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Abandono da Liturgia, uma crise de fé.

Estamos em meio a uma verdadeira crise litúrgica. Não é um debate sobre adiáforos, coisas
indiferentes. Não é uma controvérsia sobre estilo. No fundo é uma crise de fé... A crise litúrgica é uma
crise de fé, pois a fé vive pela Palavra do Senhor. O desconforto contemporâneo com a liturgia é
realmente uma ansiedade sobre se a Palavra do Senhor vai realmente fazer o que o Senhor nos
promete que vai fazer. (Rev. John T. Pless | Pastor e Teólogo Luterano - LCMS)

Aparentemente não existe um abandono da liturgia no luteranismo confessional brasileiro. Mas posso
me recordar de uma comunidade do sul do Brasil em que os pastores não usam vestes litúrgicas
enquanto celebram o culto, e lembro-me também de algumas comunidades que celebram a liturgia
histórica e flertam com uma tal de "liturgia moderna. Pois bem, me considero bem radical quanto a
preservação da liturgia histórica e ultimamente não faço questão de esconder isso. Vejo muitos colegas
estudantes de teologia que adoram "dança litúrgica" e outras firulas dentro do culto público, que,
sinceramente...

Não, nós não vivemos um abandono em massa da liturgia histórica, mas a semente se encontra
plantada em nosso meio. O que realmente preocupa é que costumamos copiar muito de nossa irmã, a
Igreja Luterana Sínodo de Missouri. Um exemplo disso é que quando os primeiros missionários
"missourianos" vieram ao Brasil eles usavam o conhecido talar preto com peitilho, e quando os ministros
da LCMS deixaram de usar, os pastores brasileiros também deixaram de usar.

Tá, onde quero chegar com isso? Quero chegar na atual crise de identidade que a LCMS enfrenta.
Essa crise vem sendo fruto de debates dentro do sínodo de Missouri e pode, sem dúvidas, alcançar o
luteranismo brasileiro com ainda mais força. Essa crise de identidade se concentra no uso ou abandono
da liturgia histórica da Igreja .

"Ah, mas a liturgia é só um adiáforo".


Tecnicamente falando, sim, a liturgia não é algo ordenado nem
proibido por Deus na Sagrada Escritura. É bem verdade que a Sagrada Escritura não esboça uma
forma particular de liturgia. No entanto, vivemos, confessamos e atuamos em um tempo em que
"Adiáforo" é equivocadamente entendido como significando: "Deus não ordena, por isso, eu/nós não
temos que fazer." Esta noção equivocada de "adiáforo" leva à "mentalidade de juízes" - cada um
fazendo o que é certo aos seus próprios olhos.

Mas se os luteranos levarem a Confissão de Augsburgo a sério, irão se arrepender de sua noção
equivocada de liturgia como "adiáforo", como modernamente interpretam. Não, não estou dizendo que
Deus ditou uma forma específica de liturgia, mas que Ele tem realmente concedido a sua Igreja, no
decorrer dos séculos, formas litúrgicas que confessam fielmente Jesus Cristo e sua misericordiosa obra
em favor dos pecadores. Liturgia que guarda verdades teológicas quando a teologia cristã caminha na
escuridão.

De fato, podemos até dizer que a liturgia é uma questão de doutrina. A Confissão Augsburgo, no artigo
XV, faz esta afirmação ousada:

Das ordenações eclesiásticas estabelecidas por homens se ensina observar aquelas que possam ser
observadas sem pecado e contribuam para a paz e a boa ordem na igreja, como, por exemplo, certos
dias santos, festas e coisas semelhantes. (Confissão de Augsburgo, Art. XV).

Isso é confessado nos "Artigos Doutrinais" da Confissão de Augsburgo, não na seção de artigos
disputados sobre abusos. Isto está extremamente claro na Confissão de fé luterana e, ser luterano
significa também fazer uso de cerimônias, "dias santos, festas e coisas semelhantes" - transmitidas
pela Igreja. É semelhante à doutrina. Nós não inventamos doutrinas, nós as recebemos.

Assim, a liturgia da Igreja não é, ao que parece, questão de decisão individual de um pastor! Em vez
disso, as "cerimônias da igreja" (liturgia) "devem ser observadas", isto é, as que podem ser "observadas
sem pecado". E qual é a verdadeira questão em que cerimônias "devem ser observadas"? O Artigo XV
continua:

Esclarecemos, porém, que não se devem onerar as consciências com essa coisas, como se fossem
necessárias para a salvação. Ensina-se, ademais, que todas as ordenanças e tradições feitas pelo
homem com o propósito de por elas reconciliar-se a Deus e merecer graça são contrárias ao
evangelho e à doutrina da fé em Cristo. (Confissão de Augsburgo, Art. XV).
O que isto quer dizer? Quer dizer que, observar a liturgia da Igreja não nos reconcilia com Deus, não
ganha seu amor e perdão. No entanto, observando a liturgia da Igreja, certamente, proclamaremos o
amor divino e misericórdia de Deus em Cristo.

Assim, a finalidade da liturgia não é "liturgia pela liturgia". Em vez disso, sua finalidade é confessar
sólida e fielmente os poderosos feitos da salvação de nosso Senhor e nos manter centrados neles. É
não ser proselitista. Por este motivo, observar a liturgia histórica da Igreja (ao contrário das formas do
evangelicalismo americano/pentecostalismo) é uma questão fundamental da confissão de fé luterana,
e absolutamente essencial à fé e à vida cristã, até mesmo à missão da Igreja.

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