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2.

Distúrbios em Sistemas de Energia

2.1 Introdução

O sistema elétrico é projetado para operar em regime permanente em maior parte do tempo,
e, portanto, deve também está preparado para suportar solicitações de tensão e corrente,
denominadas de sobretensão e sobrecorrente;

As sobretensões são geradas por efeitos externos ao sistema elétrico, como descarga
atmosférica, ou pelo próprio sistema, como sobretensões internas causadas por manobra;

É possível reduzir o número de descargas na LT utilizando-se condutores aterrados nas


estruturas das torres (cabos-guarda);

Os sistemas de transmissão devem suportar surtos de chaveamento de disjuntores, em


situações como:

- energização e religamento de linhas;

- manobras de cargas indutivas e capacitivas;

- ocorrência e eliminação de faltas;

- ressonância linear e ferrorressonância;

- religamento monopolar;

- rejeição de carga;

- tensão de restabelecimento transitória.

Ao considerar o exemplo da figura, é possível descrever algumas situações que eleva os níveis
de tensão entre os pontos A e B.

1. Ao considerar todos os disjuntores D abertos e ao energizar a LT pelo fechamento do


disjuntor D1, ocorre que a onda de tensão e corrente seguem em direção ao ponto B.
Porém, como o D2 está aberto, a onda reflete para o terminal A. Essas ondas viajantes
são amortecidas pela resistência da linha. As reflexões sucessivas ocorrem até que a
magnitude da onda torna-se nula.

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2. Ao considerar o sistema energizado e operando em sistema permanente. E supondo
que uma descarga atmosférica atinja o ponto C, e, portanto, ocorre injeção de
corrente. Desse modo, é gerado dois pares de ondas de tensão e corrente que viaja
em direção aos pontos A e B.

3. Ao considerar um caso de rejeição de carga com a abertura do disjuntor D5. A redução


brusca da carga indutiva, que passa a ser capacitiva (linha aberta), ocasiona um
aumento de tensão no barramento.

4. E ao considerar um curto-circuito fase-terra no ponto C.

Portanto, a operação do sistema elétrico deve conhecer os valores de magnitude, forma,


frequência e duração das sobretensões.

2.2 Sobretensões

As sobretensões podem ser definidas como tensões transitórias, variáveis com o tempo, cujo
valor máximo é superior ao valor da crista das tensões máximas de operação do sistema.

De forma geral, podem-se caracterizar dois tipos de sobretensões:

(a) os de origem interna: manobras de disjuntores ou curto-circuito;

(b) e os de origem externa: descargas atmosféricas.

De acordo com o grau de amortecimento e a duração, a distinção pode ser realizada em duas
categorias gerais: sobretensões impulsivas e sobretensões oscilatórias.

Ou três categorias específicas: sobretensões de manobra, sobretensões atmosféricas e


sobretensões temporárias.

A determinação das sobretensões fornecem subsídios para a coordenação de linhas e


subestações, bem como, para a especificação dos equipamentos, influenciando diretamente
na QEE.

2.2.1 Sobretensões Atmosféricas

As sobretensões atmosféricas são sobretensões fase-terra ou entre fases, em um dado ponto


do sistema, devido a uma descarga atmosférica.

A incidência dessas descargas pode-se dar:

(a) de forma direta sobre o equipamento, por exemplo no caso da descarga atingir a
subestação;
(b) sobre a LT, e neste caso origina o surto de tensão que se propaga ao longo da linha;
(c) de forma indireta, por indução.

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A forma de onda das sobretensões atmosféricas pode ser aproximada por uma onda com
crescimento linear de alguns µs para atingir o valor máximo e decaindo de algumas dezenas de
µs. A duração e o valor máximo dessa sobretensão são de grandeza não determinística, uma
vez que, a descarga atmosférica é um fenômeno estatístico.

Esquemas de proteção são usados para aumentar a confiabilidade dos sistemas, ou seja, para
diminuir o número de desligamentos.

2.2.2 A Descarga Atmosférica

A descarga atmosférica é uma grande transferência de cargas das nuvens para a terra, ou a
alguma estrutura que se interponha entre a nuvem e o solo.

O fenômeno consiste na separação das cargas positivas e negativas, e o deslocamento das


partículas positivas leves para as regiões mais altas das nuvens promovidas pelas correntes
ascendentes de ar. E dessa forma, tem-se um dipolo vertical.

A distribuição das linhas de campo é influenciada pela grande extensão da distribuição de


cargas. Quando o valor do campo elétrico necessário à ionização é atingido (30 kV/cm no ar
seco) tem início o processo de ionização por colisão entre elétrons e átomos.

A velocidade do elétron permite a criação do caminho de ionização pelo lado negativo. O


campo elétrico continua crescendo nas extremidades e favorece a continuidade da ionização.
Desse modo, forma-se um canal ionizado chamado de descarga piloto.

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O canal da descarga piloto é altamente carregado e seu potencial em relação à terra é o
potencial da nuvem (∼ 100 MV).

Pode ocorrer uma descarga piloto ascendente, partindo da extremidade superior de alguma
superfície aterrada. Essa descarga ascendente encontra-se com a descarga descendente em
um ponto acima da terra e é chamada de descarga piloto de conexão.

Quando as duas descargas piloto se encontram, a nuvem começa a descarregar pela descarga
de retorno. Essa descarga avança como ondas viajantes em LT.

A velocidade de propagação da descarga de retorno em função da corrente de descarga:

Portanto, uma descarga piloto descendente junto com a respectiva descarga de retorno
ascendente formam a descarga atmosférica, ou o raio.

A polaridade das correntes da descarga é definida segundo a polaridade das cargas da nuvem.
Se a nuvem é negativa, as descargas pilotos ascendentes são positivas e as descendentes são
negativas.

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As correntes da descarga piloto estão entre 50 A e 300 A, abaixo da nuvem negativa e entre 1
kA e 3 kA, abaixo das nuvens positivas.

As correntes das descargas de retorno estão entre 8 kA e 150 kA, abaixo das nuvens negativas
e atingem 300 kA, abaixo das nuvens positivas.

As descargas atmosféricas podem atingir diretamente uma LT sobre os condutores de fase, ou


cabo-guarda, ou a torre da linha (arco elétrico entre a torre e o condutor), causando uma
sobretensão fase/terra.

As descargas podem atingir uma LT indiretamente. Nesse caso, a descarga atinge a


proximidade das linhas, ou a descarga pode ocorrer dentro da nuvem ou entre nuvens situadas
acima da LT.

Ao considerar uma nuvem carregada acima da LT. Observa-se que a LT fica polarizada e nas
extremidades apresenta cargas negativas.

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Devido à corrente de fuga pelo isolamento da linha, as cargas negativas escoam para a terra,
deixando as cargas positivas retidas sob a influência da nuvem. Enquanto durar esse estado, o
isolamento da linha pode ser submetido a esforços elétricos severos e causar disrupções na LT.

Se a nuvem descarregar subitamente sobre outra que se aproxima ou para a terra ocorre uma
diminuição repentina do campo eletrostático existente e as cargas estáticas positivas se
tornam livres.

E, portanto, duas ondas viajantes de tensão ou surtos formam-se e propagam-se ao longo da


linha em sentidos opostos. Nesse caso, tem-se uma tensão induzida.

As tensões induzidas causam sobretensões abaixo da suportabilidade da linha de transmissão,


porém, pode causar danos em sistemas de distribuição de energia.

Teoria de Rusck

A teoria de Rusck considera como premissas básicas:

(a) a existência de um canal de descarga ionizado e carregado, disposto verticalmente


sobre o solo, pelo qual se propagará a corrente de retorno, em forma de degrau, do
solo em direção à nuvem;
(b) a corrente de retorno como a principal causa da tensão induzida;
(c) o solo com resistividade nula;
(d) o campo do solo como sendo o mesmo que nos condutores da linha, pois a distância
entre os dois é pequena quando comparada com o comprimento do canal de
descarga.

A tensão induzida em qualquer ponto sobre a linha infinita de altura h é:

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No qual:

c é a velocidade da luz em m/s;

β é a velocidade da descarga de retorno (em % de c);

I é a corrente de descarga de retorno em kA;

A tensão induzida atinge seu pico em

O pico da tensão x=0 é:

2.2.3 Sobretensões de Manobra

As sobretensões de manobra ocorrem quando há mudança de topologia do sistema.

Esse evento pode ser programado (ligação ou desligamento de cargas) ou devido à ocorrência
de uma falta.

A amplitude e a duração das sobretensões de manobra dependem dos parâmetros do sistema,


da sua configuração e das condições em que o sistema se encontra no momento da manobra.

Impedância de Surto

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Manobras envolvendo Capacitores

Ao acionar um disjuntor para o desligamento de uma carga capacitiva (bancos de capacitores,


cabos ou linhas aéreas a vazio), se a corrente não é nula, estabelece-se um arco entre os
terminais que continua alimentando o circuito.

Quando a corrente torna-se nula tem-se uma sobretensão nos terminais do disjuntor.

Ao considerar um disjuntor conectado a um banco de capacitor, logo a corrente está adiantada


de 90o da tensão. Ao abrir os contatos do disjuntor e quanto o arco se extingue, a corrente é
nula e o capacitor carrega com (–Vm). Meio ciclo após a eliminação do arco, a tensão entre os
terminais do disjuntor é 2Vm.

A tensão após a abertura dos contatos do disjuntor é denominada como tensão de


restabelecimento transitória (TRT). Se o meio dielétrico do disjuntor não tiver rigidez dielétrica
suficiente para suporta a TRT, ocorre reignição do arco.

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Como a corrente capacitiva é pequena, pode ser interrompida antes de os contatos atingirem
a distância suficiente para suportar 2Vm. Nesse caso ocorre reignição do arco.

Ao considerar o caso no qual ocorre reignição do arco quando a tensão entre os contatos
atinge o pico 2Vm. E o capacitor encontra-se inicialmente carregado, a equação do circuito é:

E sabendo que a tensão no capacitor é:

Substituindo:

Resultando na corrente no domínio do tempo:

Desse modo, a tensão no capacitor:

E para o caso considerando em que vc(0)=-Vm:

Desse modo, após meio ciclo o valor máximo é 3Vm.

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Correntes Inrush dos Capacitores

Capacitores shunt, que são conectados entre fase e terra, são aplicados para corrigir fator de
potência ou como suporte em sistemas de potência.

Esses dispositivos são chaveados frequentemente quando o sistema de carga varia e


flutuações na tensão.

Os bancos de capacitores são divididos em seções e chaveados independentemente. A Figura


apresenta duas seções com as chaves S1 e S2.

Fig. Chaveamento dos capacitores no barramento.

Considerando o fechamento da chave S1, a corrente que flui quando o circuito LC é energizado
é dado por:

A impedância é dada por

Para o caso de cálculo da corrente Inrush em capacitores tem-se a equação para a corrente:

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Considerando um sistema 34,5 kV, solidamente aterrado, com uma corrente de curto-circuito
na barra de 25 kArms simétrica. Assumindo que os bancos C1=18MVA e C2=10MVA.

Para C1, P = 1,8 x 107 W em 60 Hz:

A reatância da fonte é

A corrente de pico Inrush no pico de tensão:

A frequência da corrente é:

Ao considerar a indutância do sistema L1=19,2µH e a capacitância C2:

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A capacitância total do banco de capacitor é:

A impedância de surto do circuito é:

A corrente Inrush do capacitor C1 carregado para o capacitor C2 descarregado é:

E a frequência da corrente inrush é:

Manobras envolvendo Reatores e Transformadores

O chaveamento de reatores e transformadores pode ocasionar o fluxo de corrente no circuito


desconectado, mesmo depois de a corrente ter passado pelo seu zero natural e de a
interrupção real ter acontecido.

Essa corrente passa pelas capacitâncias das linhas ou dos enrolamentos dos equipamentos
resultando no fenômeno de ressonância que causa sobretensão nos seus terminais.

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A energia magnética, remanescente na indutância no momento da interrupção, é transferida
para as capacitâncias como energia elétrica.

O pico da corrente i(t) é menor ou igual ao pico da corrente de magnetização do


transformador:

E o valor de pico da sobretensão Vs é:

O valor de pico da sobretensão é função da razão entre a frequência de ressonância do


equipamento fr e a frequência de operação do sistema f.

Bibliografia:

[1] Araújo, A.E.A.; Neves, W.L.A., Cálculo de Transitórios Eletromagnéticos em Sistemas de


Energia, Ed. UFMG, cap. 2;

[2] Greenwood, A. “Electrical Transients in Power System”, 2nd. John Wiley & Sons, cap. 1,
exemplo 2.

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