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De l’imaginaire psychédélique à la
révolution informatique. Paris: Imago, 2008.
O mundo hippie
Capítulo I
“É coisa estranha, mas qualquer um que desaparece, não deixamos nunca de vê-lo em
São Francisco. Que cidade charmosa essa deve ser, assim dotada de todas as atrações do outro
mundo”. Essa saborosa observação de Oscar Wilde, no final do século XIX, não se distancia de
dois esquemas que contribuem, depois de bastante tempo, para identificar São Francisco no
imaginário coletivo: o de uma cidade refúgio de marginais do mundo inteiro, e o de uma cidade
aberta às experiências mais extremas às margens do mundo visível e em relação com o além.
Cidade do refúgio e da aceitação da diferença, do cosmopolitismo, da liberdade e do melting
point, a cidade encarnou, vez por vez, muitos sonhos do mundo europeu e muitas visões
paradisíacas em um sincretismo renovado por cada onda de visitantes. Por outro lado, qualquer
que seja o Éden, o Eldorado, Jerusalém ou Gólgota, paraíso dos semitas ou paraíso de Urris, ela
deixa entrever todas as visões da cidade dos deuses ou da cidade ideal.
Esta cristalização aparece como um bom exemplo das fases liminares um e dois da
estruturação de um movimento cultural tal como o propõe a tipologia durandiana, o correr das
águas e o reconhecimento das autoridades. Assim, é retraçado, no que se segue, ao mesmo tempo
a história recente do movimento e as fontes mais antigas das quais ele é originado.
A rebelião beatnik
Sem dúvida, os principais autores do que nós chamamos de Beat Generation, Kerouac,
Burroughs, Ginsberg, Corso, Ferlinghetti, Snyder e outros, Orlovsky ou McClure, não são
originários de São Francisco nem mesmo da Califórnia, e quando alguns dentre eles como
Ferlinghetti, que abre sua livraria City Lights, no bairro North Beach, se instalarão lá, não é
finalmente que de maneira tardia, quando então o movimento beatnik já desapareceu. Se a cidade
não pode ser considerada seu berço, ao menos podemos considerá-la como seu refúgio
simbólico. Efetivamente, não somente os beatniks vieram a São Francisco sem parar, ao longo de
múltiplas peregrinações, mas, sobretudo, eles lá acharam um contexto propício à encarnação de
seus sonhos.
São Francisco serve bem a seu imaginário. Para além das montanhas e dos desertos ela
parece poder ser para esses jovens homens vindos do Oeste, que juntam sua maneira de ser com
o Go West, young man, de Horace Greeley, o local de todas as possibilidades, de todas as
liberdades. Seu clima mesmo favorece a constituição de uma boemia que, refutando o
consumismo desiquilibrado do way of life americano, não conta com a friagem de inverno e
achará sempre do que subsistir sobre suas praias ao longo da baía. Cidade extrema do Ocidente,
ela encontra também, de certa maneira, este Oriente misterioso que se acha do outro lado do
oceano e do qual os beatniks promovem suas virtudes e procuram capturar o senso místico mas,
para se convencer dessa adequação de São Francisco ao imaginário beat, não há sem dúvida
melhor meio que ler as principais produções do movimento e, em particular, os romances de seu
fundador. Se vários romances de Jack Kerouac, por exemplo, The Dharma Bums ou Big Sur, tem
por contexto em parte ou em totalidade São Francisco, é o primeiro e o mais conhecido dentre
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eles, On the Road, do qual a característica autobiográfica permanece ainda duvidosa é, nesta
visão, particularmente ilustrativa.
Observaremos, de início, que São Francisco constitui uma espécie de ponto focal do
romance, uma vez que o narrador efetua, em cada uma de suas três primeiras partes, uma
permanência mais ou menos prolongada, se excetuamos Nova York, igualmente presente nas
quatro partes do romance, mais precisamente Denver, no centro de vários itinerários o destaque
já de todas as outras cidades atravessadas e também a importância que lhe é acordada. Por este
tratamento particular, ela se torna um lugar onde se encontram subjetividade e real e, de fato,
antes de ser vivida, a cidade é ardentemente desejada. Uma vez que se acha no coração dos
Estados Unidos, em Denver, aos pés dos Montes Rochosos, o narrador é atraído pelo desejo de ir
mais longe “isso me motivava a ir até São Francisco”. A contestação de que “todo mundo ia a
São Francisco”, ao menos aqueles que partilhavam os valores de seu modo de vida, reforça o
desejo e entrega, de antemão, a cidade como local mágico.
A realidade estará à altura do sonho. A chegada a São Francisco é vivida sob o modo de
exaltação:
Eu percebi de repente que eu estava na Califórnia. Brisa quente, brisa feliz que
podemos transar, e palmeiras. Nós dirigimos ao longo de Sacramento, rio legendário,
sobre uma super auto-estrada, ainda colinas, subida, descida e, repentinamente, a vasta
baía (era um pouco antes da aurora) repleta de raios de lua sonolentos de Frisco
Um dos esquemas que identificará a cidade, aquele que dá abertura sobre o além, não
demora a se esboçar.Apenas recentemente tendo descido do ônibus, o narrador insiste, sobretudo
no que conota esse mistério no sobrenatural.
Eu errava como espectro desencarnado e eis que era Frisco, suas longas ruas
desertas onde os cable-cars se perdiam na névoa branca. De um passo incerto fiz a volta
em alguns quarteirões. Na aurora, os bandidos sobrenaturais no canto de Missão e na
Terceira Rua mendigavam.
Pela sequência, esses são todos os principais esquemas do imaginário beatnik que a
frequentação da cidade permitirá revelar. Quando ele se esforçará para libertar a quintessência da
cidade e de expressar o que ela representa para ele, o narrador não deixará de projetar sobre ela o
que constitui o essencial de seus interesses pessoais: a liberdade, a sexualidade, a música ou o
misticismo. No fim de sua primeira estadia, no alto de um cânion que domina a cidade, ele a
caracteriza assim:
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Havia o Pacífico, alguns contrafortes mais longe, azul e imenso e, ao largo, uma alta
muralha de brancura que chegava do legendário campo de batatas onde a névoa de
Frisco nascia. Ainda uma hora, e ele se dissiparia pela Porta de Ouro para envolver de
branco a cidade romântica e um jovem tipo pegava sua garota pela mão e subia
lentamente uma longa calçada branca com uma garrafa de Tokay em seu bolso. Era isso
Frisco, e as belas mulheres de pé na brancura de suas marquises, esperavam seus caras e
Coit Tower e o Embarcadero, o Market Street e as onze colinas plenas de pessoas”.
Durante uma segunda estadia, é a dimensão mística que, em um primeiro tempo, ele irá
valorizar mais. Um passeio em Market Street é a ocasião de uma revelação de uma verdade do
Universo. Ele escreve:
“Durante um instante eu tinha esperado esse degrau de êxtase que eu tinha sempre
ansiado, que era a travessia total do tempo mensurável até o reino das sombras
intemporais, o rastro no deserto de nossa condição mortal, a impressão que a morte me
expulsava diante dela com pontapés, ela mesma perseguida por um espectro, se bem que
eu achava minha salvação apenas sobre uma prancha onde os anjos, para voar,
mergulhavam no abismo sagrado do nada antes da criação, e aqui os raios de uma força
maravilhosa resplandeciam na explosão do espírito absoluto, campos de lótus imensos
se ordenavam sobre o mágico enxame das borboletas celestes”.
E depois a seguir:
Eu podia ouvir o grunhido de uma efervescência indescritível que não vinha somente de
minha orelha, mas do infinito e que não tinha nenhuma relação com os sons (...). Eu
provava uma beatitude suave, vacilante, como se eu tivesse tido uma boa dose de
heroína nas veias, como depois de um gole de vinho depois do meio-dia e, de repente,
arrepiava, eu tinha formigamentos nos meus pés”.
Essa sensação de beatitude sobre a qual desemboca essa apreensão mística do mundo e
das coisas não está destituída de uma imensa vontade de viver que se exprime mais
particularmente por uma sensibilidade a todas as comidas que podem oferecer a cidade, mas que
convoca também outras solicitações:
Não é, enfim, até a paixão da Beat Generation pela música em geral - e pelo jazz em
particular- na qual se combinam seu furor de viver e seu misticismo que acham sua realização
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em São Francisco. Na saída de sua terceira estadia na cidade, um pouco antes de retornar ao
Leste, o narrador e Dean Mauriat passeiam por “dois dias de voluptuosidade” e é nas boates de
jazz que eles irão viver. A música que eles escutam é a ocasião para uma exaltação total que
transcende a situações individuais como o início de uma orgia:
O modo de vida e os valores de Kerouac e dos seus vão se dispersar, pois, se os beatniks
acharam em São Francisco um receptáculo adequado aos seus sonhos; é como se eles tivessem
semeado a cidade que,inteiramente, se colocará a sonhar por sua vez. E, o que era ainda somente
uma rebelião individual conduzida por um pequeno grupo, vai se transformar em uma revolta
mais ampla que pretende transformar as mentalidades e as estruturas sociais ocidentais. A Beat
Generation, sem abandonar seus antigos profetas, os descobre de novo.
A Revolução Psicodélica
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motivos indianos, sedas e veludos, mas atrás deste modo capilar e vestimentar, o mais importante
que poderíamos pensar, ele remete em questão, o dismorfismo sexual que permanecia no
Ocidente depois do início do século XIX. É também toda uma visão de mundo que se define.
Pelos seus costumes, pela sua maneira de viver, a civilização ocidental nos impõe até o
excesso de um perpétuo bom senso. Ela proíbe a existência na nossa vida de um canto
reservado à arte do puro devaneio. Nosso jogo não é nunca um jogo verdadeiro, pois ele
é quase sempre racionalizado.
É assim que o budismo zen, do qual Alan Watts se faz um talentoso vulgarizador, lhe
parece melhor para exprimir a coesão cósmica e revelar a interdependência dos diferentes
elementos do universo, ao que o sincretismo do cristianismo primitivo não é insensível. Do
mesmo modo, ela recusa as classificações operadas pelo mundo ocidental: o recorte da sociedade
em fronteiras nacionais, raciais, religiosas, sociais e ideológicas, em nome amor universal que
transcende tudo isso.
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Refere-se ao mito de Prometeu, da mitologia grega. A idéia daquele que cria o homem superior a tudo,
que é a idéia da sociedade ocidental, que não é de união, é de superioridade.
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A esta mudança dos valores fundadores da sociedade moderna, que se justapõem
também, em outro lugar, a uma rejeição dos modos de vida ocidentais e a reivindicação de uma
total liberdade em relação às estruturas existentes no local, ou seja, uma nova ética largamente
antagonista àquela que predomina, pertencendo a uma geração “onde a juventude estava
oprimida, pressionada, explorada e estressada pelos custos sociais e políticos da Guerra Fria e
seduzida pelas mais excessivas promessas de uma extraordinária prosperidade”, os hippies
recusaram de se engajar nas vias de uma sociedade de consumo, em bairros residenciais
intercambiaveis, dormir em beliches, conduzir carros idênticos ou ainda olhar os citycons
insípitos em suas televisões. Como alternativa, eles preconizam uma melhor simbiose com a
natureza, esta que deveria se acompanhar de uma relativa pobreza.
Por que (...) fazer depender a felicidade do homem, do desenvolvimento das forças
produtivas e da luta de classes? Por que sacrificar em vão para as gerações futuras a
geração de hoje quando todos poderiam ser felizes no presente? O que eles querem não
é o paraíso extraterreno ou uma sociedade futura, é a paz da alma, é a liberdade de ser si
mesmo, é o paraíso agora, paradise now.
O que Jim Morrison, o cantor poeta dos The Doors resumiria em sua lápide, se tornou
célebre: “nós queremos um mundo e nós o queremos agora”. Essa crítica aos fundamentos
racionalistas e materialistas da civilização ocidental e o chamado à efervescência e ao bucolismo
dionisíaco podem parecer originais por sua formulação e pelo grande eco que eles encontram em
uma camada importante da juventude americana. Eles se inscrevem, porém, tanto um quanto
outro, em uma longa tradição. A primeira descende em linha direta das filosofias esotéricas que,
do século XVIII até hoje, se desenvolveram paralelamente ao prometeismo dominante e, para
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além dele, tem ligação com uma tradição mais antiga e uma sabedoria atemporal.
Semelhantemente o desejo de viver de forma diferente sua sexualidade, a idéia de reconstituir no
ato sexual uma unidade cósmica, não são, sem se lembrar das práticas mágicas de um Aleyster
Crowley, que buscava utilizar a energia sexual, os hippies farão sua fórmula “Faça o que
quiseres, pois é tudo da lei” uma de suas palavras-chaves e, para além revisam o tantrismo e os
rituais antigos dos dionisíacos ou das bacanais.
É também no retorno à natureza que nós achamos antecedentes. Jean François Revel nota,
justamente, que “à iminência da primeira grande revolução tecnológica já tinha iniciado o sinal
que advertia os corações dos homens, em torno de 1760”. Além de Rousseau, é Thoureau que
constitui uma referência maior. O que parecia inovador tem sólidas raízes e empresta das fontes
doutrinais as mais diversas e, a priori heterogêneas. Os diferentes componentes que constituem o
terreno do qual se alimenta a revolução psicodélica vão, efetivamente, dos mistérios antigos às
religiões orientais, passando pelos misticismos e por autores como Fourrier, Jung ou Reich.
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É extraindo dessas diferentes elaborações históricas que eles compõem seu próprio
pensamento, um pensamento não somente crítico (contra a guerra, contra o consumo), mas
também rico em proposições (pelo amor, pela comunidade) de tal maneira que a terminologia
contracultura hippie pode ceder muito bem lugar ao termo cultura ou imaginário hippie.
Para dar uma definição sintética, a viagem iniciática é o caminho para olhar a
morte face a face, ou Deus, ou si mesmo, frequentemente tudo ao mesmo tempo.
É por isso que se trata de uma passagem que provoca transformação, ou seja, a
metamorfose do sujeito.
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Essa mesma busca se acha atestada nos hippies dos anos 1960, aqui aparecendo como
uma nova geração romântica em ruptura com a sociedade ocidental para se fundir com um além
“idealizado”. Enfim, uma última fonte hippie, um último extrato, se apóia sobre as referências
contemporâneas do século XX, ou seja, como nós já vimos, uma estiagem sobre o movimento
estético societal da Beat Generation uma dezena de anos anterior. Os hippies recebem um
reforço teórico dos campos filosófico e científico. Willian Reich e Herbert Marcuse, em
particular, um médico psicanalista e o outro filósofo alemão, instalados nos Estados Unidos
depois dos anos 1930, lhe fornecem as justificativas privilegiadas em sua vontade de
reconsiderar as relações do homem contemporâneo à sexualidade. Os hippies acham nas
pesquisas do primeiro, a teoria segundo a qual o orgasmo e, de uma maneira geral, uma via
sexual florescente, são necessárias à boa saúde mental e psíquica de cada indivíduo (tanto
homem quanto mulher). Na sequência, eles aderem à idéia de uma revolução sexual essencial,
pela qual convém reunir as condições favoráveis para permitir a cada um o acesso ao gozo. A
filosofia política do segundo traz a confirmação de que as sociedades ocidentais reprimiram a
expressão da sexualidade em nome do princípio de realidade, mas que é possível ir para além
desse princípio e imaginar uma civilização que não seja repressiva e reconciliar prazer e
trabalho. Que Marcuse tenha sido nos anos 1960 professor de ciências políticas na Universidade
da Califórnia, em San Diego, contribuiu, evidentemente, para difundir largamente essas idéias
sobre o campus californiano.
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Capítulo II
Se, como notam dois observadores, “os escritos concernentes às drogas do gênero ópio-
haxixe se dividem em uma tendência positiva que elogia seu poder de liberar a imaginação e de
aumentar as sensações agradáveis, e uma tendência negativa que as acusa de atrapalhar a mente e
prostrar o corpo [...], ninguém lhe reivindica um uso religioso e a experiência mística parece bem
além de suas possibilidades”. Ora, é precisamente essa reivindicação que vê o dia com força nos
anos 1960, insistindo notadamente sobre as relações existentes entre os estados interiores
provocados pela ingestão de mescalina ou de LSD e a experiência mística.
A experiência do êxtase
“As drogas nos aborrecem com seu paraíso, mesmo que elas nos dêem um pouco de
saber”, dizia Henri Michaux, para quem a mescalina é a mais espetacular ou a mais brutal das
drogas alucinógenas, pois ela “desmascara o que as outras escondem”. Ele a descrevia “feita para
violar o cérebro, para dar seus segredos, e os segredos dos estados raros. Para desmistificar”. E,
em seguida, como a chave do êxtase, induzindo um sentimento de infinito tradicionalmente
reservado ao domínio da metafísica, e que pode ser aproximado e explicado pela “a fé da via
vibratória”. A experiência psicodélica provoca especificamente visões de luz – “a faísca na
cabeça” –, de multiplicidade, de espaços temporários fragmentados, de desdobramentos da
consciência, de multiplicação das percepções, de rapidez, de mobilidade, de “movimentos
pulsativos”. As faculdades envolvidas são assim resumidas por Michaux: hiperacuidade, atenção,
sensorialidade, inteligência, abstração, imaginação.
Há em todo homem um velho reflexo de Deus onde nós podemos contemplar ainda a
imagem desta força do infinito que um dia nos lançou em nossa alma e esta alma em
um corpo e é para a imagem dessa força que o peiote nos conduziu.
Mas, sobretudo, a relação entre alucinógenos e experiência mística é o final de uma longa
maturação e de especulações tanto psicológicas quanto antropológicas. Vários autores a sugerem
já no final do século passado. Assim, William James, em suas Variedades de experiências
religiosas, consagra um capítulo aos efeitos do éter; Havelock Ellis, em Mescalina: um novo
paradigma artificial, descreve as maravilhosas visões permitidas pela mescalina, ou ainda
Aleister Crowley, em sua magia, utiliza as drogas para intensificar suas visões. E a antropologia
cultural permite um passo suplementar. Antropólogos americanos – notadamente Slotkin e
Watson – se interessaram na utilização que os índios do México e do sudoeste dos Estados
Unidos fazem do peiote. Se seus trabalhos se limitam à descrição da conduta exterior dos índios
sob efeito do peiote e a constatação que seu uso é coletivo, eles ressaltam que a droga é um
elemento importante em sua prática religiosa.
Porém, é à Aldous Huxley, que a seguir, se interessa aos usos indígenas e que
experimenta ele mesmo a mescalina, que se dará o mérito de fazer claramente a ligação entre a
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experiência da droga e a experiência religiosa. Huxley, que mergulhou desde muito tempo nas
doutrinas místicas – ele publica, em 1945, uma importante coletânea, Filosofia Perene –
descreveu, em 1954, a experiência mística, sobre a qual trabalha a mescalina, em As Portas da
Percepção, que se tornará a Bíblia dos hippies. Ele insiste, em particular, sobre as modificações
da consciência, as modificações estéticas da percepção, as divagações, a liberação de inibições,
sobre o sentimento de interdependência com o cosmos e a impressão de eternidade e de infinito
que dão ao homem de sensibilidade normal a possibilidade de ascender ao visual, e ao homem de
sensibilidade visual, de tornar-se visionário. Ele liga esses fenômenos às visões dos místicos
ocidentais e orientais, notadamente àqueles transportados pelo Livro dos Mortos tibetano. Ele
conclui assim:
“A experiência da mescalina é uma graça gratuita, não necessária à salvação, mas útil
em poder, e que é necessário aceitar com gratidão, se ela se torna disponível [...] Sob a
influência da mescalina, nós temos, efetivamente, coisas melhores para ocupar nosso
pensamento”.
O autor do Melhor dos Mundos coloca, porém, algumas reservas em relação à extensão
que convém dar a essa descoberta, como o fará mais tarde Alan Watts a propósito do LSD. Esse
último se mostrou, por exemplo, “muito embaraçado em descobrir que o LSD poderia provocar
para ele uma experiência muito poderosa de tomada de consciência cósmica” e entende reservar
seu uso a uma elite familiar dos misticismos.
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outras drogas, podem, segundo a pertinência do contexto cultural, favorecer o acesso. Existe, de
fato, uma ligação fenomenológica de embriaguês ao êxtase, depois do êxtase a experiência
confusa do sagrado, suscetível de conduzir a uma construção de sentidos do tipo místico, assim
que o sujeito e o momento sociocultural o permitam. Mas a cultura ocidental moderna, e
sobretudo o campo científico, tem, evidentemente, bastante dificuldade para dar serenamente um
estatuto a esse campo de observações e experimentações. Porém, um eixo de pensamento se
preocupou com essas observações e experimentações.
Segundo Romain Rolland, o “sentimento oceânico” exprime a atitude natural a uma certa
“dilatação ou expansão do eu”. Essa noção, recuperada por Freud, torna mais sensível o estado
fenomenológico psíquico e mental provocado pela experiência do êxtase, e de sua interpretação
pelas culturas modernas e tradicionais. Para os viajantes ocidentais, essa sensação oceânica é
mais frequentemente intraduzível, dificilmente verbalizável, e provoca sentimentos de vertigem
e perda. Mas, assim que ela é verbalizada, acompanhada por um guia que ajuda a interpretá-la,
ela pode ser descrita como um afluxo de alegria, um repentino “maravilhamento” (encantamento,
fascínio), ou ainda a impressão de ter acesso ao saber universal. Os sinais exteriores permanecem
os de uma experiência que faz desabar o entendimento, torna a fala balbuciante e submerge a
pessoa, mas as pessoas retranquilizadas podem então descrever sua sensação de plenitude:
sensação de estar plenamente vivo, totalmente livre, sensação de pertencimento universal, ou de
se perceber como elemento entre os outros elementos. Assim como a interpretação que a
acompanha e permite explicá-la, a experiência permanece suscetível de provocar dois tipos de
estado, seja de fascinação, seja de angústia extrema.
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É antes como aberrações, divagações, como desvio, perturbações nervosas,
descompensações, que essa experiência é geralmente interpretada pelos ocidentais, pelos
psiquiatras, diagnosticando-a como uma “crise”, um desabamento melancólico ou crises de
delírio agudas pela psiquiatria francesa, ou esquizofrenia para a psiquiatria anglo-saxônica.
Freud tendia, acima de tudo, a descrever antes os efeitos negativos dos estados de estranheza,
ansiedade ou angústia suscitados pelo sentimento oceânico, mesmo se ele admitia que esses
estados negativos podem às vezes se transformar em estados de exaltação, de bem-estar, ou de
alegria intensa. E porque essa experiência se transforma frequentemente na perda do controle de
si, em um fenômeno de embriaguez das profundidades, em um movimento de dissolução, ou de
expansão de um eu ilimitado, ele a analisa então como um restabelecimento do narcisismo
primário da primeira infância, assim que a mãe e o filho não estão ainda separados. Mas o
sujeito, segundo Freud, não poderia reconhecer ou se lembrar desse desenraizamento radical, a
experiência extática aborta ao proveito de uma expansão incontrolável de angústia.
Assim que as atividades e as práticas tornam-se típicas e redundantes, elas acabam por ser
erigidas em regras ou em regramentos, pois elas dão lugar à justificativas teóricas, que são
elaboradas conceitualmente: trata-se de uma “tipificação” e de uma ritualização das atividades. A
experiência de êxtase sob psicotrópicos, depois um modo de vida comunitário sob psicotrópicos,
se efetua em um primeiro momento de modo espontâneo ou “selvagem”, sem conhecimento nem
experimentações particulares. Depois, ao longo do tempo, os hippies vão redescobrir, reencontrar
as regras de uso dos Phantastica, depois reinventar os rituais que permitem compreender e se
proteger de seus efeitos sempre potencialmente nefastos a curto e a longo prazo.
Certos personagens do movimento hippie têm uma parte ativa nas fundações ideológicas
e rituais. Eles se fixam então na memória coletiva como líderes, ou figuras, ou seja, “papas”. Sua
história pessoal, várias vezes contada (por eles mesmos ou por biógrafos), se transforma pouco a
pouco em lenda. Para cada movimento cultural, existem assim vários personagens que podem ser
escolhidos para dar uma figura, um nome, ou um ícone, e caracterizar definitivamente o
movimento na memória coletiva. Às vezes, é mesmo a posteriori que um personagem permite
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simbolizar o movimento. Assim, segundo Gilbert Durand, o movimento do franciscanismo teria
podido ser representado por Roger Bacon, ou Guillaume d’Occam e o nascimento do
romantismo e da filosofia da natureza poderia ser encarnado por Rousseau, Goethe ou Kant. Pois
“a nomeação de um mito pode ser reativada, reembebida, exacerbada por uma personalidade
(Alexandre, Auguste, Joana d’Arc, Napoleão, Lénin...)”. Para o movimento hippie, foi possível
escolher bem várias figuras carismáticas entre as estrelas, promovidas por aqueles que
compunham o movimento musical, político ou científico. Se nós escolhemos Timothy Leary, é
porque sua própria história reflete às vezes as vicissitudes do movimento e as tentativas de
elaboração conceitual e ritual, e porque o movimento, ele mesmo, o reconheceu como um de
seus porta-vozes ou de seus papas, um papa “angelical”, se houver...
São, de fato, dois psicólogos de Harvard, o professor Timothy Leary e seu assistente
Richard Alpert, que popularizaram a ligação êxtase/espiritualidade, dos quais os termos são
então bem estabelecidos e que a atmosfera da época permite acolher. São eles que
conceitualizarão os usos típicos, maneiras e rituais dos Phantastica. Ao contrário de Huxley ou
de Watts que vêem a droga pelo misticismo, eles partem de experiências muito sérias – com
objetivos médicos – sobre as drogas alucinógenas em geral e sobre o LSD em particular. Mas, na
sequência de uma viagem ao México, onde Timothy Leary experimenta em Cuernavaca os
cogumelos alucinógenos – o que ele descreverá como a experiência religiosa mais profunda de
sua vida –, ele desenvolve pouco a pouco o aspecto religioso que dela se origina. Mesmo se, ao
ver os maus efeitos do LSD que ele pode constatar, se mostra “mais convencido que nunca da
importância de uma seleção inicial, de uma preparação e de um meio de sustentação”, ele
abandonará, depois de 1963, as funções universitárias para se consagrar à promoção do
movimento psicodélico que seus primeiros artigos começaram a suscitar.
Daí então, quem nós chamamos de “papa do LSD” – denominação que ele mesmo se
utilizou voluntariamente – se instala em Millbrooks, Estado de New York, em uma propriedade
vitoriana de sessenta e quatro quartos, emprestada por Peggy Hitchcock e seus irmãos, herdeiros
da fortuna dos Mellon. Ele funda uma comunidade sobre o modelo daquela dos “cientistas
místicos” de Hermann Hesse em Glasperlenspiel (O jogo de contas de vidro) e desenvolve sua
filosofia de expansão de consciência que ele resumiu pela seguinte fórmula: You have to be out
of your mind to use your head (“é necessário sair de sua mente para bem utilizar sua cabeça”).
Então, Timothy Leary escreve que “o movimento psicodélico repousa sob uma atitude mística,
anti-científica, anti-intelectual e antirracionalista”. Mas ele se baseia na teoria de Einstein
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segundo a qual “o cérebro humano é usado somente em 80%” – teoria que se torna um dos
slogans de todo o movimento – e expõe “uma visão do mundo fundada sobre o progresso
indefinido de conhecimentos e de tecnologia”. Essa visão do mundo, transpassada por um
esquema de progresso, aparece paradoxalmente como um novo prometeísmo.
É possível que daqui a vinte anos todo o nosso léxico psicológico e experimental [...]
cresça a ponto de cobrir novos campos de consciência e novas formas de pensamento
hoje desconhecidas. Daqui a vinte anos, todas as instituições sociais serão
transformadas pelas percepções inéditas encontradas por essas experiências de expansão
da consciência. Numerosas instituições sociais canalizarão a expressão do sistema
nervoso assim revelado.
O budismo (próximo dos estados provocados pelo LSD) permite transcender a via de
encontro ao estado de Buda, luz branca além da forma (êxtase propriamente dito). O hinduísmo
(peiote e psilocibina), mais elitista, reserva estes estados de Buda chamados nirvana aos
destinados excepcionais de certos sadhous ou santos, mas leva ao comum dos crentes a se
representar à complexidade das reencarnações, e o lugar do humano na harmonia do todo no
universo. O tantrismo (haxixe e MDMA), uma das vias particulares do hinduísmo, se concentra
sobre a energia somática e sexual (a kundalini) e os nós energéticos do corpo (os chakras) para
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atingir a supraconsciência. O zen, o judaísmo hassídico, o sufismo, o cristianismo primitivo
(maconha), utilizam ainda os métodos (liturgia) para concentrar a energia sensorial. O
protestantismo e o judaísmo talmúdico (excitantes) são as religiões do ego. O catolicismo e as
seitas reconhecendo o diabo (álcool) são fundados sob a emoção do medo. O suicídio e o culto a
morte (narcóticos e venenos) são niilistas, negando toda a transcendência.
Budismo LSD
Dessa classificação, é possível reparar que, para Timothy Leary, as religiões que se
aproximam das experiências de êxtase, então dos caminhos da transcendência, começam
somente no quarto nível, e ele privilegia assim as religiões extremo-orientais. Desse modelo, os
hippies reterão, todavia, que todas as religiões têm por primeira mensagem o amor, a paz e a
harmonia, e se lembrarão às vezes do cristianismo – notadamente lhe fazendo homenagem na
ópera-rock: Jesus Cristo Super Star. Mas eles sublinharão sua preferência pelas religiões
orientais que não desprezam seus produtos preferidos, os Phantastica, como meio de acesso à
experiência mística.
Encontraremos permanecendo nessa mesma hipótese de uma ligação muito densa entre
continente geográfico, perenidade de uma grande religião, e uso moderado de um produto
psicotrópico em um outro especialista da experiência religiosa,Philippe de Félice . Sua
classificação traz algumas nuances, associando alguns conjuntos graças à variável cultural:
Extremo-Oriente, zen e ópio; Oriente, Islã e haxixe; Europa, álcool e cristianismo, Américas,
xamanismo e cactos sagrados. E também deve ser observado que sem argumentar tão
precisamente sobre as diferentes tradições religiosas, Bergson pôde evocar, também, diferentes
meios de acesso ao sagrado e sublinhar a proximidade da experiência entre os psicotrópicos e as
vias de acesso ditas “naturais”. Mircea Eliade igualmente mostrou que, nas sociedades
tradicionais o xamã utiliza os psicotrópicos para se ligar ao mundo dos ancestrais e dos deuses, e
que essas culturas acham isso perfeitamente “natural”.
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Em todo o caso, a revolução psicodélica se apresenta muito rápido como permitindo o
progresso do espírito humano, até onde é possível, segundo a expressão de Jack Kerouac, “de
olhar Deus na face” e como modificando radicalmente nossas relações com o outro e com a
natureza. Alan Watts, que Timothy Leary converteu ao movimento psicodélico, exprime muito
claramente em Joyous Cosmology a transformação da relação do eu com o outro e com a
natureza que permite o LSD:
Se revela [...] uma forte sensação de comunhão com o outro, provavelmente próxima da
sensibilidade particular que permite a um grupo de aves fazer evoluções no ar como se
elas não formassem um só corpo. Uma sensação deste tipo parece poder constituir um
bem melhor fundamentado pelo amor mútuo e a ordem social que a ficção da vontade
separada.
A imagem do homem, não mais “concebido como espírito preso em seu contrário, a
carne, mas como organismo inseparável de seu meio social e natural”, agora é possível graças à
“suas notáveis drogas que permitem ver o que normalmente ignora a consciência separadora – o
mundo como um conjunto de relações recíprocas”.
E Timothy Leary, ele mesmo, tira as implicações sociais desta expansão de consciência.
Resumindo a filosofia do movimento pela fórmula lapidária: Turn in, tune in, drop out, ele
convida a colocar em cheque a ordem estabelecida, a procurar as estruturas sociais mais de
acordo com as novas dimensões da consciência e com a solidariedade cósmica revelada. Assim
ele defende o estilhaçamento da célula familiar: ele considera que os problemas essenciais vêm
da família e da sexualidade, e vê o sexo coletivo como uma etapa quase necessária. Ele defende a
simbiose com a natureza e com uma profunda renovação do corpo social.
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A segunda chave mestra da filosofia hippie repousa sobre a experiência sensorial da
liberdade individual, ou a paz interior, da qual a expressão e a definição serão procuradas entre
os filósofos místicos orientais, que repararam nela e a descreveram como o estado de Buda ou
nirvana. O meio de se desprender das rotinas cotidianas, de abandonar o que é muito pesado,
para viver sua vida plenamente, reside na prática das drogas psicodélicas, mais especificamente
alucinógenas e propícias à experiência do êxtase. Leary define assim os termos:
Turn in: tornar sensível aos desejos e múltiplos níveis de consciência assim que os
caminhos específicos permitem ascendê-la [...]. Tune in: exteriorizar, materializar,
exprimir essas novas perspectivas interiores [...]. Drop out: ter confiança em si,
descobrir sua própria singularidade e se engajar na via da mobilidade, da escolha e da
mudança.
Que em torno desse corpus doutrinal, aliás muito simples, se constituiu muito rápido todo
um ritual é o indício da epifania de uma nova religião. Aplicando os grandes princípios do amor
universal, os hippies reinventam os modos de vida mais conviviais, mais coletivos e, sem dúvida,
mais generosos que os da sociedade prometeiana e individualista que o cerca. Um novo “estar
junto” se elabora no quotidiano, que, no início das experiências da vida comunitária, só deseja
reconhecer como regra a liberdade. O lema dos situacionistas franceses, “Gozar sem entraves”,
ilustra magnificamente os ambientes efervescentes dos grandes encontros hippies, nos concertos
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e nas manifestações célebres como na vida quotidiana das primeiras comunidades abertas a tudo
e a todos.
Sem dúvida, certas das características mais marcantes do movimento que se desenvolve
em São Francisco tem já essa nova sociabilidade defendida por Timothy Leary. Assim a tentativa
de uma vida comunitária e libertária no bairro de Haight-Ashbury aparece, sem pensar na sua
avaliação, positiva ou negativa, como a forma possível, em um nível microscópico, de
organização de sociedade futura, com suas clínicas gratuitas, com sua comida fornecida a preços
mais baixos pelos Diggers e o LSD por Augustus Owsley Stanley III, ao menos em um primeiro
momento, antes que isso não seja oficialmente proibido. Da mesma maneira que os love-in, be-in
e outros smoke-in no Parque Golden Gate – qualquer que seja o pretexto: reunir
espontaneamente para festejar o amor em 06 de outubro de 1966 ou, mais tarde, a recusa à guerra
do Vietnam – ou as danças que, nos balrooms do Filmore (abertos em 1965 por Bill Graham) e
de Avalon, acompanha espontaneamente os grupos de rock que se produzem, eles podem
aparecer como tantos rituais que visam ultrapassar o indivíduo em um todo maior. O termo da
moda à época era together. Os grandes festivais de rock, dos quais o primeiro acontece em
Monterey, 150 Km mais ou menos ao sul de São Francisco durante o verão de 1967 e que
constituirá um modelo para os festivais subseqüentes, aparecerão na sequência como uma
representação quase ideal desse “esta junto”, do qual Jerry Rubin, por sua vez, fará a
quintessênia alguns anos mais tarde no Do It, se lembrando do Human Be-In de janeiro de 1967
no terreno de pólo do Parque Golden Gate:
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Mas, em um primeiro momento, é uma cultura particular, verdadeira imagem da marca de
São Francisco, que o sonho psicodélico contribui a iniciar. Ele origina, em efeito, em suas
manifestações as mais visíveis sobre as quais se denominou de uma “cultura da vertigem”.
Mais do que toda outra forma de música dos Sixties, o acid-rock visa fazer chegar à
vertigem. Para ele mesmo uma vez que ele privilegia, como a música hindu, o ritmo e a melodia
em detrimento da harmonia e utiliza todas as possibilidades da eletrônica, mas também para
todas as sortes de solicitações sensoriais das quais ele se cerca durante suas representações de
forma a constituir um espetáculo total: a liberação de perfumes orientais – sândalo ou incenso –
os light-shows – projeções de protoplasmas criados pelo líquido colorido injetado entre duas
placas de vidro – inventados por Ken Kesey e sua equipe dos Merry Pranksters e rapidamente
recuperado pelos principais organizadores dos concertos de São Francisco.
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Muito logicamente, a viagem ao interior de si mesmo, a trip que permite o LSD, se
acompanha de uma viagem geográfica que é também uma viagem iniciática, bela aproximação
que permanece no trajeto antropológico, “quer dizer a incessante troca que existe no nível
imaginário entre os impulsos subjetivos e assimiladores e as intimações objetivas emanando do
meio cósmico e social”, do qual fala Gilbert Durand. Ele se inscreve na continuidade da viagem
beatnik, On the Road que se torna um livro cult, e será emblematizado pelo célebre filme Easy
Rider. Mas, enquanto a viagem beatnik estava majoritariamente circunscrita no território
americano, com uma extensão eventual ao México, a viagem hippie, ela se exerce ainda
voluntariamente sobre o continente norte-americano como esta dos Merry Pranksters e sobre os
caminhos mexicanos das drogas, se dá assim de novos horizontes. A viagem ao Oriente
(Afeganistão e Índia, e mais marginalmente Marrocos) se torna um rito iniciático de primeira
importância. Fazendo isso, se recupera um senso que remete ao século XIX, aos românticos,
igualmente adeptos a viagens dos psicotrópicos, e de viagens sob psicotrópicos, para os quais a
viagem ao Oriente era um rito obrigatório, uma “passagem” obrigatória da experiência sensível,
um percurso até o centro de sim mesmo onde se trata de descobrir sua “parte oriental” e a chave
perdida de uma compreensão da cultura ocidental. A viagem é a metáfora de um percurso
iniciático, esquema comum à numerosas tradições, que supõe a idéia de paraíso e de busca, e
descreve uma forma de encaminhamento, uma sucessão de passagens ritualizadas de um lado a
outro.
De uma maneira mais geral, a viagem hippie acha, ao menos, uma inspiração que
remonta ao romantismo e ressurge no início do século XX. Ao apelo da Índia responderam os
indivíduos isolados, tão diferentes quanto Aleister Crowley, Alexandra David-Neel, Georges I.
Gurdjieff, Hermann Hesse ou Hermann von Keyserling, tanto quanto, sob a impulsão de líderes
como Allen Ginsberg ou Timothy Leary, ou como modelo a viagem dos “Beatles” à Caxemira, o
que foi apenas uma pequena amostra da juventude ocidental que, nos anos 60 e 70, pegam o
“caminho das Índias”, de carona ou de ônibus. Eles vão procurar, é claro, os paraísos artificiais
da droga que estimam parte integrante da cultura oriental, mas também a espiritualidade que
esses paraísos permitem e que são necessários ao Ocidente integrar para equilibrar seu
materialismo. As roupas trazidas do Oriente tornam-se rapidamente as peças indispensáveis de
uma moda hippie. Esta, refeita por certos costureiros, se impõe bem rapidamente como uma
moda inteiramente à parte. Seria um erro ver aqui um efeito superficial e não a expressão de um
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choque em profundidade, pois para entrar nas crenças e costumes de um povo ou de uma
civilização à qual já se emprestou os usos da consumação do kif ou do haxixe, convém sem
dúvida entrar antes em suas roupas.
Como para as práticas que se relacionam ao consumo das drogas ou ao estilo de se vestir,
as atividades da vida quotidiana em geral, a música, a sexualidade, a alimentação, as festas, mas
também a educação das crianças, as relações dos vizinhos, se ritualizarão pouco a pouco. Assim,
se eles não se constituem realmente, ao menos foram de uma certa maneira de uso e costume
hippies.
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