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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS


DISCIPLINA: LÍNGUA PORTUGUESA IV - MORFOLOGIA
DOCENTE: Prof. Dr. Ivo da Costa do Rosário

ANÁLISE MÓRFICA

• O trabalho de desmontagem que realizamos (...) denomina-se análise mórfica. Nossa preocupação
inicial é a de descobrir a estrutura formal, os constituintes de cada vocábulo, através de técnicas usadas
modernamente. A análise mórfica consiste, por conseguinte, na depreensão das formas mínimas
dos vocábulos, isolando-se todos os elementos providos de significado. Não é arbitrária nem se
confunde com a análise dos fonemas ou das sílabas.
• A técnica principal da análise mórfica, que a impede de ser arbitrária é a comutação. A comutação se
baseia no princípio de que tudo no sistema lingüístico é oposição e consiste na substituição, pelo
confronto, de uma forma por outra. Vejamos a palavra belíssimo:

a) belíssimo + Ø ≠ belíssimo + s (Ø ≠ s)
b) belíssimo + Ø ≠ belíssimo + a (Ø ≠ a)
c) belíssim + o ≠ belíssim + a + mente (o ≠ a)
d) bel + íssimo ≠ bel + eza ≠ bel + dade (íssimo ≠ eza, dade...)
e) bel + íssimo ≠ bom + íssimo ≠ lind + íssimo (bel ≠ bon, lind...)

• As formas mínimas encontradas foram:

a) raiz - [bel]
b) radical - [belíssim]
c) vogal temática - [o]
d) tema - [belíssimo]
e) sufixo derivacional - [íssimo]
f) desinência de gênero – Ø
g) desinência de número – Ø

• Temos então: [ bel ] íssim ] o] Ø ] Ø]

UNIDADES DE ANÁLISE

• A palavra simples constitui a unidade morfológica superior ou forma livre com independência
fonológica. Forma livre é qualquer vocábulo que possa ser empregado isoladamente.
• Todos os vocábulos mórficos, com exceção de algumas raízes, são formas presas e se articulam para
produzir as palavras. Assim, estas basicamente constam de duas partes, uma denominada de tema e
outra, de flexão. O tema, combinação do radical com a vogal temática, pode apresentar prefixo, raiz e
sufixo. A flexão se realiza através de desinências, que indicam categorias nominais ou verbais
conforme a classe de palavra analisada.

o RAIZ
• O significado é essencial no conceito de raiz. Raiz é o elemento irredutível e comum a todas as
palavras de uma mesma família. O elemento é irredutível quando não pode mais ser segmentado.
Vejamos a raiz da palavra amabilidades, por meio de segmentações:

a) amabilidade – s
b) amabilidad – e – s
c) amabili – dad – e – s
d) amabil – i – dad – e – s
e) ama – bil – i – dad – e – s
f) am – a – bil – i – dad – e – s

• Não é correto dizer que [terr] nas palavras terra, terráqueo, terrestre e [terr] nas palavras terror,
terrível, aterrorizar sejam uma única raiz, pois, embora tenham a mesma forma, são diferentes quanto
ao que possam significar.
• A raiz é o elemento de onde parte a primeira operação morfológica, é uma forma necessariamente
presa, portadora da carga semântica da palavra.

o RADICAL
• O radical inclui a raiz e os elementos afixais que entram na formação das palavras. Vejamos o radical
da palavra marinheiresco:

a) [mar] – radical de 1º grau


b) [marinh] – radical de 2º grau
c) [marinheir] – radical de 3º grau
d) [marinheiresc] – radical de 4º grau

• Na forma primitiva, o radical é a própria raiz. Podemos dizer que a raiz, portanto, é o radical primário
da palavra. Contudo, é comum associarmos o termo radical àquele de grau mais elevado; assim, na
palavra marinheiresco, podemos dizer que o radical é marinheiresc.

o TEMA
• Quando a palavra for primitiva, radical e raiz se confundem. Quando, porém, houver morfemas
derivacionais, estes farão parte do radical, que será mais extenso que a raiz.
• Com a vogal final, que se denomina vogal temática, o radical passa a ser conhecido como tema. O
tema é, portanto, o elemento mórfico que está pronto para receber os morfes próprios das categorias
gramaticais.
• Em português, os temas se classificam em nominais e verbais. Os nominais findam por qualquer vogal
átona, ao contrário dos verbais, cujas vogais temáticas podem ser tônicas.
• Os nomes, em sua maioria, se agrupam em três tipos de temas:
a) tema em /a/ - vida, terra, beleza;
b) tema em /o/ - feio, cachorro, mosaico;
c) tema em /e/ - triste, decente, pedestre.

• Os verbos também se enquadram em três grupos:


a) tema em /a/ - cantar, pular, viajar;
b) tema em /e/ - correr, fazer, saber;
c) tema em /i/ - sair, fugir, partir.

• Ainda com relação aos nomes, constatamos que nem todos terminam por vogal, deixando por isso de
apresentar um tema concreto. As palavras carnaval, mulher, inglês, qual etc. são radicais
atemáticos, isto, é, não possuem vogal temática, do mesmo jeito de fé, cipó, mandacaru, ímã, lã, que
findam por vogal tônica ou nasal.
• A vogal temática, por ser átona, em contato com sufixo iniciado por vogal, sofre elisão (vogais
distintas) ou crase (vogais iguais). Vejamos:
a) lindo + íssimo = lindoíssimo → lindíssimo.
b) casa + ebre = casaebre → casebre.
c) lindo + a = lindoa → linda.
d) pedra + ada = pedraada → pedrada.
• Com os nomes findos por vogal tônica ou nasal deixará de haver elisão:
a) cipó + al = cipoal
b) caju + ina = cajuína
c) Pará + ense = paraense
d) Piauí + ense = piauiense.

• Só em casos excepcionais, a vogal tônica desaparece, como em Ceará + ense = cearaense →


cearense.

o BASE
• Além dos conceitos de raiz, radical e tema, os lingüistas costumam empregar o termo base, definido
como “toda forma a que se podem acrescentar afixos de qualquer tipo” (Bauer, 1983:21). Na prática,
embora se confunda às vezes com o tema, o radical ou a raiz, a base constitui o elemento sobre o
qual se assenta a regra de formação de palavra. Dessa forma, base pode ser qualquer unidade
morfológica, com exceção dos afixos. Assim, -screver é a base de [pre] para formar prescrever, mas
prescrev- é base de [ção] para formar prescrição.

AFIXOS

• Afixo é a parte da palavra que se combina com o semantema, sempre na qualidade de forma presa, ou
seja, é uma forma agregada obrigatoriamente a uma base que constitui a entidade léxica.
• São os seguintes os tipos de afixo:

o Prefixo – acrescenta-se antes de um vocábulo existente: grato → ingrato.

▪ Aparecem antes da raiz, modificando o significado do vocábulo primitivo.


▪ Destacam-se muito facilmente e, após o destaque, em geral sobra uma palavra inteira.
Ex: re + atar; in + feliz; des + dizer etc.
▪ Muitas palavras que outrora continham prefixos hoje devem ser analisadas como
simples. Ex: objeto, derivar, biscoito, exausto, sufocar.
▪ Quase sempre alteram o significado do semantema. Ex: in + feliz (o prefixo traz a
idéia de negação).
▪ Não servem para indicar as funções gramaticais dos vocábulos. O gênero e o número,
por exemplo, em português, não são marcados por prefixos.
▪ Em geral, não mudam a classe gramatical das palavras. Se acrescentarmos prefixos ao
verbo pôr, continuarão sendo verbos (apor, repor, impor, dispor, depor, expor, opor,
transpor etc.).

o Sufixo – vem após o radical ou tema de uma palavra: grato → gratos, gratidão.

▪ Não se destacam sempre com facilidade. Ex: condutor – sufixo é –tor ou –or?
▪ Depois do destaque, resta geralmente só um pedaço de palavra. Ex: relat + or, cabeç +
udo, algu + ém.
▪ Não podem ser empregados como formas livres ou dependentes.
▪ Não alteram fundamentalmente o significado do semantema. Ex: livr + o, ária, eiro,
inho, eto, esco.
▪ Muitos sufixos servem para mudar a classe ou função da palavra. Assim, izar
transforma um nome em verbo (canal → canalizar, real → realizar).
▪ Podem indicar categorias gramaticais dos vocábulos. (moç + a – gênero; mãe + s –
número; so + mos – número e pessoa; fo + sse – modo e tempo).
▪ Há dois tipos de sufixo: os que formam novas palavras são denominados derivacionais
ou lexicais. Os que permitem que os vocábulos variem em gênero e número (quando
nomes) ou em modo, tempo, número e pessoa (quando verbos) são chamados
flexionais ou desinências.

• Os sufixos derivacionais produzem novas palavras; são assistemáticos, ou seja,


não se aplicam a todas as palavras primitivas existentes na língua (orelha →
orelhudo; nariz → narigudo; boca → *bocudo; umbigo → *umbigudo); são
relações abertas, já que é possível criar neologismos através da sufixação
lexical (otimizar, agilizar, serenizar etc.); são facultativos, pois sempre há
recursos na língua para evitá-los (muralha → muro grande; falador → que fala
muito; jornaleiro → quem vende jornais).
• Os sufixos flexionais ou desinências não criam novas palavras (belo, bela,
belos, belas são quatro formas do mesmo vocábulo); são sistemáticos, isto é,
aplicam-se a todas as palavras (por exemplo, o morfema –s do plural se amolda
praticamente a qualquer substantivo ou adjetivo); são obrigatórios (ninguém
usa um verbo sem desinências); são relações fechadas (não existe possibilidade
de criar desinências novas); sujeitam-se a vínculos de concordância.

o Interfixo – une uma raiz a um sufixo ou dois radicais de um composto: grat-i-dão; fil-ó-sofo;
cafe-t-eira; am-á-vel; cas-u-al; pegajoso. É um morfe vazio e átono.

▪ Aparece entre a base e o sufixo ou terminação verbal.


▪ No português, são as vogais e consoantes de ligação.
▪ Há autores que os incorporam ao sufixo, considerando-se o produto um alomorfe.
Outros negam a possibilidade dessa incorporação por aumentar demasiadamente o
número de alomorfes da língua.
▪ Em alguns contextos, os interfixos podem ter status de morfema. Ex: vend-á-vel (que
se vende com facilidade) x vend-í-vel (que pode ser vendido); vest-u-ário (traje) x
vest-i-ário (compartimento onde se troca de roupa).

o Infixo – insere-se dentro de outro morfe, normalmente a raiz: na língua chamorra, hasso
(pensar); h-in-asso (pensamento).

▪ São casos raríssimos na língua portuguesa. Há autores que admitem a existência de


infixos em alguns diminutivos (samba → samb-inh-a; cinema → cinem-inh-a) e na
palavra p-in-icar (de picar);

o Circunfixo – aplica-se a uma base no início e no fim, caracterizando-se como um afixo


descontínuo: na língua georgiana, katam (galinha) → sa-katam-e (galinheiro).

▪ Alguns autores admitem que a parassíntese é um caso de circunfixação. Ex: noite →


anoitecer; pobre → empobrecer.

o Transfixo – insere-se, de forma descontínua, em mais de um ponto da raiz, dividindo-a: em


árabe, r-s-m (desenhar) → r-a-s-i-m (que desenha).

o Confixo – combina-se com outro elemento, ambos nunca empregados isoladamente como
formas livres: poliedro → poli-edro, poli-gono.

▪ Envolve prefixos gregos e latinos, além de radicais dessas mesmas línguas.

• Todos esses morfes, com exceção do transfixo, existem em português.

Referência Bibliográfica:
MONTEIRO, José Lemos. Morfologia Portuguesa. Campinas: Pontes, 2002 (edição revista e ampliada) –
Pág. 37 a 66 – Textos 7c e 7d

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