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Cientometria y

Registros
valiosos
Dados compilados da Plataforma
Lattes abastecem estudos sobre a
ciência no país e revelam tendências

A
Plataforma Lattes, que reúne cas de fontes nacionais e internacionais. a produção científica em revistas não
mais de 4 milhões de currículos No mês passado, Mugnaini e colegas pu- indexadas nas bases de dados de revis-
acadêmicos, tornou-se fonte de blicaram um artigo na revista PLoS One tas tradicionais, além de teses, livros e
informações para um número analisando a relação entre pesquisado- outros documentos. O Lattes represen-
crescente de pesquisadores que buscam res sêniores na área de ciências exatas e ta uma visão completa do conjunto da
dados sobre a ciência brasileira a fim de da Terra e estudantes de pós-graduação produção científica brasileira e poderia
estudar seus fenômenos e tendências. Cria- orientados por eles, utilizando produções municiar um sistema de avaliação mais
do em 1999 pelo Conselho Nacional de bibliográficas de 1981 a 2010 registradas fidedigno”, afirma.
Desenvolvimento Científico e Tecnológico na Plataforma Lattes. Constatou-se que, O advento de uma ferramenta que aju-
(CNPq), o sistema de currículos registra quanto mais tempo eles trabalham juntos, da a extrair e organizar grandes quanti-
a trajetória e a contribuição de cada estu- maior é a produtividade do jovem pesqui- dades de dados do Lattes disponíveis na
dante, técnico e pesquisador do Brasil e sador orientado. “Observamos que parte internet foi fundamental para pavimen-
fornece ao governo e a agências de fomen- dos orientadores deixou de ter uma linha tar o trabalho dos pesquisadores. Desde
to informações sobre produção científica, de pesquisa própria, passando a declarar 2005, está disponível o scriptLattes, de-
participação em projetos e orientações e como sua produção apenas artigos de senvolvido pelo professor do Instituto
supervisões, entre outros. Sua utilidade, alunos”, afirma. Outro estudo do grupo de Matemática e Estatística (IME) da
porém, há tempos extrapolou a esfera da analisou até que ponto as informações USP, Roberto M. Cesar-Jr., e seu então
gestão, ajudando pesquisadores a produzir do Lattes estão atualizadas ao comparar aluno de doutorado, Jesús Mena-Chalco,
conhecimento original. “Raros países dis- dados dos currículos com os obtidos em hoje professor da Universidade Federal
põem de uma plataforma com as atividades relatórios de programas de pós-gradua- do ABC (Ufabc). Mena-Chalco também
de sua comunidade científica como um ção. A conclusão é de que a falta de atua- integra o grupo de pesquisa de Mugnai-
todo”, diz Rogério Mugnaini, professor da lização pode alcançar até 20% dos artigos ni, que é coordenado por Luciano Di-
Escola de Comunicações e Artes (ECA), da publicados nos três anos anteriores. As giampietri, professor da Escola de Ar-
Universidade de São Paulo (USP). áreas de engenharias e ciências agrárias tes, Ciências e Humanidades (EACH)
Mugnaini participa de um projeto de são as que mais sofrem com o problema. da USP. “Nossa pretensão era criar uma
pesquisa apoiado pelo CNPq e a USP que Mugnaini acredita que seja viável criar ferramenta para uso doméstico do IME,
busca desenvolver ferramentas para com- indicadores específicos baseados no Lat- mas acabou se tornando útil para muito
binar informações da Plataforma Lattes tes. “Nas referências bibliográficas dos mais gente”, diz Mena-Chalco. “Antes do
com dados sobre publicações científi- currículos Lattes, há informação sobre scriptLattes, a coleta de dados do Lattes

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era geralmente feita de forma manual.”
O scriptLattes, que é um software livre,
descarrega de forma automática os cur-
rículos Lattes de um grupo de pessoas de
interesse, compila as listas de suas pro-
duções, removendo dados duplicados, e
gera relatórios, por exemplo, sobre arti-
gos publicados, orientações e redes de
coautoria. “A ferramenta não cria dados
adicionais, mas consegue reunir e orga-
nizar, de forma automática, informações
extraídas de grandes massas de dados.
Essas informações servem de insumo
para a descoberta de conhecimento.”
O scriptLattes está sendo utilizado,
atualmente, por mais de 50 instituições
e grupos de pesquisa no Brasil. Mena-
-Chalco usa a ferramenta em dois proje-
tos. Um deles busca mapear as redes de
coautores de artigos científicos, livros e
capítulos de livros. Um trabalho publi-
cado em janeiro de 2014 no Journal of
the Association for Information Science
ilustraçãO  elisa carareto

and Technology mostrou que o núme-


ro de colaborações entre pesquisado-
res brasileiros teve avanço notável nas
últimas duas décadas, principalmente
nas áreas de ciências da saúde e ciências
agrárias (ver Pesquisa FAPESP nº 218).

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Referências da plataforma servem
até para predizer quais serão os
temas de pesquisa mais estudados

seriam os assuntos mais estudados no fu-


turo próximo. Em 2012 a expressão que
mais se destacou segundo a metodologia
foi “serviços web”, mas está previsto, tan-
to para 2015 como para 2020, que o cam-
po mais quente será o de redes neurais.
O pesquisador da EACH-USP também
planeja criar uma ferramenta capaz de
sugerir a um pesquisador artigos recém-
-publicados que possam lhe interessar,
com base nos temas a que se dedica. “Co-
mecei a trabalhar com esses assuntos há
cinco anos. Não tinham a ver com o que
fiz no doutorado, mas me fascinaram”,
diz Digiampietri.

fenômenos
Estudos com base nos dados da Platafor-
ma Lattes estão mostrando fenômenos
Outro projeto busca construir árvores William Maruyama, busca prever as co- pouco conhecidos ou movimentos ainda
genealógicas de cientistas, analisando laborações futuras de um pesquisador. não registrados em indicadores oficiais.
as relações de orientação e supervisão. O estudo utilizou dados sobre coautoria Fabio Mascarenhas, professor do Depar-
O pesquisador e seus colaboradores pla- de trabalhos científicos de pesquisado- tamento de Ciência da Informação da
nejam criar uma plataforma nacional, na res da área de ciência da computação Universidade Federal de Pernambuco
qual seja possível verificar a contribuição registrados na Plataforma Lattes entre (UFPE), acaba de orientar a disserta-
de cada pesquisador na formação de ou- 1970 e 2010. Os dados entre 1970 e 2000 ção de mestrado do estudante Guilher-
tros. “Já havia iniciativas para levantar serviram para representar os padrões me Alves de Santana, que, em meio a
árvores genealógicas em campos do co- do passado. As informações entre 2001 dados compilados sobre colaboração
nhecimento, como a matemática, a física e 2005 foram usadas para representar o científica, encontrou uma peculiaridade
e a neurociência, mas não sobre a comu- presente. O algoritmo comparou os dois sobre a formação de grupos de pesqui-
nidade científica de um país”, afirma o intervalos e tentou predizer com quem sa no Brasil. “Foi analisada a produção
pesquisador. “A análise das informações os pesquisadores iriam se relacionar no científica dentro de grupos de pesquisa.
sobre relações de orientação acadêmica futuro. Para validar o algoritmo, seus re- Esperávamos encontrar mais artigos as-
é uma tentativa de mensurar a notorie- sultados foram comparados com dados sinados em coautoria entre os membros
dade de um pesquisador com base em registrados entre 2006 e 2010. A repre- dos grupos. Mas observamos que há mais
sua repercussão em outras gerações.” sentação do futuro feita pelo algoritmo e colaboração com pesquisadores de fora
Já Luciano Digiampietri, professor o que aconteceu de verdade entre 2006 e dos grupos do que entre eles”, afirmou.
do bacharelado em sistemas da infor- 2010 teve índice de coincidência de 97%. O assunto será investigado em profun-
mação da EACH-USP, que já publicou Outra linha de pesquisa é a análise de didade no doutorado de Santana.
mais de uma dezena de artigos baseados tendências em determinados campos do Outra curiosidade, essa envolvendo
em dados do Lattes, também utiliza as conhecimento. Utilizando palavras-cha- a produção científica brasileira sobre
informações da plataforma para desen- ve extraídas dos títulos de publicações medicina tropical, foi observada na dis-
volver algoritmos talhados para anteci- científicas de pesquisadores da ciência sertação de mestrado de Natanael Vitor
par tendências. Uma de suas pesquisas, da computação registradas no Lattes ao Sobral, também defendida neste ano.
em parceria com um aluno de mestrado, longo do tempo, buscou-se predizer quais Com base em dados do Programa de

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tores contratados como professores em
universidades federais. “É possível que
eles não estejam conseguindo publicar o
mesmo volume de artigos do tempo em
que faziam o doutorado”, afirma. Outra
seria a expansão de vagas de docentes
em institutos federais de ensino, onde há
pouco espaço para os doutores fazerem
pesquisa. A queda na produção científica,
porém, não é observada nos docentes de
programas de pós-graduação nem entre
os bolsistas de produtividade.

produção comparada
Laender e seu grupo têm uma extensa
produção de artigos baseada em dados
do currículo Lattes. Já publicaram pa-
pers sobre o perfil dos pesquisadores de
ciência da computação e sua produção
científica em comparação com a de co-
legas da América do Norte e da Europa.
Também utilizaram dados do Lattes para
organizar um portal na internet (www.
cienciabrasil.org.br) onde é possível vis-
lumbrar a produção dos Institutos Na-
cionais de Ciência e Tecnologia (INCTs).
Uma queixa frequente de pesquisa-
dores que trabalham com informações
Pós-graduação em Medicina Tropical do Lattes é a dificuldade de obter dire-
da UFPE, constatou-se que parte signi- tamente do CNPq dados brutos da pla-
ficativa dos artigos publicados na área “A abertura taforma. Em abril, tornou-se mais com-
não tem como foco de forma direta as plicado extrair informações do Lattes na
doenças endêmicas no Brasil, como den- integral das internet, pois o CNPq introduziu um có-
gue, malária ou esquistossomose, mas de digo de confirmação para cada consulta
moléstias que despertam mais interesse
informações do a currículos. Isso para evitar o crescente
de revistas científicas internacionais, co- Lattes seria compartilhamento de dados da plata-
mo a Aids. “A explicação é que grandes forma por sites comerciais. O CNPq tem
periódicos científicos têm pouca aber- importante para como política fornecer a cada instituição
tura para doenças de países pobres se os dados consolidados de seu corpo de
não estiverem associadas a temas mais a comunidade pesquisadores, professores e alunos, mas
universais”, diz Mascarenhas. o conjunto de informações da plataforma
Alberto Laender, professor titular do
científica”, diz não é facilmente franqueado. “A abertura
Departamento de Ciência da Computa- Alberto Laender integral dos dados do Lattes seria impor-
ção da Universidade Federal de Minas tante para a comunidade científica. Não
Gerais (UFMG) e membro da Academia me refiro a currículos individuais, mas ao
Brasileira de Ciências, coletou dados de conjunto de dados e à atualização deles
mais de 4 milhões de currículos e, com a para que possamos tratá-los com mais fa-
ajuda de Thiago Magela Rodrigues Dias, cilidade”, diz Alberto Laender, da UFMG.
aluno de doutorado do Centro Federal produção nesses três grupos e em sete Mônica Ramalho, analista de ciência e
de Educação Tecnológica de Minas Ge- grandes áreas do conhecimento”, diz tecnologia e inovação do CNPq que atua
rais, do qual é coorientador, está anali- Laender, que integra o Instituto Nacio- na assessoria de planejamento, coorde-
sando a produção científica dos mais nal de Ciência e Tecnologia para a Web nação de estatísticas e indicadores do
de 220 mil doutores com currículos ca- (InWeb). Dados preliminares sugerem órgão, alega que há um caminho insti-
dastrados na plataforma, de 64 mil do- que, de modo geral, começou a haver tucional a ser seguido para obter tais in-
centes de programas de pós-graduação em 2012 uma redução no número total formações. “Para conseguir acesso mais
e de 15 mil bolsistas de produtividade de publicações pela comunidade cien- direto, é preciso enviar um pedido ao
do CNPq, pesquisadores considerados tífica brasileira. Isso, diz Laender, pode CNPq explicando os motivos pelos quais
mais produtivos pela agência de fomento ter duas origens. A primeira é o aumento o pesquisador precisa dos dados do Lat-
federal. “Vamos analisar a evolução da da carga de trabalho didático dos dou- tes”, afirma. n Fabrício Marques

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