 28 BENSAID, D. - La discordance des temps, Paris, Les Editions de Ja Passion, 1995, para a anélige internacional, e VELASCO E CRUZ, S.C. - op. cit, p. $5 ¢ seg., ¢ p. 113 e seguintes pare a anélise nacional. 22 a predominancia do fator econémico na determinagio do desenvolvimento, como em 1994) ¢ a Enfase no processo de desenvolvimento para dentro (em 1989 ¢ 1994); uma inspiragdo “dependentista”, podendo ser relacionado com os temas centrais daquela escola, como crise do desenvolvimento, crise do Estado, os conflitos de classe e 2 dindmice politica intema, destacando a apropriagdo classista do desenvolvimento ¢ de sua ideologia; mas também uma inspiraso socialista, sendo possivel ainda ler neste esforgo de produzir uma visio altemativa de desenvolvimento a insergao de uma perspectiva socislista, que € a tentativa de introduzir elementos de transigto a partir do abjetivo de conquista do governo central e que relaciona desenvolvimento ¢ transigo, aparecendo com clareza nas definigées do 6° Encontro Nacional. ‘A relagto entre a elaboragiio do PT ¢ estas referéncias mais gerais e histéricas deve ser feita no exame de determinados temas que permeiam o debate mais amplo sobre o desenvolvimento. Dentre estes temas cabe realgar: - 2 propria concepgao do desenvolvimento, que implica tanto a idéia de nagio € de relagdes sociais projetadas como a nog mesma de que tipo de desenvolvimento se discute. Neste sentido a relagao com 0 mercado, um aspecto para o esclarecimente destas questées, toma diresdes diversas conforme a abordagem teérica; - a anblise dos condicionantes da desigualdade no desenvolvimento capitalista entre paises e regides, observando neste marco a relagdo entre os aspects nacionais ¢ os 29 COUTROT, T. - Uma balango da teoria du dependéncia, Sao Paulo, Novos Estudos Cebrap ‘2 29, margo de 1991; FIORI,T.L., op. cit. 23 elementos externos. Desde ja, assinale-se, 0 debate e a critica as visdes dicotémicas entre estas dimensdes; - a relago entre desenvolvimento nacional e poder politico, vale dizer a compreensio da natureza e desdobramentos dos conflitos sociais ¢ politicos desencadeados no curso de processos em que se chocam e entrecrazam projetos nacionais com suas maiores ou menores identificagdes com interesses de classes sociais, Neste contexto podemos rever os eixos estruturadores do projeto de desenvolvimento nacional do PT. 24 Capitulo 1 Contornes e idéias nucleares do projeto de desenvolvimento nacional do PT Neste capitulo vamos expor 0 que se pode considerar como 0 projeto de desenvolvimento nacional do PT. Nosso primeiro passo ¢ identificar na trajetétia do partido © momento em que tem inicio esta elaborago particular ¢ como se desdobra a partir de entio, Tomamos como base para esta anSlise os encontros do Partido dos Trabalhadores desde a sua fandagdo até 0 9° Encontro Nacional, que delibera o programa de Lula em 1994. Feito este exame preliminar passaremos a uma avaliaglo mais detida daqueles documentos que dio conta de uma elaboraglo especificamente voltada ao projeto de desenvolvimento nacional. Utilizaremos, nos casos em que contribuir para o esclarecimento das concepgbes elaboradas pelo PT, um conjunto de intervengdes escritas para o debate que se desenvolve em conexio com a elaboragdo do projeto de desenvolvimento nacional do PT. A exposigao esti organizada emi trés segdes, da seguinte forma - na segfo_a) examinamos a elaboragio do PT a0 longo dos encontros partidérios, de modo a localizar 0 inicio de uma formulagao especifica e verificar sux evolugo; = na seoo_b) analisamos 0 que estamos caracterizando como projeto de desenvolvimento nacional; 25 - por fim, concluimos com a secdo.c) apresentande uma sintese dos dois momentos basicos de elaboragaio do projeto de desenvolvimento nacional. al) Da fundagio ao 4° Encontro nacional Até 0 4° Encontro Nacional, realizado em junho de 1986, os encontros (¢ suas principais resolugdes) esto relacionados com questes da organizagio inicial do partido, com temas politicos voltados para a definigio de uma plataforma de lutas na conjuntura e com aspectos mais gerais do programa.3® 0 4° Encontro Nacional define, pela primeira vez, a necessidade de elaborar um projeto altemativo para o pais. Mas a propria forma de colocar a questio mostra © quanto esta abordagem ainda era embrionaria: “Projeto alternativo global (..) além do plano de lutas, o PT deve ser capaz de elaborar e colecar em debate para a sociedade o seu projeto altemnativo que se contraponha a Idgica € a0 alcance da Politica do Governo para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Entendemos que, na parte econdmica ¢ social, este projeto deve conter pelo menos os seguintes pontos: a) suspensio do pagamento da divida extema e rompimento dos acordos com o FMI; ‘p) reforma agraria sob o controle dos trabalhadores; 30 PARTIDO DOS TRABALHADORES - Resolugées da fundagio do PT e dos 1°, 2°, 3° ¢ 4° Encontros Nacionais, So Paulo, Secretaria Nacional de Formagao Politica, 1995. %6 ¢} estatizagao do sistema buncétio e financeiro; 3) controle, pelos trabalhadores, dos fundos sociais; ©) orientag2o do crescimento econdmico, com distribuigao de renda, recuperagio salatial, prioridade para 0 mercado interno, para a agricultura de alimentos; f) educagdo e sade piblicas ¢ gratuitas, estatizagiio gradativa do sistema de transportes e uma politica habitacional que privilegie a construgdo de moradias populares; ) estatizaco da indistria farmacéutica; h) contra a privatizag3o e pela democratizagiio das empresas estatais.”3! 2) 5° Encontro nacional: bases para o projeto de desenvolvimento nacional £ a partir do 5* Encontro Nacional, realizado em dezembro de 1987, que toma corpo a formulagéo anunciada no 4° Encontro Nacional. Ai estio estabelecidos os delincamentos bisicos para a construe de uma proposta para disputar os rumos da sociedade, Vamos encontrar no s6 a denominago - “demoeratico e popular” - ¢ a caracteristica estratégica do projeto - orientado para responder as contradigaes do desenvolvimento tardio - como também uma forma especifica de relacionar a disputa presente na sociedade, 0 projeto altemnativo € 0 objetivo socialista. Sobre 0 programa {projeto) o Encontro estabelece: “0 programa no se resume a um conjunto de reformas democriticas © populares peias quais hitamos: envolve também uma critica ¢ uma disputa a partir de uma visdo anticapitalista e socialista em relagdo a ordem 31 Idem, 4° Encontro Nacional, Resolugao “O estdgio do desenvolvimento capitalista no Brasil”, item 84. 7 vigente..”32; (..)SO PT deve apresentar-se como uma opcao real de Governo..."23; (...)"Fixar 0 perfil potitico geral do PT como partido sovialista que tera uma proposta global de novos rumos para a sociedade, expressa em nosso futuro Programa Altemativo de Govemo..."34 © S* Encontro Nacional tem um papel importante na histéria do Partido dos Trabalhadores porque, pela primeira vez, decide um conjunto de concepcdes programaticas em relagio aos objetivos, aos meios de consegui-los ¢ sobre o préprio partido, marcando uma diferenga significativa com o curso que caracteriza 08 quatro primeiros encontros nacionais.35 Alias, é um marco exatamente por isso: representa um ‘momento de conscigneia sobre o papet do partido ¢ uma opgdo de dirigir 0 seu crescimento Tumo a objetivos estratégicos socialistas. Deste ponto de vista é uma espécie de alicerce para as definigdes politicas no anos seguintes, E neste encontro que se definem as grandes reformas que condensam, para trés grandes questdes, respostas altemnativas aquelas postas em marcha historicamente. $30 elas: a questo do Estado ou questa democratica; a questio nacional ou a luta pela autonomia nacional frente ao mercado externo e ao poder dos paises dominantes; ¢ a questiio da propriedade, incluindo a questio do controle social sobre o mercado ¢ a democratizagiio da propriedade agraia. Ao destacar estas questdes, o partido supera a forma que até entio expressava sua visto programitica, que seccionava plataforma de 32 PARTIDO DOS TRABALHADORES - Resolugdo Politica do 5° Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores, dezembro de 1987, Diretério Nacional do PT, p.8. 33 Idem, p. 16. 34 Jdem, p. 30, 35 Varias visdes até entdo defendidas por setores minoritarios dentro do partido foram aprovadas. Como exemple citamos a prépria concepso de partido: o coneeito de partido que se propde a ser uma ditegdo politica ¢ um organizador coletivo era até o 5° Encontro Nacional 28 lutas imediatas ¢ programa geral. © programa democritico popular propunha-se a iratar exatamente dos problemas do desenvolvimento tardio ¢ a estabelecer uma ponte entre as lutas reivindicatérias, imediatas, e 0 objetivo socialista. As respostas io articuladas com a perspectiva de conquistar o govemno, em um. processo dindmico (intemo e extemo 4s instituigdes) de transformagio do poder, A visio da luta por zeformas ¢ pelo poder vai determinar o micleo da elaboragiio do Encontro Nacional seguinte, que consideramos a primeira formulagao mais articulada de um projeto de desenvolvimento. Assim o ponto 75 das resolugdes do 5° Encontro Nacional sera retomado de forma quase literal no 6° Encontro Nacional e sem divida € 0 principio articulador das propostas ali decididas: “Nas condigdes do Brasit, um Governo capaz, de realizar as tarefas democriticas ¢ populares, de carter antiimperialista, antilatifundidrio e smtimonopélio ~ tarefas nfo efetivadas pela burguesia - tem um duplo significado: em primeiro lugar ¢ um Govemo de forgas sociais em choque com 0 capitalismo e a ordem burguesa, portanto um Governo hegemonizado pelo proletariado, ¢ que sé poderd viabilizar-se com uma ruptura revoluciondria; em segundo lugar, a realizago das tarefas a que se propéc exige a adogao concomitante de medidas de carater socialista em setores cesscnciais da economia ¢ com 0 enfrentamento da resisténcia capitalista, Por essas condigdes um Governo dessa natureza nfo representa a formulagao de ‘uma nova teoria das etapas?®, imaginando uma etapa democratico-popular ¢, rejeitado pela maioria, que defendia 9 idéio de um partido de representacdo parlamentar dos movimentos soviais. 36 Referéncia critica a concepgdo de que a transformago das sociedades capitalistes atrasadas dar-se-ia por um processo de etapas histGricas demarcadas. Supumha que tais sociedades ainda ‘dio tinham atingido um “estagio” de desenvolvimento capitalista, 29 © que é mais grave, criando ilusdes em amplos setores na possibilidade de uma nova fase do capitalismo, uma fase democritico e popuiar."3? © 5° Encontro Nacional langa a candidatura de Lula e inicia a elaberagac do programa “democritico-popular”, Diferentemente do encontro seguinte, este ainda nao tem uma dimenstio da profundidade da crise em curso no pais: 0s 24 pontos que descrevem a situago stio basicamente centrados na andlise da conjuntura presente (Govemo Samey). A tentativa de articular um programa alternativo apresenta uma lista de propostas que esta muito de constituir-se uma visio alternativa de desenvolvimento do pais 38 Assim, mesmo com sua influéncia sobre os momentos seguintes do partido, nao chegou a condensar um projeto de desenvolvimento nacional. Isto somente aconteceré nas duas eleigdes presidenciais diretas depois do regime militar, 1989 ¢ 1994, 23) 6° Encontro nacional: primeiro projeto de desenvolvimento nacional E apenas no 6° Encontro Nacional, realizado em junho de 1989, que se formula ‘uma visio articulada sobre 0 projeto de desenvolvimento altemnativo para o pais. Mais precisamente, é neste momento que se estabelece a formulagéo de um projeto de desenvolvimento nacional, tendo em conta a crise da sociedade (¢ do seu padrio histérico de desenvolvimento). Esta relagdo aparece em uma condigao especial, em que a crise da sociedade (¢ do desenvolvimento) avangava sem resoluglio ¢ a capacidade de formulagio ¢ de aghutinag3o social do Partido dos Trabalhadores se encontrava em 37 PARTIDO DOS TRABALHADORES - Resolugao Politica do 5° Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores, dezembro de 1987, Diretério Nacional do PT, p. 17. 38 Idem, p. 5a 10, 30 ascenso. Retomaremos a discuss%o desta relag&o, entre contexto politico ¢ projeto, no capitulo TI, Por ora, registramos que o momento em que o partido alcanga um grau de elaboragao que podemos chamat de projeto de desenvolvimento nacional no se explica apenas pela sua pripria evohigio, mas guarda estreito vinculo com 0 que se passa na sociedade e, mais particularmente, com o aprofundamento da crise do desenvolvimento ao longo da década de 80. As resolugdes do 6° Encontro Nacional estio redigidas de maneira breve, quase que através de enunciados gerais. Mas apresentam uma avaliagio da crise do desenvolvimento no Brasil onde se verifica a possibilidade de uma disputa de projetos de desenvolvimento, Esta situag%io nova evidenciava a auséncia de projetos unificadores no interior das classes dominantes ¢ 0 aciimulo de forgas em toro ao pélo oposto representado pelo PT, ultrapassando, portento, as anilises mais circunstanciadas & conjuntura que caracterizaram o 5° Encontro. Além disso, 0 6° Encontro Nacional define as diretrizes e bases para a elaboragio do programa que orientaria a candidatura de Lula om 1989. 0 Programa de Agiio de Govemno, que deveria ser elaborado a partir estas orientagées, nilo chegou a ser concluido®, constituindo entio as resolugées do 6° Encontro - as Diretrizes... ¢ as Bases..40 - 0 efetivo programa da candidatura presidencial. E 0 texto que tomamos para analisar 0 que chamamos de primeiro projeto de desenveivimento nacional do PT. 39 Ver artigo de Carlos Eduardo de Carvalho, coordenador do Plano de Ago de Governo em 1989, em Medo (e gosto) de pecar, Teoria ¢ Debate n° 10, Sio Paulo, Partido dos ‘Trabalhadores, maio de 1990, p. 49 ¢ seguintes. 40 PARTIDO DOS TRABALHADORES - Resolugdes Politicas do 6° Encontro Nacional do PT, Secretaria Nacional de Comunicagie do Diretério Nacional, Sao Paulo, 1989. Citadas em seguids como 6° EN. 31 Nas Diretrizes ¢ nas Bases estiio contidas as seguintes relages articuladores do projeto: novo desenvolvimento e transformagdes do poder, a relagiio entre autonomia nacional (para o desenvolvimento) ¢ 0 cenario politico e econémico internacional, os mecanismos basicos para se instaurar uma nova dinémica (um conjunto de reformas distributivistas visando um modelo centrado no espago nacional, além da sua repercusstio na estrutura mesma das relagdes de poder, que aparece aqui como um aspecto central). A compreensio deste texto aparece mais claramente pelo objetivo de iniciar um processo de transig%o ao socialismo que, em certo sentido, subordina ¢ orienta o debate sobre o projeto de desenvolvimento nacional. E de se registrar que um tema j4 bastante importante aquele momento, & inflagdo, nao é tratado - ou melhor, aparece lateralmente sem receber maiores atengdes. Adiante trataremos em detalhe a elaboragao do 6” Encontro Nacional. ad) 7° Encontro nacional ¢ o 1° Congresso: o interregno Entre 0 6 ¢ 0 8° Encontros Nacionais ocorrem o 7° Encontro Nacional (junho de 1990) ¢ o 1° Congresso (dezembro de 1991). ‘Apesar de estar em curso no pais (¢ na América Latina) processos de ampla reestruturagao capitalista - ponto que trataremos no capitulo TI - as resolugées do 7° Encontro Nacional e do 1° Congreso nfo aprofundam o projeto alternativo, objeto central do 5° e do 6° Encontros Nacionais. Entre as poucas passagens das resolugées do 7° Encontro Nacional que se referem ao tema encontramos esta que reflete o estado da discussio: “O PT deve contrapor & politica neoliberal um programa democrético-popular articulado com nossa proposta socialista, tinica forma 32. de enfrentar a longo prazo as propostas de reestruturagao do capitalismo brasileiro. Para tanto, 0 Programa de Agio de Governo (PAG), apresentado por Lula nas eleigdes de 1989, deve ser atualizado ¢ repensado no novo quadro da economia ¢ do Governo Collor”.4! © 1° Congresso di o mesmo tipo de atenofo: nos 170 itens da principal resolugo reserva 5 para o tema do projeto de desenvolvimento nacional. Sua formulacio, no entanto, antecipa algumas modificagdes frente as concepsdes desenvolvidas no 5° ¢ especialmente no 6° Encontros Nacionais e que estaro presentes nas formulagdes do 9° Encontro Nacional, A ayaliagto da crise da sociedade brasileira adquire um enfoque basicamente econdmico: “A ctise brasileira nao é uma crise qualquer. Pais de industrializagiio mais avangada no continente e com um imenso potencial econémico, vivemos hoje a crise mais intensa de todo 0 século XX. Um pais que manteve uma taxa de crescimento histérico do PIB em 7% ao ano no periodo do pés-guerra, com um crescimento de 4 vezes do PIB por habitante, permaneceu praticamente estagnado nos anos ojtenta. A estrutura produtiva envelheceu, 0 fluxo positive da poupanga extema se inverteu em fungio da divida extema. A economia brasileira perden competitividade de forma acelerada ¢ tenta manter posigSes no comércio externo com um brutal arrocho salarial ¢ deterioragio do cimbio. O Estado esté fragilizado financeiramente e com imensas dificuldades para reverter este quadro...A. hiperinflagtio passou a rondar perigosamente o Pais, E as proprias bases materiais da democracia vio sendo solapadas pelo avango da crise.“ 41 PARTIDO DOS TRABALHADORES - Resolugdes do 7° Encontro Nacional, Sao Paulo, ‘Comissio Executiva Nacional do Partido dos Trabathadores, 1991, p. 48. 42 PARTIDO DOS TRABALHADORES - Resolugdes do 1° Congreso, So Paulo, Diretério Nacional do Partido dos Trabathadores, 1992, p. 48 ¢ 49. 33 Para em seguida apresentar 0 eixo do projeto de desenvolvimento, mais tare reafirmado pelo 9° Encontro Nacional: “Esses milhdes de ‘expulsos do mercado’...constituem uma base excepcional a partir da qual se pode desenvolver um novo ciclo de desenvolvimento econdmico no Pais. Diferentes paises, em diferentes gpocas histéricas, recoreram a esse expediente - 0 mercado interno de massas (CH) - para superar fases de crise estrutural semethante a nossa”.43 A idéia de um projeto que articula desenvolvimento nacional ¢ transig2o a0 socialismo permanece tanto no 7° Encontro Nacional como no 1° Congresso, embora sem a énfase adquirida no 6° Encontro Nacional. Assim 0 1° Congreso conclui: “..vemos a luta por um govemno democritico ¢ popular..como a expresso de um governo de hegemonia dos trabalhadores...na perspectiva da construgao do socialismo. ..Uma democracia que articule formas representativas ¢ diretas. E uma transigao econémica que, partido da socializagtio dos grandes meios de produgio, de uma reforma agréria sob 0 controle dos trabalhadores ¢ de um planejamento econémico democratico, entenda que 0 mercado ainda sobrevivera por longo periodo, porém nao mais como forga hegeménica...”.44 28) 8° Encontro nacional: retomando a perspectiva do 5° ¢ 6° Encontros nacionais © 8° Encontro nacional, realizado em junho de 1993, term um papel semelhante a0 do 5° Encontro Nacional, embora com um aleance menor. Este encontro, a0 contrétio dos dois que 0 antecedem (o 7° Encontro Nacional e o 1° Congreso), esta voltado para 43 Idem, p. 49. 34 retomar a elaboragdo do projeto de desenvolvimento parada 4 anos antes, na dispute presidencial de 1989. O 8° Encontro Nacional nio produz uma base nova para esta elaboragdo; mas procura restabefecer os pontos bisicos da formulagio do 6° Encontro Nacional tendo em vista a sua atualizagio. Assim, a resolugo “Por um governo democratico-popular” retoma, embora sem amesma énfase, a visio “transicional” como fio condutor do projeto (que é) "parte de uma revolugfio democritica em nossa sociedade, uma Tuptura com as estruturas de poder vigentes, que abra caminho para a construgao de uma sociedade radicalmente diferente da nossa. J4 fracassou no passado o reformismo nacional-populista, que acreditou poder concitiar interesses antagénicos."45 Igualmente retoma a defesa de reformas distributivistas - da renda nacional ¢ da propriedade agriria - bem como da idéia de uma insergo soberana no mercado intemacional como eixos de um projeto de desenvolvimento nacional. Digno de nota & 2 austncia da discusstio sobre a ctise do desenvolvimento brasileiro. Os termos da andlise da situago do pais voltam a ser citcunscritos & conjuntura presente (Governo Itamar), Deste modo o ¥ Encontro ocupa um lugar a meio caminho, como veremos, entre as formulagdes do 6° ¢ do 9° Encontros Nacionais. 6) 9° Encontro Nacional: segundo projeto de desenvolvimento nacional 44 Idem, p. 52 € 53. 45 PARTIDO DOS TRABALHADORES - Resolugdes do & Encontro Nacional, Sto Paulo, Diretorio Nacional, 1993, p. 6. 35 © 9% Encontro Nacional, realizado em maio de 1994, tem como resoluco principal um longo documento em que € apresentado o programa da candidatura presidencial de Lula em 1994, A estrutura deste documento & bastante parecida com a do 6° Encontro Nacional; no entanto adquire um tratamento bastante mais detalhado configuranda-se como projeto de desenvolvimento nacional ¢ plano de governo. Mantém em primeiro lugar uma avaliagio da situag%o nacional em que o destaque € para a crise do padrdo histérico do desenvolvimento no Brasil ¢ a continuidade de possibilidades de apresentar uma alternativa para a sua retomada através do que é caracterizado como um novo ciclo longo para a economia, Como veremos, hd pontos de unidade ¢ ha diferencas significativas de anélise quando se compara com a formulagio do 6° Encontro Nacional. Em 1994 é nitida a predomindncia de um enfoque econdmico para a andlise de conjunto da sociedade brasileira, ‘Também apresenta as idéias mestras de um projeto de desenvolvimento conjugando as mesmas relagdes que estruturam a proposta de desenvolvimento de 1989: arelagio entre desenvolvimento ¢ poder, entre mercado interno ¢ mercado internacional, €.0 conjunto de alteragdes em relacao 4 renda e a propriedade visando a constituigio de um mercado interno de massas ¢ a abertura de um ciclo longo de desenvolvimento sobre esta base, Registramos aqui, além da continuidade de método, uma diferenga substancial que sera detalhada no item seguinte. E que mesmo organizando a elaboragio do projeto através de relagdes politicas ¢ econdmicas semelhantes, seu contetido ¢ marcadamente determinado pelo angulo econdmico, isto 6 conjunto da proposta passa a ser 36 compreensivel a partir de modelo econdmico altemative que se quer atingir - e no mais pelas transformagaes potiticas ¢ sociais em diregao ao socialismo. E importante anotar que, diferente da elaboragio de 1989, 0 tema da inflagio recebe uma atengtio destacada, Como veremos, no entanto, isto nfo chegou a ser concluido em uma proposta. b) Primei . r . oni diferencas Na Ieitura das resolugdes telativas aos programas de 1989 ¢ 1994 procuramos aprender, por um lado, a avaliagtio da crise na sociedade e na economia brasileira, suas decorréncias ¢ potencialidades; ¢, por outro, a definigo dos elementos basicos que conformam a visio de um desenvolvimento de novo tipo. A partir destes aspectos possivel depreender a articulagdo intema, a logica ¢ a dindmica presentes no projeto de desenvolvimento do PT. E também possivel estabelecer os matizes ¢ a evolugiio programitica entre os dois momentos - 1989 ¢ 1994 - desta elaboracdo. Ainda detalhando a forma particular da nossa leitura, julgamos importante ir além de descrever os elementos bisicos que conformam, em cada momento, 0 projeto apresentado pelo PT. E necessitio buscar suas articulagdes-chave. Neste sentido € preciso dar atencio especial a duas relagdes: entre desenvolvimento ¢ poder, ¢ entre mercado intemo e a relagao com 0 mercado internacional. Sio relevantes, ainda, o papel do Estado, a questo agriria ¢ 0 tema da inflagao, Os dois primeiros temas sto articuladores da proposta do PT. 37 A relagio entre desenvolvimento ¢ Estado (ou poder) expressa a compreensio mais geral do problema do desenvolvimento. Alias sem esta conexao elementar no faz sentido discutir um projeto de desenvolvimento, pois um projeto desta natureza - ¢ nio 86 0 do PT - propde-se justamente a sobrepor-se a0 curso supostamente “natural” das relagdes econémicas € sociais de mercado e a estabelecer uma direcdio néo-espontinea para o processo. Este angulo é absolutamente fundamental para a leitura do projeto de desenvolvimento do PT ¢ para distinguir os seus tracos em cada um dos momentos (1989 e 1994), Bsta leitura também encontra amparo - ¢ aqui pontuamos como registro, pois sera mais trabalbado no capitulo IIT - na andlise dos problemas do desenvolvimento como problemas especificos de uma determinada condigio histérica, que foi a abordagem metodolégica da CEPAL46. Qs autores da dependéncia, nos seus varios enfoques, destacam sobremaneira este aspecto*?, E, podemos ainda agregar, em favor desta abordagem, uma interpretagiio socialista especifica, que destaca os limites do desenvolvimento capitalista nos paises dominados ¢ apresenta como perspectiva a ultrapassagem da ordem politica burguesa & medida em que os problemas do desenvolvimento atrasado colocam em questo os interesses das classes dominantes.48 A relagdo entre mercado interno e mercado internacional expressa o problema da autonomia nacional, aspecto essencia! no desenvolvimento. Este aspecto é claramente um dos que organizam a perspectiva do projeto de desenvolvimento do PT, estabelecendo 0 grau de autonomia da insergo intemacional pretendida ¢ a visio sobre 46 CARDOSO DE MELLO, J. M. - O capitalismo tardio, Sao Paulo, Brasiliense, 1982, p. 13 2 2. 47 CARDOSO, F. H. e FALETTO, E - Dependencia y desarrollo en América Latina, México, 15% ed., Siglo XXE, 1979, p.190 ¢ seguintes. 38 questdes como divida extema e relagiio com organismos internacionais. Mas, desde as formulagdes da CEPAL4, esta questo tem um destaque central nos debates sobre o desenvolvimento. Uma dinamica centrada no mercado interno era uma das preocupagdes centrais das propostas estruturalistas, face a uma avaliagao da dinamica internacional que impedia o desenvolvimento. Sob outro anguto, aparece também como elemento definidor na chamada escola da dependéncia, com a discuss4o da relagao entre fatores intemos ¢ extemos no processo de desenvolvimento, E, poderiamos dizer ainda que o tema tem um lugar chave nas andlises socialistas sobre o imperialismo. Outros aspectos devem ser buscados para estabelecer 0 contomno do projeto em discusstio. O papel do Estado na condugio do desenvolvimento certamente é um deles © 4 questio agréria 6 outro, Ambos fizem parte de uma discussto histérica sobre o desenvolvimento na América Latina. A importincia conferida a cada um deles serviu para dividir correntes interpretativas e articular visbes sobre as possibilidades futuras de nossas sociedades. Incluimos ainda um titimo elemento que & a questio da inflago. Nao deixa de ter relagio com o debate histérico na regio, mas sobretudo esta escolha responde a um tema notoriamente central nas varias conjunturas brasileiras desde o final da década de 50 e particularmente na década de 80. © propésito é compreender a coeréncia destas medidas ¢ a possibilidade de articula-las sob a denominag&o de um projeto de desenvolvimento, 48 MANDEL, E. - Trotsky como alternativa, So Paulo, Xamd, 1995, p. 129 a 145. 49 BIELSCHOWSKY, R. - Pensamento econémico brasileiro: 0 ciclo ideoldgico do desenvolvimentismo, 2° ed., Rio de Janciro, Contraponto, 1995; e, Rodriguez, O. - Teoria do subdesenvalvimento da CEPAL, Rio de Jancizo, Forense Universitaria, 1981. 39 b1) A avaliagao da crise © © Encontro Nacional supera o 5° Encontro Nacional em alguns aspectos chaves, como uma “clara distingfo entre governo ¢ poder? © “am maior desenvolvimento da tese que vincula a defesa do socialismo com a idéia de democracia, rejeitando, explicitamente, a tese do partido iinieo” 5° © enfoque que estamos adotando nos permite assinalar dois outros espectos de superagio: a avaliacto do cardter da crise nacional e o que consideramos set a primeira formulacdo de um projeto de desenvolvimento.5! A avaliagao da crise da sociedade destaca o seu sentido global ¢ estrutural, “motivada..por uma acumulagfo de processos econdmicos ¢ politicos que vem se desenvolvendo hi Iongos anos. A evidéncia de que ha um impasse no padrio de acumulagio capitalista no Brasil esté expressa na queda brutal da economia brasileira na déeada de 80. A ineapacidade das classes dominantes de estabilizarem um regime politico perpassa os anos da crise da ditadura militar ¢ toda a experiéncia da ‘Nova Repiiblica”.5? Reconhecendo que “ainda nao temos condigdes de impor nossa salda para a crise ¢ podemos nfo vir a té-la"; depois de assinalar o aspecto intemacional da crise ¢ de relacionécla com o cardter dependente do capitalismo brasileiro, identifica 0 horizonte da situag3o: “A idéia de que estamos vivendo uma crise ¢ importante porque da a amplitude das tarefas e dos desafios que estiio pela frente: nao existe solugéo 50 PONT, R. - Breve Histéria PT, Camara dos Deputados, Centro de Documentagio © Informaco, Brasilia, 1992, p. 59. S16 EN, S26° EN, p. 5 40 a vista e € a direcdo da sociedade e 0 problema do poder que esto, ao final do processo, em jogo. A idéia esclarece que estamos diante de anos de grandes enftentamentos de classe, de instabilidade institucional e forte tensao politica, e que, portanto, temos de atualizar nosso programa...°53 A partir desta potencialidade aberta pela crise, a conquista do governo central é vista como “possibilidade de iniciar um acelerado ¢ radical proceso de reformas econémicas, de lutas politicas e socials. Tudo isso eriard condigies para conquista da hegemonia politica ¢ de transformagées sociatistas”. 54 A avaliagao do 9° Encontvo Nacional (1994), expressa nas Bases do Programa de Governc, apresenta um corte diferente: a andlise econdmica da crise é muito mais aprofundada e detathada, mas, de certo modo, sobrepSe-se como visio geral da crise. A visio da ctise é assim bifurcada ¢ © potencial de desdobramento perde a unidade politica-econémica antes obtida. O toma economicista é bastante visivel: “Retirar o Brasit da crise ¢ iniciar um novo ciclo de crescimento econémico sustentado © de qualidade distinta dos anteriores — baseado na distribuigao de riqueza, renda e poder e com equilibrio ecolégico ~ é nossa meta principal, que se articula com 0 objetivo estratégico de construgio de uma sociedade socialista ¢ democratica. A crise na qual o Brasil esta imerso tem dimensdes histéricas. Nao se trata de um mero interregno, entre outros, na vida de uma economia que retoma seu folego para voltar a crescer. Nossa sociedade experimentou grandes mutagdes entre 1930-80, industrializando-se, urbanizando-se € constituindo-se como um sistema nacionalmente integrado. Esgotade 0 dinamismo decorrente destes trés grandes processos, bem como o sistema de financiamento a ele associado -— baseado na expropriagdo de parte do 53 6 EN, p.5. al excedente agricola, no arrocho salatial ¢ em financiamentos extemos ~~ a Nagao perdeu sua propria imagem de futuro, sem que esses mesmos processos a tivessem levado a ajustar completamente suas contas com o passado, Inaceitivel concentragao de renda e riqueza, bolsdes de pobreza ¢ uma estrutura agréria excludente — caracteristicas tipicas de sociedades atrasadas —, presentes neste fim de ciclo industrial, agravaram-se durante a grande estagnagio que a ele se segue. Isto denuncia a predominncia de um modelo de crescimento baseado na grande exploragiio da forga de trabalho, desigualdades regionais arapliadas, dependéncia extema, distorySes na estrutura produtiva © agressSes ao meio ambiente, Operando com um mercado restrito, abastecido com bens de luxo produzidos com tecnologias copital-intensivas por grandes oligopélios nacionais e estrangeiros, foi um desenvolvimento para poucos, incapaz de explorar plenamente as potencialidades do Brasil. Ao esgotamento desse ciclo de cingienta anos, pressdes externas Gerivadas da constituig2o de uma nova (des)ordem mundial, fortemente excludente, ¢ mtemas, derivadas de centros de poder da velha ordem, combinaram-se para dar Iugat a uma crise marcada por uma apareate auséncia de projeto, que se prolonga até hoje.”5° Esta longa passagem retirada das Bases... é uma amostra bastante representativa da visio da crise, que reaparece varias vezes no texto. Se voltarmos as Diretrizes®, veremos um tratamento um pouco mais préximo ao dado pelo 6° Encontro Nacional: “As propostas que apresentaré em seu Programa de governo-94 apontam para transformagdes de caréter democritico e antimonopolistas - 54 6° EN, p.23. 35 PARTIDO DOS TRABALHADORES - Bases do Programa de Governo. 1994. Uma Revolugiio Demeenitica no Brasil, $80 Paulo: Teoria ¢ Debate, 1994, p. 10 ¢ 11. Citado em seguida como BASES. 56 PARTIDO DOS TRABALHADORES - 1994, Lula Presidente. Uma Revolugiio Democritica no Brasil. Programa de Governo. Projeto para Diseussio, 2° edigio, Cadernos de Teoria e Debate, So Paulo, 1994, p, XI. 42 antilatifundisrias e antiimperialistas ~ que se inserem em uma estratégia de longo prazo de construgto de uma alternativa ao capitalismo, uma revolugao democritica que mude radicalmente as bases do poder.” Ainda que com um enfoque centrado na economia (com perdas, portanto, para 2 analise da globalidade da crise e de suas potencialidades), permanece um vinculo, mais diluido é verdade, entre desenvolvimento ¢ alteragdes na estrutura do poder. Poderiamos dizer que o que se altera a fundo é a ordem dos fatores: € 0 novo tipo de desenvolvimento que determina a questo do poder. b2) Projeto de desenvolvimento ¢ a questo do poder Passamtos agora a expor o que estamos chamando de projeto de desenvolvimento nacional do PT, comegando com aquele definido no 6° Encontro Nacional. Com as Diretrizes para a elaborago do Programa de Govemo, 0 6" Encontro Nacional define uma relago bisica ertre reformas (que visam gestar um novo modo de desenvolvimento) e poder, onde uma dinamice anti-capitalista € 0 que dA coeréncia & visto de conjunto. “A efetivagtio de medidas deste género - reformas de conteido antiimperialista, antilatifundiario ¢ antimonopolista (CH) - mesmo que de cunho nao explicitamente socialista, choca-se com a estrutura do capitalismo aqui existente ¢ somente poderio ser adotadas por um governo de forgas sociais e politicas em choque com a ordem burguesa(...}o governo democrético e popular € o inicio da transigéio ao socialismo sto clos do mesmo processo.” 57 57 @ EN, p. 26. 43 © novo desenvolvimento proposte pelo PT aponta para um outro modo de organizagio social: “o PT no acredita na possibilidade de uma etapa de ‘capitalismo popular’ no pais” 58 Ao mesmo tempo, & um novo tipo de poder que pode viabilizar o desenvolvimento, J4 vimos que a formulago do 9° Encontro Nacional dit uma certa continuidade a esta idéia bisica, com uma alterag2o de ordem, Isto é confirmado ainda pela introdugto do capitulo econdmico: "Com o Governo Democratico e Popular as maiorias nacionais serdo chamadas a um engajamento ativo na definigdio das questées econédmicas. ‘Assumindo a diregdio da Nacio, promoveriio um proceso de democratizagio da vida econémica, e procurarao reorientar a economia, buscando um novo ciclo de desenvolvimento, baseado na constituigfio de um mercado interno de massas, isto é, na criago de um circulo virtuoso de crescimento entre salarios, produtividade, consumo e investimentos. Haverd um processo de distribuigao da riqueza, da renda e do poder, condic&o do novo processo de desenvolvimento...) © primeiro elemento que distinguira 0 novo ciclo de desenvolvimento sera que sua dindmica sera dada por um cireuito virtuoso de crescimento entre produtividade, saldrios, consumo ¢ investimentos. Sua preservagio ao longo do tempo dependerd, portanto, de gerar progressiva desconcentra¢’o da renda nacional. Promoveremos o desenvolvimento a partir da criaciio de um mercado interno de massas. Isto requereré: = um Estado reformado: organizado, “desprivatizado” © aberto a participago popular, a servigo da sociedade e da soberania nacional (..)"5 58 Idem. 44 © potencial transformador do projeto & reduzido, com sua ordem invertida - como assinalamos - mas também com prazos bastante alongades, o que fica mais claro ainda no enunciado da concepgdo do projeto: “Esse projeto antilatifundidrio, antimonopolista, antiimperiatista e democritico-radical, materializa um compromisso de nosso governo em responder de modo conseqiiente as demandas nacionais ¢ as exigéncias ) ‘Nao contrapomos, portanto, 0 nosso governo democratico e popular populares. com a luta pelo socialismo. Lutamos pelo fim da exploragao e da injustiga () © governo Luta faz parte desta luta, nao apenas pelas reformas que realizaré, mas principalmente porque imprimira uma nova dindmica a sociedade brasileira, em que os setores populares poderio langar-se rumo a objetivos cada vez mais amplos."6> Eo caso de ressaltar a ampliagdo do conceito de democratizagio em diregdo a vida econémica®!, que procura inserir uma dinamica politica no interior do viés marcadamente econdmico do projeto. Isto, no entanto, no nosso entendimento, no altera a orientagiio geral do segundo programa que estamos descrevendo. 3) Mercado interno ¢ mercado internacional Arrelagao mercado intemo/mercado internacional pode ser abordada utilizando 0 mesmo procedimento. 59 BASES, p. 116¢ 118. 60 BASES, p, 13. 61 BASES, p. 119. 45 Entre os pressupostos do “novo modelo de desenvolvimento econdmico” o 6° Encontro Nacional inclut “mudangas amplas ¢ estruturais na ordem capitalista vigente, opondo-se 20 modelo econémico dependente do imperialismo, controlado pelos monopétios ¢ latifiindios” ¢ o “rompimento dos lagos de dependéncia financeira e tecnolégica com o sistema capitalista internacional”. ©2 Define-se mais adiante uma posi¢fo contriria 20 pagamento da divida extema, através da suspenstio do seu pagamento © de uma auditoria para verificar a sua legitimidade e da proposta de ama alianca intemacional dos paises devedores. O capital estrangeiro terd sua agdo sob controle “da mesma forma que os oligopdlios de capital brasileiro”, objetivando a transferéncia de tecnologia ¢ a inscrgio em areas consideradas prioritirias pelo governo.6 Por fim define uma politica extema voltada & luta por uma nova ordem internacional “que liquide as relagées de subordinagiio ¢ dependéncia”, afirmando ainda que 0 novo governo “teri uma politica antiimperialista ¢ prestard solidariedade irrestrita as lutas em defesa da autodeterminagdo ¢ da soberania nacional, ea todos os movimentos em favor da luta dos trabalhadores pela democracia, pelo progresso social e pelo socialismo" Esta vistio, aliada as reformas distributivas, configura uma idéia geral de fortalecer uma dinimica endégena e de protegio a0 mercado interno ¢ de reconstituir uma autonomia nacional nas decisdes econémicas. No novo modelo de desenvolvimento a dindimica nfo sé € dada pelos fatores intemos como a integrayao dependente é vista como nociva em varias dimensoes, 62 @ EN, p. 31. 63 6° EN, p. 34. 46 0 9° Encontro Nacional, como j4 dissemos, desenvolve muito mais amplamente a tese do mercado interno de massas como motor do crescimento, Este ¢ 0 mecanismo que anima o projeto geral.®5 Apesar disso, a relagio com o mercado externo é vista de forma n&o te conflitiva, alterando os termos em que ¢ colocada no primeiro programa. Ha aqui uma maior expectativa de complementaridade e de se beneficiar com esta relag2o, obviamente, reduzindo 0 tom dependentista de 1989.56 De outro lado, nfio ha dividas quanto a alguns conflitos (apesar da idéia subjacente de que o espago intemacional do capital havia se modificado favoravelmente®?), como é 0 caso do tratamento proposto para a divida exterma. Mesmo com uma formula diferente da usada no primeiro programa, o desfecho previsivel da questo seria a suspensio dos pagamentos da divida externa, 68 b4) Reforma agriria Nos dois momentos de elaborago do projeto de desenvolvimento a questiio agraria (e agricola) ocupa um lugar de destague. A forma de tratamento em ambos procura destacar estes dois aspectos, 0 que se refere A propriedade e o que se refere a0 “modelo agricola”. $4 6 EN, p. 40 65 BENJAMIN, C. - Por um novo ¢ longo ciclo, in Partido dos Trabathadores, Teoria ¢ Debate n? 22, Séo Paulo, p.19, Nos debates preparatérios do segundo programa de Lula, a expanséo do mercado interno, vis elevagio da massa salarial, foi vista como um elemento basico para impulsionar a economia dada a dificil recuperagio de um Estado em crise de financiamento. 66 BASES, p.143 ¢ 144, 67 COUTROT, T. - Hacia un programa cconémico de Lula, in Inprecor para America Latina, 124i, abril de 1994, 68 BASES, p. 147 € 148. a7 No primeiro projeto - 1989 - o gue se discute € a reforma agraria, mesmo anunciando "dois grandes eixos: o plano agrério, marcadamente antilatifundiirio ¢ comprometido com a reforma agriria, e 0 plano de politica agricola, que defende um modelo de produgio agricola democratico ¢ popular"®®, As medidas dirigem-se, entio, para eliminar a grande propriedade e sua capacidade de organizar as relagdes de poder no campo. So ilustrativas deste enfogue as seguintes medidas: "Revistio da Constituigio Federal, na parte que dectara a propriedade produtiva como insuscetivel de desapropriagdo (..), propondo ainda a “fixagZio de um tamanho méximo para as propriedades fundidrias, particulares, considerando um enquadramento modular para cada regio, tipo de produgao ¢ o conjunto de propriedades de cada proprietario, com a desapropriagdo das dreas que execedam esse limite”; "Desapropriagio de iméveis rurais improdutivos, como tais considerados os que niio cumpram sua fungSo social..., 08 que no tenham grau de utilizagio de terra igual ou superior a 80%, grau de eficiéncia de exploragZo igual ou superior a 100% e aqueles cujos proprietérios nfo cumprem a legislacio que rege as telagdes de trabalho ¢ os contratos de uso tempordrio da terra’,?0 Estes objetivos — e, talvez mais ainda, a dinamica a eles inerente ~ sao coerentes com a perspectiva geral que anima o primeiro projeto de desenvolvimento, focada nas iransformagdes politicas a partir do enfrentamento das grandes contradigdes do desenvolvimento tardio ¢ bloqueado. E possivel dizer, entretanto, que 0 projeto minimiza ¢ questio propriemente econdmica da adequago produtiva da agricultura ao 69 6" EN, p 34. 70 idem, p. 35 48 novo modelo de desenvolvimento centrado em reformas distributivas, e, portanto, em uma expressiva ampliagtio do mercado interno, Q segundo projeto - 1994 - efetivamente trabatha com os dois "grandes eixos" mas com @nfase para o segundo, ou seja, para um conjunto de medidas visando a reorganizagio da produgo agricola em funcio de dar suporte ao desenvolvimento bascade no mercado interno de massas. Além disso, 0 cardter da reforma agraria adquire um sentido governamental, desaparecendo a nogao enfatizada no primeiro projeto de uma reforma "sob controle dos trabalhadores”. Assim resume: "Este programa persegue quatro objetivos, que representam em conjunto os pilares deste novo contrato social entre a agricultura e a sociedade brasileira: - democratizar a propriedade rural (...) como forma de desconcentrar arenda e democratizar as relagBes sociais e de poder no campo; - fortalecer a agricultura familiar para expandir a produg&o ca renda, e ampliar a oferta de postos de trabalho no campo; conter o éxodo rural...; multiplicar as fontes de abastecimento do mercado intemo ¢ desenvolvimento da agroindtstria; - garantir uma politica de seguranga alimentar, assegurando disponibilidade de alimentos a pregos baixos...; = promover o desenvolvimento rural, dando condigSes para uma agricultura auto-sustentavel...".74 A politica de reforma agriria de 1994 praticamente deixa de lado 0 objetivo destacado do primeiro projeto de eliminar a grande propriedade. As grandes propriedades passam a ser consideradas para efeito da reforma agriria nos casos de 71 BASES, p. 131. 49 subutilizagao ou areas nfo exploradas, onde se configurarem como areas de contlito ou ainda em casos de inandimpléncia dos proprietarios.?2 Além de perder, portanto, sea caréter massive, com repercussdes dbvias para o impacto nas relagdes de poder na agricultura (¢ na sociedade), sua implementagio vista como algo bastante dilatado no tempo: “(.) (@ solugo d) "este problema ultrapassa o periodo de um mandato, o governo Lula prope um plano de 15 anos,..".73 A énfase do segundo projeto de desenvolvimento nacional do PT é 0 reordenamento econdmico da produgao agricola, através de um amplo provesso de crédito orientado para a modemizagio da pequena e média propriedade, para a infraestrutura ¢ para os sistemas de distribuigao ¢ comercializagao da produgio. E uma orientagdo, neste sentido, coerente com o "eixo" marcadamente econdmico que organiza © projeio de desenvolvimento . A politica para a agricultura é voltada, ento, para constituir um modelo agririo e sobretudo agricola, bascado na pequena ¢ média propriedade, associado 20 objetivo de constituir um mercado intemo de massas. Entre estas duas elaboragdes € possivel verificar uma linha de continuidade formal, mas sobressaem, com evidéncia, os tracos diferenciais. Em 1989, 0 projeto agrario visa alterar as relagSes de poder na agricultura (com suas amplas repercussdes na sociedade); em 1994, 0 objetivo central é a articulagio econémica da produgdo agricola em consonfincia com a expansio do consumo de massas. 72 dem, p. 132. 73 Ydem, p. 131. 50 5) Inflago © tema da inflayao nao s6 foi alvo de uma intensa disputa teérica (¢ politica) de forma associada aos debates sobre o desenvolvimento desde a década de 50, como foi a0 longo deste perfodo um fato relevante e persistente na historia econémica do Brasil ¢ dos paises da regio.” © Brasil, no periodo que estamos analisando, assistiu a um acirramento do problema e uma série de tentativas para resolve-lo.75 O pais estava ante a ameaga de uma hiperinflaco ao final do governo Samey. Citamos estes fatos, que retomaremos detidamente no capitulo seguinte, para introduzir, na forma de contraponto, 0 tratamento dado pelo primeiro projeto de desenvolvimento ao tema. © programa de 1989 no desenvolve um tratamento da questi da inflagio. Marginalmente, dentro da discussio sobre Politica de Rendas, o assunto é mencionado da seguinte maneira: 74 A inflacdo nao 86 é um fato recorrente na historia econémica do Brasil desde a década de 50 ‘come alvo de importantes batalhas teéricas que opuseram € formaram campos de interpretagio antagénicos. A mais famosa destas disputas foi a que opés estruturalistas e monetaristas no final da década de 50 e inicio dos 60, O tema foi tratado com destaque por autores vinculados 2 CEPAL (os estruturalistas), embora pouco incorporado aos seus documentos oficiais. Nesta andlise destacavam-se as chamadas causas primirias (especialmente os desequilibrios externos ea rigides da oferta agricola, que decorriam da estrutura produtiva; incluiam-se ainda aspectos institucionais entre estas origens primdrias da inflagio) © os chamados meganismos de propagasiio (entre os quais se destacavam o deficit fiscal, um sistema bancério fluide e 0 conflito distributive). Para esta visio o enfoque monetarista concentrava-se nestes ilkimos fatores; sua terapia implicava em politicas recessivas atuantes apenas nos mecanismos de propageco, sem alterar os elementos estruturais, portanto em uma visto antidesenvolvimentista. A inflagdo s6 poderia ser vencida com o desenvolvimento. O enfoque estruturalista considerava portento a inflago como inevitivel e simultinea - embora ndo benéfica - ao desenvolvimento por substituigiio de importagdes. Conforme RODRIGUEZ, op. cit. BIELSCHOWSKY, op. cit, analisa na mesma direcdo, embora com especificidades, 0 trabalho de Furtado sobre 2 inflagdo no Brasil. 75 A taxa média mensal de inflagdo passa de 7,6% em 1986 para 24,8% em 1989. Neste -perfodo varias tentativas na forma de plano de combate a inflacdo foram realizadas ¢ frustradas: Plano Cruzado (1986), Crazado II (também em 1986), Plano Bresser (1987) ¢ Plano Verio 0989). 51 “(..) € necessario implantar urgentemente uma politica de precos, com mecanismos democréticos de administragao dos mercados, para impedir que 0 poder dos grandes capitalistas acabe por reverter por meio da inflagio ¢ da desorganizagio do abastecimento os avancos conseguidos’.76 ‘A questo seria tratada no chamado Plano de Aco de Governo - que no chegau a ser conclufdo, como j4 assinalamos - ou em proposta especifica.7? Isto, porém, ndo chegou a se efetivar plenamente. Em 1994 0 tema é tongamente tratado. Neste momento estava em andamento a implantagao da chamada fase Udo Plano Real, finalmente completado em junho. 0 tema, portanto, era obrigatério. Apesar de dispensar varias paginas & questtio da inflagao, a proposta apresentada situa-se em marcos genéricos, sob 0 argumento de que era preciso apreciar a situagZo concreta para formular uma posigéo mais clara, o que se teria ao fim do governo em curso. ‘A anélise da inflag8o destaca trés aspectos causais: 0 conflito distributivo, os desequilibrios da balanga de pagamentos e a fragilidade do financiamento pitblico, expresso principalmente no orgamento do goveo federal. Rejeitava a concepgio de que a origem era basicamente monetéria ¢ sua decorréncia em tennos de enfrentamento.”® 16 6 EN, p. 32. 77 No texto do Plano de Aco Governamental que nao chegou a ser aprovado no seu conjunto © tema da infiagio continua a receber um tratamento modesto. Considera que as principais ‘medidas do programa atacam as causas basicas da inflagao: divida externa, capacidade fiscal « de planejamento do Estado; sistema financeiro; produg%o de alimentos, oligopélios. Admite, no enfanto, que tais medidas padem nio ser suficientes, acrescentando, entdo, a proposta de constituir usm sistema permanente de negociago de pregos. Medidas como congelamento ¢ de intervengio nos mercados poderiam vir a ser utilizadas. Partido dos Trabalhadores, Plano de Agdo de Governo, mimeo, dezerbro de 1989. 78 BASES, p. 150. 2 A visio basica de uma alternativa de combate a inflagio era a de que a "(..) estabilizagio precisa ser implementada dentro dos marcos de uma politica global que promova, simultaneamente, 0 desenvolvimento econdmico ¢ a distribuigao de renda”, o que requer “o inicio imediato de um nove ciclo de crescimento",79 A partir deste enfoque apresentam-se propostas para os trés aspectos destacados: - frente ac conflito distributivo a idéia bisica é a de constituir um ampio forum de negociag3o de presos ¢ salarios ¢ secundariamente tecuperar a capacidade de regulagdo dos mercados pelo Estado. Esta posig&io esta intimamente vinculada a um processo de crescimento, que permitiria a pactuagao proposta; - face 4 debilidade financeira do Estado destaca-se a reforma do orgamento de modo a permitir um efetivo controle e uma reforma tributéria de cardter progressivo para elevar as receitas fiscais; - em relagio ao balango de pagamentos, aquela altura impactando fortemente a expansiio monetiria, propanham-se medidas de controle do fluxo de divisas e de capitais.8° ‘A argumentagao de conjunto conduz A visio de controlar a inflagio em um processo subordinado 4 politica de desenvolvimento. Um mecanismo central neste proceso é a negociagio entre empresas, trabalhadores e governo, supondo-a possivel no curso de um esperado crescimento econdmico ¢ ampliagao do mercado interno. Recusa- se um tratamento concentrado no tempo - visto como uma inversio na relagio politica antiinflacionéria ¢ politica de desenvolvimento - e centrada em aspectos especificamente 79 Idem, p. 151. 80 Idem, p. 152 € 153. 53 monetarios, Deste ponto de vista a concepgao de como resolver um problema central do desenvolvimento tem uma sequéncia linear entre o primeira e 0 segundo projetos - sendo que no primeiro a dependéncia do desenvolvimento ¢ de transformagées politicas é suméria (e probiemética) a ponto de no receber um tratamento especifico. Esta questao foi aivo de intensa polémica em 1994 no curso da elaboragio do programa e posterior 4 sua conclusfio em maio. Recorrer, ainda que de modo sintético, a este debate ajuda a compreender a proposta contida nas resolugdes do 9° Encontro Nacional, documento bisico que tomamos para analisar 0 segundo projeto de desenvolvimento nacional do PT. Dentre as varias posigSes apresentadas nesta discussio duas fornecem o contraponto principal, situando-se as demais entre elas. A diferenciagio basica poderia ser resumida em dois enfoques, gradualismo versus ataque frontal.8! A concepg3o gradualista®2 considerava que o problema inflaciondrio seria resolvido ao longo de um proceso de retomada do crescimento econémico. Mesmo considerando varios aspectos causais, dava um grande peso ao conilito distributivista e por isso o eixo de sua resposta antiinflacionaria era a construgao de uma vasta cadcia de foros de negociacao de precos e salérios, Ao mesmo tempo, supunha que a retomada de um novo processo de desenvolvimento viabilizaria as pré-condigdes econémicas (as pré-condigdes politicas estariam dadas por um governo democratico e voltado para a realizagio de reformas de 81 MACHADO, J. - Debate econémico na campanha Lula, em Teoria ¢ Debate n° 27, dez.94/jan, 82 SINGER, P. - A bataJha decisiva, em Teoria e Debate n.° 25, jun/jul 94. 54 interesse dos trabalhadores). A concepgio de um choque frontalS3 considerava necessario eliminar a inflagio rapidamente. Apesar de incluir entre as causas 0 conffito distributive ¢ outros, o elemento central a ser atacado era a fragilidade financeira do Estado € a quebra de confiabilidade da mocda. Assim pensava como politica bisica tefazer o sistema monetario e fortalecer a capacidade financeira do Estado; um dos mecanismos basicos para isso constituia em criar referenciais internos para uma nova moeda. Ambos os enfoques propuniham combinar-se politica de desenvolvimento. O -viés gradualista - 0 que mais influenciou a redagio final do programa aprovado pelo 9 Encontro Nacional - guardava mais relagiio com a abordagem tradicional da esquerda ¢ de setores criticos latino-americanos.84 Formalmente subordinava a politica antiinflaciondria 4 retomada do desenvolvimento, Era a partir desta retomada que se ctiariam as condigdes econdémicas para a execusio do principal mecanismo de estabitizagao de pregos, que era o sistema de negociagio. Além disso via como obsticulo ao desenvolvimento as politicas centradas no combate a inflagao. A concepgiio de choque também buscava expressar uma relagao formal com 0 desenvolvimento. Implicava, no entanto, a0 menos um periodo em que o clemento determinante de politica seria a estabilizagio, o que decorria da idéia de um conjunto de medidas concentradas no tempo e€ com peso em uma ampla mudanga do sistema 83 SUPLICY, E. e outros - Estabilizagdo com crescimento ¢ distribuicio de renda, em Combate a inflag3o, ‘Piano Real’ ¢ campanka cleitoral, Si Paulo, edligio dos autores, 1994; Batista Jr., P.N. - Contra a inflaglo, o alaque frontal, em Teoria ¢ debate n.° 23, jan/fev 94 84 Especificamente em relagZo & abordagem esiruturalista. E de notar-se que esta no conseguiu desenvolver politicas de ourto prazo em reiagéo a inflagdo, 0 que decorria de sua 35 monetitio. Deste ponto de vista, a abordagem inovava em relacZo a linha de elaboracao que vinha desde o primeiro projeto. Visio pelo angulo dos efeitos sobre o desenvolvimento, a proposta de choque tratia um importante impacto na distribuigio de renda e a amipliagio do mercado intemo com o fim do “imposto inflacionario”, portanto incidindo fortemente na consecugio do principal objetivo expresso no segundo projeto de desenvolvimento, qual seja, a constituigao de um mercado interno de massas. Isto era reivindicado pelos autores desta abordagem, que expressavam uma critica & forma de tratamento tradicional dado pela esquerda ao tema.85 De outro lado, 2 idéia de um periodo concentrado em uma politica de estabilizag2o nestes moldes exporia conflitos sociais decisivos que vinham se prolongando hé anos na sociedade © na economia brasileiras. ‘A andlise deste assunto levanta uma importante inconsisténcia do projeto de desenvolvimento nacional proposto pelo PT. Assumindo um corte interpretativo que aproxima da tradigtio de autores estruturalistas - auséncia de uma politica especifica, considerando que a superagio da inflagiio somente se daria com o desenvolvimento - em uma situagao histérica em que o problema tinha jé adquirido um caréter estruturador do funcionamento da economia brasileira - a formulagio do PT deixou de estabelecer nilise geral e, obviamente, das necssidades de financiamento inflacionario impostas pelo curso rcal do desenvalvimentismo. Conforme RODRIGUEZ, 0. - op. cit. capituto VI, 85 Apesar de nenhum destes enfoques reivindicarem @ continuidade de uma abordagem estruturalista © de ndo retomarem as causas basicas levantadas por esta, a concepgao gradualista se aproximava mais da metodologia estruturalista, pois era mais claramente subordinada a modificagBes econémicas de longo prazo, menos caraterizada como politica de eurto prazo. Qs autores da proposta de “ataque frontal” 4 inflaco criticam a tradigao da esquerda de setores criticos na regio no que diz respeito ao tema da inflagio: “A intelectualidade ¢ os partidos de esquerda no Brasil ¢ na América Latina de um modo geral vém demorando a se dar conta da importincia econdmica ¢ social do problema apés as crises inflaciondrias da década de 56 uma proposi¢go que contribuiria para uma das principais teses do projeto de desenvolvimento, a da constituigao de um mercado interno de massas. Ac mesmo tempo io deixa de chamar a atengio, na visio que prevaleceu sobre o tema, a idéia de uma administragio - através da negociagiio ¢ pactuago - dos conflitos em tome @ distribuig&o de renda ¢ em torno as fontes de financiamento. 6) Estado: papel econdmico ¢ transformagies politicas © Estado desempenba um papel econdmico central no projeto de desenvolvimento nacional do PT. Trata-se da principal forga econdmica para impulstonar o processo de desenvolvimento. Para cumprir esta atribuigdo sio destacados dois aspectos da atuagao estatal: como agente regulador do mercado - face ao comércio exterior © ao controle do movimento de capitais do e para © pais; em relagdo a0 financiamento, através de politicas de crédito orientado; © também através de mecanismos de controle de precos; como agente produtivo, através da empresas estatais, cuje privatizagio seria revista, tendo o setor produtivo estatal um relangamento em termos econémicos. De ponto de vista econémico, a fungao de Estado é bastante semelhante quando comparamos os programas de 1989 ¢ 1994, Alguns diferenciais, no entanto, podem ser notados em relago a tres pontos especificos. 80 ¢ tm pago elevado prego politico por esse erro de avaliagao”, Retirado de Suplicy, E. © outros, Porque 0 Real nos derrotou’, Sdo Paulo, edigio dos autores, 1994, p. 46. 37 O programa de 1989 admite um grau de estatizacio maior, chegando a levantar 2 hipotese de estatizar o sistema financeiro.86 Além disso, o poder regulatérig do Estado também ¢ visto com maior alcance. Em relagao as relagdes econdmicas com o exterior o programa de 1989 admite a possibilidade de centralizar o cambio e © comércio exterior.8? Em 1994 este tipo de alternativa simplesmente nfo esta presente.58 Outra alteragéo diz respcito 4 condigio de recuperar a capacidade financeira do Estado, que interfere, naturalmente, no desempenho da atribuigao a cle conferida. E possivel identificar no programa de 1994 a preocupagéo em encontrar mecanismos que compartiihem com o Estado a tarefa de relangamento da economia. Isto € buscado através de duas formas. A primeira é a elevagao da massa salarial, principalmente dos extratos mais baixos, que teria um impacto multiplicador semelhante a uma elevagdo do gasto publico.89 A segunda é a participagao ao setor privado em investimentos até entio tipicos da atividade do Estado desenvolvimentista, como por exemplo em infreestrutura.9° Que tipo de mudaneas politicas realizar no Estado de modo a compatibilizar a atribuigio econémica voltada para dinamizar o desenvolvimento? Como relacionar 86 6 EN, p.33 87 6° EN, p. 34. 88 BASES, p. 148 a 150. 89 Ver nota 35. Esta argumentagdo, no entanto, permite um questionamento elementar: dificilmente a elevago da massa salarial nestes fermos provocaria um impacto generalizado, atingindo, por exemple setores chaves da economia que demandam um investimento concentrade ¢ grandes volumes de capital, ow soja, eapacidade de centralizar capital. Muito provavelmente © impacto seria concentrado nos setores que produzem bens de consumo popular. 90 BASES, p. 142. 38 mudanga econdmicas ¢ alteragdes potiticas no Estado? Como os ritmos deste processe se relacionam? As transformagdes politicas do Estado so propostas a partir de dois grandes eixos, a democratizagaio ¢ 0 que é chamado de desprivatizagio, Em relagiio 4 democratizagio hd a combinagio de medidas para a intensificar a democracia representativa e para a introdugdo de mecanismes de participagao direta dos cidadios, Esta linha esta presente nos dois programas, com uma importante continuidade.>! Como mencionamos anteriormente, © texto do programa de 1994 aprofinda o programa anterior ao detalhar o entendimento da democratizagtio para aiém do Estado, destacando a necessidade de introduzir no interior da dindmica econémica mecanismos de fiscalizagio © controle das decisdes empresariais, objetivando reduzir o poder de decisio do capital na esfera econdmica, incluindo o espago microeconémico.22 ‘A desprivatizagio € entendida, nos dois programas, no sentido de retirar as agéncias estatais bem como as politicas piblicas da influéncia privada.°3 Estamos, portanto, diante de um Estado cujo papel econdmico € renovado € ampliado; a0 mesmo tempo, este mesmo Estado tem sua forma profundamente revista no sentido da sua democratizagio e desprivatizacao.94 91 @ EN, p. 28a 31; BASES, p. 14a I7ep. 43 € 44, 92 BASES, p. 119 a 121 93 6° EN, p. 32 e 33; BASES, p. 140a 143. 94 Adordaremos no capitulo TT esta diferenga qualitativa fimdamentat do projet de desenvolvimento nacional do PT frente ao desenvolvimentismo, que propugnava 2 autonomia estatal para desempenhar @ contendo suas fungdes de planejamento ¢ de atuago direta na economia. 59 J4 tratamos de dois aspectos diferenciais nos dois programas gue voltam a ter peso no ponto que estamos analisando. Os ritmos das mudangas politicas ¢ econdmicas bastante mais dilatado no segundo programa a énfase econdmica que oriema o segundo problema, condicionam as mudangas politicas no Estado. Embora o papel conferido ao Estado na condugo do desenvolvimento tenha continuidade entre os dois programas - ambos o tratam como agente coordenador ¢ impulsionador direto do proceso - a presenca de um Estado modificado ou em transformagao é muito mais decisiva na primeira elaboragio. Neste caso, é para ele que convergem as tensbes do processo. Assim, a visio do ritmo das alteragdes a ser imprimidas ao Estado aparece de forma distinta: pensado principalmente como agente do desenvolvimento ¢ reformado para isso (sem deixar de perseguir a longo prazo maiores mudangas), em 1994; e como base para consolidar mudangas rapidas na corrciagto de forcas nas relagBes de poder entre as classes, em 1989. c) Uma sintese © exame cfetivado nas duas segdes anteriores permite-nos considerar 0 conjunto de elementos da elaboraco do PT em tomo a uma altemativa para o pais como un. projeto de desenvolvimento nacional. No primeiro momtento (1989) incidem com bastante forga, compondo 0 nticieo da formulagio, alguns elementos de uma visio de transigio ao socialismo, o que é dado pela critica ao Estado (a0 pressuposto de uma radical alteragdio como base para impiementar o projeto), pela critica ao desenvolvimento capitalista ¢ pela dindmica anti- capitalista para o desenvolvimento de novo tipo. Nesta formulagao desenvolvimento & 60 ‘transigho sho tratados cm conjunto, com o segundo “gniando” a visdo geral do projeto. Mais ainda, a perspectiva é de constituir um proceso nacional autonome face ac mercado e ao capital intemacionais, fortalecendo o cardter nacional do projeto ¢ distanciando-se (sen3o opondo-se} a dinimica do capitalismo internacional (imperiatismo).%5 Em certa medida, o programa de 1994 prossegue o de 1989, como se pode ver nas Diretrizes para o Programa de Governo (1993), nas resolugdes do 9° Encontro Nacional (1994) e nas Bases do Programa de Govemo (1994). Neste momento, no entanto, o eixo mais coerente ¢ a retomada de certo desenvolvimentismo%, ocupando uum lugar central a idéia que o motor do programa ¢ um conjunto de reformas econémicas, em particular as que gerariam um mercado interno de massas (que subordina as demais idéias ¢ configura o tom economicista da visto geral de projeto). A anterior relagao entre desenvolvimento ¢ poder é alterada, com o primeiro assumindo o “posto de comando”. Além disso, a relagtio com © mercado internacional assume um caréter ambiguo: por um lado afirma-se um desenvolvimento centrado num mercado 95 6° EN, p. 40. 96 Aqui tomamos a definico dada por Bielschowsky para desenvoivimentismo: “...a ideologia ds transformagio da sociedade brasileira definida pelo projeto econdmico que se compie dos ‘seguintes pontos fundamentais: a) a industrializago integral é @ via de superago da pobreza ¢ do subdesenvolvimento brasileiro; b) ndo h4 meios de alcangar uma industrializagto eficiente € acional no Brasil através das forgas espontineas do mercado; por isso, € necessério que 0 Estado a planeje; c) 0 planejamento deve definir a expansio desejada dos setores econdmicos ¢ 9s instrumentos de promogdo dessa expansio; a) o Estado deve ordenar também a execugao da expansfo, captando e orientando recursos financeiros, ¢ promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a iniciativa privada seja insuficiente.” Bielschowsky, op. cit.,p. 7. 61 intemo de massas, por outre assume também uma postura menos conflitiva frente a0 hegemonismo (¢ nao mais imperialismo).9? ‘A partir do exame de cada um dos cinco elementos que destacamos para caracterizar o projeto e a evolugio que tiveram entre os dois grandes momentos de elaborago, procuraremos apreseniar uma visio resumida de conjumto, que procnra destacar a relagio entre desenvolvimento, poder e mercado, ¢ sintetizar os dois momentos de elaborag: ~ um desenvolvimento que implica e que depende de transformagdes do poder estatal. A compreensio dos ritmos deste processo e da relago entre fatores politicos econdmicos é diferente nos dois programas (1989 ¢ 1994) ¢ isto traz implicagies sobre a articulagdo entre os componentes do projeto ¢ sobre 2 visto da sua dinamica; - um desenvolvimento com crescente autonomia nacional, retomando a constituig&io de um mercado interno de massas através de reformas distributivas e de um fortalecimento da dinamica endégena. Esta é a estratégia econdmica basica e se articula ‘em maior ou menor grau com o primeiro elemento. O grau de protecZo e de dinamismo centrado nos aspectos intemos tém compreensio diversa nos dois momentos de elaboragtio, dependendo principalmente da avaliagao em relagdo ao tipo e amplitude de conflites com o mercado internacional; - um desenvolvimento que coloca como um dos objetivos centrais a efetivagtio da reforma agriria e de um novo modelo agricola. InterpretagBes diferentes sto colocadas nos dois momentos de elaboragao: uma vendo a reforma agraria como um dos 97 BASES, p. 50, p.116a 119 ep, 143 a 145, 62 elementos centrais para alterar a estrutura de poder, outra vendo-a por um Angulo econémico (¢ talvez até modernizador): - um desenvolvimento que tem no Estado um coordenador e impulsionador direto, reduzindo © poder do mercado, nacional ¢ internacional, retomando a idgia de desenvolvimento como resultado no-espontineo (especialmente em relagdo ao mercado intemecional). A compreensio da amplitude do papel e do caréter da mudanca do Estado nao € homogénea, considerando os dois momentos de elaboracdo do projeto. Depende certamente de uma visio, que também nto é homogénea, dos conflitos internos ¢ internacionais desencadeados pelo projeto; - por fim um desenvolvimento que deixa em aberto (ou como algo derivado da evolugao de conjunto do projeto) a definigdio de pelo menos um aspecto particularmente importante na realidade brasileira ¢ latino-americana do periodo, que € # questio da inflagao. 63 Capitulo 2 Contexto histérico ¢ 0 projeto de desenvolvimento nacional do PT © projeto de desenvolvimento nacional defendido PT softe significativas alteragdes entre 1989 ¢ 1994, Como entendé-las & luz das mudangas ocorridas no Brasil ¢ n0 piano internacioual? Estas sio as preocupacdes deste capitulo. Adotamos uma perspectiva que considera miiltiplas causas ¢ a mittua infuéncia entre elas para compreender a trajet6ria de um partido inseride em movimentos mais anaplos na sociedade ¢ nas tutas de classe. Vale dizer, de um pattido que pode ser entendido como sujsite politico mas que atua sob pressdio de determinadas condigbes histéricas. Estas condigGes sto, elas préprias, objeto de luta visando sua alteragao. Eniretanto, ao mesmo tempo funcionam também como condicionantes da ago partidaria, Ainda que no seja o nosso objeto de trabalho o estado do Partido dos ‘Trabalhadores como um todo, mas sua formulagao programatica especificamente nos dois momentos assinalados, registramos, como pano de fundo, uma concepgo de como analisar 0 PT. Estamos partindo de um ponto de vista que rejeita um tipo de interpretagdo monocausal, em particular o expresso em andlises sobre o PT que fixam como variavel basica sua relag&o com o Estado e sta composigao organica, contrafaces da mesma linha de enfoque.% Ainda que sejam elementos muito importantes, quando 98 Nesta linha de enfoque estiio dissertagdes como CICONE, 8. B. - Da Intengdo ao Gesto: um other gramsciano sobre a possibilidade de integrago do PT & ordem. Dissertagao de Mestrado, Unicamp, Campinas, 1995; GUIMARAES, J, R. - Ciaro enigma: o PT ¢ a tradig0 socialista, Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia ¢ Ciencias Humanas. Campinas, SP + 64 tomados de forma quase exclusiva podem conduzir 2 visdes algo deterministas da evolugio do PT. De mesmo modo no nos deteremos nos aspectos especificamente internos, como por exemplo a evolugio das correntes internas e da “correlacao de forcas” entre elas. Ainda que, de forma similar A assinalada acima, também sejam elementos explicativos necessarios para uma analise global do partido.%9 Claramente rejeitando uma relag3o de monocausalidade, aqui nos interessa a correlago. de forcas na soviedade, sua rdpida alteragio, como estas condigdes influenciam o partido € como este se posiciona neste contexto em movimento. Nesta abordagem, especial atengo tem a dindmica intemacional, pois de certa forma, condiciona possibilidades e opgdes politicas da sociedade brasileira. Duas partes compdem este capitulo. sn. , 1990; FURTADO, O, H. P. - Trajetos € Perspectivas Social-Democratas: Do Modelo Furopeu para o PSDB ¢ o PT no Brasil. Dissertagdo de Mestrado, Unicamp, Campinas, 1996, ‘io é casual que estas abordagens adotem, cm geral, a anilise comparativa cotejando a experigncia do PT com a socialdemocracia européia. No geral, omitem ou ao menos secundarizam este pano de fundo basico que sfo as relegdes sociais especificas da periferia do capitalismo € a insergéo do partido em movimentos amplos da sociedade. A andlise de Guimardes é rica sobretudo por relativizar a originalidade do PT, identificando experiéncias de constituigdo de partidos operdrios bem como debates no interior do movimento socialista que contribuem para tragar semelhangas entre o PT (¢ seus debates) ¢ outvas experiéncias. Questiona, coretamente, interpretagdes que procuram mostrar o PT como uma experiéncia absolutamente original, Traz também importantes contribuigdes para a andlise da rela¢io do PT com o Estado, alertando para sua “propensio” & integragdo. Sofre, no entanto, no nosso eniendimento, do defeito de abstrair as condigdes histéricas de periferia onde a experiéncia do PT se desenvolve. 99 Vale anotar, de qualquer forma, um dade no minimo aparentemente paradoxal. A composiso da diregto do partido se altera bastante quando comparados os anos de 1989 ¢ 1994, No primeiro, era majoritéria a corrente Articulagio, considerada, como uma corrente de “centro”; no segundo, com a diregio eleita em 1993 (no &° Encontro Nacional), passaram a ser maioria as correntes situadas mais 4 esquerda do espectro interno do partido. Sustentamos no Capituto 1 que 0 projeto politico-econdmico do partido evoluiu de posigdes mais radicais menos radicais entre 1989 ¢ 1994. 65 A primeira expe e discute uma selegao de estudos ¢ intervencdes polémicas que objetivam dar conta de certas caracteristicas ¢ mudangas no cenirio intemacional ¢ na sociedade brasileira ao longo do periodo tomado como referéncia e que dizem respeito a9 nosso tema. Vale dizer, alteram os termos politicos e econémicos para os quais se yoltam o projeto de desenvolvimento nacional proposto pelo PT. E evidente que nao se trata de reproduzir a farta literatura sobre o periodo ou procurar reconstituir toda a complexidade de um periodo como este. Procuramos, sim, apontar aigumas andlises sobre aspectos que, @ nosso juizo, imerferem diretamente no objeto de estudo, que permitam conxtetualiza-lo: eles giram em tomo ao caréter da crise brasileira dos anos 80, identificando os momentos de auge € de viragem, os conflites fundamentais ¢ as tendéncias de sua superago. Estamos nos referindo a um perfodo em profinda € répida mutagzio quando comparado a0 que deu origem a temética do desenvolvimento, o pés-guerra. O tema que organiza esta parte, portanto, € a crise brasileira dos anos 80, sua viragem ao final destes anos € suas repercussbes para problematica do desenvolvimento e do poder no pais. A segunda parte do capftulo recupera para uma avaliagio critica os conceitos utilizados pelo PT frente & crise brasileira e as alteragSes no contexto internacional, No capitulo 1 procuramos mostrar que as formulagies programéticas do PT, em 1989 € 1994, guardam estreita relagdo com o modo de avaliar a sociedade brasileira e a situaro internacional em cada um. destes momentos. Esta parte do capitulo buscara avaliar conceitos-chaves utilizados pelo partido - como crise nacional © crise do desenvolvimento - tendo como contraponto as andlises escolhidas para sumariar 0 debate sobre aquele periodo, organizadas na primeira parte deste capitulo. Serd 66 obrigalério remetermos, ainda que de forma limitada, para algumas referéncias do debate sobre as crises. Aqui também terd lugar uma avaliago da significativa alteragao programética sobre o modo de encarar a dindmica intemacional do capitalismo. Nesta seco sero tratados trés aspectos que a nosso ver permite sumariar alguns pontos nodais do contexto politico-econdmico com que se defronta 0 Partido dos ‘Trabalhadores nos anos 80. Sao estes: «a posigio singular assumida pelo pafs no piano internacional, e em particular no ambiente latino americano, que o colocou em significative descompasso (¢ em conflito} em relago &s politicas preconizadas por instituigiies e Estados dominantes na economia e nas relagdes internacionais; © aperda do dinamismo econdmico que caracterizou um determinado padrao de desenvolvimento que marcou, com a especificidade de fases bem demarcadas, a evolugdo do pais desde a década de 1950. Ao mesmo tempo, a entrada em um processo de incerteza quantos aos rumos econdmicos bem como de instabilidade dos mecanismos isicos de mercado ¢ de politica econémica, Aqui cbservaremos uma decisiva ruptura ocorrida no ambito daquele pensamento econémico considerado critico ¢ invader: 0 abandono da problematica do desenvolvimento; * a enorme dificuldade das classes dominantes e suas diregSes politicas em organizat 0 regime em substituicio ao perfodo militar. E, simultaneamente, uma crescente espiral de polarizagiio social ¢ politica. 67 Esta segao conclui buscando uma sintese destes trés elementos, vale dizer, com um exame do carater da crise brasileira em 1989 e seus desdobramentos até 1994. al} A questo intemacional Um fato singular, observado por autores ¢ enfoques os mais variados, € a incorporagio tardia do pais as profundas mudancas na organizagZo do poder ¢ da economia intemacionais ao longo dos anos $0. Estas mudancas, muitas vezes condensadas em formulas como “mundializagao”, foram aceleradas ao final destes turbulentos anos, mas percorreram toda a década. Importante notar, como registro, que 4 nova fase de internacionalizagao (segundo algumas interpretagées) ou um novo modo de foncionamento do capital (segundo outras) e das relagbes entre Estados ¢ motivo de intensa polémica, embora, de modo geral, haja um recouhecimento de alteragdes profundas na dinamica do capitalismo e da relagdes de forga entre Estados e classes no plano internacional a partir de finais da década de 70, em contraponte com os chamados “trinta anos gloriosos” do pés-guerra.!00 100 idéia de que estamos defronte 2 um novo modo de funcionamento do capitalismo & defendida por Chesnais, ef. CHESNAIS, F - A mundializagao do capital, So Paulo, Xema, 1997, Bensaid prefere uma avaliagdo mais cautelosa, indicando elementos que matizam a concepydo “mnundialista", a0 destacar a desigualdade dos fluxos de capital especificamente internacionalizados e que as economtias niacionais dos principais paises capitalistas ainda sdo 0 faco principal dos investimentos. Destaca ainds # auséncia de instituigdes mundiais de tipo estatal, A excegdo da Comunidade Européia, ef, BENSAID, D.- op. cit, p. 147. Observagdes que podem ser lidas com um sentido semelhante ao de Bensaid sie encontradas em VELASCO E CRUZ, S. - op. cit, p. 120 a 126. Ble questiona o “imperative tecnolégico” como fator determinante da nova osdem e aponta a diferenca entre “fé" e politica ao mostrar 2 ago extremamente ativa dos Estados hegeménicos em defesa de suas economias ¢ empresas ‘#m detrimento do programa neoliberal por eles propagado. 68 A integraglo dos paises “em desenvolvimento” a este processo ocorre desigualmente, tanto na forma como no tempo, O Brasil & um dos iiltimos paises a aderir. Assim, para citar a regio latino-americana, tanto 0 México como @ Argentina iniciaram com bastante antecedéncia este movimento, com o coroamento da marcha sincronizada com 0 novo curso intemacional através de planos de estabilizagao monetiria. No caso do México isso se da em 1988 e da Argentina em 1991, portanto, com uma anterioridade de 6 anos ¢ 3 anos, respectivamente, quando comparados com 0 Brasil. Em todos os casos um conjunto de medidas precursoras nesta dirego ja vinham sendo tomadas.'0? Como é sabido, o Plano Real, cujas bases comecaram a ser introduzidas ao final de 1993 e que em julho de 1994 iniciou sua aplicagao plena, trazia elementos fimdamentais de concepga0 em comum com os planos de estabilizagio na Argentina e no México ¢ com os preceitos do liberalism econémico advogados pelos organismos internacionais.102 Mas este € 0 desfecho de um longo periodo de conflito. No dizer de um analista atento, a sociedade brasileira como que andou na contramao ao longo dos anos 80, especialmente na sua tiltima metade: “Corremos 0 risco de ficar na contramao da histéria, Quantas veues teremos ouvido esta frase? De fato, em meados da década passada, ao reavivar um capitalismo de base nacional 0 projeto neodesenvolvimentista nadava conta a corrente e, nesse sentido, ia ‘contra a histéria’. Mas esta no era a histéria impessoal ferreamente determinada dos apologetas de todo 0 10i BATISTA JR,, PIN, - © Plano reat 4 luz da experiéneia mexicana e argentina, in Estudos ‘Avangados, Universidade de Sto Paulo, Instituto de Estudos Avangados, vol. 10, n° 28, setembro/dezembro 1996, 102 BATISTA JR., P.N. - op. cit. 69 tipo. Era ume histéria ‘aberta’, sem roteiro prévio, que se fazia a cada momento como resultado agregado de miiltipios e entrelagados conflitos. © desencontro, contudo, era muito mais amplo. Em meados da década passada a historia de que falamos parecia estar resolvida. Depois de ter amargado o efeito recessivo de suas politicas, com a recuperagho espetacular da economia americana, que arranca no final de 1982, a contra- reforma neoliberal avangava com todo impeto, livre de qualquer resisténcia politico-ideolégica mais consequente - seja porque seus adversérios tinham sofrido pesadas derrotas na arena do voto (Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha), seja porque estes acabaram por aderir a muitos de seus temas (Espanha, Franga), Nos termos da reestruturagio por ela promovida as razbes de justiga social e de eficacia econdmica voltavam a se antepor, na pritica e na teoria, Nesse contexto, na contramo da histéria estava nao apenas aquele projeto mas o movimento global da sociedade brasileira, que liberava, nesse momento, imensas demandas sociais sufocadas por vinte Jargos anos de autoritarismo."103 (grifo nosso) Este processo, naturalmente, transcorre em meio a intensos conflitos intemos ¢ intemacionais. Estes iiltimos se manifestam, em particular, em temas como a politica industrial, antecipando as pressdes pela abertura do mercado intemo, € nas relagSes com instituigdes como o Fundo Monetirio Internacional, tendo como fulcro o endividamento extemo ¢ 0 modelo de estabilizago a ser adotado. No plano interno a questio intemacional ith se coligar com os temas da condugdo © projegio da economia e com as disputas politicas crescememente condensadas nos momentos eleitorais. O posicionamento do pais frente 20 novo cendrio internacional seria decidido basicamente na arena interna, mas cada vez mais sob a pressito das novas condigdes internacionais. 70 Assim, € de notar-se, a partir do ponto de vista da problematica dos paises capitaljstas atrasados, que a nova situa¢io mundial consolidada ao longo dos anos 80 asson a excluir da agenda ¢ das iniciativas a questio do desenvolvimento econdmico, reduzindo, portanto, a margem de manobra dos paises dirigidos por algum tipo de politica desenvolvimentista, mesmo que discreta e declinante, como foi o caso do Brasil na maior parte do periodo om tela, Insiituipdes financeiras internacionais, como 0 Banco Mundial!®, assumem o papel de formar quadros e de propagar os novos eixos “programaticos” dominantes, «mplamente difundidos naquilo que ficou conhecido como Washington Consensus: destegulamentagio industrial, comercial e financeira; privatizagao, retirada do financiamento piiblico aos sistemas denominados de bem-estar € a redefinigéio do papel do Estado; tudo isso sob o manto de uma nova hierarquia de poderes entre os Estados-poténcia. “Em noveribro de 1989, reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionirios do govemo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI, Banco Mundial ¢ BID - especializados em assuntos latino-americanos. O objetivo do encontro, convocado pelo Institute for Intemational Economics, sob o titulo ‘Latin American Adjustment: How Much Has Happened?”, era proceder a uma avaliagao das reformas econémicas empreendidas nos paises da regio. Para relatar a experiéncia de seus pafses, também stiveram presentes diversos 103 VELASCO B CRUZ, S. - op, cit, p. 126 € 127. 104 © papel do Banco ¢ discutido em interessante artigo na revista inglesa New Left Review escrito por um economista que fez parte das suas equipes. A partir do conflito entre 0 Banco ¢ 0 Japfio em tomo ao tema da aceitabilidade ou nfo de politicas orientadas, o autor discute a mudanga de concepeo do Banco no inicio dos anos 80, 0 processo de formago de posigdes no seu interior ¢ sua capacidade de influenciar os paises. Cf. WADE, R. - Japan, the World Bank, anda the Art of Paradigm Maintenance: The ast Asian Miracle in Political Perspective, Londres, New Left Review, n.* 217, mai/jun 1996. aA economistas latino-americanos, As conclusdes dessa reunido ¢ que s¢ daria, subsequentemente, a denominego informal de ‘Consenso de Washington’” 105 “O Consenso de Washiagton ¢ um conjunto cada vez mais abrangente de regras de condicionalidade aplicadas pelos organismos intemacionais, sobretudo 0 FMI e 0 Banco Mundial, que os paises devedores do mundo capitalista periférico ¢ agora do ex-mundo soviético tm de aceitar para obter apoio politico das grandes poténcias ¢ escasso apoio financeiro dos bancos e agéncias internacionais. (..) 4 pega de resisténcia do consenso € a que foi denominada “Reformas Estruturais’ (ndo confundir com o velho e bom estruturalismo cepalino) ¢ das quais 0 porta-voz mais potente ¢ 0 Banco Mundial, que desde 1985 vém fazendo esforgos redobrados para montar uma sélida doutrina neoliberal."106 desmoronamento do bloco sovistico bem como das iniciativas dos paises do terceiro-mundo no sentido de construir um campo “n&o alinhado” reforgaram as vertentes vencedoras nos paises-Hderes do capitalismo. Neste quadro, ao final dos anos 80 ¢ dai por diante, nfo haveria mais luger para © tema do desenvolvimento nacional. Na verdade, sua proposigio passava a ser hostil & nova ordem estabelecida. a2) Da crise do padrao de desenvolvimento ao abandono do desenvolvimentismo 183 NOGUEIRA BATISTA, P. - © Consenso de Washington: a visio neoliberal dos problemas tatino-ameticanos, in NOGUEIRA BATISTA et sl. - Em defesa do interesse nacional, Rio de Janeiro, Paz ¢ Terra, 1994. 106 TAVARES, M. C. - O Dissenso de Washington, in NOGUEIRA BATISTA et al. - Emi defesa do interesse nacional, Rio de Janeito, Paz e Terra, 1994. RnR No limiar dos anos 80 0 modo especifico de desenvolvimento capitalista adotado pelo Brasil, através de sucessivos regimes politicos a partir da década de 50107, ‘encontrava-se esgotado.!08 Os trinta anos gloriosos do Brasil terminaram, no entanto, de maneira ingléria. Apés a tentativa de sobrevida através do TI Plano Nacional de Desenvolvimento! 0 pais submerge na recesstio, no ajuste pragmidtico As imposigées de uma gigantesca divida externa, com a consequente perda de dinamisme ¢ em meio ao curso de uma inflagao crescente. Estes iiltimos capitulos do desenvolvimentismo brasileiro foram seguidos por ‘um epilogo ainda menos glotioso. Os anos de Nova Repablica caracterizaram-so por tentativas varias e frustadas de, simultaneamente, estabilizar a moeda, retomar o desenvolvimento e manter uma retériea de resgate da chamada divida social herdada dos vinte anos de regime militar, O que caracteriza esta etapa &, sem diivida, a quase cadtica gestdo econdmicae a instabilidade na definig&o de rumos. 107 A referéncia ao segundo governo de Vargas é um marco nas andlises econémicas sobre 0 desenvolvimento brasileiro. Mas é de se notar que alteragdes fundamentais do Estado tiveram inicio antes da segunda guerra mundial, na década de 30. 108 Esta é uma avaliagio basicamente consensual entre os economistas. Naturalmente suas causas silo motivo de intensa polémica 109 Os resultados bem como 0 caréter do I PND foram alvo de importante polémica. Os dois, principais estudos estio om BARROS DE CASTRO, A. e PIRES DE SOUZA, F. - A economia brasileira em marcha forgada, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, 2° ed. (1988); ¢ LESSA, C. - A Estratégia de Desenvolvimento 1974-1976, Sonho e Fracasso, Tese apresentads 4 Faculdade de Economia e Administragéo da UFRI, Rio, 1978. Uma andlise intenmediéria esté em SERRA, J. - Ciclos ¢ Mudangas Estruturais na Economia Brusileira do Pés-Guerra, em BELLUZZO, L. G. M. © COUTINHO, R. (orgs) - Desenvolvimento Capitalista no Brasii, vol. 1, Sdo Paulo, Brasiliense, 1982. 73 “A histéria macroecondmica da década sintetiza a dimenstio mais caética da transiglo brasileira: desde que o ministro Delfim Netto, em 1979, alterou 0 valor do dinheiro ¢ dos salatios, prefixando a coregio monetiria, desvalorizando © cdmbio, controlando as taxas de juros e aumentando os niveis de indexaedo salarial, houve oito novos planos de estabilizacio, quatro moedas distintas, onze indices diferentes de céloulo da inflagio, cinco congelamentos de pregos, quatorze politicas salariais, dezoito modificagbes das regras de cdmbio, 54 modificagdes das regras de controle de precos, 21 propostas de negociagiio da divida extema e dezenove decretos governamentais a propésito da austeridade fiscal. A esta enorme ¢ malsucedida descontiauidade se somou o programa Collor...”.110 De outro lado, no interior deste proceso, é preciso assinalar a experiéneia decisiva do plano Cruzado e 0 seu papel na mudanga de ambiente, tanto pela exacerbagiio dos elementos conflitivos como pela virada de agenda que vai se configurar apds 0 seu fracasso. Incentivando a contragosto dois conflitos - na fiente extema, com a moratétia forgada, ¢ na frente intema, com a mobilizagdo dos consumidores - levou ao extremo a instabilidade econémica ¢ a perda de rumos para o capitalismo brasileiro, Mas sobreiudo elevou a novo patamar alguns dos conflitos grandiosos na sociedade brasileira: distribuigto da renda, soberania nacional e a questo democratica, vale dizer, fa lata pela alteragdo das instituigdes estatais tanto a partir de dentro (das suas instituigdes representativas e das formas especificas de insergiio dos interesses privados no interior das agéncias estatais) como de fora (pela pressfo social, pela articulagao de interesses sociais para fins politicos). 10 FIORI, J. L. - Ajuste, wransig&o e governabilidade: o enigma brasileiro, p. 158 ¢ 159, em TAVARES, M. C. ¢ FIORI, J. L. - (Des)Ajuste global ¢ modemizagio conservadora, Rio de 4 Este periodo teve como desfecho uma radical mudanga de comportamento e de agenda das classes dominantes. Estas passam a assumir posi¢es cada vez mais “intemnacionalistas”, adotando rapidameate o paradigma neoliberal,!14 Isto se dé também no plano da politica oficial: “Em junto de 87, a virada na orientago geral da politica econdmica estava consumada, A partir dai, ‘abertura’, ‘desregulamentagio’, ‘privatizago’, ‘mecanismos eficazes de atrayo do investimento externo” convertem-se em palavras-chaves no discurso oficial.”!12 E importante assinalar que esta reorientagio econdmica nao configurava ainda uma mudanga geral na sociedade brasileira. Lembremos que o fracasso do plano Cruzado setia seguido da instalago da Assembléia Constituinte, novo foco de conflites, tema que trataremos adiante, Ainda que de modo tardio, ha um abandono pelas classes dominantes do tema do desenvolvimento nacional ¢ do seu principal instrumento, o Estado. Ao mesmo tempo, progressivamente, o tema passa a ser apropriado pela esquerda. O prosseguimento em termos econdmicos deste periodo mostra 0 curto governo Collor e a sequéncia com Itamar Franco. A politica econdmica desta fase ja esta francamente hegemonizada pelo neoliberalismo. O sucessor de Collor avanga no seu programa em uma velocidade até maior.!13 Esta sequéncia seria coroada pela introdugao do plano Real a partir de fins de 1993. Janeiro, Paz ¢ terra, 1993. 11 VELASCO E CRUZ, S. - op. cit, pp. 113 a 136 112 idem, p. 136. 113 FIORE, J.L. - op. cit., pp. 154 ¢ 155. 75 Ainda que se possa apontar diferencas efetivas entre o plano Reat ¢ os aplicados em outros paises da América Latina, como o México ¢ a Argentina, eles podem ser “considerados de forma conjunta, como exemplos de um mesmo modelo geral de estabilizagtio ¢ integragiio internacional aplicado a diversos pafses da América latina nos ditimos anos, O modelo inclui os seguiates elementos centrais: - uso da taxa de cimbio como instrumento de combate a inflasao; - abertura da economia &s importagdes, por meio de drastica redugao das barreiras tariférias e nlio-tariférias; - abertura financeira extema, com a adogio inclusive de politica de estimulo & entrada de capitais externos de curto prazo; - medidas de desindexagao da economia; + ajuste fiscal e austeridade monetiria; - venda de empresas piblicas."2!4 Viemos anotando um conjunto de fatos econémicos e suas repercussdes no Estado. B hora de passarmos ao plano das formulacdes, onde houve uma alteragao_ similar de prioridades. E muito importante, entio, registrar a evolugio de um setor da intelectualidade brasileira - os chamados economistas criticos -, setor este que ocupou um lugar destacado na condugo da politica econdmica da Nova Republica. Na sua maioria este conjunto era vineulado a escola desenvolvimentista da CEPAL, com inflexdes criticas A esquerda a partir deste pensamento, E ganhou nototiedade pelo papel de relevo na oposigio politica econdmica do regime militar. Este setor, ou melhor a maioria dele, faz uma viragem espetacular entre fins dos anos 70 € meados dos anos 80, cujo resultado foi o abandono da problemitica latino- americana “classica” do desenvolvimento. Este process, que é de grande importancia 16 para o tema por nds estudado, ocorre por trés vias: com a mudanga de horizonte utépico, a idéia da inviabilidade do socialismo; com a participag2o politica junto a oposigao legal a0 regime militar e a consequente responsabilidade governamental que adquiriu com as primeiras vitorias eleitorais em 1982, particularmente em Sao Paulo; ¢ com a integragio ag meio empresariat, iniciada no comego da década de 80.115 “Como ponto de partida, pode-se sustentar que a maioria dos intelectuais brasileiros adota atitude critica em relagio a0 capitalismo periférico, ta qual cle ver se desenvolvendo no Brasil. A critica se dirige sobretudo a desigualdade econdmica... A questo, naturalmente, ¢ se a tendéncia a agravar a desigualdade é inerente ao capitalismo, enquanto tal, ou se ela pode ser revertida mediante mudangas institucionais dentro do capitalismo. O assunto se insere dentro da problematica maior do destine do capitalismo e de sua eventual substituigao pelo socialismo. ‘Tradicionalmente, este debate girou ao redor da ‘maturidade’ do pais para a revolucao socialista..."126 As derrotas politicas (¢ militares) da esquerda face ao regime militar no Brasil, acumuladas a derrotas na América Latina em conjunto com as frustragGes face ao ‘socialismo real’, acabam por afastar boa parte da intelectualidade, em particular os chamados economistas de oposicfo, de uma perspectiva critica mais radical. Mas uma uniao organica entre esta parceta da intelectualidade ¢ a perspectiva empresaria! seria cimentada por processos de participagio em entidades empresariais 114 BATISTA JR., PN. - op. cit, pp. 129 € 130. 115 Cf, SINGER, P. - Intelectuais de esquerda no Brasil: a experiéncia do poder, in SOLA, L. (org,) - © estado da transigao: politica e economia na Nova Republica, Sio Paulo, Vértice, 1988; e VELASCO E CRUZ, 8. - op. cit. 116 SINGER, P. - op. cit., p- 65. qT que passaram a absorver um certo grau de oposigao ao regime militar, como a Federagao das Indistrias de Sao Paulo. Assim, um dos momentos importantes desse processo, o Forum de debates promovido pelo jomal Gazeta Mercantil que reuniu economistas criticos e empresarios, em 1983, tem como documento conclusivo uma pega em que “nenhum capitulo (6) dedicado as ‘grandes questes de desenvolvimento"™”.!17 ‘A participagao posterior no governo da Nova Repiiblica, em especial na condugio do plano Cruzado, viria a consolidar esta postura, Assim houve uma mudanga profunda também no plano das idéias ¢ formulagdes de politica e projeto econémico nacional. O que antes guiava amplos setores da intelectualidade brasileira - a problemética do desenvolvimento e da constituicto nacional, sob a critica ao capitalismo, mesmo que ao periférico - foi substituida, primeiro por um neodesenvolvimentismo, ¢ em seguida pela tematica da estabilizagio e do ajuste as novas condigSes internacionais. Também neste campo passou a existir uma espécie de orfandade da questio do desenvolvimento, que, progressivamente, passa a ser ‘um tema apropriado pela esquerda. 23) Instabilidade ¢ polarizagto politicas Do mesmo modo que, na economia, o que marcou a inflexdo do Brasil dos anos 80 foi o plano Cruzado, na politica o que determinou movimento similar (¢ os sinais de projegdo para o que viria em seguida) foi a Constituinte. 117 VELASCO E CRUZ, S, - op. cit., p. 56. 78 Instalada ja sob a crise do plano Cruzado e em meio a formagao de uma nova agenda no Estado € no pensamento das classes dominantes e de circulos intelectuais influentes — para nao falar da campanha jé aberta dos meios de comunicagilo de massa ~ a Constituinte foi paico de futas de Jutas sobre temas cruciais como reforma agraria, soberania nacional, e sobretudo o papel do Estado e sua organizagiio. Enquanto no plano econémico ja predominava o idedrio liberal, o processo constituinte em andamento — cujo resultado nfo foi desfavoravel, naturalmente, as classes dominantes ~ j& nao correspondia aos novos propésitos dominantes, Recrudesce a campanha por um Estado de tipo liberal. © que parecia um processo transitério “lento, gradual e seguro” do regime ‘militar para um regime de carter civil, democritico-burgués, transformou-se em um processo de instabilidade institucional crescente, em meio a profunda dificuldade em constituir uma direcSo politica das classes dominantes ¢ a uma contestag’o social ¢ politica que chegou a apresentat-se, no seu auge, como portadora de designios altemativos aos até entio hegemGnicos na sociedade brasileira. Nem mesmo a impressionante votago no PMDB em 1986, formalmente o partido “condutos” da Nova Repiblica - que elegeu a quase totalidade dos governadores ~ assegurou o desdobramento pretendido pelos articuladores militares ¢ civis da transigio. Ao lado de crises ministeriais, de crises partidarias ¢ do “problema” constituinte, gerando uma ampla disfuncionalidade das instituig6es transitorias, um outro ambiente se desenvolvia. Crescia o mimero de greves, mobilizagées, inquietagio social ¢ um processo de organizacao partidaria ¢ sindical muito além dos estreitos marcos projetados ao inicio da transigio, ainda no regime militar. 9 Este processo culmina em 1989 com os partidos de sustentagdo da Nova Repiiblica incapacitados para disputar sua continuidade. Basta dizer que as duas candidaturas que polarizacam as primeiras eleigdes para a Presidéncia da Repiblica, em 1989, com todo 0 simbolismo que o fato guardava quase trinta anos depois da ultima eleigho presidencial, eram oposicionistas face aos quadros, partidos ¢ orientagbes politicas que dirigiram a Nova Reptiblica, Representavam perspectivas opostas om todos 6s planos e apenas um ponto de contato: a negaco politica ¢ econdmica dos regimes € politicas anteriores. Tmportante assinalar a crise governamental de 1992, com a deposigao do Presidente Collor. Apesar da mobilizagio social, ela circunscreveu-se a esfera governamental, sem atingir em maior profndidade o programa de governo em vigor on as regras institucionais (assume o vice, que & poupado). Nesse sentido, pode-se dizer que se tratou de uma crise governo,!18 E possivel dizer que a substituigdo plena do regime militar no se completou sentio em 1994, Sé entio se consolida e se legitina uma diregdo politica para « unidade programatica alcangada antes de 1989. a4) Carder, auge e viragem da crise brasileira Procuramos mostrar nos itens anteriores os trés aspectos da crise brasileira na segunda metade dos anos 80: 0 descompasso do pais face ao plano internacional, 0 esgotamento do padrio econdmico ¢ a instabilidade e polarizagao politics. Durante um determinado e preciso periodo, estes se retroalimentam ¢ tornam imprevisiveis seus 80 desdobramentos de conjunto & esse fato que torna possivel caracterizar uma “grande crise" 119 Assim, nfo é possivel caracterizar esta situactio apenas por um de seus elementos constitutives. Por exemplo, uma tipologia das crises que acentua o determinante econémico ~ que no caso brasileiro joga um peso enorme, na medida em que se trata (também) de um padrio de desenvolvimento operacionalizado ao iongo de décadas que entra em declinio vertiginoso ~ dificilmente conseguisia apreender toda a dimensao do processo em questiio. O que mais se encaixaria neste enfoque seria a idéia de uma crise de regulago, que poderia evoluir a uma forma superior de crise do modo de desenvolvimento.!20 Na sua origem podem estar um dos seguintes fatores: a inwiabilidade em assimilar formas de um novo tipo de regulagao; a existéncia de Intas sociais € politicas que questionam 4 manutencao de compromissos institucionalizados ¢ comportamentos individuais, de modo a bloquear a continuidade da reprodugao econdmica do sistema; ou ainda, a propria maturidade de um determinado sistema de regulagdo, que leva ao seu esgotamento.!21 Ainda que esta abordagem tenha sido elaborada tendo em conta o desenvolvimento capitalista e suas crises nos paises centrais, ela consegue absorver elementos explicativos importantes. Mas insuficientes. Pois esta abordagem tende a tornar incidental o fator politico, ou mais claramente, as Iutas de classes © 0 gue se passa com o Estado.122 18 idem, p. 181, 119 Idem, p. 31 120 BOYER, R. - A teoria da regulagdo: uma aniilise critica. Siio Paulo: Nobel, 1990. 121 Idem, p. 90. 122 Cf, BENSAID, D, - op. cit., p. 81. 81 A citagto seguinte nos dé uma boa aproximagaio para avangar nesta discussdo: “Polarizada como foi, a disputa presidencial (de 1989 - CH) desencadeou um intenso debate que teve como pano de fundo alguns consensos negativos basicos’ 2) A clara nogdo de que a crise chegara no Brasit ao limite do suportavel; a consciéneia de que a continuidade do jogo, segundo as mesmas regras, era indesejavel ~ mesmo para os que ganhavam com este, dada a instabilidade e a ameaga de radicalizagao que ele ens¢java. b) A percepgtio quase universal de que no centro da crise estava a questio do Estado, (..) a decomposig&o do sistema estatai chegara a tal ponto que a promessa de uma reforma profunda (...) era indispensavel para dar credibilidade a qualquer proposta de mudanga ... A unanimidade, porém, terminava af: no diagndstico e nas solugdes (...) as posigGes disorepavam... ¢) A compreensto mais ou menos gencralizada de que, tendo na faléncia do estado sua manifestagio mais patente, a crise expressava 0 esgotamento do padriio que pautara a economia brasileira por muitas décadas. (..) As diferengas programiticas ¢ ideolégicas que separavam os dois finalistas em 89 eram enormes; mas elas nfio devem obscurecer este fato: em ambos, 0 que mais forte se manifestava era uma profunda rejei¢io do passado.123 Vamos explorar estas observagdes. A idéia de que uma determinada situac&o nao pode continuar, percebida de forma ampliada na sociedade e¢ motivando acdes correspondentes dos atores politicos nos leva a identificar que € o sistema de dominagio 123 VELASCO E CRUZ, S. - op. sit, pp. 150 ¢ 151, Mesmo baseando-se parcialmente nas andlises regulacionistas o autor, segundo nossa compreensio, organiza um enfoque mais global para a crise. 82 que sofite uma crise. Esta pode nao se configurar como uma crise revolucionaria!?4, mas pode conter elementos potencialmente portadores de desdobramentos nesta diregio. Dentre os aspectos levantados “classicamente” para definir uma situagiio como revolucionatia, isto é, uma crise de dominagao elevada ao seu maximo limite, é possivel identificar, 20 menos embrionariamente, os seguintes: um generalizado questionamento, entre os “de cima” ¢ entre os “de baixo” das regularidades anteriores, tanto as referidas a0 Estado como as econémicas; uma elevago substantiva da atividade politica fora da instituigdes representativas, pressionando-as mas também contestando-as (como na Constituinte ¢ mesmo na eleicZo presidencial de 1989); a existéncia de fissuras e desacordos pronunciados no interior das classes dominantes. Isto ocorria em meio & estagnage e esgotamento do modo de desenvolvimento capitalista no pais. Assim parece ser possivel identificar, no seu momento mais agudo, em 1989 ~ ‘ou se quisermos dilatar temporalmente, entre os anos de 1988 ¢ 1989 ~ um processo embriondrio de uma crise de dominagéo. 124 Conforme a nogdo estruturada por Lenin em A Faléncia da II Internacional. Vale citar sua passagem mais concisa sobre o tema: “Quais sio, de maneira geral, os indicios de uma situago revolucionésia? Estamos certos de ndo nos enganarmos se indicarmos os trés principais pontos ‘que seguem: 1) impossibilidade para as classes dominantes manterem sua dominagao de forma inalterada; crise da ‘cipule’, crise da politica da classe dominante, © que cria uma fissura através da qual o desconientamento e a indignagio das classes oprimidas abrem caminho, Para que a revolugo estoure ndo basta, normalmente, que ‘a base no queira mais’ viver como outrota, mas é necesséio que ‘a ciipula ndo o possa mais’; 2) agravamento, além do comum, da niséria e da angistia das classes oprimidas; 3) desenvolvimento acentuado (...) da atividade das masses...", Além disso, “a revolugio nfio surge em toda situag3o revoluciondria, mas somente nos casos em que a todas alteragbes objetivas acima enumeradas vem juntar-se uma alierago subjetiva, a saber: a capacidade, no que respeita 4 classe revoluciondria, de conduzir ages revolucionérias de massa suficientemente vigorosas para quebrar completamente (ou parcialmente) o antigo governo, que nfo ‘cairt’ jamais, mesmo em época de etise, sem ‘ser derrubado’ ”. Em LENIN - A faléncia da Il Internacional, Sio Paulo: Kairés, 1979, pp. 27 e 28, 33 quadro da sociedade brasileira ¢ bastante modificado nos anos que se segue. No periodo posterior a 1989, de 1990 em diante, a crise evolui com sinais trocados, isto & evolui n€o para o seu aprofundamento mas para plasmar uma situago onde a imprevisibilidade cra menor. Talvez o exemplo maior para sustentar esta afirmacdo soja dada pelo contexto em gue o presidente Collor tem seu impedimento deciarado pelo Congresso. Neste momento ainda nao deixaram de se manifestar varios elementos da situagdo anterior, com uma exeegtio marcante: ainda que se possa falar em: uma “simultaneidade de crises (...) em contraste com 0 que sucedeu em outras ocasies, elas nfo se superpdem, no se enlagam, permanecem como qne insuladas”, 125 Quais sfo os fatores que, progressivamente, configuraram uma din&mica de nao aprofundamento e no potencializagio da crise? Dois, a nosso ver, se destacam. As fissuras e diferengas no interior das classes dominantes se reduzem, conformando uma hegemonia dos setores alinhados as posigdes que denominamos acima de “intemacionalistas”. E, na verdade, um proceso que, como ja assinalamos, tem inicio logo em seguida a0 fracasso do plano Cruzado. Prossegue ao longo dos trabalhos da Constituinte, ganha solidez com a polarizago de interesses e programas na cleigdo de 1989, e resolve-se a seu favor com o resultado obtido naquela eleigao. De outro lado, o nivel de atividade politica na sociedade comega a reduzir-se. As mobilizagdes pré-impeachment sto de certa forma pontuais, um episédio sem sequéncia, que no tém continuidade. E é importante caracteriza-las de maneira diferente daquelas registradas no periodo anterior. Aquelas continham uma forte componente social, eramn demarcadas por interesses em conflito, que opunham classes ou setores de classe entre si; estas cram de caréter policlassistas, como se 0 alvo imediato comum tomasse indistintos os conilitos anteriores. Para retornar uma firmula utilizada no inicio deste capitulo: 0 movimento globai da sociedade ja indicava uma nova dirego. Os dois anos que antecederam as eleigdes de 1994 consolidaram esta tendéncia. E mesmo que nesias eleigdes a candidatura de Lula tenha ostentado nos seis primeiros meses do ano a preferéncia em pesquisas de opiniti, isso se mostrou um fendmeno muito mais identificado com a meméria politica do que com o movimento real em curso. A introdugio da nova moeda, em julho de 1994, estabeleceu o corte final entre os dois periodos que analisamos. Por fim uma ultima observacdo: o cotejamento das duas citagdes — sobre 1989 ¢ sobre 1992 — nos permite ilustrar 0 cardter temporalmente delimitado da crise. Vale dizer: uma crise que no se prolongou indefinidamente, ainda que varios de seus elementos possam ter permanecido ainda irresolvidos. b) PT: da. crise nacional & crise do desenvolvimento. Conceitos utilizados ¢ cor th ‘A sego anterior nos fornece uma base para avaliar como 0 programa do PT, expressando o seu projeto de desenvolvimento para a sociedade brasileira, se dispde a interferir na condigdes sociais, politicas ¢ econdmicas que Ihe so antepostas, Daremos continuidade a andlise iniciada no capitulo 1, agora tendo como contraste o contexto politico do pais nos perfodos assinalados. 125 VELASCO E CRUZ, S. - op. cit., p. 181. 85 Buscaremos assim uma avaliagio das nogdes utilizadas em cada um dos momentos-chave para estruturar uma visio altemativa no que conceme ao desenvolvimento ¢ a0 Estado, & luz das observagdes sobre a evolucao da crise no pais. Incluiremos agui 0 registro sobre as vatiages de anilise sobre a questo internacional. ‘Terd lugar ainda uma discussio das repercussdes programiticas no seu conjunto, enfocadas pela relag2o entre desenvolvimento nacional ¢ poder politico. Em 1989, a nogao que organiza a proposta programatica do PT é a de que o pais vive uma crise nacional. Por esta idéia se designava sobretudo a profunda instabilidade politica e institucional, levando em conta, como pano de fundo, 0 esgotamento da fase de desenvolvimento. E possivel dizer que 0 Partido dos Trabalhadores, neste momento, concentrava sua atengo mais no potencial politico da crise do que na construgio de uma alternativa econémica de descavolyimento. Isto se evidencia na propria apresentagio do programa, sobretudo na maneira de articular poder politico © desenvolvimento, conforme procuramos demonstrar no capitulo anterior. Este potencial permitiria estruturar uma disputa politica até entio inédita no pats, com um bloco de forgas obviamente marginal ao exercicio do poder politico. © partido buscava se colocar, portanto, 4 frente de acontecimentos que poderiam gerar uma crise de poder. O objetivo era fazer evoluir a correlagto de forgas na sociedade a seu favor, explorando em cada conflito importante os elementos de organizagdo de formas alternativas de poder ¢ a desarticulagao das existentes. O exemplo mais ilustrativo deste comportamento é 0 tratamento dado & reforma agrétia. Longe de organiza-lo como um plano de ac3o govemamental ~ 0s pontos elencados neste sentido siio bastante 86 simplificados ~ 0 que importava era a desestruturagio do poder reunido pelo setor latifundiario, ¢ simultaneamente, o fortalecimento de um poder altemativo. A idéia programatica central que correspondia crise nacional era a de que a conguista do governo abria um processo de luta pelo poder. Os conflitos em andamento ¢ aqueles que seriam dinamizados por um governo com este carter, conduziriam a um processo de polarizagdio crescente entre interesses sociais opostos ¢ entre exerefcios de democracia opostos, antagonizando classes ¢ setores sociais. Este enfoque condicionava todas as demais abordagens do programa. Entende-se, assim, a insuficiéncia da abordagem do tema do desenvolvimento nacional, que nlio chegou a receber um tratamento mais concreto (incluindo, naturalmente, a questo mais do que imediata da inflacio ou de uma concepgo alternativa de estabilizacio). ‘Vimos que em 1994 a situagZo do pais era outra, quando comparada com a experimentada em 1989. Ocorreu uma forte alteragdo em desfavor de projetos nacionais como 0 defendido pelo PT. A partir de um consenso econémico no ambito das classes proprietarias, iniciado em seguida ao fracasso do plano Cruzado, estas passam a construir um consenso em torno @ chamada reforma do Estado {resgatando acimulos anteriores, como a forte campanha contra o Estado interventor da segunda metade dos anos 70). Todo esse processo nacional de constituiglio de novos rumos correspondia, com um atraso de quase uma década, ao movimento predominante no plano internacional. Mas, nenhum destes consensos foi conquistado, em termos de hegemonia social, sendo depois de 1990, ou seja, sé 0 foram com o decisive impulse fornecido pelo resultado da disputa politica de 1989. A partir de 1990, ainda que com percalgos, este processo ganha velocidade. 87 Como se altera a apreciagiio do Partido dos ‘Trabalhadores face a esta nova tealidade? ‘Vimos no capitulo 1 que a elaboragao do projeto de desenvolvimento nacional do PT manteve uma linha de continuidade entre 1989 © 1994, porém com alguns registros diferentes: a nogdo central que organizava o programa em 1994 é a de crise do desenvolvimento, os prazos para a implementagao das transformagdes propostas pelo projeto de desenvolvimento nacional ¢ de poder se atongaram; o enfoque geral, para se petisar 0s agentes ¢ sujeitos das transformagdes propostas, passara a ser mais estatal (¢ menos social). A inversao de planos, em relagio a 1989, assumindo o lugar de destaque a tematica da crise do desenvolvimento, parece revelar a forma como o PT absorveu a forte alteragdo na correlagho de forgas na sociedade e 0 impacto des novos consensos em adiantado estado de conformagao. A situago descrita como crise nacional, que caracterizava o ano de 1989, nao correspondia mais a situagdo vigente cinco anos depois. As tarefas programiticas dai decorrentes, centradas nas transformagies do Estado, pareciam menos factiveis naquele novo momento, Mas a inversio de enfoque tlo pouco resolvia o problema geral de como abordar A nova situagdo. O que se ressaltava como mais evidente no novo panorama brasileiro, a crise do desenvolvimento, a esta altura ja fazia referéncia a valores e conceitos em fase de superagdo. O curso econdmico, j4 francamente internacionatizado © sob a inspiragao do modelo neoliberal, apagava a meméria do desenvolvimentismo, E, naturalmente, tomava também pouco factivel uma modalidade de desenvolvimento nacional em nitida 88 oposigiio aos novos parametros que crescentemente dirigiam a marcha da economia brasileira. E claro na elaborapo de 1994 que o PT conferia grande importancia 3s consequéncias do avango do neoliberalismo no pais. No entanto considerava que este caminho nao possuia capacidade de estruturar a economia e a sociedade brasifeira. Era ‘um “nao projeto", A isso confrontava o seu projeto, apresentado como uma opgdo de racionalidade. J4 haviamos salientado, no capitulo i a prevaléncia de um tom economicista no programa em 1994, Também face ao plano internacional operou-se uma mudanga importante. O projeto passou a ver as relagdes do pais com o exterior de modo menos conflitive e com mais espaco para se desenvolver uma insergio “soberana”. A mudanga de conceitos ~ de “imperialismo” a “‘hegemonismo” — para caracterizar o ambiente intemacional foi mais do que uma escolha semantica, Aqui sio necessirias trés observagées sobre a questo, Primeira: esta alteragdo conceitual tem muito a ver com a situago conjuntural econdmica, especificamente com o problema da divida externa, Refinanciada, mostrava um quadro em que, a0 menos naquele momento, o problema parecia administrado ¢ contornado. A resposta programatica neste ponto, como vimos, trazia uma expectativa de negociagdes externas favoriveis sob um novo governo. Mas muito provavelmente, como analisamos no capitulo anterior, a questo poderia se encaminhar para a rtomada da posig&o expressa no programa de 1989, qual seja, a de um conflito incontornavel ¢ a consequente suspensto dos pagamentos. 89 Segunda: as expectativas mais favoraveis em relagdo ao mercado intemacionai tinham a ver também com a avaliagdo ~ ou melhor, com o choque de avaliagdes — no interior do PT no que tange as grandes modificagdes no capitalismo internacional. A modernizagao foi reconhecida por um setor partidétio como inevitavel ~ inexorabilidade atribuida ao chamado imperative tecnolégico — ¢ que se tratava de participar dela mas de forma diferente da que o pais vinha fazendo, Este debate ocorreu no 1° Congresso do Partido dos Trabalhadores. E, embora esta tese tenha sido derrotada, permaneceu influente.126 Terceira: ao contrario de um ambiente mais favordvel & inserg%io soberana 0 que estava emt curso, com amplas repercussdes internas ¢ com o realinhamento dos setores dirigentes da economia ¢ do Estado no Brasil, indicava uma projec mais conflitiva para qualquer projeto de desenvolvimento nacional, em particular 0 defendido pelo PT. Estavamos face a um quadro institucional e econémico muito mais fechado do que na década anterior.127 Parece razodvel supor que ao centrar sua abordagem na crise do desenvolvimento 0 PT subestimava os efeitos cumulativos dos processos que se seguiram ao plano Cruzado, & Constituinte ¢ ao resultado das eleigdes de 1989. A manntenciio dos termos basicos do seu projeto de desenvolvimento nacional e de poder transportava o partido para um terreno adverso, onde a disputa seria necessariamente mais prolongada, mais incerta, para dizer 0 minimo, na qual a condi¢ao de perdedor 126 ‘Teges apresentadas ao 1° Congresso do PT, Sao Paulo, Secretaria de Organizagiio Nacional, 1997. 127 Cf HUSSON, M. - Les trois dimensions du néo-impérialisme. in Actuel Marx, Paris: PU, n° 18, 1995. 90 Poderia lhe ser imposta ao menos provisoriamente. Pela primeira vez, seu Posicionamento nae correspondia as tend&ncias mais fortes que iam conformando um novo movimento global na sociedade. Importante notar, em contraste, que nfo ha uma efetiva revisio ou uma substituigao global do programa. Este ¢ um fato, alls, que também deve chamar a atengdo 20 lado das alteragées no corpo do programa, reforgando, ao nosso entender, as notas introdut6rias deste capitulo em que apontamos a insuficiéncia de andlises monocausais ¢ lineares sobre o PT. E possivel dizer que 0 projeto do PT, em 1994, ainda que menos radical que 0 de 1989, estava mais em contradigao com a época, com 0 context nacional ¢ internacional. Mas se nao estamos frente a um novo projeto de desenvolvimento nacional, estamos frente a modificagdes substanciais nos termos ¢ na dinémica que redefinem o segundo projeto de desenvolvimento face ao primeiro. Assim, a visio programética ~ articulada pela nogio de crise do desenvolvimento — implicou alteragbes na forma de ver os grandes conflitos da sociedade e sua superacio. E isto ocorre especialmente em dois aspectos. Em primeiro lugar, a ago politica adquire um carter mais estatal. As prineipais transformagdes ~ em relagiio A distribuigdo da renda e da terra, por exemplo — adquirem uma tonalidade tecnicista e sio apresentadas mais como exigéncias prévias para se alcangar um novo projeto de desenvolvimento, antes que como resultados de grandes conflitos sociais, cujos desdobramentos implicariam em nova conformagio da estrutura de poder. A propria estrutura de poder passa a ser vista de forma dependente dos objetivos econdmicos propostos. 91 Em segundo lugar, a temporalidade dos processos ¢ alongada. Eles tomam a forma de processos conffitivos administrados, coordenados pelo Estado. Obviamente, pressupunham a existéncia de interesses comms nacionais que cortavam transversalmente os varios setores sociais, cabendo ao Estado recolhé-los, pactuar em condigbes mais favordveis aos setores © camadas populares, ¢ estabelecer ritmos de transformagdes subordinados a uma racionalidade preestabelecida pelo projeto de desenvolvimento nacional. 92 Capitulo 3 Para onde vai o desenvolvimento? Neste capitufo tragaremos relagdes entre a claboracdo do PT © algumas roferéncias tedricas que abordam a problematica do desenvolvimento atrasado. Isto sera feito a0 examinar determinados temas que permeiam o debate mais amplo sobre 0 desenvolvimento. Os temas que escothemos para realizar esta abordagem recolhem um conjunto de aspectos que examinamos ao longo dos dois primeiros capitulos. Focalizam um ponto de partida geral, que certamente divide Aguas ¢ define abordagens: qual o diagnéstico que permite apresentar 0 desenvolvimento como uma saida nacional? De qual desenvolvimento se trata? Como alcanga-lo, ou seja, qual programa estratégico para superar_o “subdesenvolvimento”, algumas vezes caracterizado como simples “atraso”, um estigio em uma sucessio linear de formas sécio-econémicas? De outro lado, como compreender os nexos entre o desenvolvimento ¢ o poder politico? Na medida em que o desenvolvimento nacional passa a ser visto como um processo que altera a estrutura econdmica ¢ social ¢ como objeto de disputa entre as classes sociais, sua construgdo e sua dirego relacionam-se, naturalmente, com © Estado. Este ponto de chegada igualmente define correntes interpretativas © sas perspectivas, A partir destes dois angulos estaremos discutindo, portanto, os sentidos histéricos do desenvolvimento. 8 AS questOes acima propostas sero trabalhadas tendo como referencia as trés abordagens teéricas que, conforme argumentamos na Introducio desta dissertagio, parecem estabelecer influéncia sobre a elaboragio do projeto de desenvolvimento nacional do PT. Sto elas: * 0 estruturalismo, ou seja, o pensamento organizado pelos autores que se vincularam © que reclamam a tradigao da Comissio Econémica para a América Latina (CEPAL), Mesmo considerando que tal pensamento nao responde “oficialmente” a todas as questdes formuladas, é possivel detectar, recorrendo a contribuigdes expressivas que estudam sob varios angulos o conjunto da obra da CEPAL, formulagdes que dizem respeito aos temas selecionados; * a escola da dependéncia, entendendo por esta denominacao um conjunto variado de estudos criticos ao estruturalismo da CEPAL, surgidos a partir dos anos 60 em um momento de crise do desenvolvimento (¢ do desenvolvimentismo). Estes estudos pem em questio o “otimismo” desenvolvimentista ¢ seu determinisino marcadamente econdmico, Pretendem inserir a nocio do conflito social e politico. A incluso da referéncia & escola da dependéncia nfo desconhece a diversificagio de rumos ¢ de bases analiticas que permeia este campo de elaborago teérica, o que deverd aparecer a medida em que forem tratadas suas contribuigdes; + © pensamento marxista especificamente voltado para a anilise da temitica do subdesenvolvimento, sob o Angulo — ja antecipando sua 94 abordagom — que focaliza o cardter “desigual e combinado” do desenvolvimento capitalista na periferia do sistema. Este enfoque, como sabemos, € anterior ao surgimento das duas correntes anteriores ¢ tem sua origem no inicio deste século, tendo como pano de fundo a expansiio das relagSes capitalistas de produgio a partir das economias capitalistas mais desenvolvidas. Esta abordagem se constréi explicitamente em oposi¢ao a0 evolucionismo que caracteriza 0 pensamento socialista predominante neste periodo.!28 Nao é a unica abordagem marxista do problema do atraso econémico, nacional e de regides, mas tanto pelos limites desta dissertayio como por uma escola — tendo em vista nosso objeto central de estudo ~ nos deteremos especialmente nesta contribuigao, sem, naturalmente, pretender transforma-la na “‘imica” contribuigdo expressiva das correntes marxistas a esta tematica, Buscando destacar a contribuigéo de cada uma das trés correntes, acentuamos 0 que pretendemos: 0 sentido histérico do desenvolvimento na contribuiggo de cada vertente, naquilo que concerne 4s questes pontuadas no inicio deste capitulo. Em seguida, retomaremos uma avaliag8o de conjunto da(s) formulagdo (¢des) do projeto de desenvolvimento nacional ¢ de poder politico do Partido dos Trabalhadores. Esta é a forma em que esté organizada a exposigiio deste capituio, Ao empreender este esforgo de reconstituir um pano de fundo teérico ~ a partir de formulagdes sobre uma temdtica comum, mas que aparecem em distintos momentos 128 Cf LOWY, M. - La théorie du development inégal et combiné. In Actuel Marx, Paris: PUF, n° 18, 1995, 95 historicos, e que podem ser vistas também sob o angulo da descontinuidade — ¢ seu contraponto com uma experiéncia politica recente em tomo & mesma temiética, nao podemos desconhecer que estamos nos defrontande com planos tedricos, além de histértcos, diferentes. Ainda que possa parecer dbvio, e repetitivo, é importante observar que a experiéncia programatica do Partido dos Trabalhadores, ao final dos 80 ¢ inicio dos 90, & resultado de um conjunto de influéncias te6ricas, condicionantes histéricos ¢ agdes conscientes, © que permite defini-lo como sujeito politico que atua sob determinadas condigées histéricas. Fruto de uma experiéncia histérica determinada, no é, no entanto, uma historia escrita om papel virgem. Nao estamos frente a uma folha em branco que comegou a ser preenchida em 1989, data da primeira formulagao programatica mais acabada do projeto de desenvolvimento nacional do Partido dos ‘Trabalhadores, A originalidade desta experiéncia refere-se aos interesses sociais que procurou representar © colocar sob sua perspectiva, & uma particular relaglo com a historia do pensamento latino-americano e socialista, buscando superar formulagdes problematicas que tiveram muito peso na regitio (em particular aquelas formulagdes de tipo nacionalista, populista ou etapista)!29, ¢ isso em um momento histérico em que os ventos sopravam em outra dires&o. Por isso mesmo guarda relagSes com um background de outras experiéncias, certamente mais mareantes do ponto de vista 129 Esta contribuigao fica ainda mais realgada quando vemos a soguinte situagdo: “Trés particularidades do protetariado latino-americano devem ser colocadas em evidéncia: sua diferenciagéo sécio-econémica bastanta mais profinda que aquela do proletariado dos paises ‘imperialistas; a dificuldade que encontra em se orgenizar massivamente e de maneia unificada, sindicalmente ¢ mais sinda politicamente; a dificuldade que encontra para se emancipar politicamente da tutela ideologica pequeno-burguesa, populista-nacionalista, ou seja, a dificulta que enicontra para combater como uma forga poiitica auténoma (...)", in MANDEL, B. - Classes sociales et erise en Amérique Latine, Paris, Critiques de Yéconomie politique, n° 16-17, setermbro, 1974, p. 21, (tradugdio nossa). 96 histérico, Do mesmo modo que se pode dizer que o PT nao fundou uma nova via de construgao partidaria!S®, embora tenha trazide contribuigdes originais a esta questo, com mais razio ainda ¢ possivel dizer o mesmo no que tange ao programa.!31 De outro iado, a forca das influéncias tedricas que estamos destacando nfo pode ser superestimada, Todas as correntes de pensamento a que nos referimos aqui sofreram crises de continuidade, o que s¢ deve a muitos fatores: histéricos, politicos, e tedricos propriamente ditos (cuja andlise, naturalmente, esta muito além dos limites desta dissertagao), Mas talvez seja conveniente assinalar, ao menos pontualmente, estes momentos de corte no desenvolvimento tedrico destas correntes. Isto deixaré mais claro 0 cariter relativo do contraponto que realizaremos. Além disso, contribui para completar a observagiio mais gerat que fizemos na Introdugao, a respeito do vazio tedrico referente ao tema do desenvolvimento que encontramos ao longo dos anos 80. Do mesmo modo, complementa as notas sobre este aspecto assinaladas no Capitulo 2, quando nos referimos especificamente ao debate brasileiro. estruturalismo da CEPAL sofre sua grande descontinuidade em meados dos anos 60, com a crise das experiéncias desenvolvimentistas na América Latina e com as derrotas politicas dos regimes que correspondiam a esta formulag2o.!32 © final des anos 80 assistiria ao esforgo de retomar esta matriz tedrica, agora sob a denominago de 130 Sobre este aspecto remetems a andlise de GUIMARARES, J. - op. cit. 131 EM TEMPO - 0 PT ¢ 0 partido revolucionario no Brasil. Perspectiva Internacional, n.° 8/9, Sao Paulo: Editora Aparte, 1984. 332 Q caso do Brasil ¢ o de seu principal tedrico estruturalista, Celso Furtado, so exemplares para ilustrar esta afirmagdo. E nitida a inflexio de sua obra a partir da metade des anos 60 bem como o impacto do exilio apés 1964, com a derrubada do goveio do qual foi Ministro do Planejamento, A isto se seguiu a crise reestrituradora dos anos 60, para em seguida retomar um 7 “neoestruturalismo”. 133 A continuidade, se é que é disso que se trata, nfo reencontra as condigées politicas, sociais ¢ econémicas — no plano nacional ¢ internacional — que propiciaram 0 auge do esiruturalismo cepalino. Os novos temas deste prosseguimento esto a meio caminho da agenda do ajuste ¢ aqueles que caracterizaram a abordagem cepalina. De todo modo, de se registrar o abandono ds andlise da desiguatdade da distribuigic do progresso entre os paises e regides, passando a assimilar come pressupostos varios elementos que antes eram criticados.!34 EB exatamente naquele momento de crise do estruturalismo, em meados dos anos 60, que surgem as abordagens da dependéncia. Ainda que rapidamente tenham expandido sua influéneia aos varios campos das ciéncias sociais!35, sua durabilidade € muito menor que o estruturalismo. Conhece seus limites, junto com a extrema diversificagaio de seus “ramos”, ao longo dos anos 70.136 A historia € bem diferente quando nos referimos a corrente de pensamento marxista articulada em tomo a “lei do desenvolvimento desigual ¢ combinado”. Esta elaboragio tem inicio com os debates no campo socialista a respeito do cariter da certo desenvolvimentismo sem estrturalismo. BIELSCHOWSKY, R. - op. cit; RODRIGUEZ, O.- op. cit 133 Do qual uma apresentacao bastante significativa esté em SUNKEL, O. (compilador) - Ei desarrollo desde dentro. Un enfoque neoestruturalista para la América latina, México: Fundo de Cultura Econémica, Lectures de El Trimestre Econémico, n.° 71, 1991, 134 Exemplar neste sentido € 0 artigo de BITTAR, $. - Neoliberalismo versus -neoestructuralismo en América Latina, Revista de la Cepal, n.° 34. Duas criticas interessantes estio em KAY, C, - op. cit. e GROSFOGUEL, R. - From Cepalisme to Neoliberalism. Review, XIX, spring 1996. 135 HETTNE, B, - Development theory and the three worlds, Essex: Longman Scientific & ‘Technical, 1992, capitulo 3, 136 COUTROT, T. - Um balango da teoria da dependéncia, So Paulo, Novos Estudos Cebrap n° 29, margo de 1991. Aqui também é necessério identificar o efeito das derrotas politicas ¢ da dispersdo causada peia onda ditatorial e repressiva desencadeada na América latina a partir do 98 revolugdo nos paises atrasados, especialmente na Russia. A luz das experiéncias e analises que decorrem em um periodo que vai até o inicio da década de 30, ela constrdi uma interpretagdo particular dos problemas do atraso do capitalismo em um contexto intemacional de expanstio deste sistema, Conhece sua grande descontinuidade a partir da década de 30, Estudos sob esta influéncia sio retomados na década de 60,137 Como procuraremos ver no exame das questdes que se seguem as descontinuidades tedricas nas correntes que tomamos como referéneia no apagaram a histéria e as suas contribuigdes. Mas, em contrapartida, fizeram sentir seus limites nas experiéneias recentes, como a do Partide dos Trabalhadores. a} Estruturalismo Como se sabe a CEPAL procurou organizar um diagnéstico das razdes do atraso na constituigdo econdmica dos paises da América Latina como uma terceira via tedrica, alternativa 4s concepgSes classicas ¢, sobretudo, neoclissicas da teoria econdmica também as concepgées de matriz marxista.138 golpe de Pinochet no Chile, em 1973. © Chile era, por exceléncia, um centro irradiador das teses dependentistas, 137 LOWY, M. - La théorie du devetopment inégal et combiné. In Actuel Marx, Paris: PUF, 1." 18, 1995. A retomada mais expressiva destes estudos esti nos trabalhos de Emest Mandel, desde 0 seu Tratado de Economia Marxista (México: Ediciones Era, 3* ed., 1972), Mais que qualquer outra cortente, sua descontinuidade softe 0 efeito combinado da repressio do Estado soviético sob o estalinismo, a partir de meados dos anos 20, ¢ dos Estados capitalistas. 138 MORAES, R. C. C. - op. cit. Ver também a andlise Francisco de Oliveira sobre 0 carter ideolégico da obra de Ceiso Furtado, in OLIVEIRA, F. (org.) - Celso Furtado. Sao Paulo: Atica, 1983. 99 Suas anélises do “subdesenvolvimento”, a partir dos esquemas conhecidos como centro-periferia™9, constatavam que 0 atraso econémico era uma condigao da periferia. Entre os varios aspectos assinalados nestes esquemas, esté a andtise da introdugdo & difsio de uma forma assimétrica ~ devido a condigao particular ocupaca no comércio internacional ¢ 20 processo histérico de constituigdo das economias nacionais periféricas ~ do progresso téenico gerado no centro. E a decorrente heterogencidade do tecido social e econémico que apresentava desniveis acentuados de produtividade em seus espagos € setores, desenvolvendo formas permanentes de dualismo econémico e social. 140 A partir de uma andlise basicamente econdmica, mas no deixando de incluir elementos da formagio histérica da economia e dos paises da regio latino-americana, a CEPAL procurava definir a especificidade do subdesenvolvimento.!41 Subjacente a esta especificidade esté a idéia fundamental da superagao do atraso através de politicas de desenvolvimento induzidas a partir de fora do mecanismo econémico, isto é, através do planejamento estatal. Mas se a superagiio do subdesenvolvimento no era um processo espontaneo, portanto nio repetiria o curso das economias capitalistas desenvolvidas!#?, a visio de destino das economias subdesenvolvidas era o capitalismo. O desenvolvimento de que 139 RODRIGUEZ, 0. - op. cit. cap. 1; MORAES, R. C. C. - op. cit, pp. IIE a 118; BIELSCHOWSKY, R. - op. cit,, pp. 15 2 18. 440 OLIVEIRA, F. - A economia brasileira: critica a razdo dualista. Petropolis, RJ: Vozes, 6* e4,, 1988, especialmente pp. 9 a 13. 141 CARDOSO DE MELLO, J. M. - 0 capitalismo tardio, Sio Paulo, Brasiliense, 1982, pp. 13 at, 142 Superando deste ponte de vista, por exemplo, as concepgdes marxistas de caréter determinista. 106 se tata é o desenvolvimento Capitalista, visto como um Processo para a constituicio plena deste sistema nos paises da regido. Esta a tarefa a que se dedicou 2 CEPAL143 Ainda que os mecanismos “classicos” nao se Tepetissem, o objetivo era muito claro Repetidas vezes a CEPAL em seus documentos esclarece 0 carter © 0 conteudo da utilizagio de ‘nstrunentos niio-mercantis para perseguir objetivos mezcantis “Estreitamente vinculada ts contribuigdes de teoria, existe ainda uma ampia argumentagio de politica econémica sobre a planificagio € o papel do Estado, A primeira nao ¢ vista como um substituto do mercado, mas sim como um meio para dar eficécia 2 sua operagdo. Ela é vista como um equisito para eanalizar otdenadamente as mudangas estruturais que a industralizacio e o desenvolvimento trazem consigo, e portanto, pata evitar © desajustamentos incoeréncias que acompankam essa transformagao, quando ela se realiza de uma maneira espontinea,"144 Ou seja, a utlizago do planejamento e o preponderante papel econdmnico ‘ribuido a0 Estado objetivavam exatamente a constituigo do mercado e de relagdes Upicas deste sistema econémico em economias que conservavam estruturas atrasadas ¢ sujo desenvolvimento “natural” no as conduzia neste rumo, Mesmo quando trata da relago com o capital extemo esta perspectiva geral ¢ mantida Vale dizer, busca-se uma cooperagao com este para atingir 0 objetivo Proposto, © que implicaria em formas variadas de regulamentagio © de controle, mas no a sua exclustio.145 Nos estudos da CEPAL nao ha exatamente um modelo de capitalismo tomado como base. Talvez se pudesse falar em certas caracteristicas de um modelo inacabado: 183 MORAES, R.C. C.- op. cit. M4 RODRIGUEZ, O, - op. cit, p. 260. 101 um espago econdmico mais homogéneo, um Estado regulador ao estilo keynesiano, e, sobretudo, um capitalismo de bases nacionais. De todo modo, a perspectiva a saida do subdesenvolvimento através de um desenvolvimento capitalista induzido pelo Estado. O programta para atingir este objetivo, a industrializagao € a constituigdo de um mercado interior, dinarizaria um conjunto de elementos constitutivos do projeto em questio.!49 Trata-se de um “Go vinculos do pensamento em questo com os pontos de vista ¢ interesses de projeto sécio-politico, através do qual se tomam visiveis os determinados grupos ¢ classes sociais, revelando sen cardter ideoldgico. Sobressai em primeiro lugar o papel atribufdo 4 burguesia industrial nacional. A ela cabe liderar © afiangamento de relagdes de tipo capitalista (.) Assim pois, © projeto sécio-politico implicito no pensamento da CEPAL nio sé aparece como compativel, mas também como convergente com os interesses do grupo mencionado, E de se obscrvar, no entanto, que mesmo quando defende e privilegia tais interesses, esse projeto — e com ele o pensamento que o contém — possai também um cunho policlassista.”47 Ao invés de atribuir a construgao deste projeto & burguesia nacional, o agente condutor, por exceléncia, é 0 Estado. Naturalmente, modificado no sentido de se dotar de uma racionatidade pensada acima dos conflitos sociais € dos interesses imediatos da propria classe beneficifria. O Estado é concebido, partanto, “como uma entidade externa ao sistema sécio-econémico, capaz de apreendé-lo de uma forma consciente ¢ de atuar sobre ele, imprimindo-lhe 145 Idem, p. 258. 146 Ver a este respeito a importincia que Celso Furtado dé ao mercado interno para a unificagao das regides do pais e para a construgao de uma identidade e autonomia nacionais, In construgio intesrompida, Rio de Janeiro, 2* ed., Paz e Terra, 1992, 162 uma racionalidade que, por si s6, ele nao possui e conduzindo-o a resultados que, de outra maneira, seria impossivel atingir.”!48 E uma condi¢2o essencial para isso € que a condugiio da politica de desenvolvimento, ¢ portanto da tarefa fundamental do Estado, seja ievada a efeito por uma elite tecnicamente preparada para isso.!49 Esta é a transformag&o basica proposta para o Estado.!50 b) Escola da dependéncia Ainda que varie muito em suas interpretagdes, 6 uma caracteristica comum aos trabalhos da escola da dependéncia a incorporagdo explicite no diagnéstico do “subdesenvolvimento”, ou da dependéncia, da dimensio politica e social interna ~ vale dizer, os esforgos em localizar internamente as classes ¢ setores sociais que se associam, através de uma correspondéncia de interesses, as classes (aos Estados) dominantes no plano internacional, Assim, a0 lado de ser um fenémeno produzide pela expansio intemacional do capitalismo, a dependéncia néo poderia ser compreendida sem uma andlise da sociedade e das formas especificas de dominagio de classe no seu interior. 15! Uma contribuigéo desta corrente foi a andlise do desenvolvimento associado para 147 RODRIGUEZ, O. - op. cit., p. 264. 148 Tdem, p, 265. 149 Conforme definigdo de Celso Furtado, in MORAES, R. C. C. - op. oit., p. 208. 150 Neste ponto de vista o tema da democratizagiio do Estado no s6 6 marginal como nio & mesmo um objetivo. Cf, MORAES, R. C. C. - op. cit, p. 207. 151 ainda que este propésito seja formuiado por Cardoso e Falletto (in CARDOSO, F. H. € FALETTO, E - Dependencia y desarrolio en América Latina, México, 15* ed., Siglo XXI, 1979) a auséneia de uma elaboragdo de andlises concretas, para além do conceito gentrico de dependéncia, é uma das eritices mais importantes a esta escola, Cf. WEFFORT, F. C. - Dependéncia: Teoria de Classes ou Ideologia Nacional’, in WEFFORT, F. C. - 0 popalismo na politica brasileira, Rio de Janciro, Paz e Terra, 4° ed., 1980. 103 caracterizar processos de crescimento econdmico posteriores as crises da década de 60, em particular, no Brasil, fortemente impulsionados pela “triplice alianga” entre o capital internacional, o capital nacional e o Estado. 152 Apesar deste traco distintivo, nem todas as elaboragdes em toro da chamada escola da dependéncia formulam uma andlise das razées econdmicas do subdesenvolvimento. Em alguns casos taivex se pudesse dizer que ha um acoplamento de uma anélise social ¢ politica aos esquemas desenvolvidas pela CEPAL.!53 Deste modo seguiriam a estrutura bisica do diagnéstico econémico da CEPAL, mas incorporanda andlises do Estado ¢ da desigualdade na apropriagio social do processa de desenvolvimento. Hi, no entanto, obras significativas dentre as que compdem o campo das teorias da dependéncia, que procuram analisar. a constituigo —histérica_- do “subdesenvolvimento” como um processo especificamente capitalista,!54 Algumas destas obras que se filiam 4 escola da dependéncia, ao criticar a concepgao dualista da CEPAL,155 passam a avaliar as relagdes sociais ~ que ao nivel da produgio podem ser 582 Cf. CARDOSO, F. H. ¢ FALETTO, E - op. cit; também SERRA, J, e TAVARES, M. C. Més alia del estancamiento. Une discussién sobre el estilo de desarrollo reciente en Brasil, in SERRA, J. (org.) - Desarrollo latinoamericano - Ensayos criticos, México, Fondo de Cultura Econdmica, Lecturas n° 6 de E} Trimestre Econémico, 1983. 153 CARDOSO DE MELLO, J. M. - op. cit., pp. 24 a 27. Nas notas introdutérias de seu livro, Jouo Manoel considera que a versio apresentada por Cardoso e Falletto nao jeva s ultimas consequéncias a critica 4 CEPAL pois acaba incorporando sua estrutura de andlise econémica e hist6rica, embore sobrepondo a esta andlises do Estado e das classes. A critica a Gunder Frank é mais cortante; tratar-sc-ia de uma “mera reprodugao radicalizada da problemitica cepalina” (p. 24). 134 Of FRANK, A. G. - Acumulagio dependente e subdesenvolvimento. Sao Paulo: Brasiliense, 1980 155 E também a cancepgo de transformag’o por etapas projongadas, defendida com vigor pelos Partidos Comunistas na América Latina: esta via no “atraso” os sinais de existéncia de 104 caracterizadas como pré-capitalistas, mas subordinadas ao modo de produg%o capitalista — como relagdes capitalistas, tendo em vista a sua insezgo € a destinagao de seu produto ao mercado internacional.'56 Ha ainda outro aspecto comum a esta forma de enfocar o problema do subdesenvolvimento que ¢ a tentative de criar uma “ponte” com as andlises marxistas do imperialismo,157 Nao existe um ponto de vista comum a esta escola sobre a via de superagio da dependéncia. Para alguns'58 trata-se de superar o capitalismo, que nfo produziria seniio (¢ no maximo} o “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, formula que expressa a impossibilidade de superar a condigo da dependéncia nos marcos do capitalismo. Nao haveria portanto uma via especifica, mesmo que de transigio 20 socialismo, para estes paises, que se integrariam no mesmo horizonte de possibilidades dos paises mais desenvolvidos relagdes feudais ou semi-feudais e a necessidade de apoiar a burguesia nacional e uma revolugéo burguesa. 156 Ao contrario da critica simplificada de Jouio Manoel (referida na nota n.° 24, acima), a interpretagio sobre 0 carter das relagbes socinis de produgao ¢ radicalmente diferente entre esta cotrente da dependéncia (Gunder Frank) e a CEPAL. Onde a CEPAL via relagdes arcaicas, esta corrente da escola da dependéncia via relagio capitalista. Isto também a diferencia de outras interpretagdes. Esta, alids, 6 a critica de Mandet aos trabathos de Gunder Frank, e um dos tragos que distingue esta corrente da escole da dependéncia daquela baseada no desenvolvimento desigual ¢ combinado. MANDEL, E. - op. cit, pp. 7 ¢ 8. Na expressio resumida de Lowy: “Os teéricos da dependéncia (notadamente Gunder Frank) se distinguem dos partidérios da concepgo do desenvolvimento desigual ¢ combinado pela afirmagiio do caréter exclusivamente capitalista das economias latino-americana, depois da colonizacdo - para estes trata-se sobretudo de um ‘amélgama’ entre relagdes de produgdo desiguais, sob a dominagio do capital. ” In LOWY, M. - op. cit. (tradugdo nossa). 157 Cf, CARDOSO, FE. H. - A dependéncia revisitada, in CARDOSO, F. H. - As idéias ¢ seu lugar: enseios sobre as teorias do desenvolvimento, Petrépolis, RJ: Vozes, 1993, p. 102, 158 Representado principalmente nos trabalhos de Gunder Frank. 105 Outras contribuigdes'S? tratam de maneira ambigua este problema. Por um lado o desenvolvimento associado aparece como uma via possivel de alteragdes significativas na sociedade & na economia dos paises dependentes, conservando porém esta condigao. De outto, acentua-se 0 conflito politico ¢ seus resultados como a chave para definir o futuro destas sociedades e a possibilidade de reversto da situagdo de dependéncia. Estas duas versdes que tomamos como mais significativas da escola da dependéncia no chegam a estruturar um programa para a superagie do subdesenvolvimento ou da dependéncia, Ou seja, ou o “programa” aparece em uma formula genériea (¢ doutrindria) — um programa socialista — ou simplesmente nao aparece. ©) Interpretagdo do desenvolvimento desigual ¢ combinado Esta linha interpretativa organiza seu diagnéstico das regides periféricas a partir do proceso de constituigio do capitalismo como sistema universal. Encontrando regides ¢ paises submetidos a diversos modos de producto ou mesmo a estégios diferenciados dentro do modo de produgo capitalista, h4 uma submissio destes sem necessariamente destrui-tos. Ha, assim, nZio um dualismo mas uma combinagio de diferentes modos de produgiio ¢ estigios dentro do modo de produsiio capitalista, sob a predominincia do capitalismo. “A hipétese que funda esta teoria poderia ser formulada nos seguintes termos: com a constituiso do capitalismo como sistema mundial, ahistéria mundial passa a ser uma fotalidade concreta (contraditéria) ¢ as condigdes do desenvolvimento social ¢ econdmico conhecem uma mudanga 459 Especialmente CARDOSO, F. H. E FALLETTO, E. - ap. cit, 106 qualitative: ‘O capitalismo..prepara e, em certo sentido, realiza a universalidade © a permanéncia do desenvolvimento de diversas nagdes. Forcado a se colocar & reboque dos paises avangados, um pais atrasado nae se encaminha para a ordem de sucessdo...” As sociedades menos desenvolvidas tém a possibilidade, ou, mais que isso, sto obrigadas a adotar certas estigios avangados de produgio saltando etapas intermedidrias... *O desenvolvimento de uma ago historicamente atrasada_conduz, necessariamente, a uma combina original de diversas formas econdmicas. Q proceso no seu conjunto adquire um cardter irregular, complexo, combinado."160 Assim, 0 desenvolvimento do capitalismo nas regides periféricas ao mesmo tempo que avanca por saltos redefine ¢ incorpora, de forma subordinada, relagdes atrasadas de produgao, nao se homogeneiza,!61 Nesta abordagem, é claro que a superagiio do atraso & inconcebivel sem a superagao do capitalismo. Este processo, no entanto, é visto de maneira diferente da via diretamente socialista, como proposta a partir das andlises de alguns autores da dependéncia. Deveria combinar em um mesmo programa tarefas demooriticas, on seja, nao diretamente socialistas mas que nfo poderiam ser resolvidas pela burguesia dos paises atrasados — especialmente as questdes ligadas a propriedade da terra ¢ A aulonomia uacional, implicando na resolucao das contradig&es que afetam a maioria da 16 LOWY, M.- op. cit,, incluindo citagao de Trotsky em Histéria da revolugiio russe, capitulo 1. (Tradugo nossa), 161 MANDEL, E. - O capitalismo tardio, Sao Paulo: Abril Cultural, 1982, capitulo 1, E interessante, ainda, aqui registrar a seguinte observagao: “A tese cepalino-furtadiana da duolidade distingue-se da constatagio geral ¢ histérica do ‘desenvolvimento desigual ¢ combinado’ da tradi¢ao marxista (Lenin ¢ Trotski) precisamente porque para Furtado e a CEPAL o desenvolvimento é desigual ~ tanto pelas diferengas de grav fe ritmo de desenvolvimento quanto pelas diferengas qualitativas entre setores que se desconhecem entre si ~ mas ndo é combinado,” in OLIVEIRA, F. (org.) - Celso Furtado, Séo Paulo: Atica, 1983, p. 8. 107 nagio, dai também seu conteiido democratico ~ com tarefas socialistas, como a expropriagiio do grande capital Este programa de transigdo ao sovialismo coloca no centro de suas preocupacdes a transformagao do poder, A medida que, no seu conjunto, niio pode ser absorvido pelo desenvolvimento capitalista na periferia, geraria uma dindmica de “transcrescimento” do proceso politico e social que segmentaria interesses de classe, possibilitando a hegemonia do proletariado face ao conjunto da nagao. ‘A dimensfo internacional, que caracteriza este enfoque, tem importancia tanto como base para anilise da condigao perifférica como para servir de projegio para sua ultrapassagem. Ainda que 0 espago nacional seja privilegiado como ponto de partida da transformago social e como arena de disputa do Estado, o “subdesenvolvimento” s6 pode ser superade em escala supranacional. Para a periferia do capitalismo, a transigao a0 socialismo & um processo inconcluso enquanto nao se ligar a transformagdes, com este mesmo cardter, nos paises centrais. A saida da condi¢fo capitalista periférica nfo a passagem a uma etapa, ou situagdo, capitatista autnoma, nacional. d) Os trés “modelos” anteriores ¢ 0 projeto do PT A busca de contrapontos entre as trés abordagens ¢ as abordagens presentes no que caracterizamos como projeto de desenvolvimento nacional do PT tem como finalidade nfo s6 encontrar similitudes ¢ contrastes mas sobretudo verificar, & luz de interpretagdes que podem ser condensadas em “modelos” interpretativas, o sentido geral, histérico, do projeto do PT. 108 Estes modelos de andlise da desigualdade do capitalismo enquanto sistema universal permitem discutir aspectos estruturais de uma concepgao sobre 0 tema, quais sejam: um diagnéstico do “atraso” on subdesenvolvimento, ou seja, como avaliar a trajetéria, 0 passado e a constituigdo das sociedades periféricas bem como os chamados bloqueios no seu desenvolvimento; # idéia mesma do desenvolvimento e sua relaglo com o capitalismo enquanto sistema sécio-econémico que gera a condigdo do “atraso” histérico; por fim, o problema das alternativas (ou projetos) de superagdo da condigao subdesenvolvida, atrasada ou dominada, 0 que remote para a relagdo entre desenvolvimento ¢ poder. Assim a utilizagao dos modelos interpretativos referidos no item anterior, de forma a destacar componentes estruturais de andlise ¢ as respostas caracteristicas de cada uma destas abordagens, € um recurso legitimo, pensamos, pata analisar em profundidade o projeto do PT. De outro Jado, como procuramos evidenciar ao longo deste estudo, a escolha das trés bordagens — 0 desenvolvimentismo, 1 escola da dependéncia © a teoria do desenvolvimento desigual e combinado — responde a opgdes analiticas que, também pensamos, sto sustentaveis, As duas primeiras comentes tm presenga marcante na historia do pensamento social latino-americano ¢ especificamente na problematica do subdesenvolvimento. A terceira, ainda que com um peso minoritério nos debates socialistas sobre a periferia e os pafses dominados, tem ressonancia, ao menos em um momento de forma significativa, na elaborago do projeto do PT, sendo isto 0 que explica ter tomado este roferéncia ¢ nio outra ~ como poderia ter sido a corrente que considera como categoria bésica a economia-mundo ~ para explorar a variante que 109 considera a superagdo do subdesenvolvimento um processo simulténeo de superagao do capitatismo. ¢) Oprojeto de desenvolvimento nacional do PT Retomamos agora o projeto proposto pelo PT, considerando suas especificidades emi cada um dos momentos de elaboragaa (1989 ¢ 1994). De inicio podemos dizer que 0 diagnéstico dos problemas do desenvolvimento capitalista brasileiro tém sua Enfase central ~ talvez mais correto ainda dizer quase exciusiva — colocada nas suas contradigGes intemnas, Estas bloqueiam a constituigao de uma dinamica interna de desenvolvimento, de um mercado interior possante, através de mecanismos constrafdos historicamente para a manutengio da concentrago da propriedade ¢ da renda, De outro lado, o Estado, sob controle de interesses privados, perde sua condig&o ideal de impulsionador do desenvolvimento e de universalizagao dos beneficios deste. Esta forma de desenvolvimento é resultado de uma determinada dominagdo de classe, que deve ser revogada (em maior ou menor prazo, com maior ou menor radicatidade, segundo o momento da elaborago do projeto do PT). A subordinagio ao imperialismo (ou ao hegemonismo, também conforme o momento desta claboragio) aparece como um elemento que compde o diagnéstico, mas de nenhuma maneira como um determinante fundamental. ¥ importante assinalar que, para as trés correntes de pensamento que tomamos como referéncia, a organizag20 internacional do capitalismo ¢ sua dinamica sio um elemento definidor do cardter das sociedades atrasadas, subdesenvolvidas, dominadas ou dependentes. 110 Incomparavelmente mais do que em qualquer das trés grandes abordagens que resumimos nos itens anteriores 0 tema da subordinagdc internacional aparece de forma secundaria na andlise sustentada pelo projeto de desenvolvimento nacional do Partido dos Trabalhadores. Registramos que este comportamento analitico nfo é de ficil explicagdo, mas suas decorréncias sio perceptiveis em lacunas ¢ na evoluggo do projeto. Estas lacunas no impedem de formular, no projeto, perspectivas face ao contexto internacional, que variam qualitativamente entre os dois momentos de elaboragdo do projeto de desenvolvimento do PT. Mostramos no Capitulo 2, inclusive, que a avaliagio sobre 0 contexto internacional e seu poder restritivo sobre as opgdes de desenvolvimento do pais evolui de maneira contraditéria: guarda mais expectativas em 1994, justamente quando a ordem internacional é mais fechada ao tema do desenvolvimento nacional. ‘A via de superagio das contradigdes do capitalismo brasileiro através de um desenvolvimento de novo tipo apresenta uma perspectiva socialista, com variagdes nos seus prazos, ritmos e na sua dindmica, ou seja, sob processos qualitativamente diferentes. ‘Assim, em 1989, 0 proceso que se delineia aproxima-se visivelmente daquele propugnado pela corrente que organiza seu enfoque a partir da concepgao do desenvolvimento desigual e combinado. Uma volta a citagdo que estrutura o programa de 1989 deixa bastante claro a semelhanca quanto & dindmica e ao ritmo previstos para 0 processo: “A ofetivagio de medidas deste género - reformas de contetido antiimperialista, antilatifundidrio ¢ antimonopolista (CH) - mesmo que de cunho nao explicitamente socialista, choca-se com a estrutura do i capitalismo aqui existente ¢ somente poderao ser adotadas por um governo de forcas sociais e politicas em chogue com a ordem burguesa(...Jo governo democratico © popular € 0 inicio da transig%io ao socialismo so elos do mesmo processo.” Importante aqui notar dois aspectos: primeito, a idéia de que um programa de transformagées de cardter democritico radical no seu conjunto nao pode ser absorvido pela dominagtio burguesa; segundo, 0 carter ininterrupto do processo. Esta aproximagio com a nogo de transcrescimento programatico a partir de um conjunto de transformagdes democriticas, consideradas inassimiléveis pela estrutura capitaliste, ndo deve obscurecer diferengas com a visio programatica decorrente da interpretagtio baseada na “ici do desenvolvimento desigual ¢ combinado”, No visio de programa do PT nao constam medidas ¢ transformagées propriamente socialistas, E a sua dinamica gue, supde-se, levaria a este desdobramento, Em 1994 0 projeto articula de maneira diferente os prazos ¢ a evolugdo do processo para a constituictio de um desenvolvimento de novo tipo. Recorremos, para facilitar, também a uma citagio feita no Capitulo 1, que mostra como, neste momento, @ questo é colocada: “As propostas que apresentaré em seu Programa de governo-94 apontam para transformagdes de carter democritico ¢ antimonopolistas - antilatifundi as ¢ antiimperialistas - que se inserem em uma estratégia de longo prazo de constugo de uma alternativa ao capitatismo, uma revolugio democratica que mude radicalmente as bases do poder.” Cabe chamar a atengdo para os seguintes aspectos: nao ha propriamente uma alteragdo do contetdo programatico mas, de modo significative, nos seus prazos e na sua dinimica. A conquista do governo pelas forgas politicas que defendem este programa € a transicio ao socialismo nfo sfo vistos mais como “elos de um mesmo 12 proceso”, Sua ligagio se daria a “longo prazo”. Entre estes dois pontos imaginarios situa-se um periodo prolongado em que as bases do capitalismo seriam reorganizadas. © programa para esta reorganizagio é marcadamente dominado por um viés econdmico. Eo projeto econdmico que sobredetermina o conjunto das agdes programiticas e condiciona a evolugao do conflito politico e social. Deste ponto de vista é possivel considerar uma aproximagio relativa com o programa estruturalista, Difere, naturalmente, quanto 4 perspectiva ou destino do projeto. Mas no que se refere 4 légica que domina o programa, para o longo periodo entre a conguista do governo ¢ a transi¢&io a0 socialismo, as semelhangas sao importantes. Mas os meios que para o enfoque estruturalista — cujo ponto de chegada é 0 capitalismo desenvoivido — so coerentes, para um enfoque que tem outra finalidade, alias antagénica, passam a se constituir em questionamento do seu proprio objetivo. ‘A questtio que decorre dai é ébvia: 0 projeto de desenvolvimento nacional proposto pelo PT em 1994 carrega uma contradigio fundamental nos seus termos constitutivos, o que reforga ainda mais a aproximagio com as teses esiruturalistes que assinalamos acima, Projetos sécio-politicos sob uma mesma perspectiva estratégica formal, socialista, mas com uma organizagio ¢ qualificacio distintas dos seus elementos constitativos e da sua dindmica, implicam, necessariamente, decorréncias diversas face ac tema decisivo do Estado. Quando este projeto se estrutura sob a dindmica do conflito politico, o Estado passa a ser a confluéncia do conjunto dos conffitos parciais originados em cada vertente do programa, Supte-se ainda, nesse caso, que 0 sujeito fundamental deste processo no 113 & propriamente 0 Estado ou o governo sob a hegemonia das forcas politicas que sustentam este programa, mas sim as classes ¢ os setores sociais interessados na sua concretizagao., A perspectiva face ao Estado se altera quando a dindmica & centrada na busca da reorganizagiio do capitalismo brasileiro, ainda que a longo prazo se preveja sua superago, Nesta dtica o Estado, ainda que “democratizado ¢ desprivatizado”, passa a administrar os conflitos decorrentes da nova situagao ¢ do préprio programa. Eo guardizo dos ritmos ¢ da racionalidade inerente aos objetivos do periodo de reorganizacio, Faz parte do que seria uma nova correlagao de forgas, mas contém a sua evolugao nos marcos do projeto econdmico que preside a logica do programa na sua etapa “reorganizadora”. Mais uma vez a semelhanga com a visio estruturalista pode ser reclamada. E de novo podemos também pontuar diferengas importantes: ao contrério da formulaglo estraturalista, busca-se um conjunto de reformas no sentido da democratizacto do Estado. A maneira de uma breve conclusio, ¢ possivel dizer que o projeto de desenvolvimento nacional do PT oseila entre duas grandes perspectivas: a socialista ea reorganizadora-reformadora do capitalismo brasileiro. E plausivel apontar aproximagoes em cada um dos pélos deste movimento, respectivamente, com a corrente que interpreta © desenvolvimento capitalista a partir do seu carter desigual ¢ combinado ¢ com © estruturalismo. Nas grandes questtes definidoras de um projeto desta natureza, a temética da dependéncia nao se insere ~ embora iste ocorra em passagens importantes, mas no determinantes, do programa ~ de uma maneita similar as duas outras correntes 14 anolisadas, Ela esta presente, sobretudo na variante que da peso a “interiorizagio” da dependéncia, ua valorizagio das condigdes internas. nacionais, do proces e simetricamente, na subvalorizagao dos condicionantes internacionais. Ms O estudo apresentado nas paginas anteriores procurou: 1°) analisar os programas apresentados pelo Partido dos Trabalhadores as eleigdes presidenciais de 1989 ¢ 1994 de modo a verificar a possibilidade de interpreta~ jos como projetos articulados em tomo a dois temas bdsicos, o desenvolvimento nacional eo poder politicos 2°) investigar a correlagfo entre estes projetos ¢ 0 contexte na sociedade brasileira e no plano internacional nestes dois momentos, sob a hipétese de que um ambiente nacional de crise permitiria a expresstio ¢ a conformagio de altemativas de conjunto organizadas em toro das questdes do desenvolvimento nacional ¢ do poder politicos 3°} retomar contribuigdes tedricas voltadas a0 debate da problemdtica do desenvolvimento na periferia do capitalismo para em seguida reexaminat 0 (8) projeto (5) apresentado (s) pelo Partido dos Trabalhadores, supondo tanto a existéncia de influéncias relativas dos primeiros sobre o segundo ¢ também uma melhor condigio, utilizando este pano de fundo, de olhar em profundidade o sentido geral e ideolégico do (8) projeto (s) de desenvolvimento nacional ¢ de poder politico apresentado (s) pelo Partido dos Trabathadores. Em cada um dos capitulos anteriores estabelecemios conclusdes parciais que agora sintetizamos. Os programas organizados pelo PT nos dois anos citados podem ser lidos como projetos de desenvolvimento nacional combinados a uma determinada perspectiva de 16 transformagtio ou aiteragio do poder politico. Sto, evidentemente, genéricos ¢ no tem a formalizaglo que se poderia esperar, sobretudo se os enfocarmos tendo em mente uma influéncia t80 poderosa como foi (¢ talvez continue sendo ainda) o estruturatismo da CEPAL. Sao também parciais ¢ incompletos, quando vistos de forma desagregada, com tratamentos desiguais para os varios elementos mais salientes que o conformam, com resolugdes muitas vezes ambiguas para os mesmos. Mas se 0 fngulo de observagao for - como 0 que adotamos - 0 de encontrar uma singularidade no equacionamento de respostas aos problemas cruciais enfrentados pela sociedade brasileira naqueles momentos, ¢ mais ainda, o de perceber que estas respostas tentam estabelecer uma ligagdo com o passado ¢ com as possibilidades da sociedade brasileira, ai sims pensamos poder considerar gue estamos diante de um projeto de desenvolvimento nacional. Procuramos mostrar, além disso, continuidades ¢ cortes entre os dois momentos de elaboragio. Este aspecto sera retomado adiante. Este (8) projeto (s) procura (m) articular potencialidades abertas pela orise do final dos anos 80, que faz confluir para um periodo concentrado duas grandes interrogagdes ¢ disputas que polarizam as forgas politicas e sociais: a prolongada interrupgdo do desenvolvimento econdmico, obtido ao longo de décadas de pés-guerra, exigia novas definigdes de curso (em meio a profundas pressées internacionais) © de orientacdo estratégicos ¢, simultaneamente, a caréncia de uma dite politica ¢ de instituigées adequadas para resolver os profandos problemas de uma substituigdio inconeluse do regime militar. Mas a emergéncia do projeto de desenvolvimento nacional ¢ de poder politico do PT s6 € possivel porque, além desta circunstincia especial ¢ niio-duradoura na li? soviedade, o proprio PT passou a reunir orescentemente ao longo do periodo, condicdes politicas e sociais para se apresentar como protagonista em um momento decisivo. Se & possivel dizer que este projeto s6 se manifestou porque havia uma crise nacional, parece também plaustvel afirmar que na auséncia desta - ou se quisermos ser mais precisos, quando os sinais de sua evolugio se alteram radicalmente, como foi a passagem de 1989 a 1994 ~ o projeto perde densidade, coeréncia, conhece contradigdes internas profundas ¢ o proprio partido (¢ seu projeto) softe um intenso deslocamento com a forte, répida e desfavordvel alteragao da correlagao de foryas na sociedade. Os movimentos amplos da sociedade - conceito que tomamos emprestado de nossa principal referéncia bibliografica no Capitulo 2 ~ mudam de direso entre 1989 ¢ 1994, ou, mais precisamente, entre o periodo de 1987 a 1989 ¢ de 1990 em diante. Uma methor compreensto do projeto do Partido dos Trabathadores foi possivel pelo recurso 20 contraponto com contribuigées tedrieas desenvolvidas em periodos diferentes ¢ em épocas histéricas diferentes, Por isso mesmo, registramos uma cautels necesséria para no enxergar na elaboragio do PT um prolongamento de experiéncias de carter ¢ natureza diversas ¢ que softeram, ao longo do tempo, fortes descontinuidades, Mas este contraponto nos permitiu salientar lagos de aproximagio - ¢ portanto relativizar bastante a singularidade da contribuigdo progeamética do PT — e aprofundar a andlise do sentido geral ¢ ideolégico da projeto do PT, ‘Ao longo desta dissertagao nos referimos a este projeto ora no singular ora no plural, expressando tanto continuidades basicas mas também cortes ¢ alteragdes significativas. 118 Em 1989 ¢ em 1994 0 projeto de desenvolvimento nacional e de poder politico do PT apresenta uma perspectiva socialista ¢ combina os mesmos elementos estratégioos, vale dizer, mantém sob foco os dois grandes temas ~ desenvolvimento nacional ¢ poder politico — distribuidos em trés grandes objetivos: distribuigdo da terra e da renda, democracia e autonomia nacional. Af podemos ver continuidade. ‘Mas 0 que poderiamos chamar de “forcas motrizes” do programa, o seu ritmo ea sua dinamica alteram-se entre 1989 ¢ 1994, No primeiro prajeto (1989), so as forgas sociais interessadas na realizacio do programa que assumem o papel principal, do que derivam ritmos € uma dinamica em permanente modificas2o, a ponto de, na percepgao do proprio projeto, considerar que a conquista do governo ¢ a transig&o ao socialismo seriam “elos de um mesmo processo”. Esta forma de conceber a realizagtio do projeto, orientado pelo objetivo inicial de transformagdes democraticas radicais, 0 colocaria em chogue com a ordem capitalista e © poria frente 2 questio da sua superagao. Esta apreciagSo foi considerada por nés como préxima, mas no a mesma, daquela decorrente das andlises do capitalismo periférico sob a dtica do desenvolvimento desigual e combinado. No segundo projeto (1994), o que toma o lugar destacado para impulsionar programa é 0 Estado, sob urn novo governo. E a ele que cabe definir o ritmo da implementagio do programa, que passa a ser condicionado & consecugao de objetivos econémicos, especificamente a reorganizagio do capitalismo brasileiro tendo como base ‘© mercado intemo e a distribuigdo de renda, Nesta nova orientagio, a dinamica ¢ pausada, ou, melhor dizendo: prevé-se um prolongado periodo entre a conguista do governo ¢ a possibilidade de uma transigiio ao socialismo, no qual o imperativo 19 econémico sobredetermina os demais. Foi neste enfoque que consideramos uma aproximagio relativa com 0 projeto sécio-politico que pode ser extraide das teses estruturalistas da CEPAL. E bem verdade que este nfo prevé como objetivo o socialismo, mas o desenvolvimento capitalista ¢ um capitalismo de bases nacionais. Mas pelo papel conferido ao Estado ¢ A forma de sobrepor 0 projeto econdmico de desenvolvimento aos conflitos sociais, esta aproximagio existe (e coexiste com as diferengas). Assim, também podemos ver cortes orientagées significativamente diversas do projeto do PT entre 1989 © 1994. Ele nlio pode ser compreendido & parte de suas oscilagdes entre um polo ¢ outro. Esta conclusdo talvez ficasse incompleta se no indicdssemos algumas linhas tematicas, de cariter mais geral, por onde prosseguir uma pesquisa sobre o tema dos projetos de desenvolvimento: 1. Em primeiro lugar uma grande interrogagio: qual o lugar da periferia e do tema do desenvolvimento nacional em um contexto de agressivas mudangas intemacionais e de novos condicionantes nacionais? Como analisar em profundidade o efeito das transformagdes, no sentido liberal, do Estado; quais suas repercussdes ao se pensar, ao menos no plano abstrato, novamente em um “projeto de desenvolvimento”? Haveria ainda a bipdtese de uma reconstrugio nacional do Estado (de cardter nao liberal)? Ou, estas transformag6es, supondo naturalmente que nao se encaminham pare uma igualagio ¢ homogeneizayao do capitalismo em cscala mundial, levariam 4 retomada dos temas da autoorganizagio social € da principalidade dos conflitos de classe como base para repensar 0 desenvolvimento nacional (reforgando, portanto, uma 120 perspectiva para além do capitalismo)? Por fim, como relacionar estas indagagbes com as grandes contribuigdes tedricas deste século sobre o tema do desenvolvimento na periferia? Que atualidade ou validade continuariam tendo? 2. A grande dificuldade contida neste assunto é que o desenvolvimento nacional um tema que parece no ter mais lugar na teoria— embora cresga @ desigualdade entre paises ¢ regides, Methor dizendo, nilo assistimos mais ao destaque teérico ¢ politico ~ uma caracteristica da dupla natureza do tema ~ que o tema ja teve, Por exemplo, no periodo do pés-guema esteve na pauta da reorganizagdio intemacional e das instituigdes que ai surgiram bem come de uma retomada de estudos, sobretudo no campo da teoria econémica, em grande medida influenciados pelo keynesianismo. Este periodo que se prolonga por, pelo menos, duas décadas nao é © tinico exempio, E possivet apontar outros. Nos anos 70, particularmente no seu inicio, tém grande influéncia principalmente nos mefos académicos, os debates em tome das teorias da dependéncia. Surgida como resposta critica & crise do “desenvolvimentismo”, esta abordagem, ainda que sujeita a importantes questionamentos ¢ ainda que nfo tenha tido um prosseguimento mais duradouro que aquela década, influenciou iniimeros estudos ¢ deu alento a um debate que a realidade parecia condenar ao fracasso. Um outto exemplo, com caracteristicas histéricas ¢ sob termos bastante diferentes, mas que pode ser inserido na mesma problemética, sio os debates no interior do movimento socialista — mais precisamente na II ¢ na II Intemacional ~ que transcorrem nas primeiras duas décadas deste século. A rigor estes estudos sao iniciados com os alltimos escritos de Marx, a respeito do desenvolvimento da Russia. Assistimos, 121 ent&o, uma intensa producao de estudos sobre a expansfo internacional do capitalismo, a integragdo de regides atrasadas seu destino contraditério, Combinam elementos econdmicas, histéricos ¢ politicos, buscam uma compreensio da nova totalidade (¢ suas contradigdes). Preponderantemente informado por um evolucionismo mas também contrastados por interpretagdes ndo-lineares da histéria, este momento representou um rico acervo para a critica e a construgio de perspectivas para além do capitalismo. Evidentemente nossa época é outra. ‘Mas se o tema do desenvolvimento nacional no tem mais lugar na agenda dominante talvez nfo se possa to facilmente descarta-lo face a realidade em que vive oa parte, a imensa maioria, da humanidade. 3. Os conceitos sobre a nova época histérica em que adentramos ~ assim como & propria ~ esto longe de uma consolidacto ¢ de acomodar tendéncias seguras, Esta ¢ outra fonte extra de dificuldades e que requer extrema cautela, Tendo como referéncia os vitios esforgos de desvendamento do que se passa no mundo, hé uma variedade de apreensdes criticas, mas também, e em grande medida, um forte impressionismo. J4 se decretaram varios ébitos: da Iuta de classes, do Estado nacional, da propria histéria. Ao ‘mesmo tempo, teimosamente e contra a corrente, continuam a se produzir pesquisas, reflexdes e fatos que identificam 0 conflito ¢ a natureza contraditéria dos processos em curso. Se € dificil ¢ temerério pensar que a teoria possa se adiantar 4 histéria — como intimeras vezes se comprovou — em contrapartida é impraticdve! pensar a historia sem teorias. Nesse sentido um esforgo em realizar pesquisas proximas a linha do horizonte carregam um risco mas n&o podem ser consideradas impraticaveis. Devem, contudo, 122 exercer a maxima cautela (mas no 0 conseryadorismo) ¢ procurar pisar em terreno firme. 4, Um aspecto evidente sob contestagdo ¢ 0 da vigéncia do Estado nacional. Como elemento central em qualquer perspectiva face ao desenvolvimento nacional, esta é uma questio decisiva ¢, naturalmente, deve ser objeto de detido estudo. Ha ai um conjunto de indicadores da sua vigéncia nos paises-lideres desta nova fase histérica. Para além das doutrinas, os Estados destes paises continuam agindo agressivamente ‘No é 0 mesmo o que se passa na periferia e nas regides subordinadas ao “centro”. Ha, de fato, uma intensa modificagdo da estrutura e do papel do Estado, no sentido de adequar-se a um figurino liberal. Ao mesmo tempo as sociedades da periferia esto jonge de reproduzir o mesmo padrio, Ao contrério, Trata-se de movimentos coniraditorios. Quais reperoussdes isto traz para a nossa temética? Neste momento podemos expressa-los na forma de interrogagées: ¢ possivel ‘uma reconstrugdo do Estado nacional? Ou teriamos j4 passado de um ponto de no return ¢ ja adentrando em um terreno em que o Estado nao poderia mais se colocar & frente da sociedade € nem ordenar seus conflitos? © que indicaria uma primazia evidemte do temeno social como ambiente dos novos desdobramentos sobre a questio do desenvolvimento nacional. Esta passagem, se considerada efetivamente, nao climinaria o problema do poder politico. Ao contrario, o recolocaria de maneira radicalmente diferente e de forma mais contundente, Nesse sentido, parece possivel esperar que nem tudo seja adversidade na época histériea que adentramos ¢ que ume nova dinfmica social permita ao pensamtento 123 © a ago transiormadora superar formulagdes que reduziam a revolugdo social e a luta politica a processos interiores ao Estado. De outro lado, parece também haver o risco de se pensar a revohugo social sem atores politicos e sem focalizar o poder politico. 5, Para fazer frente a estes novos interrogantes de qual arsenal teérico dispomos? Qual a vigéncia de correntes tedricas t8o importantes em detenminado momento deste séeulo para a andlise das contradig&es do capitalismo, em particular aquelas derivadas do enfogue sobre sua desiguatdade, irregularidade e, a0 mesmo tempo, capacidade de subordinar diferentes formas econémicas e sociais & sua dindmica? Este questionamento no pode ser respondido a priori. Mas parece que 0 peso das descontinuidades esti presente nas novas elaboragdes. No entanto, parece também gue nfo se pode, seriamente, propugnar a irrelevincia deste background tedrico. © que, sim, pode se apresentar-se como uma necessidade teérica é a retomada do estudo de fundamentos das varias correntes que se acercam do tema do desenvolvimento nacional. E, em seguida, buscar relagSes com as pesquisas mais recentes, procurando investigar continuidades ¢ rupturas, Assim se prope um duplo movimento, tomando novas referéncias tedricas ¢ retomando antigas. E a partir desta base procutar respostas as questées que formulamos no inicio. 124 Post scriptum A conclusio desta dissertagiio coincidiu com os tltimos meses da disputa presidencial de 1998. Nesta breve nota é 0 caso, portanto, de registrar alguns elementos sobre a evolugdo programatica do PT pés-1994, expressa no programa da terceira. candidatura presidencial de Lula. © aspecto inicial a se destacar ¢ que todo o trabalho de elaboragao do programa de 1998 nfio recebeu a mesma atengdo e€ empenho verificados nas campanhas de 1989 € 1994, momentos de condensagio do debate programatico. O programa de 1998 foi efetivamente secundarizado, subordinado 4 constituigic da chamada frente de oposigdes, E importante notar que nio necessariamente uma politica de aliangas pressuponha a rarefagéo programitica. Esta, digamos, ¢ a feigtio vulgar ~ na verdade, eleitoral — de um processo de aliangas. Os processos que envolvem aliangas estratégicas necessariamente passam por experiéncias e debates que definem uma hegemonia politica no programa que dirige um conjunto de forgas politicas ¢ sociais diversas. Mas o “minimalismo programatico” patente em 1998 pode expressar mais do que a contingéncia eleitoral, Procuramos mostrar ao longo desta dissertago intima relago entre a formulagio programética do PT ¢ 0 movimento geral da sociedade, particularmente o efeite de uma dinamica conduzente a uma crise nacional ¢ uma dindmica de afastamento deste contexto e de sua superagio. Mostramos ainda que a pemmanéncia de um vinculo com a perspectiva socialista que ainda se mantinha no programa de 1994 evidenciava gue, condicionado pelo contexto histérico-social, o PT conservava também um elemento de autonomia ¢ de capacidade de prosseguir, n&o 125 isento de contradigdes. uma elaborag3o sobre o desenvolvimento que continha uma perspectiva nao-capitalista, indo além do desenvolvimentismo estruturalista. Ainda que no seja nosso objeto avaliar detidamente 0 conjunto dos fatores da dindmica posterior a 1994, é razodvel analisa-la como tendo um de aprofundamento da consolidacdo de um novo periodo histérico, ainda que sem a pretendida estabilidade sonhada pelos arautos do neoliberalismo caboclo. Muito mais distante, portanto, da situagio e da dindmica caracteristicas de 1989, Mais adversa também para a continuidade de uma formulagao sobre o desenvolvimento e o poder como a da daquele periodo. £ claro que neste novo quadro a capacidade de resisténcia do PT reduziu-se ainda mais. O minimalismo programitico, neste contexto, nao é uma surpresa, De outro lado, chama atengio o aprofundamento, ao midximo limite, do “paradoxo de 1994”. Na nossa anélise este paradoxo se dava entre um amplo programa para reorganizar o capitalismo sob bases nacionais mas com uma perspectiva, ainda que fonginqua, socialista. Esta forma de tratamento de uma visto alternativa sobre 0 desenvolvimento nacional ¢ a questo do poder politico, que se mostrou inexequivel em 1994, foi acentuada em 1998 em dois sentidos. O programa ja ndo é anplo, restringe-se a medidas pontuais, que nfo formam mais um todo programatico. E notavel a auséncia de uma formulagio cconémica mais coerente, para além das intengdes de se articular um modelo de desenvolvimento sltemative. O que em 1994 nucleava o projeto de desenvolvimento nacional agora se perde em proposigdes localizadas ¢ superficiais (sobre por exemplo o tema da inflagio, mercado intemo, relagdes com o exterior, ete). ‘Mas nao se volta, cbviamente, aos termos de 1989, quando a elaboragiio de win projeto econémico no interior da elaboragao geral era bastante limitada ¢ 0 que articulava 0 126 novo desenvolvimento nacional eta uma dindmica politica de alteragdo radical do Estado, Agora o que vemos ¢ ampla reducdo —no contetido e nos ritmos ~ das alteragdes politicas pretendidas. Elas estio organizadas em tomo da concepgao de aprimorar a democracia representativa, apresentando como um apéndice a busca de experiéneias, como a da participacao direta da populayao nas definigdes orgamentarias, que superem esta forma de organizagao politica. A organizagao pontuat e limitada do programa lembra a elaborago fragmentada do periodo pré-1989 (sem programa). No entanto, esta semethanga é apenas formal. No seu contetido, o que antes aparecia como representagao de interesses imediatos da classe trabalhadora (sem constituir-se no seu sentido mais elevado, isto é, como um programa politico visando a conquista do poder) aparece agora mesclado com proposigdes limitadas de reorganizagio nacional, do Estado ¢ do desenvolvimento, Isto é mais claro no texto que expressa a opiniiio da frente de partidos. Neste poderiamos dizer que se supera a contradigfio de 1994 simplesmente pela eliminagao de uma perspective nto capitalista para 0 desenvolvimento. Jé no texto aprovado pelo PT mantem-se, de forma bastante ténue, solitéria, sem conexio articuladora com o conjunto do programa, a proposigao de 1994. Da seguinte mancira: “0 Programa no se confunde com o Programa socialista do PT ou com os dos outtos partidos da Frente. Suas reivindicagSes se inserem em uma_transformacio de longo prazo e refletem o Brasil e 0 mundo que queremos, ainda que esses objetivos no sejam alcangados no prazo de um governo. As reformas que 0 Programa propie, ainda que situadas no marco de uma sociedade capitalista, se chocam com © ‘capitalismo realmente existente no Brasil’. A implementagao de um programa radical de reformas ~ por seus efeitos econdmicos, mas sobretudo por sua capacidade politica de 127 agregar forgas sociais ~ contribuira para a refundagiio de uma perspectiva socialista no pais” 162 162 PARTIDO DOS TRABALHADORES - Resolugdes do Encontro Extraordinario. Diretério ‘Nacional do PT, S4o Paulo, 1998, 0 texto que apresenta o programa de Lula é UNIAO DO POVO - MUDA BRASIL (PT, PDT, PSB, PCdoB, PCB)- Diretrizes do Programa de Governo. Sao Paulo, 1998. Em setembro de 1998 0 conjunto de resolugdes dos Encontros ¢ do 1 Congresso do PT foi publicado em um s6 volume, em PARTIDO DOS TRABALHADORES - Resolugdes de Encontros e Congressos. Sdo Paulo: Editora da Fundagio Perseu Abramo, 1998, 128 ALAVI, H. ¢ SHANIN, T. - Introduction to the Sociology of “developing societies”, New York: Monthly Review Press, 1982 AMIN, S. - Delinking, Towards a Polycentric World, Londres: Zed Books, 1990 ARRIGHI, G, - A iluso do desenvolvimento, Petropolis, RJ: Vozes, 1997 BARROS DE CASTRO, A. ¢ SOUZA, A. E. P. - A economia brasileira em marcha forgada. Rio de Janeiro: 2* ed., Paz e Terra, 1985 BATISTA JR., P. N. - O Plano Real 4 luz da experiéncia mexicana ¢ argentina. Sio Paulo: Estudos Avangados, Instituto de Estudos Avangados da USP, vol. 10, n.° 28, setembro/dezembro 1996 BENJAMIN, C. e BACELAR ARAUJO, T. - Brasil, reinventar o futuro, Rio de Janeiro: Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro, 1995 BENSAID, D. - La discordance des temps. Paris: Les Editions de la Passion, 1995 BENSAID, D. - Marx, 'internpestif. Paris: Fayard, 1995 BENSAID, D. - Stratégie et Parti. 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