Você está na página 1de 18

Faculdade

de Ciências Econômicas
UFRGS

econômica
• Moeda e m Marx e Keynes
- M a r i a d e L o u r d e s R. M o l l o

• Bancos: de Keynes a Minsky


- L u i z F e r n a n d o R. d e P a u l a .

• D e m a n d a por alimentos na Região


M e t r o p o l i t a n a d e Porto A l e g r e
- Rossana Garcia e Paulo Waquil

• Abertura comercial e o Nordeste


- J . P o l i c a r p o R. L i m a

• Mercado de trabalho e
i n v e s t i m e n t o s e m capital h u m a n o
- L e o n a r d o F r a n c i s c o F. N e t o

• Múltiplas d i m e n s õ e s d a s p a t e n t e s
- Eduardo Motta Albuquerque

• Desigualdade da renda rural no Nordeste:


c o e f i c i e n t e d e G i n i e índice de Sen
- Jorge L. Mariano e Ricardo 0 . Lima

• E v o l u ç ã o d a s indústrias m o v e l e i r a s
m u n d i a l e brasileira
- P a s c o a l J o s é M a r i o n Filho e
- Carlos José Caetano Bacha llli.,.

• Capital h u m a n o e crescimento
e n d ó g e n o d a e c o n o m i a brasileira
- FIávio O . G o n ç a l v e s
- Fernando Seabra
- J o a n í l i o R.Teixeira

A n o 16 Março, 1998 n° 29
UNIVERSIDADE F E D E R A L DO RIO G R A N D E DO SUL
Reitora: Prof. W r a n a M a r i a Panizzi
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
Diretora: Prof. Otilia Beatriz Kroeff C a r r i o n
C E N T R O DE E S T U D O S E REQUISAS E C O N Ô M I C A S
Diretor. Prof. F e r n a n d o Ferrari Filho
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
Chefe: Prof. G e n t i l C o r a z z a
C U R S O DE P Ó S - G R A D U A Ç Ã O EM ECONOMIA
Coordenador Prof. M a r c e l o S a v i n o P o r t u g a l
C U R S O DE P Ó S - G R A D U A Ç Ã O EM ECONOMIA RURAL
Coordenador. Prof. C a r l o s G u i l h e r m e A. Mielitz Netto

C O N S E L H O E D I T O R I A L : A c h y l e s B. C o s t a , A r a y M. F e l d e n s , C a r l o s A .
C r u s i u s , C a r l o s G. A . Mielitz N e t t o , E d u a r d o A . M a l d o n a d o Filho, E d u a r d o
P. Ribeiro, E u g ê n i o L a g e m a n n , F e r n a n d o Ferrari Filho, Gentil C o r a z z a ,
J o r g e P a u l o d e A r a ú j o , M a r c e l o S. P o r t u g a l , Naii J . S o u z a , O t i l i a B. K.
C a r r i o n , P a u l o A . S p o h r , P a u l o D. W a q u i l , P e d r o C. D. F o n s e c a , R o b e r t o
C. M o r a e s , R o n a l d O t t o Hillbrecht, S t e f a n o Florissi, Eleutério F. S. P r a d o
( U S P ) , F e r n a n d o H. B a r b o s a ( F G V / R J ) , G u s t a v o F r a n c o ( P U C / R J ) , J o ã o
R. S a n s ó n ( U F S C ) , J o a q u i m P. A n d r a d e ( U n B ) , J u a n H. M o l d a u ( U S P ) ,
P a u l D a v i d s o n (Univ. of T e n n e s s e e ) , W e r n e r B a e r (Univ. of Illinois).

COMISSÃO E D I T O R I A L : E d u a r d o A u g u s t o M a l d o n a d o Filho, F e r n a n d o
Ferrari Filho, G e n t i l C o r a z z a , P a u l o D a b d a b W a q u i l ,
Marcelo Savino Portugal, Roberto C a m p s Moraes.
EDITOR: Naii d e J e s u s d e S o u z a
SECRETARIA: C l á u d i a Porto Silveira, S a n d r a M a s c a r e l l o e F á b i o Régis
S p a r r e m b e r g e r . Revisão de textos: Vanete Ricacheski.
F U N D A D O R : Prof. A n t ô n i o C a r l o s S a n t o s R o s a
O s m a t e r i a i s p u b l i c a d o s n a revista Análise Econômica são da
e x c l u s i v a r e s p o n s a b i l i d a d e d o s a u t o r e s . É p e r m i t i d a a r e p r o d u ç ã o total o u
parcial d o s t r a b a l h o s , d e s d e q u e s e j a c i t a d a a f o n t e . A c e i t a - s e p e r m u t a c o m
revistas congêneres. Aceitam-se, também, livros para divulgação,
elaboração de resenhas e recensões. T o d a correspondência, material para
p u b l i c a ç ã o (vide n o r m a s n a t e r c e i r a c a p a ) , a s s i n a t u r a s e p e r m u t a s d e v e m
s e r dirigidos ao s e g u i n t e d e s t i n a t á r i o :

PROF. NALI DE J E S U S DE SOUZA


R e v i s t a Análise Econômica - Av. João Pessoa, 52
CEP 90040-000 PORTO ALEGRE - RS, BRASIL
T e l e f o n e s : (051) 3 1 6 - 3 3 4 8 e 3 1 6 - 3 4 4 0 - Fax: (051) 3 1 6 - 3 5 0 7
nali@vortex.ufrgs,br
A IMPORTÂNCIA ANALÍTICA
DA MOEDA EM MARX E KEYNES

M a r i a d e L o u r d e s R o l l e m b e r g Mollo*

SINOPSE
O t r a b a l h o procura destacar a importância analítica da m o e d a nos p e n s a m e n t o s he-
t e r o d o x o s de Marx e de Keynes, discutindo a possibilidade de c o m p l e m e n t a r i d a d e entre
as d u a s v i s õ e s . Para tanto, inicia definindo heterodoxia e d e s t a c a n d o c o m o a m o e d a é
e n c a r a d a pelo p e n s a m e n t o heterodoxo. E m seguida, salienta a s p e c t o s da visão de moe-
da c o m o relação social e m M a r x e da visão de e c o n o m i a monetária da produção e m
Keynes, q u e p e r m i t e m perceber a importância analítica que a m o e d a t e m para as duas
c o n c e p ç õ e s . Finalmente, levanta diferenças de o r d e m teórica e discute a possibilidade de
c o m p l e m e n t a r i d a d e entre as d u a s visões.
Cód. AEA 912 Palavras-chave: M o e d a ; heterodoxia; Marx; Keynes.

ABSTRACT
T h i s p a p e r e m p h a s i s e s the analytical importance of m o n e y in M a r x ' s and Keynes'
heterodox a p p r o a c h e s and d i s c u s s e s the possibility of c o m p l e m e n t a r i t y b e t w e e n these
two v i e w s . It defines heterodoxy a n d how money is interpreted by this s t r e a m of economic
theory. It also points out the social character of m o n e y in Marx's view and the notion of
m o n e t a r y production e c o n o m y in Keynes. It d e m o n s t r a t e s the analytical relevance of
m o n e y in both views.
AEA Code-912 Keywords: Money; Heterodoxy; Marx and Keynes.

1 - INTRODUÇÃO

E s t e trabalino n a s c e u d e u m painel s o b r e a h e t e r o d o x i a p ó s - k e y n e s i a n a
frente a outras heterodoxias, e m que coube à autora a comparação c o m o
p e n s a m e n t o de Marx.^ S e u objetivo é, pois, t r a ç a r a l g u n s paralelos e n t r e as

' P r o f e s s o r a do D e p a r t a m e n t o de E c o n o m i a da Universidade de Brasília. A autora agra-


d e c e os c o m e n t á r i o s das p r o f e s s o r a s Adriana A m a d o e Vânia B a s t o s , e ao C N P q , pelo
f i n a n c i a m e n t o à p e s q u i s a sobre o confronto de teorias que v e m permitindo o desenvolvi-
m e n t o d e s t a s idéias. A responsabilidade pelas opiniões aqui expostas é inteiramente da
autora.
' Painel de e n c e r r a m e n t o do S e m i n á r i o Internacional de E c o n o m i a P ó s - K e y n e s i a n a ,
o r g a n i z a d o pelo G r u p o de E s t u d o s da M o e d a e do S i s t e m a Financeiro - lE - U F R J (junho
de 1997).

ANÁLISE ECONÔMICA A N O 16 N. 2 9 Março/98 p. 5-20


a n á l i s e s m o n e t á r i a s de IVlarx e K e y n e s q u e p e r m i t a m , p o r u m lado, e n t e n d e r
o q u e faz c o m q u e h a j a m i n t e r e s s e s c o m u n s d e p e s q u i s a entre m a r x i s t a s e
p ó s - k e y n e s i a n o s , q u a i s q u e r q u e s e j a m as d i f e r e n ç a s de c o n c e p ç ã o d o s dois
a u t o r e s , a l g u m a s d a s q u a i s s e r ã o d e s t a c a d a s n e s t e t r a b a l h o . Por o u t r o lado,
p r o c u r a r - s e - á lançar a l g u m a s q u e s t õ e s i m p o r t a n t e s a s e r e m c o n t e m p l a d a s
n a d i s c u s s ã o s o b r e o i n t e r e s s e e a possibilidade teórica de c o m p l e m e n t a r i -
d a d e entre e s t a s d u a s a n á l i s e s , d e s t a c a n d o , a o longo do texto, o q u e há de
h e t e r o d o x o nelas r e l a t i v a m e n t e à ortodoxia do mainstream.

2 - A I M P O R T Â N C I A ANALÍTICA DA M O E D A NO
PENSAMENTO HETERODOXO

A importância que a m o e d a tem nas análises econômicas é u m traço


m a r c a n t e d o q u e s e c h a m a a q u i d e h e t e r o d o x i a , por o p o s i ç ã o à p e r c e p ç ã o
d o m u n d o e c o n ô m i c o q u e t e n d e ao equilíbrio, c o n c e p ç ã o f u n d a m e n t a l d a
o r t o d o x i a . O s t e r m o s o r t o d o x o e h e t e r o d o x o s ã o s e m p r e relativos e, por
isso, é p r e c i s o d e s t a c a r a q u i a o q u e s e e s t á r e f e r i n d o . E m g e r a l , a idéia d e
o r t o d o x i a está ligada à d o m i n a ç ã o de u m p e n s a m e n t o , ou a u m a c r e n ç a
c o m u m , s e n d o os h e t e r o d o x o s os q u e b u s c a m negá-la. E m e c o n o m i a , é
possível destacar algumas questões que sempre estiveram presentes nos
m a r c o s t e ó r i c o s d o m i n a n t e s e m c a d a é p o c a , c o m o a a c e i t a ç ã o d a lei de S a y
e as n o ç õ e s de h a r m o n i a , e s t a b i l i d a d e e equilíbrio a ela ligadas, b e m c o m o
a a c e i t a ç ã o d a t e o r i a quantitativa da m o e d a ( T O M ) a curto ou a longo p r a z o .
E s t a s idéias, não a p e n a s e s t ã o relacionadas entre si, m a s i m p l i c a m u m a
p e r c e p ç ã o d a m o e d a s e m n e n h u m a i m p o r t â n c i a analítica, o q u e p o d e e n t ã o
s e r visto t a m b é m c o m o u m t r a ç o característico d a o r t o d o x i a .
D e f a t o , a o longo d a história do p e n s a m e n t o e c o n ô m i c o , é p o s s í v e l
d e s t a c a r a lei d e S a y c o m o u m m a r c o i m p o r t a n t e q u e d i f e r e n c i a a u t o r e s e
e s c o l a s . E m b o r a os m o t i v o s a p o n t a d o s p a r a aceitá-la, de u m lado, ou p a r a
n e g á - l a , de o u t r o , p o s s a m s e r diferentes entre a u t o r e s e e s c o l a s , é p o s s í v e l
d e s t a c a r a l g u n s a s p e c t o s c o m u n s a eles.
Por u m lado, os q u e a c e i t a m a lei de S a y e, c o m ela, o caráter h a r m ô n i -
c o d a e c o n o m i a , c o s t u m a m atribuir p o u c a i m p o r t â n c i a analítica à m o e d a , no
•sentido de q u e ela não a f e t a a atividade produtiva (é neutra). A m o e d a é
p o u c o i m p o r t a n t e t a m b é m no s e n t i d o de que estes a u t o r e s a e n c a r a m c o m o
m e r o m e i o d e c i r c u l a ç ã o - u s a n d o - a p a r a satisfazer o objetivo d a p r o d u ç ã o
q u e , s e g u n d o s e u s a d e p t o s , é o c o n s u m o - n ã o s e n d o ela, portanto, p a s s í -
vel d e ser d e s e j a d a por si m e s m a . A n e u t r a l i d a d e d a m o e d a e a impossibili-
d a d e t e ó h c a d e c o n c e b e r s u a r e t e n ç ã o s ã o o s f a t o r e s q u e g a r a n t e m a igual-
d a d e de g a s t o s e receitas q u e define a lei de Say. A l é m disso, a n e u t r a l i d a d e
d a m o e d a a s s e g u r a q u e os a u m e n t o s de s u a q u a n t i d a d e só a f e t a m o nível
de preços, c o m o quer a T Q M , e a impossibilidade de conceber um sentido
econômico para a sua retenção é a garantia da estabilidade da sua veloci-
d a d e de c i r c u l a ç ã o , q u e t a m b é m é n e c e s s á r i a às c o n c l u s õ e s d o s m o n e t a -
ristas.
Do lado o p o s t o , t e m - s e o s f i e t e r o d o x o s q u e n e g a m a lei d e S a y . A m o -
e d a , n e s t e c a s o , a f e t a s e m p r e a atividade p r o d u t i v a ( s e n d o , p o r t a n t o , s e m -
pre n ã o - n e u t r a ) , e t e m a i n d a m u i t a i m p o r t â n c i a p a r a o p r o c e s s o e c o n ô m i c o ,
e m b o r a p o r r a z õ e s d i f e r e n t e s entre autores e e s c o l a s . É esta i m p o r t â n c i a
q u e f a z d a m o e d a a l g o d e s e j á v e l por si m e s m o , j u s t i f i c a n d o s u a r e t e n ç ã o . A
p o s s i b i l i d a d e t e ó r i c a d e r e t e n ç ã o d e m o e d a pelos a g e n t e s e c o n ô m i c o s c o n -
d u z a q u e s u a d i s p o n i b i l i d a d e seja a f e t a d a e n d ó g e n a m e n t e por eles. É este
c a r á t e r n ã o - n e u t r o e e n d ó g e n o d a m o e d a q u e c o n d u z à ruptura d a igualda-
de entre g a s t o s e receitas q u e s u s t e n t a a lei d e Say, p e r m i t i n d o s u a n e g a -
ç ã o e, c o m ela, a a p r e e n s ã o da instabilidade e d a s c r i s e s c o m o q u e s t õ e s
importantes. São t a m b é m a não-neutralidade e a endogeneidade da moeda
q u e , a l é m de p e r m i t i r e m a a p r e e n s ã o de s u a i m p o r t â n c i a e c o n ô m i c a e a n a -
lítica, i m p e d e m as c o n c l u s õ e s da T Q M , q u e p a s s a , por isso, a ser n e g a d a
pelos f i e t e r o d o x o s a q u a l q u e r t e m p o .
Definindo desta f o r m a ortodoxia e tieterodoxia, vê-se que, tanto o pen-
s a m e n t o m a r x i s t a , q u a n t o o pós-l<eynesiano aqui t r a t a d o s , c o m o procurar-
s e - á d e i x a r c l a r o a o longo d o texto, s ã o f i e t e r o d o x o s , na m e d i d a e m q u e
p e r c e b e m a e c o n o m i a real c o m o s e n d o n e c e s s a r i a m e n t e m o n e t á r i a , reco-
n h e c e m o s efeitos d a m o e d a s o b r e a atividade p r o d u t i v a (ela é s e m p r e n ã o -
n e u t r a ) , e a d m i t e m p r e s s õ e s de o r d e m interna, e n d ó g e n a s , q u e a f e t a m a
d i s p o n i b i l i d a d e de m o e d a , dificultando s e u c o n t r o l e pela a u t o r i d a d e m o n e t á -
ria.
A i m p o r t â n c i a analítica d a d a à m o e d a , o s e u papel na e c o n o m i a real e a
c o n c e p ç ã o d e p o s s i b i l i d a d e d e crises e instabilidade ligadas à m o e d a s ã o ,
pois, t r a ç o s c a r a c t e r í s t i c o s d o s h e t e r o d o x o s , e s ã o e s t e s q u e se q u e r enfati-
zar na a n á l i s e d o s p e n s a m e n t o s d e M a r x e K e y n e s . Aliás, f o r a m M a r x e
K e y n e s q u e , e m m o m e n t o s diferentes, insistiram e m c o n t r a p o r s e u p e n s a -
mento c o m os das ortodoxias da época, usando, para tanto, exatamente a
n o ç ã o de m o e d a e c h a m a n d o a t e n ç ã o p a r a as c o n s e q ü ê n c i a s d e s u a s per-
c e p ç õ e s m o n e t á r i a s distintas para as diferentes c o n c l u s õ e s a q u e c h e g a r a m
s o b r e o p r o c e s s o e c o n ô m i c o e a e v o l u ç ã o d a e c o n o m i a capitalista.
E x e m p l o d i s s o , no c a s o de Marx, é o c a p í t u l o XVII d a s Teorias da mais
valia ( M a r x , 1 9 7 5 ) , e m particular os itens 6 a 14. N e s t e s t e x t o s , o objetivo de
M a r x foi m o s t r a r q u e R i c a r d o e s t a v a e r r a d o q u a n d o a f i r m a v a a impossibili-
d a d e d e h a v e r c r i s e d e s u p e r p r o d u ç ã o ; e ele f e z isso m o s t r a n d o q u e a c o n -
c l u s ã o de R i c a r d o foi o resultado d e u m a m á e x p r e s s ã o d o papel d a m o e d a
nas e c o n o m i a s p r o d u t o r a s de m e r c a d o r i a s c o m o a capitalista. T a m b é m
K e y n e s , s o b r e t u d o nos escritos posteriores à Teoria geral, f e z q u e s t ã o d e
frisar s e u d e s a c o r d o c o m a c o n c e p ç ã o (neo) c l á s s i c a e m q u e foi f o r m a d o , e
insistiu e m fazer isso a partir d a n o ç ã o de e c o n o m i a m o n e t á r i a e d e s e n v o l -
v e n d o a idéia de p r e f e r ê n c i a pela liquidez. R e t o m a r algur>s t e x t o s d e s t e s
a u t o r e s c o m a f i n a l i d a d e d e extrair as r a z õ e s p a r a a irriportância a t r i b u í d a à
m o e d a , é o q u e s e r á feito nas s e ç õ e s 2 e 3. N a s e ç ã o 4 , s e r á m o s t r a d o q u e ,
e m b o r a os dois a u t o r e s a t r i b u a m i m p o r t â n c i a à m o e d a , o f a z e m por razões
d i f e r e n t e s e, s o b r e t u d o no q u e s e refere à r e l a ç ã o entre m o e d a e valor, as
d i f e r e n ç a s s ã o s u b s t a n c i a i s . F i n a l m e n t e , s e r á ' d i s c u t i d o t a m b é m a possibili-
dade e o interesse de complementaridade, apesar destas diferenças.

3 - MARX E A MOEDA C O M O RELAÇÃO SOCIAL

P a r a M a r x , u m p r o b l e m a sério d a e c o n o m i a política c l á s s i c a , q u e a
i m p e d i a d e b e m a p r e e n d e r a lógica do s i s t e m a capitalista d e p r o d u ç ã o , e r a
a i n c o m p r e e n s ã o d o s e u c a r á t e r p r o d u t o r de m e r c a d o r i a s . A s s i m , no c a p í -
tulo I d o Capital, ele f a z r e f e r ê n c i a a e s t a f a l h a d a e c o n o m i a política c l á s s i c a .
Diz ele:

U m a das falhas principais da e c o n o m i a política clássica é não ter c o n s e g u i -


do devassar, - partindo da análise da mercadoria e, particularmente, do valor da
m e r c a d o r i a , - a f o r m a do vator a qual o torna valor de troca (.,.). O motivo não de-
corre a p e n a s de a análise da magnitude do valor absorver totalmente s u a aten-
ção. H á u m a razão mais profunda. A f o r m a do valor dò produto do trabalho é a
f o r m a mais abstrata, mais universal do modo de produção burguês, que, através
dela, fica caracterizado c o m o u m a e s p é c i e particular de produção social, de acor-
do c o m s u a natureza histórica, A q u e m considere esse m o d o de produção social,
e s c a p a r á , n e c e s s a r i a m e n t e , o que é específico da f o r m a do valor e, e m c o n s e -
qüência, da f o r m a mercadoria e dos s e u s desenvolvimentos posteriores, a f o r m a
dinheiro, a f o r m a capital etc. (Marx, 1 9 7 1 , p.90, nota 32),

N o d e b a t e c o m R i c a r d o , m e n c i o n a d o a n t e r i o r m e n t e , M a r x insiste d e
n o v o n e s t e p o n t o . A i f i c a c l a r o q u e urna e c o n o m i a p r o d u t o r a de m e r c a d o r i a s
c o m o a capitalista n ã o p o d e s e r c o n c e b i d a s e m m o e d a o u c o m u m a m o e d a
q u e respeite as c o n d i ç õ e s d a t r o c a direta. Diz M a r x , a este respeito, q u e é
j u s t a m e n t e por não ter p e r c e b i d o o q u e há d e e s p e c í f i c o na m e r c a d o r i a q u e
R i c a r d o não e n t e n d e u o d i n h e i r o .
M a r x , r e f e r i n d o - s e à t e n t a t i v a de R i c a r d o d e n e g a r a s u p e r p r o d u ç ã o , diz
q u e isso s ó s e t o r n a p o s s í v e l p o r q u e ele trata a e c o n o m i a capitalista c o m o
produtora de produtos.

Aqui e n t ã o p r i m e i r a m e n t e , a mercadoria (,,,) é transformada e m simples


produto (...) e c o n s e q ü e n t e m e n t e o intercâmbio de mercadorias é transformado
e m simples troca de produtos. (...) a crise do m e r c a d o mundial - é negada e eva-
c u a d a ao negar a primeira condição da produção capitalista a saber q i i e o p r o d u t o
deve n e c e s s a r i a m e n t e ser u m a mercadoria, deve então se representar c o m o d i -
nheiro e percorrer o p r o c e s s o de s u a m e t a m o r f o s e ( ). O dinheiro, é então, logi-
c a m e n t e , c o n c e b i d o c o m o simples mediador do intercâmbio de produtos e não
c o m o urna f o r m a de existência da mercadoria essencial e necessária, que deve
n e c e s s a r i a m e n t e se representar c o m o valot de troca trabalho social geral. U m a
vez que s e d e s c a r t a a e s s ê n c i a do valor de troca t r a n s f o r m a n d o a mercadoria e m
s i m p l e s valor de uso (produto), pode-se facilmente negar o dinheiro c o m o f o r m a
essencial a u t ô n o m a no p r o c e s s o de m e t a m o r f o s e , e m face da f o r m a original da
m e r c a d o r i a , ou melhor, é necessário que se negue.
Aqui as crises s ã o então evacuadas por u m raciocínio que e s q u e c e ou nega as
primeiras p r e s s u p o s i ç õ e s da produção capitalista, a existência do produto c o m o
mercadoria, o d e s d o b r a m e n t o da mercadoria e m mercadoria e dinheiro, os mo-
m e n t o s da s e p a r a ç ã o que d e c o r r e m daí no intercâmbio de mercadorias e enfim a
relação do dinheiro ou da mercadoria c o m o trabalho assalariado (Marx, 1975,p.
588)

E s t a l o n g a f r a s e d e M a r x , insistindo s o b r e a i m p o r t â n c i a do dinheiro,
r e q u e r q u e se a n a l i s e a relação d e s t e último c o m o caráter m e r c a n t i l d a
e c o n o m i a capitalista, p o r u m lado, e na a r t i c u l a ç ã o c o m o c a r á t e r capitalista
p r o p r i a m e n t e dito d o t r a b a l h o a s s a l a r i a d o , por o u t r o . O dinheiro, p a r a Marx,
c o m a s d e t e r m i n a ç õ e s c o m as quais c o n h e c e m o s hoje, n a s c e c o m a p r o d u -
ç ã o d e m e r c a d o r i a s e s e d e s e n v o l v e c o m ela. A p r o d u ç ã o d e m e r c a d o r i a s
s e c a r a c t e r i z a por u m a c o n t r a d i ç ã o p r i v a d o - s o c i a l ligada ao t r a b a l h o . O s
t r a b a l h o s s ã o r e a l i z a d o s de f o r m a privada, a p a r e n t e m e n t e i n d e p e n d e n t e s e,
no e n t a n t o , as m e r c a d o r i a s p r e c i s a m ser v e n d i d a s e, n e s t e s e n t i d o , a p r o -
d u ç ã o é regida p o r u m a divisão do t r a b a l h o q u e é s o c i a l . A s o l u ç ã o , nos
t e r m o s d e M a r x , d e s t a c o n t r a d i ç ã o , se d á q u a n d o a m e r c a d o r i a , fruto do
t r a b a l h o p r i v a d o , é c o n v e r t i d a e m dinheiro e q u i v a l e n t e g e r a l , q u e i n c o r p o r a o
pólo social do t r a b a l h o : "é preciso q u e o t r a b a l h o individual s e a p r e s e n t e
c o m o t r a b a l h o social a b s t r a t a m e n t e geral", e isso s ó é p o s s í v e l pela s u a
a l i e n a ç ã o ( M a r x , 1 9 7 5 , p. 6 0 1 ) .
Este tipo d e raciocínio é q u e faz c o m q u e M a r x a p r e e n d a a m o e d a
c o m o relação s o c i a l . E m q u a l q u e r s o c i e d a d e regida pela divisão social d o
t r a b a l h o , m a s n ã o m e r c a n t i l , o t r a b a l h o , q u a n d o realizado, j á é s o c i a l , na
m e d i d a e m q u e foi p r e v i a m e n t e repartido, e q u a l i z a d o e d e c i d i d o s os critérios
p a r a d i s t r i b u i ç ã o d e s e u s f r u t o s . N a p r o d u ç ã o de m e r c a d o r i a s , t o d a v i a , t e -
m o s q u e o p r o c e s s o d e s o c i a l i z a ç ã o dos t r a b a l h o s privados s ó se c o m p l e t a
q u a n d o a s m e r c a d o r i a s s ã o c o n v e r t i d a s e m dinheiro, s e n d o esta a f o r m a
c o m p l e x a d e i m p o s i ç ã o d a d i v i s ã o social d o t r a b a l h o .
O c a r á t e r d e r e l a ç ã o social ligado a o dinheiro é t a m b é m e n c o n t r a d o
q u a n d o Marx, a o f a z e r a g ê n e s e das f o r m a s d o dinheiro, m e n c i o n a a a ç ã o
s o c i a l q u e e l e g e u m a m e r c a d o r i a para ser o e q u i v a l e n t e g e r a l , a c i r c u l a ç ã o
s o c i a l d a s c o i s a s realizada pelo p r o c e s s o d e t r o c a , a c o n e x ã o social e s t a -
b e l e c i d a pelo d i n h e i r o . M a s é n a definição d o c a r á t e r p r o p r i a m e n t e c a p i t a -
lista d a p r o d u ç ã o q u e , d e n o v o , p e r c e b e - s e o dinheiro c o m o r e l a ç ã o s o c i a l .
D e f a t o , o que d e f i n e o p r o c e s s o de p r o d u ç ã o c o m o capitalista é o p r o c e s s o
de exploração do trabalho assalariado extraindo-lhe a mais-valia. E é esta
m a i s - v a l i a , g e r a d a pelos t r a b a l h a d o r e s e a p r o p r i a d a pelos capitalistas, q u e
i n s e r e s o c i a l m e n t e as d u a s c l a s s e s na lógica d o s i s t e m a , P a r a isso, e n t r e -
t a n t o , é f u n d a m e n t a l , e m primeiro lugar, q u e a f o r ç a d e trabalho h u m a n a
t r a n s f o r m e - s e e m m e r c a d o r i a e e m dinheiro, a t r a v é s de c o n t r a t o s salariais
que são monetários.
É a t r a n s f o r m a ç ã o d a f o r ç a d e trabalho e m m e r c a d o r i a q u e abre a p o s -
sibilidade d e l a ser v e n d i d a e, e n t ã o , d e ser u s a d a p a r a gerar valor. Ela s ó s e
t r a n s f o r m a e m m e r c a d o r i a e m v i s t a d a p e r d a d a p o s s e d o s m e i o s de p r o d u -
ç ã o e d e outras m e r c a d o r i a s , por parte d o s t r a b a l h a d o r e s , e d a a p r o p r i a ç ã o
p r i v a d a d o s m e i o s de p r o d u ç ã o pelos capitalistas. V e n d i d a a f o r ç a de t r a b a -
lho c o m o m e r c a d o r i a , o b s e r v a - s e a Inserção social do t r a b a l h a d o r , ratifican-
d o a m o e d a c o m o relação social. C o m p r a d a a f o r ç a d e trabalho pelo s e u
valor, a i n d a a s s i m ela p r o d u z u m valor m o n e t á r i o maior, a mais-valia q u e ,
c o n v e r t i d a e m dinheiro, insere s o c i a l m e n t e o capitalista, cujo objetivo é o
l u c r o e a a c u m u l a ç ã o d e capital q u e o g a r a n t e .
E s t a n o ç ã o de dinheiro c o m o relação s o c i a l , articula, portanto, c l a s s e s ,
p r o c e s s o s de t r a b a l h o , e t a p a s de p r o d u ç ã o , c i r c u l a ç ã o e distribuição, f a z e n -
d o d a m o e d a algo inseparável d a s e c o n o m i a s capitalistas. É por isso q u e ,
p a r a M a r x , a e c o n o m i a real é n e c e s s a r i a m e n t e m o n e t á r i a . Esta articulação
e n t r e a m o e d a e a e c o n o m i a real, n a o b r a d e M a r x , é q u e vai s e r r e s p o n s á -
vel pela n o ç ã o de n ã o - n e u t r a l i d a d e p e r m a n e n t e d a m o e d a e pelo c a r á t e r
e n d ó g e n o d a m e s m a . No q u e se refere à n ã o - n e u t r a l i d a d e d a m o e d a , ela
s i g n i f i c a q u e a m o e d a a f e t a a atividade p r o d u t i v a . T a l n ã o - n e u t r a l i d a d e , na
obra de Marx, aparece quando, resolvendo a contradição privado-social, a
m o e d a p e r m i t e q u e a e c o n o m i a mercantil f u n c i o n e - a p e s a r d a c o n t r a d i ç ã o .
E s t a c o n t r a d i ç ã o p r e c i s a ser " m o v i m e n t a d a " pelo d i n h e i r o , ou então a socie-
d a d e n ã o f u n c i o n a r i a c o m o tal (Mollo, 1993).
U m a o u t r a f o r m a de Marx analisar a n ã o - n e u t r a l i d a d e d a m o e d a é
q u a n d o s e refere ao crédito, E s t e , p a r a M a r x , potencializa o p r o c e s s o d e
a c u m u l a ç ã o a o a m p l i a r - l h e a e s c a l a , ao reduzir o t e m p o de p r o d u ç ã o e d e
c i r c u l a ç ã o e a o sincronizar a s v á r i a s e t a p a s d o p r o c e s s o . A o m e s m o t e m p o
q u e o crédito potencializa o p r o c e s s o de a c u m u l a ç ã o , a m p l i a t a m b é m as
c o n s e q ü ê n c i a s d a s c o n t r a d i ç õ e s inerentes a ele, c o m o é o c a s o das p o s s i b i -
lidades d e crise a b e r t a s pelo uso da m o e d a , o q u e é o u t r a f o r m a de ver a
não-neutralidade da m e s m a .
Quanto à endogeneidade da moeda, entendida como o que, de forma
i n e r e n t e , e n d ó g e n a ao s i s t e m a produtivo, a f e t a a m o e d a , p o d e m o s dizer
q u e , p a r a M a r x , a m o e d a c o m e ç a a s e r e n d ó g e n a q u a n d o s u r g e d a própria
lógica d o p r o c e s s o de p r o d u ç ã o d e m e r c a d o r i a s , c o m o fruto de d e t e r m i n a -
ç õ e s d a m e r c a d o r i a , m a i s p r e c i s a m e n t e d a c o n t r a d i ç ã o privado-social q u e a
c a r a c t e r i z a e q u e precisa d a m o e d a p a r a ser s o l u c i o n a d a ( m o v i m e n t a d a ) .
M a s M a r x t a m b é m a n a l i s a esta e n d o g e n e i d a d e q u a n d o trata do e n t e s o u r a -
m e n t o e d a oferta de crédito. No q u e se refere ao e n t e s o u r a m e n t o , M a r x
m e n c i o n a q u e ele f u n c i o n a c o m o c a n a l adutor d a c i r c u l a ç ã o . M a r x n ã o defi-
niu c o m p r e c i s ã o as r a z õ e s q u e levariam ao e n t e s o u r a m e n t o , m a s d e i x a
p e r c e b e r q u e a i m p o r t â n c i a g a n h a pelo dinheiro na lógica capitalista d e pro-
d u ç ã o , f a z dele algo c a d a v e z m a i s d e s e j á v e l . S e g u n d o M a r x ,
d e s p e r t a a avidez pelo ouro a possibilidade que oferece de conservar valor-de-
troca c o m o m e r c a d o r i a , o u mercadoria c o m o valor de troca. A o ampliar-se a cir-
c u l a ç ã o de m e r c a d o r i a s , a u m e n t a o poder do dinheiro, a forma de riqueza s e m p r e
disponível e a b s o l u t a m e n t e social (Marx, 1971, p,149)

T r a t a - s e , pois, de u m e n t e s o u r a m e n t o m o v i d o pelo i n t e r e s s e de a p r o -
p r i a ç ã o p r i v a d a do p o d e r s o c i a l q u e a m o e d a t e m (Brunhoff, 1978), q u e é
b u s c a d o pelo e n t e s o u r a d o r . T r a t a - s e , pois, de u m e n t e s o u r a m e n t o q u e visa
poder social.
Q u a n t o à oferta de c r é d i t o , a opinião de Marx s o b r e a e n d o g e n e i d a d e
d a c r i a ç ã o d e m o e d a fica c l a r a q u a n d o ele d i s c u t e a s c o n t r o v é r s i a s m o n e t á -
rias d o s é c u l o X I X . A i ele f i c a a o lado d e Tool<e, a o insistir q u e o crédito
a u m e n t a p r e s s i o n a d o pelo m o v i m e n t o e ritmo dos n e g ó c i o s , e vai m a i s lon-
ge do q u e T o o k e , q u a n d o a f i r m a q u e o a u m e n t o d a oferta de crédito não
p r e c i s a n e m estar sujeito a u m a razão de e n c a i x e f i x a (Marx, 1 9 7 1 , vol. II e
Mollo, 1 9 9 4 ) .

3 - KEYNES E A E C O N O M I A MONETÁRIA DA PRODUÇÃO

T a m b é m K e y n e s , s o b r e t u d o na parte d a s u a o b r a d e p o i s d a Teoria
geral, e n f a t i z a o p a p e l d a m o e d a , insistindo n e s t e t e m a c o m o o q u e f a z i a a
d i f e r e n ç a e n t r e o s e u p e n s a m e n t o e o dos n e o c l á s s i c o s . P a r a K e y n e s , t a m -
b é m é i m p o r t a n t e d i f e r e n c i a r u m a e c o n o m i a de t r o c a direta e o q u e ele
c h a m a v a u m a e c o n o m i a m o n e t á r i a d a p r o d u ç ã o . Diz ele a este respeito:
In my opinion the m a i n reason w h y the problem of crises is unsolved, or at
any rate w h y this theory is so unsatisfactory, is to be found in the lack of what
might be t e r m e d a m o n e t a r y theory of production.
T h e distinction w h i c h is normally made b e t w e e n a barter e c o n o m y and a mo-
netary e c o n o m y d e p e n d s upon the employment of m o n e y as a convenient means
of effecting e x c h a n g e s - as an instrument of great convenience, but transitory and
neutral in its effects (,..). It is not s u p p o s e d to affect the essential nature of the
transaction f r o m b e i n g , in the minds of those making it, one b e t w e e n real things,
or to modify the motives a n d decisions of the parties to it.
(...) T h e theory w h i c h I desiderate would deal, in contradistinction to this,
with an e c o n o m y in w h i c h money plays a part of its o w n and affects motives and
d e c i s i o n s a n d is, in short, o n e of the operative factors in the situation, s o that the
c o u r s e of events c a n n o t be predicted, either in the long period or in the short, w i -
thout a k n o w l e d g e of the behavior of money b e t w e e n the first state and the last.
A n d it is this, w h i c h w e ought to m e a n w h e n w e speak of a m o n e t a r y e c o n o m y
( K e y n e s , 1971-1983, v o l . XIII, p. 408-409),
P a r a K e y n e s , a e c o n o m i a é b a n h a d a pela incerteza d e c o r r e n t e , d e u m
lado, d a d e s c e n t r a l i z a ç ã o d a s d e c i s õ e s e, do o u t r o , do futuro d e s c o n h e c i d o .
N e s t a s c i r c u n s t â n c i a s , a m o e d a , e n q u a n t o o ativo mais líquido, p a s s a a ter
i m p o r t â n c i a f u n d a m e n t a l c o m o g a r a n t i a c o n t r a esta incerteza. A l é m d i s s o ,
ela reduz a incerteza no s e n t i d o d e a p r o x i m a r , via contratos m o n e t á r i o s , o
futuro d o p r e s e n t e , e articula, por m e i o d e s t e s contratos, n ã o a p e n a s os
agentes e processos descentralizados, mas ainda o passado, o presente e o
f u t u r o . N a e c o n o m i a capitalista a f i r m a lida c o m dinheiro o t e m p o t o d o , b u s -
c a n d o a m p l i a r s u a r i q u e z a m o n e t á r i a , e c a b e a ela a d e c i s ã o f u n d a m e n t a l , a
d e investir. Esta é u m a d e c i s ã o crucial p o r q u e , u m a v e z t o m a d a , a f e t a a
r e n d a f u t u r a , e de f o r m a a m p l i a d a , e m f u n ç ã o d o efeito multiplicador. Entre-
t a n t o e s t a d e c i s ã o t e n d e a s e r volátil p o r q u e , e m c o n d i ç õ e s d e i n c e r t e z a ,
o b s e r v a - s e resistência p a r a t o m a r este tipo de d e c i s ã o . T e n d o e m v i s t a q u e
e s t a s d e c i s õ e s e n v o l v e m horizontes d e t e m p o longos, e m q u e as e x p e c t a t i -
v a s n ã o s ã o m a i s do q u e c o n j e c t u r a s , há u m c a r á t e r subjetivo ligado inevita-
v e l m e n t e à d e c i s ã o d e investir. P a r a K e y n e s , " n o s s o c o n h e c i m e n t o d o s f a t o -
res q u e g o v e r n a m o retorno de u m i n v e s t i m e n t o daqui há a l g u n s a n o s é
u s u a l m e n t e muito p e q u e n o e g e r a l m e n t e n e g l i g e n c i á v e l " ( K e y n e s , 1 9 5 4 , p.
149).
A s s i m , a p r e f e r ê n c i a pela liquidez p o d e c r e s c e r o suficiente p a r a inibir a
d e c i s ã o d e i n v e s t i m e n t o . A incerteza q u e b a n h a a e c o n o m i a a f e t a o investi-
m e n t o d e d u a s m a n e i r a s : por u m lado, por m e i o d a d e t e r m i n a ç ã o d a t a x a de
j u r o s ; por o u t r o , a f e t a n d o a eficiência m a r g i n a l d o capital. A s s i m , o investi-
m e n t o t e n d e a ser volátil e a r e n d a , resultante dele, t e n d e a flutuar m u i t o , o
q u e e x p l i c a a instabilidade do c a p i t a l i s m o . H á , pois, nestas v i s õ e s de
K e y n e s , u m a p e r c e p ç ã o d a articulação estreita entre a realidade e c o n ô m i c a
e a m o e d a , razão pela q u a l a m o e d a n u n c a p o d e ser vista c o m o n e u t r a nas
a b o r d a g e n s p ó s - k e y n e s i a n a s que s e i n s p i r a m destes escritos h e t e r o d o x o s
finais d e Keynes.^

^ o fato de autores ligados ao mainstream admitirem a não-neutralidade d a m o e d a a curto


prazo não é suficiente para caracterizá-los c o m o heterodoxos, u m a vez que, e m qualquer
c a s o , a m o e d a t e m importância analítica m e r a m e n t e transitória, o que decorre d a incor-
p o r a ç ã o da m o e d a na análise s ó depois de p e n s a d a s as condições de equilíbrio da eco-
nomia, b a s e a d a s e m fatores reais (preferências, tecnologia, disponibilidade de fatores,
etc ). Para F r i e d m a n , por e x e m p l o , a m o e d a só é não-neutra a curto prazo e m vista da
ilusão monetária", o q u e significa que a m o e d a opera pelo que ela não é e não pelo seu
papel e c o n ô m i c o . T a m b é m p a r a os n o v o s - k e y n e s i a n o s , a m o e d a é não-neutra a curto
prazo. M a s , c o m o observa M i n s k y (1996, p. 85), nas teorias e m que a m o e d a s ó não é
neutra fora do equilíbrio (a curto prazo), este equilíbrio não aperras é d e t e r m i n a d o inde-
p e n d e n t e m e n t e das variáveis monetárias, c o m o pressupõe-se que a própria trajetória
para o equilíbrio não afete o m e s m o . Ora, tal c o n c e p ç ã o é a de t e m p o lógico, que não
c o n c e b e o processo e c o n ô m i c o c o m o histórico e, por isso, não p e r c e b e a i m p o r t â n c i a
e c o n ô m i c a que a m o e d a t e m c o m o articuladora da atividade produtiva, ligando agentes
D e fato, a n ã o - n e u t r a l i d a d e é p e r c e b i d a , e m p r i m e i r o lugar, q u a n d o se
o b s e r v a q u e a d e t e r m i n a ç ã o d a t a x a d e j u r o s - u m d o s fatores f u n d a m e n t a i s
d a d e c i s ã o crucial d e investir - é m o n e t á r i a .
E m s e g u n d o lugar, a i m p o r t â n c i a , p a r a K e y n e s , d a m o e d a p a r a a c o n -
c r e t i z a ç ã o d o i n v e s t i m e n t o é a n a l i s a d a a t r a v é s d o m o t i v o f i n a n ç a . S e m liqui-
d e z f o r n e c i d a ex ante p e l o s b a n c o s , diz K e y n e s , não há c o m o garantir q u e
d e c i s õ e s de investir j á t o m a d a s s e c o n c r e t i z e m . É p r e c i s o q u e os b a n c o s
g a r a n t a m , neste i n t e r r e g n o , a liquidez n e c e s s á r i a . O s recursos d e s t i n a d o s a
este f i m f u n c i o n a r i a m , s e g u n d o K e y n e s , c o m o u m f u n d o rotativo, u m a v e z
q u e , a o s e r e m g a s t o s , o s r e c u r s o s v ã o r e t o r n a n d o p o u c o a p o u c o a o sis-
t e m a b a n c á r i o , s o b a f o r m a d e d e p ó s i t o s , e p o d e m , e n t ã o , ser r e p a s s a d o s a
novos tomadores.
A r a c i o n a l i d a d e e n v o l v i d a e m preferir a liquidez e m c o n d i ç õ e s d e incer-
t e z a , por o u t r o lado, é o u t r a f o r m a de ver a n ã o - n e u t r a l i d a d e d a m o e d a . Isto
p o r q u e , é esta p r e f e r ê n c i a p e l a liquidez q u e inibe o i n v e s t i m e n t o e p r o v o c a
c r i s e s , ou afeta n e g a t i v a m e n t e a atividade produtiva.
A p r e f e r ê n c i a pela liquidez e m K e y n e s p e r m i t e t a m b é m a a n á l i s e d a
e n d o g e n e i d a d e d a m o e d a , d a idéia d e d i s p o n i b i l i d a d e de m o e d a v a r i a n d o
c o m o resultado d e p r e s s õ e s i n t e r n a s , e n d ó g e n a s à e c o n o m i a . Esta e n d o g e -
n e i d a d e p o d e s e r vista, e m p r i m e i r o lugar, a n a l i s a n d o q u e o s b a n c o s , e m
d e t e r m i n a d a s c i r c u n s t â n c i a s , p o d e m resistir a c o n c e d e r m a i s e m p r é s t i m o s
nas m e s m a s c o n d i ç õ e s d e t a x a d e j u r o , preferindo a liquidez, o q u e r e d u z a
d i s p o n i b i l i d a d e de liquidez d e f o r m a e n d ó g e n a . M a s K e y n e s t a m b é m m e n c i -
o n a , n a s d i s c u s s õ e s d o m o t i v o f i n a n ç a , u m a n o ç ã o m a i s a m p l a de e n d o g e -
n e i d a d e , e n v o l v e n d o o s a g e n t e s d e u m a m a n e i r a g e r a l . S e g u n d o K e y n e s , os
r e c u r s o s líquidos n e c e s s á r i o s p a r a c o n c r e t i z a r a d e c i s ã o d e investir p o d e m
n ã o estar d i s p o n í v e i s s e a p r e f e r ê n c i a pela liquidez d o s b a n c o s e do p ú b l i c o
n ã o permitir. P a r a ele, " t o o g r e a t a press of i n c o m p l e t e d i n v e s t m e n t d e c i s i -
o n s is quite c a p a b l e of e x h a u s t i n g the available f i n a n c e , if the b a n k i n g s y s -
t e m is unwilling to i n c r e a s e t h e s u p p l y of m o n e y a n d t h e s u p p l y f r o m existing
h o l d e r s is inelastic" ( K e y n e s , 1 9 7 1 , 1 9 8 3 , vol. XIV, p. 2 1 0 ) .
E s t e tipo d e p e r c e p ç ã o d e K e y n e s d á o r i g e m a u m a n o ç ã o de e n d o g e -
n e i d a d e d a m o e d a r e l a c i o n a d a c o m u m a oferta m o n e t á r i a q u e f i c a a f e t a d a
p e l a m a i o r ou m e n o r d i s p o s i ç ã o d o s a g e n t e s e c o n ô m i c o s e m geral de s e
m a n t e r m a i s ou m e n o s l í q u i d o s . M a s p ó s - k e y n e s i a n o s c o m o M i n s k y c h e g a m
a propor uma noção de endogeneidade da moeda, de variação endógena da
s u a q u a n t i d a d e , q u e é c o n s e q ü ê n c i a não d e p r e s s õ e s do lado d a d e m a n d a ,
d e m a i o r ou m e n o r p r e f e r ê n c i a p e l a liquidez, m a s de m o v i m e n t o s d o lado d a
o f e r t a d e i n o v a ç õ e s f i n a n c e i r a s . Estas t ê m c o m o objetivo obter lucros o u
fugir d o controle d a s A u t o r i d a d e s M o n e t á r i a s :

e c o n ô m i c o s o p e r a n d o de f o r m a s e p a r a d a e relacionando as fases do p r o c e s s o produtivo


ao longo do t e m p o .
the supply or b a n k financing is within significant limits d e t e r m i n e d by the interacti-
on of bankers a n d their c u s t o m e r s , and given the existence of a w i d e , s p e c t r u m of
financial instruments, a substitution of liquid assets for money in portfolios will yield
f u n d s to finance position in assets (Minsky, 1977, p. 146).

A p e r c e p ç ã o de K e y n e s , n e s t e tipo de i n t e r p r e t a ç ã o , valoriza o papel d e


c o o r d e n a ç ã o indireta q u e a m o e d a e x e r c e no p r o c e s s o p r o d u t i v o , articulan-
do processos, agentes e etapas passadas, presentes e futuras. Tal c o m o
M a r x , c o m a n o ç ã o de m o e d a c o m o relação s o c i a l , t a m b é m K e y n e s a p r e e n -
d e este papel de c o n e x ã o s d c i a l / c o o r d e n a ç ã o indireta q u e a m o e d a t e m . T a l
p e r c e p ç ã o , a l é m de d e c o r r e n t e d a o b s e r v a ç ã o do c a r á t e r d e s c e n t r a l i z a d o
d a s d e c i s õ e s , s e m q u e haja u m a " m ã o invisível" p a r a g u i á - l a s , d e c o r r e da
a p r e e n s ã o do t e m p o histórico, ou seja, cujas f a s e s s ã o irreversíveis e as
d e c i s õ e s t o m a d a s hoje d e p e n d e m do p a s s a d o e do q u e se e s p e r a no futuro
e a f e t a m n e c e s s a r i a m e n t e o f u t u r o . A s s i m , não há c o m o garantir que h a v e r á
equilíbrio no longo prazo p o r q u e este é a f e t a d o a c a d a m o m e n t o pelo q u e
a c o n t e c e u no c u r t o prazo. Dito de outra m a n e i r a , neste tipo d e p e r c e p ç ã o , o
c u r t o p r a z o a f e t a p e r m a n e n t e m e n t e , d e s l o c a n d o , o longo p r a z o e, nestas
c i r c u n s t â n c i a s , a m o e d a e os contratos m o n e t á r i o s , ligando p a s s a d o , pre-
s e n t e e futuro s ã o e x t r e m a m e n t e i m p o r t a n t e s .

4 - A RELAÇÃO ENTRE MOEDA E VALOR: DIVERGÊNCIAS E


P O S S I B I L I D A D E DE C O M P L E M E N T A R I D A D E

T a n t o M a r x q u a n t o K e y n e s , c o m o foi visto na s e ç ã o anterior, p r e o c u -


p a m - s e e m d e s t a c a r a i m p o r t â n c i a analítica d a m o e d a . D e s t a c a m , inicial-
m e n t e , a d i f e r e n ç a entre u m a e c o n o m i a p r o d u t o r a d e mercadori-
a s / m o n e t á r i a e u m a e c o n o m i a de t r o c a direta; m o s t r a m q u e , u m a v e z q u e
s e interpreta a e c o n o m i a c o m o algo q u e respeita as c o n d i ç õ e s d a t r o c a d i -
reta, a m o e d a p a s s a a ser algo " e v a n e s c e n t e " , "fugaz", nos t e r m o s de Marx,
o u algo "transitório e neutro e m s e u s efeitos", nas p a l a v r a s de K e y n e s , e
p r o p õ e m u m a n o ç ã o de m o e d a e s s e n c i a l , p a r a resolver a c o n t r a d i ç ã o priva-
d o - s o c i a l ligada ao t r a b a l h o produtor de m e r c a d o r i a s , no c a s o d e Marx, ou
c o m o g a r a n t i a c o n t r a a incerteza q u e s e origina d a d e s c e n t r a l i z a ç ã o d a s
decisões e do futuro desconhecido, afetando motivos e decisões e constitu-
i n d o - s e " n u m d o s fatores o p e r a t i v o s na s i t u a ç ã o " , p a r a K e y n e s .
M a s e x i s t e m t a m b é m g r a n d e s d i f e r e n ç a s entre as c o n c e p ç õ e s d e s t e s
a u t o r e s , u m a das q u a i s s e r á t r a t a d a n e s t a s e ç ã o , a d a r e l a ç ã o entre a c o n -
c e p ç ã o m o n e t á r i a d e c a d a autor e o valor. Para Marx, a m o e d a equivalente
geral a p a r e c e e se d e s e n v o l v e p a r a f u n c i o n a r c o m o e s p e l h o do valor. Tal
p a p e l , q u a n d o d a m o e d a m e r c a d o r i a , fica b e m nítido, u m a v e z que a m e r c a -
d o r i a e s c o l h i d a e e x c l u í d a d a s d e m a i s p a r a c u m p r i r a f u n ç ã o d e equivalente
geral t i n h a u m c o n f e r i d o de t r a b a l h o cristalizado q u e s e o p u n h a nas t r o c a s
ao conteúdo de trabalho das demais mercadorias.
Q u a n d o , p o r é m , a m o e d a d e i x a d e s e r m e r c a d o r i a , esta ligação direta
c o m o c o n t e ú d o de t r a b a l h o n ã o p o d e s e r feita. Isto, e n t r e t a n t o , não p a r e c e
ser s u f i c i e n t e p a r a e l i m i n a r a i m p o s i ç ã o da lei do v a l o r - t r a b a l h o . A o c o n t r á -
rio, a e x p o s i ç ã o feita na s e ç ã o 2, s o b r e a m o e d a c o m o relação s o c i a l e m
Marx, p a r e c e p a s s í v e l d e s e r d e s e n v o l v i d a p a r a a m o e d a de crédito, não
c o n v e r s í v e l , c o m u m a n o ç ã o d e i m p o s i ç ã o d a lei do valor não d i r e t a , ou
i m e d i a t a , a partir d a n o ç ã o d e t r a b a l h o i n c o r p o r a d o , m a s u s a n d o d e f o r m a
a r t i c u l a d a as n o ç õ e s de t r a b a l h o a b s t r a t o , valor e m o e d a n u m p r o c e s s o de
s o c i a l i z a ç ã o d o s t r a b a l h o s p r i v a d o s q u e n a d a m a i s é d o q u e a i m p o s i ç ã o da
lei d o valor.
E m b o r a o objetivo d e s t e t r a b a l h o não s e j a o d e t a l h a m e n t o d e s t a s idéi-
a s , c u m p r e notar q u e R u b i n (1978) e Brunhoff ( 1 9 7 4 e 1979), a o e x p l o r a r a
v e r s ã o t r a b a l h o a b s t r a t o d a t e o r i a d o valor de Marx, q u e enfatiza a n o ç ã o de
r e l a ç ã o social d a m o e d a (De V r o e y , 1985), d ã o a l g u m a s idéias a respeito d a
n o ç ã o d e i m p o s i ç ã o d a lei d o v a l o r - t r a b a l h o e m c o n d i ç õ e s d e m o e d a de
c r é d i t o . T a l c o m o foi e n f a t i z a d o por Marx, na d i s c u s s ã o c o m R i c a r d o s o b r e a
i m p o r t â n c i a analítica d a m o e d a , a idéia é d e q u e e m s o c i e d a d e s p r o d u t o r a s
d e m e r c a d o r i a s c o m o a capitalista, a divisão social do trabalho se realiza por
m e i o d a m o e d a e, por isso, m o e d a , m e r c a d o r i a e valor s ã o n o ç õ e s e s t r e i -
t a m e n t e c o n e c t a d a s n e s t e tipo d e s o c i e d a d e (Brunhoff, 1978, p.47).
A m o e d a , n e s t e tipo de i n t e r p r e t a ç ã o , é a r e p r e s e n t a ç ã o institucionali-
z a d a d o t r a b a l h o a b s t r a t o . A s s i m , a a b s t r a ç ã o dos trabalhos s e c o m p l e t a
c o m a t r a n s f o r m a ç ã o d a s m e r c a d o r i a s e m m o e d a e, neste p r o c e s s o , a s s i s -
te-se à socialização dos trabalhos privados.
D e V r o e y , l e m b r a n d o M a r x na s u a Contribuição à Crítica da Economia
Politica, e s c r e v e :

Dizer que o t r a b a l h o abstrato é o f u n d a m e n t o da c o m e n s u r a b i l i d a d e das


m e r c a d o r i a s implica a idéia de u m a anterioridade lógica, mas, e m troca, a afirma-
ç ã o s e g u n d o a qual o trabalho abstrato só se realiza na troca Implica a idéia de
u m a posterioridade lógica. Para que u m valor possa se constituir na base da troca
de m e r c a d o r i a s , é preciso que o trabalho abstrato ache uma g r a n d e z a c o n c r e t a na
qual ele p o s s a se representar e que seja suscetível de exprimir quantitativamente
a discrepância entre u m m o n t a n t e potencial, a pretensão de trabalho abstrato, e
u m m o n t a n t e efetivo, o trabalho abstrato realizado Para representar este p a p e l , a
m o e d a deve existir p r e v i a m e n t e às trocas, c o m o prefiguração do trabalho abstrato
futuro. G r a ç a s a isso, a t r a n s f o r m a ç ã o do trabalho privado e m trabalho social
pode ser o p e r a c l o n a l l z a d a e a teoria do valor recebe (. .) uma fisionomia c o m p l e -
ta. N e s s a perspectiva, teoria do valor e teoria da m o e d a f o r m a m u m objeto único
(De Vroey, 1985, p. 39).

O s v a l o r e s , n e s t e tipo d e a b o r d a g e m , s ó e x i s t e m t r a n s f o r m a d o s e m
p r e ç o s e as o p e r a ç õ e s d e t r o c a s m e r c a n t i s c o m b i n a m " u m a s p e c t o visível -
a f o r m a ç ã o d e u m a r e n d a p a r a o v e n d e d o r - e a c r i a ç ã o de valor. S e há for-
m a ç ã o d e r e n d a , é p o r q u e h á f o r m a ç ã o d e valor" ( D e Vroey, 1 9 8 5 , p.40).
O b s e r v e - s e q u e , n e s t e tipo d e a b o r d a g e m , a d e f i n i ç ã o final do valor (via
p r e ç o s ) s e c o m p l e t a na c i r c u l a ç ã o , q u a n d o d a c o n v e r s ã o d a m e r c a d o r i a e m
m o e d a . A s s i m , diz Brunhoff: " O caráter s o c i a l m e n t e n e c e s s á r i o d o t r a b a l h o
d e s p e n d i d o s ó s e verifica q u a n d o o p r o d u t o m e r c a n t i l d e s t e t r a b a l h o s e t r o -
c a c o n t r a u m e q u i v a l e n t e " (Brunhoff, 1974, p. 74) .
A s s i m , p a r a ela, "a c a t e g o r i a 'trabalho a b s t r a t o ' s ó é p o s s í v e l no c r u z a -
m e n t o d a s n o ç õ e s de p r o d u ç ã o e de c i r c u l a ç ã o , e a "lei do valor (...) s ó p o d e
s e r c o m p r e e n d i d a n e s t a r e l a ç ã o p r o d u ç ã o / c i r c u l a ç ã o " (Brunhoff, , 1 9 7 4 , p.
74). P a r a Brunhoff, "é n a c i r c u l a ç ã o q u e o n o v o valor social d a m e r c a d o -
ria se i m p õ e a o valor individual" e " p o d e - s e falar e n t ã o de u m a lei d o valor
q u e e x p r i m e a m o d i f i c a ç ã o de relações e n t r e t r a b a l h o individual e t r a b a l h o
s o c i a l , e a n e c e s s i d a d e d e u m a s u b m i s s ã o do p r i m e i r o pelo s e g u n d o " ( B r u -
nhoff, 1 9 7 4 , p. 7 5 - 7 6 ) .
A s o b s e r v a ç õ e s a c i m a d e i x a m ver q u e Brunhoff a s s u m e a idéia de valor
c r i a d o na p r o d u ç ã o c o m o o f u n d a m e n t o d a s r e n d a s g e r a d a s na c i r c u l a ç ã o ,
e m b o r a a d m i t a d i s c r e p â n c i a entre o q u e é s a n c i o n a d o pela v e n d a na c i r c u -
l a ç ã o , r e l a t i v a m e n t e ao t r a b a l h o i n c o r p o r a d o na p r o d u ç ã o , m a s isto é a d m i -
tido c o m o f a z e n d o parte d o p r o c e s s o de s o c i a l i z a ç ã o d o s t r a b a l h o s p r i v a d o s .
Q u a n d o a m o e d a é ainda u m a mercadoria, o seu conteúdo de trabalho é
q u e s e r á visto e r e c o n h e c i d o d e i m e d i a t o c o m o s o c i a l , p a r a c u m p r i r o papel
d e e s p e l h o d o valor d a s d e m a i s m e r c a d o r i a s . Q u a n d o , t o d a v i a , a m o e d a
d e i x a d e s e r m e r c a d o r i a , ela c o n t i n u a c u m p r i n d o e s t e p a p e l d e s o c i a l i z a d o r
d o s t r a b a l h o s p r i v a d o s , m a s s e u papel social de servir de e s p e l h o do valor
p r e c i s a a t o d o m o m e n t o s e r a f i r m a d o e r e a f i r m a d o p o r práticas sociais q u e
. e n v o l v e m a c r i a ç ã o d e m o e d a pelos b a n c o s , a s a n ç ã o d e s t a s m o e d a s b a n -
c á r i a s pela a u t o r i d a d e m o n e t á r i a , a verificação d o p o d e r de e q u i v a l ê n c i a d a
m o e d a n a c i o n a l pela c o n v e r s i b i l i d a d e d e s t a e m m o e d a internacional, p r o -
c e s s o s estes q u e e x p r i m e m a socialização d a p r ó p r i a m o e d a ou a n e c e s s i -
dade dela se afirmar permanentemente c o m o equivalente geral, reconhecido
s o c i a l m e n t e p a r a c u m p r i r e s t e papel de e s p e l h o do valor, de "trabalho social
a b s t r a t a m e n t e geral".
N e s t e g ê n e r o d e v i s ã o , p r e s e r v a - s e o c a r á t e r r e l a ç ã o social d a m o e d a a
partir d a n o ç ã o d e u m a m o e d a q u e socializa o s t r a b a l h o s c o n t i d o s n a s m e r -
c a d o r i a s e t e m ela m e s m a q u e se a f i r m a r s o c i a l m e n t e , s e r r e c o n h e c i d a
s o c i a l m e n t e p a r a c u m p r i r s e u p a p e l . E s t a s o c i a l i z a ç ã o de t r a b a l h o p r i v a d o ,
a o s e r c o n v e r t i d o e m m o e d a e m c o n d i ç õ e s de m o e d a de crédito, a d m i t e
c e r t a flexibilidade. E n t r e t a n t o ela e n c o n t r a limites na n e c e s s i d a d e de a f i r m a -
ç ã o social d a m o e d a c o m o e q u i v a l e n t e g e r a l . S e e s t a flexibilidade u l t r a p a s s a
c e r t o s limites, a s d i f i c u l d a d e s d e c o n v e r s i b i l i d a d e d a m o e d a b a n c á r i a e m
m o e d a n a c i o n a l ou d a m o e d a nacional e m m o e d a internacional s e i m p õ e m .
T a i s d i f i c u l d a d e s , e a s c r i s e s delas d e c o r r e n t e s , a c a b a m por i m p o r d e f o r m a
brutal os limites n e c e s s á r i o s p a r a q u e a m o e d a p o s s a c u m p r i r s e u papel d e
equivalente geral.
E s t e tipo d e v i s ã o , q u e articula g e r a ç ã o de r e n d a e c r i a ç ã o d e valor,
i m p l i c a u m a n o ç ã o d e e x c e d e n t e g e r a d o s o b a f o r m a de mais-valia limitando
as r e n d a s . E n t ã o , n ã o é p o s s í v e l falar de u m a b a n d o n o d a teoria d o valor-
t r a b a l h o . N o q u e s e refere à m o e d a , ela não é u m a u n i d a d e de p r e ç o s m e -
r a m e n t e c o n v e n c i o n a l , p a s s í v e l de m a n i p u l a ç ã o arbitrária pelo E s t a d o , por-
q u e a n e c e s s i d a d e q u e o E s t a d o t e m de garantir a c o n v e r s i b i l i d a d e d e s u a
m o e d a e m o u t r a s e de zelar pela a c e i t a ç ã o social d a s u a m o e d a , a c a b a m
por limitar s u a a t u a ç ã o n e s t e sentido, m e s m o q u e haja m o v i m e r i t o s e s p e -
c u l a t i v o s f a z e n d o flutuar o v a l o r d a m o e d a a o longo do t e m p o . ^ É isso que
leva B r u n h o f f a dizer q u e
os diferentes tipos de m o e d a definidos c o m o símbolos de valor r e p r o d u z e m en-
tre eles s e u papel de equivalente geral e "são conversíveis" entre eles, c o m o é
dito g e r a l m e n t e , m a s Isso sujeito à condição lógica que cada tipo de m o e d a verifi-
que e m última análise a lei do valor (Brunhoff, 1974, p. 91)

E s t a é u m a v i s ã o b a s t a n t e diferente d a v i s ã o k e y n e s i a n a , e m e s p e c i a l
p o r q u e e s t a última n ã o a p r e e n d e n e n h u m a n o ç ã o de e x c e d e n t e g e r a d o na
p r o d u ç ã o q u e v e n h a a limitar o p r o c e s s o d e c i r c u l a ç ã o d e rendas.'*
D e f a t o , n ã o há na t e o r i a k e y n e s i a n a n e n h u m a m e n ç ã o à idéia d e e x c e -
d e n t e , e a t e o r i a d o v a l o r o u é a teoria d a utilidade m a r g i n a l , h e r d a d a d o s
n e o c l á s s i c o s , no s e u p e r í o d o m a i s o r t o d o x o , o u é u m a teoria d o valor b a s e -
a d a na p r e f e r ê n c i a pela liquidez. N e s t e último c a s o , t e m - s e u m a t e o r i a do
valor s u b j e t i v a , b a s e a d a n a s p e r c e p ç õ e s c o n j e t u r á i s d o s a g e n t e s e c o n ô m i -
c o s , n u m m u n d o b a n h a d o p e l a incerteza. C o n f o r m e o b s e r v a W r a y ( 1 9 9 2 ) :

Liquidity p r e f e r e n c e theory is (.,,) a theory of asset prices or a theory of value


for the w h o l e s p e c t r u m of assets, including those on the balance sheets of banks.
W h e n liquidity p r e f e r e n c e rises, asset prices adjust to restore equality a m o n g ex-
p e c t e d returns (the " m a r g i n a l efficiencies" of each). Prices of the most illiquid as-
sets will fall the most, w h i l e prices of liquid assets m a y not fall ( and t h o s e of the
most liquid a s s e t s , s u c h as treasure bills, might even rise) In s u m m a r y , falling li-
quidity p r e f e r e n c e o c c u r s in conjunction with rising prices of illiquid assets and with
rising m o n e y d e m a n d , a n d is met by expansion of the m o n e y supply as s p e n d i n g
rises a n d physical a s s e t s are p r o d u c e d . A s y m m e t r i c a l l y , rising liquidity preference
Is a s s o c i a t e d with falling d e m a n d and s p e n d i n g (and with reduced output of real
a s s e t s ) , a n d will c a u s e interest rates to rise (and asset prices, to fall) in the face of
an inelastic m o n e y s u p p l y ( W r a y , 1992, p. 304-305)

T a m b é m e m M i n s k y f i c a clara e s s a idéia de p r e f e r ê n c i a pela liquidez,


d e t e r m i n a n d o o p r e ç o d o s ativos e f a z e n d o a a r t i c u l a ç ã o m o n e t á r i o - r e a l p a r a

' M e s m o q u a n d o a m o e d a internacional é u m a m o e d a nacional, há n e c e s s i d a d e de


b u s c a r a equivalência, limitando a arbitrariedade, s o b p e n a da m o e d a Internacional en-
frentar dificuldades de c o n v e r s i b i l i d a d e e expor-se ao descrédito geral,
"* A o tratar d e s t e t e m a , a autora beneficou-se de d i s c u s s õ e s c o m V â n i a Bastos, c o m p a -
rando Ricardo e K e y n e s .
K e y n e s . Diz M i n s k y :

(...) given tliat financial institutions and usage are such that the supply of banking
financing is within significant limits determined by interaction of bankers a n d their
c u s t o m e r s and given the existence of a wide s p e c t r u m of financial instruments, a
substitution of liquid a s s e t s for m o n e y in portfolio will yield funds to finance position
in assets. S u c h an e n d o g e n o u s increase in m o n e y and liquid assets pushes the
price of capital a s s e t s relative to the price of money, liquid assets and current o u -
tput. (...) given the robustness of finance and elasticity of short-term financing, an
increase in the rate of investment will follow (Minsky, 1977, p. 146).

P e r c e b e - s e a q u i , n o v a m e n t e , a i m p o r t â n c i a d a s u b j e t i v i d a d e e do c a -
ráter e s p e c u l a t i v o d a d e t e r m i n a ç ã o d o p r e ç o d o s ativos, na m e d i d a e m q u e
é a c r i a ç ã o e n d ó g e n a d e i n o v a ç õ e s f i n a n c e i r a s , d e r i v a d a da p r e f e r ê n c i a pela
liquidez d o p ú b l i c o e d o s a g e n t e s privados e m geral, q u e a f e t a o investi-
m e n t o e a a t i v i d a d e p r o d u t i v a . T r a t a - s e d a c o n h e c i d a s u b m i s s ã o d e circula-
ç ã o industrial à l ó g i c a f i n a n c e i r a .
N o v a m e n t e a q u i a p a r e c e c o m nitidez a d i f e r e n ç a entre os p e n s a m e n t o s
d e K e y n e s e M a r x , u m a v e z q u e a n o ç ã o de e x c e d e n t e g e r a d o na p r o d u ç ã o
e distribuído na c i r c u l a ç ã o , no p e n s a m e n t o de Marx, relativiza a a u t o n o m i a
da circulação c o m relação à produção, e estabelece uma certa dominação
d a e s f e r a p r o d u t i v a , q u a i s q u e r q u e s e j a m , c o m o foi visto, as a n á l i s e s d a
m o e d a c o m o f u n d a m e n t a l na articulação entre p r o d u ç ã o e c i r c u l a ç ã o , arti-
c u l a ç ã o esta i m p o r t a n t e por se tratar de d u a s e t a p a s d e u m m e s m o p r o c e s -
so social.
Isso fica c l a r o n a d i s c u s s ã o de Marx s o b r e j u r o s . E n q u a n t o p a r a K e y n e s
a e v o l u ç ã o d a a t i v i d a d e produtiva a c h a - s e s u b m e t i d a ã lógica f i n a n c e i r a e,
e n t ã o , a d e t e r m i n a ç ã o d a t a x a de j u r o s p r e c e d e a d a t a x a d e lucro, M a r x
critica isso a o e n f a t i z a r os limites d a t a x a de juros na t a x a d e lucro. Diz ele
q u e a s partes nas q u a i s a m a i s - v a l i a se divide, quais s e j a m , o lucro d e e m -
p r e s á r i o , o j u r o e a r e n d a " p a r e c e m , ao c o n t r á r i o do real, e n g e n d r a r a m a i s -
valia, p a r t e d o lucro d a m e r c a d o r i a , e n q u a n t o o salário d á o r i g e m a u m a
o u t r a , p o r q u e p a r a o capitalista individual, elas s ã o e l e m e n t o s d a d o s d o pre-
ç o de c u s t o " ( M a r x , 1 9 7 4 , p, 998).
A isto M a r x critica d i z e n d o q u e no m o d o capitalista de p r o d u ç ã o " t e m o s
a ilusão p e r m a n e n t e : os resultados p a r e c e m c o n d i ç õ e s prévias, e e s t a s , os
r e s u l t a d o s " ( M a r x , 1 9 7 4 , p, 998). C o m o analisar, d a d a s tais d i f e r e n ç a s , a
p o s s i b i l i d a d e d e c o m p l e m e n t a r i d a d e entre as v i s õ e s m o n e t á r i a s d e s t e s a u -
t o r e s ? A s v i s õ e s p o d e m n ã o ser i n c o m p a t í v e i s , e m vista d a flexibilidade
a d m i t i d a na i m p o s i ç ã o d a lei d o valor na v e r s ã o t r a b a l h o a b s t r a t o . T a l flexibi-
lidade p e r m i t e q u e o c a r á t e r s u b j e t i v o / e s p e c u l a t i v o da f o r m a ç ã o d o valor d a
m o e d a , por e x e m p l o , t e n h a e s p a ç o p a r a se verificar, flexibilidade e s t a a n t e -
c i p a d a por M a r x q u a n d o por i n ú m e r a s v e z e s c h a m o u a t e n ç ã o p a r a a auto-
n o m i a relativa d a c i r c u l a ç ã o c o m relação à p r o d u ç ã o , ao tratar d a m o e d a , d o
crédito e d o capital fictício.^
A l é m de v i á v e l , e s t a c o m p l e m e n t a ç ã o d a a n á l i s e de M a r x c o m a l g u m a s
noções de moeda, finanças e dinâmicas monetário-financeiras elaboradas
por K e y n e s , p o d e m s e r úteis p o r q u e , s a b e m o s , elas privilegiam o e n t e n d i -
m e n t o d e p r o c e s s o s e p r o c e d i m e n t o s de c u r t o p r a z o , i m p o r t a n t e s na reali-
dade concreta, e que ficaram fora da análise de Marx, cujo propósito era
o u t r o , e q u e se c o n c e n t r a s o b r e t u d o e m t e n d ê n c i a s longas do m o d o c a p i t a -
lista de p r o d u ç ã o . A a u t o n o m i a d a c i r c u l a ç ã o c o m relação á p r o d u ç ã o , na
v e r s ã o t r a b a l f i o a b s t r a t o d a t e o r i a d o valor, c o m o d e resto na o b r a d e M a r x
é, c o n t u d o , s e m p r e relativizada, s e j a ao e x a m i n a r os limites do q u e circula,
b a s e a d o s na p r o d u ç ã o d e valor, s e j a q u a n d o s ã o a n a l i s a d a s as c r i s e s , i m -
p o n d o a u n i d a d e d a s f a s e s . E s t a idéia de limite i m p o s t o pela p r o d u ç ã o , e
t o d a a a n á l i s e feita por M a r x d a lógica d e f u n c i o n a m e n t o d o p r o c e s s o c a p i -
talista d e p r o d u ç ã o c o n d u z i n d o às leis de m o v i m e n t o do capital, p o d e r i a m
r e s o l v e r u m a q u e s t ã o p r o b l e m á t i c a d a c o n c e p ç ã o k e y n e s i a n a : a d a indeter-
m i n a ç ã o p r o v o c a d a pela i n c e r t e z a e pela s u b j e t i v i d a d e no c o m p o r t a m e n t o
dos a g e n t e s .
D e f a t o , e m b o r a s e j a i m p o r t a n t e c o n t e m p l a r o c a r á t e r por v e z e s s u b j e t i -
vo/especulativo das decisões econômicas dos agentes, a explicação do
p r o c e s s o de a c u m u l a ç ã o d e capital c o m o u m t o d o , b a s e a d a a p e n a s n e s t e
tipo d e d e c i s ã o , c o n d u z a u m a i n d e t e r m i n a ç ã o t e ó r i c a . A incerteza k e y n e s i -
a n a d e p e n d e , c o m o foi m e n c i o n a d o , da d e s c e n t r a l i z a ç ã o d a s d e c i s õ e s e d o
f u t u r o desconhiecido. B a s e a r a t e o r i a no futuro d e s c o n h e c i d o ou requer q u e
o e c o n o m i s t a s e j a p r o f e t a , o u c o l o c a a teoria e m m a u s lençóis, por ficar ela
i m p o s s i b i l i t a d a d e inferir s o b r e a e v o l u ç ã o f u t u r a d o p r o c e s s o e c o n ô m i c o .
Este tipo d e i n d e t e r m i n a ç ã o p o d e s e r resolvido s e , a o se fazer tais i n f e r ê n -
cias, s e p u d e r c o n t a r c o m e l e m e n t o s p r o v e n i e n t e s d a lógica do m o d o c a p i -
talista d e p r o d u ç ã o o u d a s leis de m o v i m e n t o d o c a p i t a l i s m o , q u e p e r m i t a m
c o n t e m p l a r , t a n t o a s d i n â m i c a s c u r t a s a n a l i s a d a s por K e y n e s , q u a n t o a s
t e n d ê n c i a s d e longo p r a z o , p a s s í v e i s de s e r e m a n a l i s a d a s à luz d a o b r a d e
Marx.

5 - CONCLUSÃO

A o longo d e s t e t r a b a l h o , p r o c u r o u - s e salientar, a partir de t e x t o s d e


M a r x e d e K e y n e s e de a l g u n s d e s e u s s e g u i d o r e s , a p r o x i m i d a d e d e s t e s
dois a u t o r e s a o d e s t a c a r e m a i m p o r t â n c i a analítica d a m o e d a , a i n d a q u e

^ U m a análise mais detalhada s o b r e os aspectos e m que é possível a m e n c i o n a d a c o m -


p l e m e n t a r i d a d e e a f o r m a da m e s m a não pode ser d e s e n v o l v i d a no espaço deste traba-
lho, f i c a n d o c o m o s u g e s t ã o para e s t u d o s futuros.
a p r e s e n t e m p a r a t a n t o razões d i f e r e n t e s . E m s e g u i d a , m o s t r o u - s e q u e a
relação e s t a b e l e c i d a entre m o e d a e v a l o r c o n d u z à s u p r e m a c i a d a circula-
ç ã o f i n a n c e i r a s o b r e a atividade p r o d u t i v a , na c o n c e p ç ã o de K e y n e s , e n -
q u a n t o é e s t a r e l a ç ã o m o e d a - v a l o r q u e limita a a u t o n o m i a d a c i r c u l a ç ã o
c o m r e l a ç ã o à p r o d u ç ã o e prioriza a a r t i c u l a ç ã o entre o p r o c e s s o produtivo e
a c i r c u l a ç ã o d e valor g e r a d o , na o b r a de M a r x .
F i n a l m e n t e , m e n c i o n o u - s e q u e as a n á l i s e s m o n e t á r i o - f i n a n c e i r a s de
curto p r a z o d e K e y n e s p o d e m não s e r i n c o m p a t í v e i s c o m as c o n c l u s õ e s de
Marx, e m virtude d o c a r á t e r flexível d a i m p o s i ç ã o d a lei do valor na v e r s ã o
trabalho abstrato. Ao m e s m o t e m p o , c h a m o u - s e a atenção para a importân-
cia d o c a r á t e r relativo d a a u t o n o m i a d a c i r c u l a ç ã o c o m relação à p r o d u ç ã o
na o b r a d e M a r x , d o s limites i m p o s t o s p e l a lei d o valor e d a s crises q u e i m -
p õ e m a u n i d a d e d a s d u a s f a s e s , p a r a r e s o l v e r o q u e se c o n s i d e r a u m pro-
b l e m a d o s e s c r i t o s d e K e y n e s : a i n d e t e r m i n a ç ã o t e ó r i c a p r o v o c a d a por u m
p r o c e s s o d e a c u m u l a ç ã o d e capital c u j a d e c i s ã o d e p e n d e d a incerteza s u b -
jetiva sobre o futuro.

BIBLIOGRAFIA
BRUNHOFF, S. La politique monétaire. Un essai d'interprétation marxiste Paris: PUF, 1974.
. La monnaie, puissance social, puissance privée. In: Economies et Sociétés, n- 0 1 ,
1978.
Les rapports d'argent. Paris: Maspero, 1979
DE VROEY, M. de. La théorie marxiste de la valeur, version travail abstrait - Un bilan critique.
In: DOSTALER et LAGUEUX (éd.). Un écliiquier centenaire. Théorie de la valeur et forma-
tion des prix. Paris/Quebec: La Découverte/ Presses Universitaires du Quebec, 1985.
KEYNES, J M. The collected writings of John Maynard Keynes. London: Macmillan and Cam-
bridge University Press, 1971-1983.
. The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan, 1954
MARX, Karl. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971,
. Théories sur la plus value. Paris: Editions Sociales, 1975.
MINSKY, H. The essential caracteristics of post-keynesian economics. In: DELEPLACE and
NELL (ed.) Money in motion. London: Macmillan Press, 1996
. A theory of sistemic fragility In: ALTMAN and SAMETS (ed.) Financial crises. John
Wiley and Sons, 1977.
MOLLO, M, L.R, (1994) As controvérsias monetárias do século XIX. Porto Alegre, Ensaios
FEE, Ano 1 5 - n e 1, 1994.
Valor e Moeda em Marx: crítica da crítica. Revista de Economia Política, vol. 13, n. 3
(51), julho/sei 1993,
RUBIN, I. Abstract labour and value in Marx's system. Capital and Class, Summer, 1978,
W R A Y , L R Commercial Banks, Central Bank, Endogenous Money, Journal of Post Keynesi-
an Economics, Vol. 14, n- 3, Spring, 1992.

Você também pode gostar