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2 SALVADOR DOMINGO 8/3/2020

Uendel Galter / Ag. A TARDE

Treino do time
do Bahia: a
estrutura agrada
às jogadoras

n CAPA

SONHOS EM CAMPO Rafael Martins / Ag. A TARDE

GILSON JORGE E ADRIANO MOTTA não aprende a se movimentar no Outra instituição com foco na for-

Q
gramado de uma forma que force mação de atletas é o Desportivo
uase não há nuvens no menos o corpo e acaba se expondo Lusaca, que fez uma rápida parceria
céu e o celular informa mais a lesões. “Aos 30 anos, tem com o Bahia para a disputa da
que a temperatura é de coisas que ainda estou aprendendo segunda divisão do brasileiro do
29° C. Mas parece mui- com os meninos da base do Bahia”, ano passado. O clube, com sede em
to mais. No pátio em afirma Fabi Miguel, que chegou Dias D’Ávila, pretende lançar o Lu-
frente aos vestiários do centro de para defender o Esquadrão depois saca Kids, para reforçar o status do
treinamento do Barradão, 51 me- de quatro anos nos Estados Unidos, clube como formador de atletas.
ninas e mulheres aguardam o co- onde defendeu duas equipes uni- Para o diretor da equipe, Leon Fer-
meço do treino, marcado para as versitárias e ainda concluiu a gra- reira, é uma ideia diferente no con-
15h. Cássia, 22, que nunca jogou duação em administração de em- texto brasileiro. “É algo que se vê
por um clube, chega ofegante e presas. Fabi elogia a estrutura ofe- muito nos Estados Unidos, mas não
informa ao preparador físico do recida pelo tricolor. aqui no Brasil. Aqui não se tem
Vitória, Jeferson Queiroz, que aca- Ainda que tenha um orçamento categoria sub-13 para as mulhe-
ba de entregar o eletrocardiogra- limitado, de R$ 1 milhão por ano, res”. Mesmo revelando jogadoras,
ma e a cópia da identidade ao de- o Bahia conseguiu atrair Zizi, que os clubes não conseguem ganhar
partamento de futebol feminino. defendeu a Seleção Brasileira na dinheiro com a transferência delas,
Agora são 52. Desse grupo, 30 última Copa do Mundo e jogava no graças ao sistema contratual das
vão fazer um treinamento tático São Paulo, além da lateral-direita atletas, que assinam um vínculo
para a partida do próximo domin- Tayane (ex-São José) e a goleira amador, sem compensação finan-
go, contra o Grêmio, em Porto Ale- Anna Bia, também com passagem ceira em caso de saída. “Sempre
gre, pela quinta rodada do cam- pela seleção. mandamos jogadoras para outros
peonato brasileiro da primeira di- O Bahia evita divulgar o valor dos clubes e não recebemos nada com
visão. Nenhuma delas recebe um salários, mas se o dinheiro dispo- isso. É difícil de se manter assim”,
centavo. Apenas o uniforme. nível para o futebol feminino do desabafa Leon.
Por decisão da atual diretoria do clube fosse todo para a folha de
clube, o único representante nor- pagamento das atletas, a média Talento
destino na elite do futebol femi- salarial seria de R$ 3,3 mil. Como Muito mais cedo que as menstrua-
nino, o orçamento foi concentrado ainda há outras despesas, como a ções vem o talento com a pelota. É
no elenco masculino, levando a comissão técnica e aluguel de casa, o caso da lateral Jamille Agapito.
uma debandada de atletas após o a remuneração média é menor, o Apesar dos 16 anos, está no clube
Brasileiro, mesmo com a excelente que não diminui o interesse de jo- desde 2013, uma tentativa ante-
campanha. Sete foram para o rival gadoras pelo time. A meio-cam- rior do clube de montar uma equi-
Bahia, onde conquistaram o cam- pista Milena Bispo, que jogou pelo pe feminina. Enverga a camisa ru-
peonato estadual. Duas para a Fer- Bahia em 2013 e está de volta ao bro-negra entre as profissionais
roviária, atual campeã brasileira tricolor, faz uma comparação sobre desde os 13. Precisa conciliar a as-


em 2019 e líder do campeonato o que mudou nesses cinco anos. “A cendente carreira nos gramados
deste ano.
As 22 atletas que não estão com-
gente mal entrava no Fazendão.
Hoje usa as coisas que o masculino
Todos os dias com as tarefas de mãe e a rotina de
uma estudante normal, cursando o
petindo vão treinar fundamentos,
nas laterais do gramado. Fora uma
profissional usa”, diz.
A lateral Tayane, por sua vez,
penso em desistir. 1º ano do ensino médio. Recebia
um salário e ajuda de custo do
adolescente de classe média-alta,
que treina por amor ao clube quan-
destaca a segurança em relação ao
corpo em caso de uma lesão séria.
Mas não vou, clube, mas desde o fim de 2019 isso
já não vem mais ocorrendo. “Hoje
do sai da escola bilíngue em que “Aqui temos atenção médica. Uma é o meu sonho” quem ajuda é minha mãe, com
estuda, as demais buscam um lu- amiga minha em São Paulo pre- dinheiro e cuidando de minha fi-
gar ao sol. Incluindo Laís, 16 anos, cisou fazer uma cirurgia e teve que Carol de Paula, jogadora do Vitória lha”. Integrando o elenco de con-
que encara três horas em um ôni- fazer vaquinha para pagar”, relata. vocadas para a preparação da se-
bus desde Mata de São João para O Bahia, aliás, conseguiu o patro- leção brasileira sub-17 que dispu-
treinar por uma hora e depois vol- cínio específico para o time femi- tará o sul-americano da categoria
tar para casa. nino de uma clínica voltada para as em abril, na Venezuela, pode estar
mulheres. de saída do Vitória rumo ao São
Ciclo menstrual José, de São Paulo.
Outras 18 meninas não compare- Profissionalismo Outra esperança das Leoas é a
cerem ao treino neste dia, por cau- Colega de faculdade do tricolor Íta- zagueira Carol de Paula, 22 anos,
sa de lesões, desânimo, falta de lo Trinchão, o preparador rubro-ne- uma das mais “veteranas” do elen-
dinheiro para o transporte ou por- gro Jeferson Queiroz faz ponde- co rubro-negro, que é o segundo
que a menstruação chegou. O ciclo rações parecidas às do amigo sobre mais jovem dentro do Brasileirão
menstrual começa a chamar aten- as dificuldades da modalidade. A1. Pelas dificuldades, a retirada
ção dos preparadores físicos como “Muitas garotas chegam ao nível dos gramados passa por sua ca-
uma barreira a mais, além do in- profissional sem ter passado por beça. Mas seu coração sempre re-
conveniente das cólicas, depois nenhum trabalho de formação chaçou a ideia: “Todos os dias pen-
que a fisiologista mineira Ivi Ca- dentro do futebol”, afirma. so em desistir. Mas não vou, é o
sagrande, 29 anos, detectou o risco No comando do Centro de For- meu sonho”.
maior de lesões nas atletas durante mação de Futebol da Bahia (CFFB), Sonho compartilhado também
a menstruação. um dos principais centros de for- pelas meninas da base do clube,
No Bahia, o assunto é levado a mação de jogadoras do estado, que aspiram pela chance ao sol. A
sério desde agosto do ano pas- Francisco Cardoso, o Quinho, re- também ponta Laís, 16 anos, parte
sado, quando o preparador físico clama da falta de profissionalismo: para cima com a habilidade e mo-
Ítalo Trinchão começou a desen- “Falta aos dirigentes dos clubes se lejo para quebrar as defesas ad-
volver, junto com um especialista capacitarem e conhecerem profun- versárias. Molejo conquistado no


em TI, um software que cruza os damente o futebol feminino”. Ele balé, que costumava fazer até per-
dados do calendário menstrual.
“Para 90% das nossas atletas, o
afirma já ter formado no centro 934
jogadoras. O CFFB mantém uma
“Aos 30 anos, tem ceber que preferia mais as chu-
teiras que as sapatilhas. Gasta mais
primeiro dia da menstruação é o
mais sensível”, avalia Ítalo. Mas
parceria com o Ypiranga para a
disputa do Campeonato Baiano de
coisas que ainda estou de seis horas diárias para ir e voltar
dos treinos, duas vezes por semana
esse não é o único complicador em Futebol Feminino. Em 2018, che- aprendendo com os e financia tudo do próprio bolso.
gou às quartas de final, mas não Talvez no balé fosse melhor? Não
termos de lesão para as mulheres.
Como no futebol feminino as ca- disputou em 2019. “Estou em bus- meninos da base do Bahia” saberemos. Laís mantém os olhos
tegorias de base são quase ine- ca de recursos para botar o time em na bola. “É difícil, mas prefiro estar
xistentes, a maioria das jogadoras campo este ano”, afirma. Fabi Miguel, atleta do Bahia e administradora aqui fazendo o que amo”.

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