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COMMENTARIO CODIGO PENAL PORTUGUEZ POR LEVY MARIA JORDAO, DOUTOR EM DIREITO. LISBOA. ‘YPOGRAPHIA DE JOSE’ BAPTISTA MORANDO, RUA DO MOINHO DE VERTO N.° 59, -—— 1854, CODIGO PENAL, TITULO EET. 905 CRIMES CONTRA A ORDEM E TRANQUILLIDADE PUBLICA. (Continuacio.) CAPITULO 7.° DA VIOLACAO DAS LEIS SOBRE INIIUMACOES, E DA VIOLACAO DOS TUMULOS, FE DOS CRIMES CONTRA A SAUDE PUBLICA. SECGLO 1.4 VIOLACAO DAS LEIS SOBRE INNUMACOES, E VIOLACAO DOS TUMULOS. Ja’ temos repetido por varias vezes que niio li- gamos uma grande importancia as questécs de clas- sificaciio em relacio 4 lei, mas nio podemos deixar de reclamar contra a falta de methodo e de systema. Que ligagio havera entre a violacio das Icis so- bre inhumacics ¢ a violacdo dos tumulos, para se- rem inscridas ambas na mesma Scccio? O codigo fraue z & yordade que seguiu este systema; e Chau- veau, procurando justifical-o, dizendo que a lei pre- fende com ambas esfas incriminacoes protegcr 0s res. | tes mortaes do homem, é o primciro que reconhece: te 4 differirem ellas j& por seu caracter moral, ja pela sua gravidade, jA pelos factos que as constituem. Deixando porem esta questo de methode, pas- samos a examinar o delicto de violagio das leis so- bre inhumacses no Artigo 246.° Aquelle que tiver feito enterrar um individuo, contravindo as leis ou regulamentos, quanto ao tem- po, ao lugar, 6 mais formalidades prescriptas sobre as inhumacdes sera condemnado em mulcta conforme a sua renda de seis mezes alé dous annos. LEGISLAGAO ROMANA. Vide o commentario. LEGISLACAO ESTRANGFIRA. Cod, de Franga art. 358.°; ete. COMMENTARIO. A disposicio deste art. é muito importante, pois € certo que dos factos incriminados péde resultar gra- yissimo prejuiso 4 causa publica, como facilmente se deprehendera cxaminando cada um delles, como pas- samos a fazer. 1.° Contravir as leis e regulamentos quanto ao tempo do enterro. —O Reg. de Saude de 26 de Novembro de 1845 determina no art. 82.°, seguindo 0 disposte no art. 77.° do codigo civil francez, que ninguem sera enterrado sendo vinte ¢ quatro horas depois da morte, excepto se o facullativo, que a ti- 5 ver verificado, nio antecipar ou relardar a hora pe- los molivos declarados no § un. desse art. Esta dis- posicio é justissima pois tende a nada menos do que prevenir o perigo das inhumagoes precipiladas, mo- liv.cias por morte apparente ; ¢ por isso aquelle que contravir esta disposic¢io proventiva nado pode deixar de ser punido. 2.° Quanto ao lugar. —¥’ sabido que ja des- de .a lei das XII taboas exislia entre os romanos a prohibicio de enterrar na cidade, medida que foi di- cla... por consideracdes hygienicas como attests isi- doro no seu livro das origers ‘ ; ¢ 0 imperador Adria- no impéz a mulcla de quarenta aureos aos contraven- tores desta delerminacio, segundo refere Ulpiano na L. 3 § 5 Dig. de sepulchro viol. Com a vinda do Christianismo nio deixou de ser observada a medida pelos christios tanto em Ro- ma, como nas oulras terras. Nio tardou porem a ser permitlida nas cidades a sepultura dos Apostolos e Martyres, a roda dos quaes se formavam Igrejas, ¢ era tal este uso ja no seculo X, que os ficis por um piedoso impulso tinham comecado a obter licenea para serem enterrados juntos a essas Igrojas da parte de fora, nos adros; prohibindo porem os concilios (¢ enlre elles o nosso Braccharense do seculo 1X) que os enterramentos se verificassem dentro des Templos. Nao obstante isto, apar de taes prohibicdes, a Igreja comegou a consentir que os Bispos, sacerdo- tes. ¢ até scculares de vida notavel por scus mereci- "a Ne fo:tore ipso corpora vicentium contracta infi- crentur.»—XV. 1H, 6 mentos fossem sepultados dentro dos Templos ; esta concessio abriu a porta a todos os abusos, porque dentro em pouco toda a gente era enlerrada-nas Igre- jas, como ainda hoje succede entre nds em algumas terras. Este estado era lastimoso, -e podia trazer com- sigo graves prejuisos 4 saude publica, como é incon- teslavel em vista dos principios da hygiene publica. Foi por isso que entre nds o Dec. de 24 de Sctem- bro de 1838 determinou que os enterramcntos 80 ti- vessem lugar em cemiterios, cujos lecaes. mais apro- priados ja haviam sido designados em Port. de 18 de Junko de 1833, nesse mesmo Dec., em Port. de 18 de Junho de 1837, e 15 de Julho de 1840, ¢ mais legislacio referida no Repertorio do Sr. J. J. Andrade e Silva, v.° Cemiterios. Estas disposigdes foram renovades pelo Reg. de Saude o qual determinou no art. 66.7 que em cada Concelho haveria pelo menos um cemiterio publice, prohibiu expressamente. no art. 73.° que se enter rassem os cadaveres dentro de qualquer Igreja ou Capella da Freguezia ou Concelho, onde houvesse ce- miterio publico, ou fora deste. Com razio pois sio punidos pelo Codigo acquelles (ue Violam semclhantes disposigdes, cuja nito observan- cia péde ser de grande damno 4 saude publica, como a experiencia esti mostrando naquellas terras aunde nio cxistem cemiterios. Nole-se que o citado Dec. de 214 de Sctembro de 1835 impie aos Parochos ou Ec- clesiasticos beneficiados, que consenlirem os cnterra- mentos dentro dus Templos, ou em quaesquer luga- res que nao sejam os referidos cemiterios, a pena de 7 perdimenlo do benclicio e inhabilidade para outro. Mas ficara por isto inhibida a Igreja do direito de negar a scpullura em lugar sagrado (como sio 0s cemitcrios) nos casos estabelecidos por direilo cano- nico, ¢ que refere Gmeiner, tom. 2 § 455? julga- mos que nio, porque ncntium acto ¢ criminoso, diz o Codigo no art. 14.° n.° 3, quando for auctorisado por lei, e praticado por pessoa competente. «+ Quanto ds formalidades prescriptas. —Tacs sio, as cerliddes do facullative que allesto a morte e ou- tras que se acham determinadas no Reg: de Saude art. 78.° ¢ seg. , pois todas tem por fim ja evilar in- humacdes precipitadas, j4 mortes suppostas etc. , 0 que é por certo para reeear na sociedade, ¢ devia ser prevenido por uma disposicdo repressiva. Artigo 247.° Aquelle que commetier violagio de tumulos, ou sepulturas, praticando antes ou depois da inhumacdo quacsqucr factos tendeutes directamente a quebrantar o respeito devido 4 memoria dos mortos, sera con- demnado na pena de prisio de um mez até um anno, € mulcta correspondents. » § unico. Em todos os casos declarados nesta Seccao, se houver lugar pena mais grave por outro crime, accumular-se-ha a pena de muleta que se acha decretada, so no o estiver conjunclamente com essa pena mais grave. LEGISLACAO ROMANA. Vide o commentario. 8 LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Cod. de Hesp. art. 138.°3 de Franga art. 360.°; das Duas Sicilias art. 262.°5 etc. COMMENTARIO. «A lei, que protege o homem desde o seu nas- cimento até 4 sua morte, no o abandona no momento em que elle deixa de viver, e quando da sua pessoa apenas restam seus despojos. » Era assim que no corpo legislativo de Franca se justificava o art. 360.° do codigo penal; mas consi- derada por esta forma a incriminacdo, nado devia pa- recer lao grave como realmente é, porque apenas se olhava o facto por um lado, quando é ccrto que elle € criminoso por diversos principios ; nio s6 por ata- car a memoria dos mortos, mas tambem a moral pu- blica ¢ a religido, cujo dogma da immortalidade da alma se acha universalmente traduzido no religioso respcilo que todos os povos tem sempre guardado para com a morada dos mortos. . Ja daqui se vé que involvendo a violacio das sepulluras o quebrantamento desse religioso respeilo nio podia deixar de ser severamente punido cm todas as Gpocas e lugires; ¢ essa ¢ a razdo porque grande parle das legislagdes consideram este facto como um crime contra a religiio. Entre os romanos assim 0 declara capressanente o imperador Gordiano na L. 1 Cod. de sepulchro violato ; c, para nao trazer ou- tros exemplos, a mesma idéa seguiu o codigo hespa~ nhol: mas 0 nosso, considerando-o como crime con- 9 tra a tranquillidade publica, adoptou a peior classifi- cacao que imaginar se pdde ; pois se elle declara que a essencia deste delicto é 0 quebrantar o respeito 4 mei ria dos mortos, se este anda inlimamente ligado com o dogma da immortalidade da alma, ensinado pela Igreja, como deixar de considerar a violacio das sepulluras como um ataque 4 Religido? Temos a examinar os elementos do delicto e a sua penalidade, porque ambos offerecem campo & dbservacio, e 4 crilica. Jitementos do delictos. —Da simples leitura do art. se vé que existe o delicto da vivlacdo de sepul- tura, logo que alguem praticar quaesquer factos (an- teriorcs ou posteriores & inhumacio) tendentes a que- brantar directamente o respeito devido & memoria dos mortos. Os factos anteriores 4 inhumacio pelos quaes se pode quebrantar o respeito devido & memoria dos mortos sido entre outros, os seguintes — 1.° despojar o cadaver de quaesquer yeslidos ou roupas em que for involvido, ou de quaesquer objectos que o ornem, como anneis etc. ; —2.° espancal-o, feril-o, ou cor- tar-Ihe algum membro ; — 3.° impedir 0 seu entcr- ro, ou a sua inhumacato ; — 4.° roubal-o ou subtra- hil-o para qualquer fim que seja; ete. O direito romano ja reputava estes factos como violadores da memoria dos mortos ; como a respcilo do 1.° se vé na L. 3 § 7 Dig. de sepulch. viol., do 2.° na L. 38 Dig. de relig. et sumpt., do 3.° na L. B Dig. de sepulch. viol. e Nov. 115 Cap. 5 § 1, e do 4.° nas LL. 8 Dig. e 4 Cod. hoe. tt. Os factos postertores podem dizer respeito ou ao ¥o proprio cadaver ou ao sepulchro em que este se acha. Sao relativos ao cadaver — 1.° subtrahil-o ou rou- bal-o; —2.° exhumal-o '; —3.° despojal-o das rou- pas em que se acha involvido ou dos objectos que o ornam ; — 4.° espancal-o, feril-o, ou mutilal-o ete. Sao relatives ao sepulchro quebrar o tumulo, ou des- truil-o por qualquer forma em todo ou em parte etc. Tambem o dircito romano reputava estes factos como violacao do respeito devido aos mertos ; dos re= lalivos ao cadaver, 01.°, 3.°, @ 4.° pelas leis ja ei- tadas; e 0 2.° pelas:LL. 8 pr., 14,39 Dig. c 10 God. de religies. ;. e 0s relativos.ao tumulo, pelas LL. 4 Dig., e 4,5 Cod. de sepulch. viol. Uma duvida se pode apresentar, e vem a ser sé as injurias proferidas sobre um sepulchro, ou sobro um cadaver devem ser consideradas como facto suffi- ciente para, constituir a violacio de tumulos. Chau- veau faz distinceio entre as injurias que consistem em -sinples:.palavras ; @ as que consistem em gestos injuriosos ;‘ dizendo que estas constituem violacao de tumulo, mas nie aquellas, porque nio ha neste caso 1F” notavel a este respeito a quest&o que se agitou sobre uns Corsos que tinbam desenterrado um bandido, morto n’uma lueta, e enterrado féra do cemiterio, para Ihe fazerem certas honras funebres3 sendo accusados, 0 tribunal de Bastia absolveu-os em 20 de Dezembro da 1844 por n&o ter sido a exhumagio com o intuito de vinganga, lucro, ou despreso; mas o Tribunal de Cas- sagiio por acord&o de 10 de Abril de 1845 julgou, se- guindo a doutrina de Merlin e de Carnot, que a exhu- mag&o cra criminosa, porque a lei para’a incriminar nao attendia & causa que a motivdra, il a viglagio material, que a lei (ou pelo menos:o seu espirito) exige para a incriminacdo. .Em vista disto julga que as injurias verbaes sjo punidas segundo a regra geral das injurias, devendo sé tomar-se em con- sideragdo a circumstancia aggravante do lugar *. Q nosso Codigo parece ter-se inclinado 4 opi- nido do.criminalista francez, ¢ talvez a palavra dire- clamente sirva para excluir as simples injurias verbaes. : Penalidade. — OQ direito repmano punia este.de- licto pela maneira scguimte ; a subtraccdo ou exhu- maciv dos corpos ou ossos do, seu tumulo:era punie da, segundo a condicio do delinquente, com a pena capital ou.com a deportacdo (L. ult. Dig. hoc. tt.); a espoliacie dos cadaveres era punida com a morte, sendo fcita com armas, e sendo scm armas podiam alé chegar 4 condemnacio 4s minas (L. 3 § 7 Dig. hoc. tit.) ; qualquer degradacdo dos tumulos em todo ou em parte era punida ‘ou com. os trabalhos nas mi- nas ou com pena pecuniaria (L.-2 Cod. hoc. tt.). Emiim a todas estas penas accrescentou Constantino Magno a mulcta de dez libras de ouroa para o fisco pela L. 4 Cod. hoe. ut. © codigo penal francez no art. 360.° puniu a violagio dos tumules com prisao de tres mezes a um auno c mulcla de 16 a 200 francos: pena esta muito diminuta, e pouco proporcionada 4 gravidade do cri- me, que alaca uma dag cousas mais sagradas. Mas a penalidade do nosso Codigo ainda é menos propor- cionada, porque sendo de les mezes o minimo da prisdu uo codigo francez, no nosso é de um mez! * Chauveau n.° 3042: Morin, v.° Sepullure. 2 Fscusado 6 advertir que nav se comprehendeni na disposicio do Codigo as inhumacdes feilas por or- dem da Auctoridade competente para proceder a exa- me e€ corpo de delicto, porque 6 este mn direifo que Ihe compete, como se vé do Reg. de Saude art. 84.°, © como foi sempre pratica constante neste Reino, at- testada por Lobiio e por Ferreira’. Em Roma, aonde tambem eram prohibidas as exhumacdes, exceptua- vam-se todavia aquellas que cram feitas com auctori- sacio dos pontifices, do principe (LL. 1, 8, 33 Dig., 4k Cod. de religios.), ou do presidente nas previn- cias (L. 1 God. ibid.), ¢ de que encontramos exem- plo em Plinio, Epist. X, © no Thesaurus inscriplio- num de Gruter *. § un. A disposicio do § un. do art. vai de acordo com a do art. 87.° segundo o qual nao tom lugar a accumulacio de penas excepto a de mulcta. Se o Codigo nao tivesse decretado a accumulacio neste. caso seria desnecessario 0 paragrapho porque se a violacio dos tumulos involvesse crime que me- recesse pena mais grave, v. gr. um roubo, nao ha- via duvida em ser applicada ao crimineso a pena:de roubo por ser mais grave, cm vista da regra do ci- tado art. 87.°. 1 Lobdo, dnterdictos §123 not. 23 Ferreira, De novt operis Liv. 1 Disc. 2 n.° 51,— Nao deve porem 0 auto ser [eito no cemiterio por ser lugar sagrado. 2 Bis uma das inscripgdes referidas por Gruter aon- de se faz meng&o da intervengio dos pontifices na ex- humaciio — RELIQVLE. TRAJECT.®. . . TIE. NON. FEB. EX. PERMIS, COLLEGIL, PONTIFICVM. PLACITO. FACTO, 13 O codigo francez tambem admitte no mesmo caso nio s6 a accumulacdo da mulcta, mas a de prisiio. Chawveau porem (n.° 8042) julga ser esta. interpre- taciv filha da ma redaceio do art., pois d’outro mo- du cslaria elle em contradiceaio com o art. 365.° do codigo (instrucedo criminal, o qual nao admille ac- cumulacio de penas, sendo nos casos especialmente exceptuados. Apesar disto o Tribunal de Cassacio por acordio de 17 de Maio de 1822 seguiu a interpre- lagi que se deduz da lelra do art. 360.° julgando tet luzar a accumulacdo, ¢ considerando o caso dess¢ art. como um dos especialmente exceptuados. SECGAO 2.4 CRIMES CONTRA A SAUDE PUBLICA. Todos os factos punidos nesta Secc&o sitio de muita gravidade, por que podem causar um damno immenso, e por vezes irreparavél a sande, 4 vida das pessoas, @ 4 hygiene publica, ¢ por isso niio de- viam deixar de ser tomados em consideracie pelo Le- gislador em todos os tempos. Tal é a razao porque. vemos a nossa anterior legislacio fulminando com: graves penas a maior parte destes faclos, e a Port. de 26 de Julho de 1849 considcrando como crimes pu- blicos todas as transgressics dos regimentos de saude. Artigo 248.° Ayuelle, que sem legitima auctorisacio vender, ou expozer 4 venda, ou subministrar substancias ve- nenosas ou aborlivas ; ou sem as formalidades yeque- 4 ridas pelos respectivos regulamentos, quando fér Ie- gitimamente auctorisado, sera punido com prisio de seis mezes até dous annos, ¢ mulcta correspondente.' LEGISLACAO ROMANA, L. 3 Dig. ad leg. Cornel. de sicar. 3 ete. LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Cod. de Hesp. art. 246.9, 247.°, 249.°; da Austria art. 100.°- 103.9, 109.°, 115.°; das Duas Sicilias art. 400.°, 401.°, 402.°5 etc. LEGISLACAO PATRIA ANTERIOR, Ord. Liv. 5 Tit. 89. COMMENTARIO. Se todas as substancias, mesmo medicinaes, nao fizessem sendo. bem a saude, nada teria o Estado ou a lei com o seu commercio. Mas-sendo certo que mui+ tas dellas sdo venenosas ou capazes de produzir.abor- tos, nao podia o Estado deixar de intervir, determi- nando que sémente cerlas pessoas as possam vender, expor 4 venda ele. debaixo de cortas formalidades e condicdes estabelecidas nos regulamentos cspeciacs, para prevenir as-serias consequeneias, que do con- trario poderiam resultar a0 publico. E’ por isso que quem vende, expde 4 venda ou subministra essas substancias sem auctorisaciio Icgi- ima, ou, tendo-a, sem as formalidades estabelecidas nos respectivos regulamentos deve ser punido por este 15 facto; tal & 6 caso de um boticario que vender opio sem gue lhe seja apresentada reccita: de medico ou cirurgido. Parece-nos porem que nesta.segunda hy- poth: > -veria ter Iugar lambem a pera ‘da suspen- sia uv exercicio da profissiio. | A nossa Ord. Liv. 5 Tit. 89 ja impunha penas de degredo para Africa alé mercé do Rei, ¢ perdi- mento de bens aquelles que tivessem cm sua casa, para vender, rozalgar, solimio ou opio. O direito romano: réconhecew tambem a verdade dos principios que temos:exposle. Na L. 3 pr. e-§-4 Dig. ad leq. Cornel. de sicar. diz Marciano: « Kjus- den legis Cornelia de sicariis et veneficiis capite quinto, qui venenum necandi hominis causa fecerit, vel vendiderit, vel habuerit plectitur. Ejusdem legis pena adfcitur qui in publicum. mala medicameata vendiderit, vel hominis necandi causa habuerit. » Era de acordo com esta doutrina que o Jcto Gaio ap- prova na Ly35 § 2 Dig. de contrah. empt. @ opi- niio dos que sustentavam nao poderem, 08 ¥eneRos- ser -‘iesto de compra @ venda '. Artigo 249.° -Ser& punido com -prisio de tres mezes até tres annos, e mulcta correspondente, o boticario que, .ven- dendo ou-subministrando qualquer. medicamento, sub- stituiy, ou de qualquer modo allerar o que se achar prescriplo na receita competentemente assignada ; ou ven! -r, ou subministrar medicamentos deterivrados. ' ® Veja-se. sobre. \feto o nowo Egilio & Lei Eu hoc jure, P. 1 Cap. 7.°, n.° 26, 27, € 983: 16 LEGISLACAO ESTRANGEIRA, Cod. de Hesp. art. 248.03 da Austria Part. 2.4 art. 100.°-106.°; das Duas Sicilias art, 400.°; da Sar- denha art. 427.°5 etc. COMMENTARIO. Ambos os factos punidos neste art. podem cau- sar grave damno a saude publica, pois a experiencia mostra infelizmente as tristes consequencias de que muilas vezes tem sido viclimas os doentes por descui- dos dos boticarios. Uma cousa devemos ter em conta a respeito da materia deste art. ; e 6 que os factos nelle incrimi- nados constituem uma verdadeira contravencio, de- vendo sempre ser punidos ainda que se prove a falla da intengdo malefica (vide art. 3.°). Péde porem succeder que 0 bolieario obre com essa intencdog e que, per cxemplo, n’um medicamento em cuja composicio entrar o arsenico, augmente a déze deste, designada na receila, com o fim de enve- nenar 0 doente. Neste caso a pena ja nao é a do art. ; 0 facto reveste cnlao o caracter de envencnamento, segundo as circumstancias *. Entre nés ja o Alv. de 22 de Janciro de 1810 no § 14 impunha a pena de perdimento da fazenda aos boticarios e droguistas que tivessem drogas ou medicamentos reprovados. £D. Joaquim Pacheco, El Cédigo penal concorda- do tom. 2 pag. 370. 17 Artigo 250.° Todv o facultativo que em caso urgente recusar 0 auvilis de sua profisséo ; e bem assim aquelle que compelentemente convocado para exercer acto da sua profissio necessario, segundo a lei, para o desempe-~ nho das funccdes da auctoridade publica, recusar exer- cel-o, sera condemnado em prisio de dous mezes a dous annos, salva a disposicaéo do § unico do art. 188.°. COMMENTARIO. Achamos justissima a disposiedo deste art., qne- sar de julgarmos que raro sera o caso em que elle tenha de ser applicado; pois custa-nds a crer que haja um. facultativo tio falto de todos os sentimentos que ouse praticar os factos incriminados neste art. «Sacerdote do fogo sagrado da vida, o medico, como o sacerdote chrislio, tem deveres a cumprir ignalmente nobres e igualmente sublimes. Diante do doente deve desapparecer para elle toda a idéa de in- teresse pessoal ; deve sacrificar todas as suas conve- ‘ niencias, a sua repulacio mesmo: depositario dos preceitos da arte de curar nao ha para elle descanco nem no leito, porque a qualquer hora deve elle cor- rer a toda a parte aonde ouvir um gemido do homem que soffre'. » "Sao palavras do Sr. A. da S. no seu artigo inti- ulado'o Medico, que vem na Revista Academica de 1845 gag. 29 € seg. TOM, LiL, 2 18 Se por acaso 0 facullativo ndo attendendo a es- tes principios liver a fraqueza de commetler qualquer dos factos incriminades devera enlio ser punido. Com raz%o salva o Codigo a disposicio do § un. do art. 188.° porque esse caso é mais grave @ tem maior pena. Artigo 251.° Aquelle, que de qualquer modo alterar gene- ros destinados ao consumo publico, de forma que se tornem nocivos 4 saude, @ os expozer 4 venda assim alterados ; e bem assim aquelle que do mesmo modo alterar generos destinados ao consumo de alguma ou deiflgumas pessoas; ou que vender generos corru- ptés, ou fabricar ou vender objectos, cujo uso seja necessariamente nocivo 4 saude, seré punido com pri- sio de dous mezes a dous annos, e mulcta correspon- dente ; sem prejuiso da pena maior se houver logar. LEGISLACAO ESTRANGEIRA, Cod. de Franga art. 138.°, 475.°; de Hesp. art, G > Pp @50.°; Lei belga de 19 de Maio de 1829; etc. LEGISLACAO PATRIA ANTERIOR. Ord, Liv, & Tit. 59 pr. 5 ete. COMMENTARIO. Quatro sifo os factos punidos neste art., os quaes vamos examinar cada um de per si; advertindo des- de j4 que os romanos consideravam este delicto co- 19 no uma especie de stellionato, segundo nos diz Ul- viano na L. 3 § 4 Dig. Stellionat. 1.° Alterar por qualquer ferma generos. desti- sados ao consumo publico, de férma que se tornem rootves a saude, e expol-os a venda assim alteran los'. —Q art. 318.° do codigo francez contém uma lisposicio quasi semelhante posto que restricta 4s b2- vidas, em quanto a do nosso Codigo se estende com usta razio a todos os gencros de consumo. Dizemos que é que-i semelhante, porque pelo systema do co- Jigs de L810 € necessario que haja venda consum~ nada para existir crime, em quanto pelo systema do aosso Legislador basta a simples exposicdo 4 venda. Cumpre porem notar que a lei de 27 de Marco de 1851 veio no art. 2.° completar a doutrina do codigo francez impondo as penas de tres mezes a dous annos de prisio e mulcta de 30 a 500 francos aquel- les que venderem substancias ou generos alimentares, alterados de modo que se tornem prejudiciaes 4 saude *. Os elementos do delicto sio os seguinles: 1.° que haja alteracdo em generas destinados ao consumo publico ; 2.° que essa alteragdo os torne nocivos 4 saude ; 3.° que sejam expostos 4 venda allerados por esta forma. Escusado é advertirmos com Chauveau que este caracter e effeitos da alteracdo dos generos devem ser apreciados por peritos competentes ; pois 4V. gr: lancar terra no pao para furtar o accresci- mo (Ord. Liv. & Tit. 59 pr.), e misturar no vinho ca- parosa (Alv. de 30 de Agosto 1757 § 2, 16 de Novem- bro de 1771 § 2, 10 de Abril de 1773), etc. * 2¥Esta lei tinha sido proposta 4 assembléa legislati- va por MM. Mortimer Ternaux e Riché. 29 20 sé elles podem analysar as propriedades das diversas substancias, e estabelecer os effeitos da sua mistura. Julgamos porem conveniente consignar neste lugar que “é necessario que o ecriminoso tenha:-obrado com co+ nhecimento de causa, isto ¢, conhecendo que a alte- racio dos generos era prejudicial 4 saude: fazemos esta advertencia, de acordo com Rauter e Chauveau, e com a citada L. de 27 de Marco art. 1.°, porque este facto nao se. pode considerar como uma simples contravencio '. 2.° Alterar generos destinados ao consumo de alguma ou algumas pessoas de modo que elles se tor- nem nocivos & saude.—Q facto 6 0 mesmo, coma differenca 1.° que a alteracio nao é relativa em ge- ral a. generos destinados ao consumo pudlico, mas ao particular de alguma ‘ou algumas pessoas, 2.° que nio é necessaria a exposic¢&o 4 venda para existir cri- me, sendo sufficiente a simples alteracio dos generos dle modo que os torne prejudiciaes. Tal seria o caso de um criado que bebendo uma poredo de vinho tinto de uma garrafa Ihe deitasse agua para a acabar de encher, misturando alguma substancia nociva afim’ de the dar cdr, ¢ nao se descobrir a sua fraude. 3.° Vender generos corruptos. — Nao podemos _ descobrir a razio porque o Codigo no primeiro caso julga sufficiente para a‘incriminacdo a simples expo- sicio 4 venda, e neste exige a venda consummada. A ja citada lei franceza de 17 de Marco foi nesta parte 4Chauveau n.° 8625; Rauter § 640. — Essa lei fallando de generos alterados diz: qu°ils (os criminosos) sauront étre falsifiées ow corrompues. 21 muilo mais providente porque nado s6 em vo n.° 2 do art. 1.° pune igualmente a exposiciio 4 venda, mas tambem considera como crime o simples facto de qual- quer, sem motivo legitimo, ter em suas lojas, armas zens etc. substancias alimentares, sabendo que ellas se acham corrompidas‘. Farinacius considerava o vender generos corru- ptos como crime de falsidade ; Menochius porem ¢ Ber- tazius consideravam-no como uma especio de stellio- nalo, que devia ser punido.com pena extraordinaria *. i.° Fabricar ou,vender objectos, cujo uso seja necessariamente noctvo a saude. —Este principio com quanto estabelecido com boa intencdo é todavia muito vago. Todas as disposicdes deste art. so fundadas quanto 4 sua essencia em boa razio; a salubridade publica deve attrahir a attencdo do Legislador, por- que della depende a vida dos cidadios; e este nao pode deixar de lancar mio de meios repressivos con- tra aquelles que directa ou indirectamente attentam contra ella. A legislac&o ingleza, além dos codigos cilados, tambem pune estes factos severamente, como se vé dos estatutos 51 cap. 8 de Henrique 3.°, relative ao vinho e carne corrompida, 12 cap. 25 de Carlos 2.° sobre o vinho alterado, 3 cap. 106 de Jorge 4.°, e 6 ¢ 7 cap. 37 de Guilherme 4.° sobre pao, . trigos ste. corruptos *, 4 Morin, v.° Substances. 2.Farinacius, Quest. 150 n.°575 Menoch, De arb. ud. cas. 382n.°1e193 Bertazius, Consil. 168 n.° 5 e519. 3 Steephen’s, Commentaries tom. 4 pag, 382. Arligo 251.° (continuagao,) § 1.°. Em qualquer parte que se encontrem og generos deleriorados, ou os sobreditos objectos, serdo apprehendidos, e inutilisados. COMMENTARIO. Esta disposicio é justa porque a existencia des- tes generos ¢ desses objectos seria uma ameaca cons- tante 4 saude publica. O codigo francez nos art. 318.° e 477.° 86 de- lermina a apprehensdo no caso dos generos ou obje- clos perlencerem ao criminoso; pelo que foi justa- mente censurado por Ghauveau e Carnot, cujas obser- vacdes o nosso Legislador tomou em consideracdo. Artigo 251.° (continuagao.) § 2.° Sera punido com a mesma pena: 1.° Agquelle que esconder ou subtrahir, ou vet der, ou comprar effeitos destinados a serem destrai- dos, ou desinfectados. 2.° OQ que langar em fonte, cisterna, rio, ri- heiro, ou Jago cuja agua serve a bebida, qualqaery cousa, que lorne a agua impura, ou nociva a’saade. COMMENTARIO. Se é ponto fora de duvida que os. effeitos dete- riorados, nocivos 4saude, devem ser destruidos, por- que assim o pede a utilidade publica, é obvio que quem os esconder, vender ou comprar commette um 23 deliclo semelhante ao punido no arl., por isso que poe em risco a saude publica. Approvamos pois o systema do Codigo em quanto faz applicagao, na hy- pothese do n.° 1 deste paragrapho, da pena imposta no art. : A disposigdo do n.° 2 justifica-se, quanto a in- criminacado, pelos mesmos principios ; o facto punido € um attentado contra a saude publica. A respeito da pena nio podemos admitlir que seja punido aquelle que n’uma fonte langar uma cousa nociva a saude, v. gr. arscnico, do mesmo modo que quem lancar uma cousa que apenas torne a agua impura. Além de que esta expressio impura é muito vaga para os effeilos da incriminacdo ; um pouco de sabaéo lancado n'uma cisterna torna a agua impura, mas nem por isso causa o mesmo damno a saude. De acordo com estas ‘das fariamos uma distinccéo, punindo aquel- le, que lurnasse a agua nociva 4 saude, com a pena do art. ; e applicando a prisio de um a tres dias ou mulcta aquelle que sd a tornasse impura; systema sexu.) ja entre nés pelos Editaes de 19 de Janeiro de 1807 e 1% de Julho de 1809, os quaes puniam com prisio e pena pecuniaria os que lavavam em tanques, pias ¢ chafarizes da capital '. ‘Sobre toda a materia desta Secg4o considerada pelo lado hygienico deve vér-se o T'raité hygiene pu- Bigue et privé do Dr. Miguel Lévy (Paris, 2.* edigdo 1850 : e em especial sobre as agoas a these apresentada pelo Dr. Adolpho Guérard cm 185% ao concurso da ca- deira de hygiene da faculdade de medicina de Paris, these que se inscreve: Du choix et de la distribution des eaux dans une ville, 24 Artigo 252.° | Em todos os casos nio declarados neste Gapilu- To, em que se Yerificar violagiio dos regulamentos sa- nilarios, observar-se-hao as suas especiaes disposicdes. COMMENTARIO. E’ um art. transitorio copiado do-art. 432.° do codigo penal da Sardenha. CAPITULO 8.° DAS ARMAS, CACAS, E PESCARIAS DEFESAS. SECCAO 1.3 ARMAS PROHIBIDAS. Artigo 253.° Aquelle que fabricar ou importar, ou vender’, ou expozer a venda, ou subministrar arma prohibida pela lei, ou pelos regulamentos da administragado pu- blica; e bem assim aquelle que a trouxer ou usar della, sera punido com prisio de um mez a um an-~ no, ¢ mulcta correspondente. LEGISLAGAO ROMANA. L. un. Cod. uf armor. usus, inscio principe, trter- dictus sit; etc. 25 LEGISLACAO PATRIA ANTERIOR. Ord. Liv. 5 Tit. 80: e vide o COMMENTARIO. Os factos de fabricar, importar, vender, expér a venda, subministrar, trazer ou usar arma prohibi- da ndo constituem sé por si um delicto moral ; mas podem muito bem ser actos preparatorios de crimes, por isso que as armas sao instrumentos que concer- rem para a perpetracdo de muitos delles. E’ esta a razdo porque semelhantes factos sao incriminados pelo nosso Legislador, o qual nao fez mais do que seguir o exemplo dos legisladores dos outros povos desde-os greg os, nis us quacs havia uma disposic&o de Solon que prohibia o porte de armas nas ruas de Athenas. Entre us romanos datava essa prohibicio do tem po de Servio Tullio, a darmos credilo a: Plinio’ ; ¢ depois apparece renovada por Cesar e Augusto, por Valentiniano e Justiniano. Essa prohibicao nao foi tio absolula porem nos anligos tempos. Antes da lei Julia o porte de armas era prohibido sé dentro da cidade, mas fora della era permittido ; assim o da a entender Cicero na sua ora- cao pro Milone: « Insidiatori vero et latroni,. quer potest afferri injusta nex? quid comitatus nostri, quid gladii volunt? quos habere cerle non liceret, si ult illis nullo pacto liceret. » 3 Liv. 34 Cap. 14. 26 A lei Julia estendeu essa prohibigdo tambem aos campos e villas, permittindo sOmente trazel-as para uso da caca, ou para seguranca dos que iam em jor- nada, e tel-as com o fim de commerciar, como se vé da L. 1 Dig. ad leg. Jul. de vi publ. ; e que ainda no iempo do imperador Marciano era licito o com- mercio das armas se collige da sua constituicdo, que prohibe vendel-as aos barbaros, e que vem na L. 2 Cod. que res export. non deb. Porem as novas constiluicdes dos imperadoree prohibiram de todo, tanto o uso, come o commersiu das armas (L. un. Cod. ut armor. usus), sendo ape- nas permillide pela Nov. 85 Cap. 4.° 0 commercio daquellas que pela sua diminuta grandeza ndo podiam ‘Servir para combate, (cullelos minores, qutbus nul- dus in preelits utitur). Quaes sejam as armas prohibidas entre nés péde vér-se om Ferreira, Pratiea criminal tom. 1 pag. 64 e seg., Pereira e Sousa, Classe dos crimes pag. 16% € seg., © no appendice 1.° deste volume. Artigo 253.° (continuacdo.) § 1.° A simples detencio sera punida com @ mulela de um nyez. COMMENTARIO. ° Pela nossa legislacio anterior a probfbig#o das armas nao se eslendia tanto. A Ord. Liv. 3 Tit. 86 § 13 sé prohibia que se tivessem em casa arcabuzes de menos cumprimento, que de quatro palmos em ea- no, cessando a prohibicio fora deste caso ; como tam- bem se.deduz do pr. e § 1 da mesma Ord. @ qual 86 pune o uso das armas. Artigo 253.° (continuacéo. ) § 2.° O que sem acompetente licenca, ou fora das circumstancias declaradas na lei, ou nos regula- mentos da adminisiracao publica trouxer ou usar de qualquer arma, cujo porte, ou uso for sémente per- miltido nessas circumstancias, ou com licenca da. au- cloridade, sera punido com a prisdo de quinze dias a. seis mezes, e mulcta de. um. mez, § 3.° Em todos os casos declarados neste art, € seus paragraphos, as armas serao apprehendidas, e perdidas a favor do Estado. COMMENTARIO. Ha armas prohibidas cujo uso é permiltido com licenca da auctoridade competente que é 0 Governa- dor Civil, segundo determina o art. 227.° n.° 4 do Couigo Administrative : mas este ‘magistrado nao tem nesta parte um poder arbitrario, antes ¢ regulado pelo Dec. de 25 de Outubro de 1836 0 qual declarou de que especie de armas, a que pessoas, e porque tem- po elle pode permitlir o uso‘. 4 Dessa concessdo so excluidas as armas curtas e espingardas ou pistolas fulminantes (cit. Dec. art. 2.°) — 6 péde ser concedida licenga a individuos, conheci- dos ou abonados, que por sua occupagio e trate, ou re- conhecida necessidade de andarem em giro e transito no interior do Reino, carecerem dellas para sua defeza (art. 28 As-armas prohibidas tambem sio permillidas a algumas pessoas em certas circumstancias 5 V. gr. aos Regedores e Cabos de policia em occasido de servico pela Port. do Ministerio do Reino de 7 de Dezembro de 1839. Neste paragrapho pune o Codigo aqucHes que sem a respectiva licenca trazem ¢ usam dessas armas cujo uso é permittido. sé com licenca ‘, e aquelles que sendo-lhe permittido esse uso, sé em certas occasides, as brazem fora dellas. A disposicio do § 3 é justa, e j& existia na an- terior legislagao. SECCAO 2.2 CACAS, E PESCARIAS DEFESAS. A caca e a pesca sio um direito natural, por- que as aves e os peixes do mar e dos rios sio cou- sas nullius, e sobre ellas se pdde exercer a occupa- cio, que é sanccionada por aquelle direito. Nio é elle comtudo tio absolute que nao te- nha seus limites, os quaes lhe sie marcados ou pela propria natureza da cousa, ou pela collisio de outros 3.° e 4.°)—-A licenga n&o péde exceder a seis mezes ou um anno, mas péde ser renovada (art. 5.°). ‘Para ndo haver contradiccéo entre este $2 € 0 att. & necessario que se entenda que duas cousas sio necessarias para ter lugar a applicagéo da pena maais le- ve imposta neste §; 1.2 que o individuo traga sem li- cenga aquellas armas cujo uso é permittido com ella ; 24 que seja das pessoas a quem pelo ciludo Dec. péde ser concedida u licenga. 29 direitos nao menos respeitaveis. FE’ por issé que 0 po- der social deve impedir a destruicio da veacio eda pescaria no tempo da creacio, e o uso de meios per- niciosos ou nimiamente destructivos, bem como que sob prelexto de cacar ou de pescar se devassem e damnifiquem as propriedades alheias. Com ‘quanto estes principios fossem. reconheci# dos nos primeiros tempos da nossa monarchia, em que a pesca e a caca era perfeitamente livre, bem depressa comecaram a apparecer, além daquelles li- mites naturaes, outras restriccoes filnas das preten- cdes do espirite feudal. Referimo-nos as coutadas em tmontes ¢ rios, dealro das quaes s6 os senhores po- diam exercer 0 direito de caca ow pesca. D. Affonso 4.° foi o primeiro que fez coutadas para ursos e porcos montezes; D. Pedro 1.° e D. Fernando estabeleceram outras ; e os mestres das Or- dens: militares, e os grandes Senhores comecaram fambem a seguir o mesmo exemplo. Os povos nao podiam deixar de clamar contra um systema que re- dundava em prejuiso da agricultura, pois como era defeso malar os porcos e animaes bravios nos arre- dores das coutadas, por maior que fosse o damno que elles causassem, viam-se obrigados a deixal-as em pousio. D. Fernando attendeu a essas reclamacées nas Cortes de Lisboa de 1372, e reduziu as couta- das 4s que havia estabelecido D. Affonso 4.°. Nas .Cortes de Evora em 1391 representaram 0s poyos de novo contra 0 abuso dos nobres em fa- zerem coutadas, o que era um direilo real que s6 ao Rei competia. D. Jodo 1.° nao se atreveu a desgos- far a nobreza, e limitou-se a prohibir o estabeleet- 30 mento de novas coutadas, prohibicio renovada por D. Manoel na sua Ord. Liv. 8 Tit. 114. Philippe 1.°, talvez por julgar sufficientes para si as de Hespanha, reduziu-as 4s de Lisboa, Cintra, ‘Collares, Almeirim, e Salvaterra ; e das particulares auctorisou unicamente as do Duque de Aveiro e Se- phores de Pancas*. Em relagio 4 pesca tambem havia lugares cou- tados. Qs ‘nossos:Monarehas costumavam coular em parte os rios reservando para si a pesca, ou conce- dendo-a exclusivamente aos donatarios ; mag para isto era necessario doacgio expressa e formal do Rei, co- mo declarava a Ord.” Liv. 5 Tit. 92. § 25 e dahi vem os emprazamentos de pesqueiras que apparecem nos antigos documentos feilos por esses donatarios *. Com a abolig&o das coutadas cessarain estes pri- vilegios, que se ressentiam das idéas feudaes, e que nao eram compativeis com o systema liberal * ; fican- do por isso o direito da caga e pesca sujeito unica- mente aquellas restriccdes deduzitias ‘da mesma natu- reza das cousas ou da collisio de outros legitimos di- £0 Sr. Paschoal na sua Historia jur. civ. Lusit. Tit. 3 § 4 -affirma que D. Jodo 2.° nas Cortes de Monte- mér, e D. Manoel nas de Lisboa de 1498 haviam redu- zido as coutadas; mas o Sr. Seabra julga nao ser exar cta esta opinido por ndo haver fundamento que o au- ctorise. 2 Vejam-se Cabedo P. 2 decis. 54; e sobre abusos a este respeito Lobio, Append. ao dir. emphyt. §§ 51 e 52. 3 Veja-se nesta materia o livro sobre a Propricdade do Sr. Seabra pag. 142 e seg. e Lobao, Not. a Mello tom. 3 pag. 131 e seg. 3k reilos ; restriccdes que sio justas, e cuja violacdo 6 punida pelo Legislador. Artigo 254.° Aquelle que cacar nos mezes em que pelas pos- turas municipacs, ou pelos regulamentos da adminis- tracdo publica for prohibido o exercicio da caca, ou que nos mezes que nao forem defesos cacar per modo prohibido pelas mesmas posturas ou regulamentos, sera punido com a prisio de tres a trinta dias, e mul- cla correspondente. LEGISLAGAO PATRIA ANTERIOR. Ord. Liv. & Tit. 863 ete. COMMENTARIO. O exercicio da caca tem restriccdes deduzidas da natureza das cousas ;, deste genero sdo 1.° a3 que prohibem cacar em certos mezes, com o fim de im- pedir a destruic&éo da veacio no tempo da criacao ; 2.° as que nos mezes em que ella é permittida pro- hibem cacar por modo prohibido, para evitarem os meios perniciosos ou nimiamente destructivos. A primeira destas restriccdes acha-se ja sanccio- nada na Ord. Liv. § Tit. 88 §§ 1 e 2. A segunda acha-se tambem na legislacdo ante- riot a qual desceu 4 especificagdo desses modos de cacar prohibidos. E’ assim que esta Ord. prohibe ca- car coelhos, lebres e perdizes com fio, ou arame, ou 32 com boiz‘; e que oAlv. de 12 de Oulubro de 2612, e L. de 23 de Fevereiro de 1624 prohibiam cacar perdizes, atirando-lhes no ar com municdo, -Artigo 254.° (continuacdo.) § unico. Sera punido com as mesmas penas, mas sé a requerimento do possuidor, aquelle que en- trar para cacar em ferras muradas ou valladas sem consentimento do mesmo possuidor. LEGISLACAO ROMANA. L. 3 § 1 Dig. de adguir. rer. domin. LEGISLACAO PATRIA ANTERIOR. Ord. Liv. 5 Tit. 88; Alv. de 1 Julho 1776 8 4. COMMENTARIO. A par dos abusos das coutadas que ja deixamos referido, havia, diz o Sr. Seabra, outro inteiramente contrario que consistia em julgar que a caca era per- mittida em propriedades particulares, sendo o cacador obrigado apenas a reparar o damano que causasse. ‘Na Ord. Manoelina apparece a palavra bot e née bois como na Philippina. Bois é uma especie de armar dilha; mas sobre o que seja o boi da Manoelina incli- namo-nos 4 opinido do Sr. Seabra na nota a pag. 144, o qual parece significar que era um uso que veio do nor- te, aonde os cagadores, segundo refere Olau Magno na historia dos povos septentrionaes, se cobriam com uma pelle de boi deitando-se no chio para melhor poderem apanhar as perdizes. 33 O Aly. de 1 de Julho de1776 veio por-the ter- mo .prohibindo debaixo de graves penas cacar sem licenca nas fazendas muradas e valladas, e em todas as terras abertas da Estremadura, em quanto nellas houvessem sementeiras ou fructos pendentes. A pro- hibigio do Aly. era justa nfo s6 em relacio as fa- zendas muradas, porque sanccionava o respeito 4 pro- priedadc, mas tambem em relacdo 4s terras abertas aonde houvesse fructos pendentes: era porem absur- da a prohibi¢io em quanto era restricta 4, provincia da Estremadura. : O nosso Codigo seguiu o Aly. quanto ds terras valladas ou muradas ; esqueceu-se porem de estender a prohibicio ,4s terras abertas aonde houver fructos pendentes ; e¢ admira como isto esqueceu, quando é cousa que vem em todas as leis das nacdes civilisa~ das. Qs romanos tambem nesta parle reconheceram em iuda a sua plenitude 0 direito de propriedade, co- mo.se vé da L. 3 § 1 Dig. de aquir. rer. domin. aonde se diz: « qui in fundum alienum ingreditur venandi aucupandive gratia potest a domino si is providerit, jure prohibert ne ingrederetur *. » Artigo 233.° Ser punido com as mesmas penas : 1.° O que pescar nos mezes defesos petas pos- turas municipaes, ou regulamentos de administracao. 2.° © que pescar com rede varredoura, ou de ma! mais estreita que a que for limitada pela ok mara municipal, ou pescar por qualquer outrp moda. ‘ Toullier, Droft ceil Liv. 3 n.° 7 e seg. TOM. lis 3 34 prohibido pelas mesmas posturas, ou regulamentos. 3.° O que lancar nos rios ou lagdas, em qual- quer tempo do anno, trovisco, barbasco, coca, cal, ou outro algum material com que se o peixe mata. LEGISLACAO ESTRANGEIRA. L. franceza de 15 de Abril de 1829 art. 25.°, 27.° ~31.°; Ordenanga de 15 de Novembro de 1830 art. 5. LEGISLAGAO PATRIA ANTERIOR, Ord. Liv. 5 Tit. 88 § 6, 7, 13; etc. COMMENTARIO. Todos estes factos punidos nestle art. sio contra- vencdes as resiriccdes que o Legislador impoe ao di- reito da pesca com o fim de impedir a destruigio do peixe. : A 1." incriminaeio ja se achava na Ord. Liv. 5 Tit. 88 § 6, a qual mandava que nos mezes de Marco, Abril, e Maio senio pescasse por outro modo que nio fosse 4 cana com anzol. Em Franca dispu- nha o mesmo a Ordenanga de Marinha de 1681 no Liv. 5 Tit. 2; disposiedes que foram conservadas na L. de 15 de Abril de 1829 no art. 27.° e na Orde- nanca de 45 de Novembro de 1830 art. 5.°, com pena pecuniaria de 30 a 200 francos. A 2.3 tambem se enconlra entre nés na eit. Ord. Tit. 88 § 13, a qual queria evitar com esta prohi- bicio que nao fosse pescada a criacdo nova, ¢ por isso baniu as redes varredouras, e as de malha mais estreita do que cerla medida. Em Franca a Ordenanea 35 de Marinha foi até em demasia minuciosa ‘a este res- peilo, e posteriormente a, citada Lei de 1829, e Or- denanga de 1830 ; sendo.os transgressores castigados por esta nova legislagio com mulcta de 60 a 200 francos '. A 3.7 cra igualmente prevista entre nds pela ci- tada Ord. Tit. 88 § 7, ea razio & porque com es- ses ingredientes (como Ihes chama 0 Codigo) se mata o peixe. A L. franceza de 1829 art. 25.° considera esta contravencdo como mais grave eimpoe-lhe, além de uma muleta de 30 2300 francos, a prisio de um a tres mezes *. CAPITULO 9.° DOS VADIOS E MENDIGOS, E DAS ASSOCIACOES DE MALFEITORES. SECCAO 1,2 VADIOS. Ms adios deviam necessariamente despertar em todos us icmpos ingnielagdes ao poder social, e tor- {Puffendorf no seu Tractado de dircito natural ¢ das gentes, Liv. 4 Cap. 3 § 6, diz que todos os povos tem procurado impedir a destruigdo do peixe legislando sobre as redes e modo de as langar, ¢ accrescenta (valha a verdade) que jd um antigo philosopho chincs sustenta- va a necessidade de taes medidas. — Vide Valin no Comentario 4 citada Ordenanga de 168t. 2° notavel a redacgio do n.° 3 deste art., que presenta um cacophaton nas palavras coca, cal; e uma ionstrucgtto no gésto brasileiro nas palavias “Cote "que se ) peixe mata, 3 36 narem-se especial objecto de sollicitude da lei. Nao so pela circumstancia de ser a ociosidade um dos maiores flagellos da socicdade, mas tambem porque a existencia de homens errantes, aventureiros ¢ ocio- sos parece ameacar a todo 0 instante a ordem social. Nao é por ventura para temer a vida dessa genle sem domicilio, sem recursos, e que rejeita o trabalho, apoio da existencia? Nao deverao inspirar serios re- ceios esses homens, cuja posicao e necessidade os im- pelle ao crime, e cuja vida erranie, apagando os ves- tigios de seus passos, os esconde as invesligacdes da justica ! As stalisticas de Franca confirmam esta preven- cio; as regides do Sena, do Sena inferior, do Sena e Oise, de Pas de Calais, do Rhéne etc. , sio as que Maior numero de vagabundos apresentam, o nellas apparecem immensos deliclos contra a propricdade ; pelo contrario as regides da Creuse, da Corréze, da Haute Loire, do Gers etc. tem apenas um pequeno numero de vadios, e apresentam poucos crimes desse genero. Estas reflexSes sio sufficientes para nos conven- cermos de que a vadiagem pdéde ser considerada co- mo um delicto, ou como um acto preparatorio, que a lei pelas razdes expostas julgou necessario incriminar. Se julgassemos com Morin que n’uma sociedade bem constituida todo o homem tem deveres a cum~ prir para ter direilo a gosar das vantagens do estade social, e que por isso deve concorrer para estes com o seu conlingente de servicos, e nio viver na ocio- sidade 4 custa dos outros, admitliriamos que os va- dios commettem um delicto. 37 Se porem abstrahindo deslas consideracées, al- ltendermos aos receios que causa a sociedade o genero do vida dos vadios, o qual ella considera como ori- gem quasi inevilavel de crimes, nao podemos deixar de admillir com Chauveau, que a lei punindo os va- dios, considerou o seu modo de ser mais como um acto preparatorio do que como um delicto consum- mado’, e esta parece ler sido a mente da nogsa le- gislacdo anterior, pois o Alv. de 25 de Junho de 1760 § 18 diz que elles sio uma das causas que perturbam a tranquillidade e 0 socego publico. O que é certo é que por qualquer lado que se olhe este delicto, elle tem sido sempre considerado como tal entre as nacdes antigas e modernas, como teremos occasiio de mostrar nos commentarios aos art. desta Seccio. Nie podemos porem concluir estas reflexdes pre- liminares sem dizer-em especial alguma cousa sobre a origem de uma especie de vadios, que vemos par- licularmente punidos pela nossa Jegislacdo antiga ¢ pela d outras nacdes ; fallamos dos Ciganos. A palavra Ciganos deriva-se, segundo Pereira e Sousa do italiano Zingart*, os quaes, diz o mes- no auctor, cram uma geracio de origem egypciaca, que apparcceu em Allemanha no seculo XVI, depois que o Sullio Selim conquistou o Egypto em 1517, *Chauveau n.° 22515 Morin, v.° Vagabondage. °Os inglezes chamam-lhes Gypsies; os francezes Egyptiens, © Boiiémiens, talves por se Thes haverem’ uni- do no tempo da guerra dos Hussitas un: fugitivos da Bochemia; os hespanhoes Gitanos, e os allemaes 2i- yeuner. 38 ‘e se espalhou bein depressa por toda a Europa, a qual ja percorriam no anno 1524, na opinido do Sr. Paschoal '. Esta especie de republica ou communidade de impostores e de pelotiqueiros errantes, e com um dialecto especial, tem origem pouco conhecida. Com quanto o nome de egypcios, com que elles sao desi- gnados em Franca e laglaterra, parega inculcar te- rem vindo do Egypto, 6 muito predominante na Al- lemanha a opiniao que vai buscar a sua origem a In- dia. Butlner foi quem primeiro apresentou esla idéa, segundo altesta Adelung*; o celebre professor Ra- diger, que escreveu em 1777, veio dar-lhe mais forga allegando a analogia do dialecto dos ciganos com os da lucia, theoria que Grellmann levou 4 evidencia dez annos depois na sua obra Historich. versuch aber die Zigeuner, publicada em Gottingen *. Qualquer porem que seja a verdade a este res- peito, o que é certo é que a existencia dos ciganos na Europa é sauito anterior &-época fixada por Pe- reira e Sousa 6 pelo Sr. Paschoal. Munster’, e de- 4 Instit. jur. civ., Lib. 1 Tit. 10 § 90 not. 2 Mithrid. 1, 283 (Berlia 1806). 50 Pontifice Pio LL diz que eram conhecidos pelo nome de Sigaris, e dahi suppde terem elles emigrado do Zig, paiz que, pouco mais ou menos, corresponde & Circassia moderna. — Sobre esta materia remettemos o leitor para o prefacio da obra de Bischoff, Deutsch Si- geunerisches Worterbuch (Hemenau 1827), e para o cu- rioso escripto do americano Hoyland, Historical survey of the Gypsics (York 1816). 4Cosmogr. , Lib. 3. 39 pois delle Spelman ', ja os fazem apparecer em 1447 munidos de passaportes do imperador Sigismundo : Pasquier ? apenas differe dez annos desta chronologia fazendo remontar a sua origem ao anno 1427 ; °¢ em- fim o Papa Pio II, que morreu em 1464, falla det- les ja na sua hisloria dos Bohemios, dando-os como errando em toda a Europa. , A causa das leis qué geralmente se publicaram na Europa contra os ciganos nao foi sémente a cren- ca de que elles eram dados 4 arle magica, e a chi- romancia, como pretende significar o Sr. Paschoal rio lugar citado, mas sim os furtos industriosos ¢ outros que elles commettiam, e os embusles com que extor- quiam dinheiro aos povos, fazendo-se acreditar como perilos naquella arte, lendo a buena dicha etc.*. 2” porem notavel que quando no seculo XVI os ciganos ou bshemios cram perseguidos por toda a parle seve- ramente, gosayam pelo contrario na Escocia de mui- tos direitos ¢ privilegios, como se vé das ordenancas de Maria Stuart de 25 de Abril de 1353, e de 8 de Abril de 554, e do rei Jacques de 1594, nas quaes se concedem Jargas immunidades a um seu chefe de- nominado John Kau; donde veio talyez o screm ain- da huje os bohemios designados cm alguns condados desse paiz com onome de bando de Fau (Faw gang}. Glossar. 193, v.° Egypti. 2 Recherches sur la France, IV. 9. 3 Sobre a nossa legislacio relativa a ciganos veja-sc, além da Ord. Liv. 5 Tit. 69 § 1, a cituda por Pereira e Sousa na Classe dos crimes pag. 128. 40 Artigo 236.° Aquelle que nao tem domicilio certo em que ha- bite, nem meios de subsistencia, nem exercila habi- tualmente alguma profissio, ou officio, ou outro mes- ter, em que ganhe sua vida; nao provando necessi- dade de forca maior, que o justifique de se achar nestas circumstancias, sera’ competentemente julgado e declarado vadio, e punido com prisio correccional até seis mezes, e entregue 4 disposicdo do governo, para Ihe fornecer trabalho pelo tempo que parecer conve- niente. . LEGISLAGAO ROMANA. Vide o commentario. LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 269.° e seg.; das Duas Sici- lias art. 300.9; de Hesse Darmstadt art. 244.° e seg. 5 do Wurtemberg art. 196.° e seg. ; da Baviera art. 639.° e seg.; do Brasil art. 295.9; de Malta art. 246.95 ete. LEGISLACAO PATRIA ANTERIOR. Ord. Liv. 1 Tit. 73 § 3, Liv. 5 Tit. 68. — Veja- se a legislagdo citada por Pereira e Sousa pag. 122 e 123; e além disso o Alv. de 6 de Maio de 1536, e os Dec. de 16 de Margo de 1641, 19 de Maio de 1644, e 6 de Junho de 1646. COMMENTARIO. Tres circumstancias sio cumulativamente neces- sarias para a exislencia deste deliclo, segundo a dou- trina do nosso Codigo. 4] 1.° Nao ter o individuo domicilio certo em que habite. — Estas palavras parecem copiadas de Julius Clarus, o qual na questio 39 n.°7 define vadio tlle qui non certum habet domictlium in quo habttet. Da- qui se vé que para a criminalidade do facto basta que o individuo n&o tenha domicilio de habitacio, ainda que o tenha de origem ; porque é isto 6 que caracle- risa o estado vagabundo dos vadios. Devendo porem adverlir-se que por domictlie certo quiz o Legislador significar, nao o domicilio fixo e continuo n’um s6 local, mas um domicilio conhecido, aonde a justica possa encontrar o individuo, no caso de elle commet- ter algum crime, e a administracao vigiar-Ihe os pas~ sos, quanto se lorne suspeito. E’ por isso que Chauveau (n.° 2239) recom- menda que se entendam sempre por esta forma seme- Ihantes expressdes ; ¢ Dalloz refere um acordio do Tribunal de Cassacio de 26 do pluvidse do anno X, no qual se decidiu no mesmo sentido que nao era va- dio aquelle, que, sem deixar o municipio a que per- tencia, vivia ora n'uma casa, ora n’oulra ; porque a sua habilagdéo, apesar de mudavel, nem por isso dei- xava de ser um domicilio conhecido. 2.° Nem metos de subsistencia. — E’ ncecssario tambem a existencia deste elemento, porque quem tem recursos ou meios de subsistencia de que vive, nao cx- cita a mesma desconfianga, que excilaria no caso con- trario; e isto ainda mesmo que nao tenha domicilio con cido, nem profissio habitual, pois muito embora se possa considerar extravagante o modo de viver de um homem que nao tem esse domicilio, nem essa pro- fissio, deixa de se tornar perigoso 4 sociedade, pois 42 tendo meios de subsistencia, nio carece, para os ob- ter, de recorrer a meios criminosos. 32° Nem exercitar habitualmente alguna pro- fissio ou officio. — A necessidade deste terceiro ele- mento, erigido pelo nosso Codigo (que nesta materia copiou o francez) é reconhecida tambem por todos os escripleres. A lei nao se limita a cxigir que o indi- viduo tenha esta ou aquella profissdo ; quer quo clle a exerca habilualmente ; pois & certo que o homem, que por preguica ou por vicios abandona o officio que cxercia, inspira os mesmos receios, como se nun- ca o houvera exercido. Os perigos de uma vida er- rante e sem recursos de subsistencia sé desapparecem , quando ha © exercicio habitual de uma profissio, a qual, fornecendo ao individuo os meios de viver, des- troe essa prevencado desfavoravel. So estes tres elementos cumulativamente reu- nidos podem constituir o delicto de vadiagem: um sé que falte, nio péde haver aceao criminosa, por- que considerados cada um de per si isoladamente nao inspiram a sociedade os receios, que justificam a in- criminacio. © primeiro ndo é sufliciente porque pd- de uma pessoa nio ter domicilio certo, mas ter ou meios de subsistencia, v. gr. um viajante, ou uma profissio habitual, por exemplo um musico ambulan- te’; 0 segundo tambem nao, porque péde um indi- viduo nado ter meios de subsistencia, e ter domicilio certo, ¢ até uma profissio, que por qualquer circum- ! E-assim o decidiu a Relagio de Bruxellas em acor- dio de 17 de Novembro de 1836 julgando niio vadio um musico ambulante. - 43 stancia eventual lhe no subminisire esses meios ; 0 terceiro emlim tambem nio, porque um homem pdde nao ter profissio habitual e ter meios desubsistencia, e domicilio cerlo, e péde nao ter essa profissio, nem meios de subsislencia, mas ter um domicilio certo, vy. gr. uma pessoa pobre que se achar entrévada. Como o Codigo diz —ndo provundo necessida- de etc. —segue-se que provando 0 accusado que se acha nas circumstancias dos tres elementos ja referi- dos, por effeito de forga maior, nio tem lugar a im- posicao da pena. Pelo que respeita 4 penalidade, tres systemas principaes tem sido propostos para a repressiio dos vadios——o 1.° (que 6 o do codigo francez de 1810) pune os vagabundos com tres a seis mezes de prisio, pondo-vs depois 4 disposicao do governo, pelo tempo qte st jnigar necessario, atlendendo a sua condu- cla, —v 2.° (que 6 0 da lei franceza de 28 d’Abrik de 1832) conserva a pena de prisio, mas sugeita-os 4 vigilancia da policia por um espaco de tempo que nao seja menor de cinco annos nem maior de dez, sem os cniregar 4 disposicio do governo;—o 3.° (que é o do projecto belga de 1834) conserva tam- hem ‘a pena de prisio alé seis mezcs, e manda en- cerrar os vadios, depois do cumprimento della, n’u- ma casa de trabalho ou deposito de mendicidade, por um espaco de tempo, marcado na senlenca, o qual nao deve exceder a cineo annos*. 4 Advirta-se porem que tanto osegundo como 0 ter= ceiro'systemas concordam, em nado applicar aos vadios. menores de 16 annos a prisdo 3 com a differenca que no 44 © nosso Codigo seguiu o systema do codigo francez de 1810, que é caaclamente o peior de todos. Entregar o individuo ao governo pelo tempo que este julgar conveniente, 6, como bem diz Haus, uma dis- posicao exorbitanle, uma vez que esse tempo nao seja marcado na lei. Nota-se ainda a falta da dispesicao a respeito dos vadios menores de dezeseis annos, que sao incluidos na disposicdo geral do art.; se entre nos houvessem as colonias de jeunes detenus, como ha em Franca, seria para ellas que elles deveriam ser enviados ; no estado actual da nossa repressio penal nao sabemos que destino se Ihes deveria dar. O systema que julgamos preferivel é 0 do pro- jecto belga de 1834 com a modificacio proposta por Haus de nao elevar a prisio sendo até tres mezes. Os romanos, incluindo os vadios (a que chamavam errones') no numero dos homens perigosos, davam ao proconsul o direilo de os expulsar da provincia, segundo systema sao logo sugeitos 4 vigilancia da poli- cia até aos 20, a qual cessa se antes delles assentarem praga noexercilo de terra ou mar; ¢ no tercciro sdo logo encerradus em casa de trabalho ou deposito de .mendi- cidade até aos 20 annos, excepto tambem se antes dessa idade assentarem praga. 4 Assim Thes chama Ulpiano na L. 17 § 14 Dig. de wdil. edict.--Tambem no tempo do imperio se dava aos ociosus a denominagao de vucantes, mas este nome derivava-se mais do systema da organisagio forgada do trabalho que entdo existia em Roma, e tinha por isso uma extensio maior, comprehendendo pessoas que se- gundo a legislagdo moderna nio s&o consideradas como vadios. Veja-se a este respeito a obra de Moreau-Chris- tophe, Probléme de'la misére tom. 1 pag. 91. 45 come nos testemunha Ulpiane na L. 13 Dig. de offi- cio presulis. Katre nds a vadiagem apparece reprimida des- de o tempo de D. Fernando no art. 53.° das Cortes de Lishoa da era de 1409. D. Affonso 2.° determi- nou no art. 1.° das Cértes da mesma cidade de 1448 que os corregedores das comarcas metessem os vadios na cadéa alé tomarem algum servico ou officio, e que se depois nio quizessem continuar neste fossem acou- tados, disposicio que passou para a Ord. Affonsina Liv. 4 Tit. 33, cuja observancia foi recommendada por D. Joao 3.° no Cap. 150.° das Cortes impressas em 1538. Por esta época havia em Lisboa um magistrado, denominado pay dos velhacos, que tinha inspeccio sobre 0s mocos vadios, que vinham ter a esta cidade, € aos quaes devia provér de amos ou officios: igual instituicao havia no Porto, como consta de uma Pro- visto regia de 1533, a que se refere S. Rosa de Vi- terbo no seu Elucidario, v.° Pay dos velhacos, \ Ord. Philippina no Tit. 68 do Liv. 5 punia- os ¢ ‘isio, e€ acoutes, ou degredo por um anno para .ica, sendo pessoa que por sua qualidade fosse isempta de acoutes. Posteriormente seguiram-se sobre vadios varias providencias policiaes apontadas por Pereira e Sousa ua Classe dos crimes; e ultimamente tem sido pro- mulgadas outras disposicdes ao mesmo respeito ', con- 1 \ cjam-se a L. de 5 de Dezembro de 1840 art. 6.° ea Port. do:Ministerio do Reino de 12 de Janeiro de 1848 (no Diario do Governo n.° 11). 46 cedendo as Port. de 18 de Maio, 12 de Junho, e 17 de Julho de 1839 aos mancebos capturados por va- dios a faculdade de assentarem praca nos corpos do exercito, evilando por esta forma o sercm julgados pelos Tribunaes. Artigo 257,° Se depois da sentenca passar em julgado o va- dio prestar fianca idonea, podera o governo admit- tir-lha, assignando-lhe rosidencia no lugar que indi- car o fiador. / § 1.° A fianca admittida faz cessar 0 cumpri- mento da pena. § 2.° Em qualquer tempo péde o fiador re- querer a sua extincedo apresentando o vadio 4 au- ctoridade competente para que pelo resto do tempo que fallar, se execute a sentenca de condemnagio. © § 3.° Se o condemnado fugir do lugar, que Ihe foi assignado para residencia, cumpriré toda a pena imposta na sentenga, como se nao tivesse pres~ tado fianga. , LEGISLAGAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 273.°; das Duas Sicilias art. 304.°; de Hesp. art. 285.°5 etc. COMMENTARIO. A disposicio do art. & copiada do codigo fran- cez, com a differenca que este além da caucio ou. fianca, admitte tambem para os mesmos effeitos a re- 47 clamaciio do vadio feila por deliberaciio do consclho municipal do municipio da sua naturalidade. O nosso Codigo sé admitte a fianca depois da sentenca passar em julgado, e a razao é porque an- tes disso 0 individuo ndo é criminoso. O Legislador fez esla declaracdo lalvez para evilar questio que a este respeito se poderia suscitar ; pois Carnot sustenta ter lugar a fianca mesmo antes da sentenca ; opiniio esta que 6 combatida por Chauveau (n.° 2273) cuja doutrina seguiu a nossa lei. Apesar da fianca, sugeita o Codigo o afiancado a ir residir para um Iugar que lhe for designado pelo governo scgundo a indicacao do fiador. A razio desta Jesignacio 6 fundada no direito de vigilancia que a auctoridade deve ter sobre todas as pessoas suspcilas ; e judiciosamente diz o art. que esse lugar deve ser indicalo pelo fiador, pois se este estiver muilo dis- ‘anle nao podera exercer a sua vigilancia e estara su- zeito a ser compromettido se o afiancado commetter ilgum delicto. i As disposigdes do § 1 e 2% tem por base o art. 255.° do codigo de Hespanha. A do § 1 € logica; idmittida a fianea necessariamente devia cessar 0 cum- primento da pena, porque a fianga faz dcsapparecer o alarma social, que havia motivado a incriminacio. A do § 2 parcce-nos rasoavel, ¢ admissivel. Mas qual seri o tempo que dura a fianca? O codigo hespanhol marea-lhe o prazo de dous annos ; 0 hu--» nado o faz; mas do contevido deste § 2 pa- rece deduzir-se que ndo dura sendo scis mezes, por- que diz — pelo resto do tempo que faltar — dando a entender que a fianca dura tanto tempo quanto devia durar a pena. Assim se o fiador dentro de quatro me- zes apresentar o vadio afiancado, tem este a soffrer dous mezes de prisio se a condemnacio tiver sido o maximo estabelecido ne art. 256.°. A determinacio do § 3 parece justa; mas Avista della ndo sabemos qual seja em relacio ao fiador o effeito da fuga do vadio. Se a fianca fosse pecuniaria, eomo 6 em Hespanha, seria o perder o fiador o de- posito, mas como nao o 6, vem esse effeito a ser-nos desconhecido. Artigo 258.° Se o vadio, sem molivo que o justifique, entrar em habitacdo, ou lugar fechado della dependente,.ou se fOr achado disfarcado de qualquer modo, ou for achado detentor de objectos, cujo valorsexceda a dez mil réis, e nado justificar a causa da detengdo, sera condemnade em prisao de um a tres annos, e depois enlregue ao governo oa forma do art. 256.°, sem que possa ter lugar a fianca do art. 257.°. LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franca art. 277.°, 278.9; das Duas Sici- lias art. 303.9; de Hesp. art. 254.°5 etc. COMMENTARIO. Se o facto da vadiagem é punivel, muito mais o deve ser quando apparecer acompanhado de algu- mas das circumstancias que o Codigo enumera neste art. , copiando os art. 277.° e 278.° do codigo de Franca, e 0 234.° do de Hespanha. Todas estas cir- 49 sumstancias, com quanto, absolutamente fallando, possam em si nao ser criminosas, sao lodavia, diz Pacheco, argumentos mui poderosos contra pessoas, suja condicdo nao é inculpavel aos olhos da lei; e 20m effeito a justa desconfianga que cerca os passos Jo vadio eleva-se ao grao mais subido, quando o agente se acha em circumstancias que podem ser ou preparatorios de algum delicto (por exemplo, o eslar lisfargado), ou resultado delle (v. gr. a deteng&o de dbjectos de mais certo valor ‘). Das palavras do art. «sem motivo que o jus- lifque»— se vd que este facto nao é considerado sontravencdo, porque nesta abstrahe-se da intencdo, segundo a letra do art. 3.°, em quanto no caso pre- sente o Codigo exige que se investigue a intenc&io do agente®. A pena imposta pelo codigo francez & de dous a cinco annos de prisio: o nosso reduzindo-a nos termos deste art. foi mais prudente; mas Haus nas suas observacdes ao projecto belga diz que o Le- gislador apenas deve langar mio de meios preventi- Vos, como a sequestracdo do vadio n’uma casa de trabalho, e nao de meios repressivos; pois 6 certo que taes factos nao sdo verdadciros delictos, e sé fo- ram incriminados pela lei para prevenir os efeitos que delles podem resultar. 1 Este valor é o de 10.000 réis para cima; mas no codigo francez é quasi o dobro, porque s&o 100 francos. 2 Chauveau n.° 2298. — E’ esta tambem a opinido de Carnot no commentario ao art. 277.° do cod. n.® 1, e do Tribunal de Cassagio no acordéo de 3 de Ju- nho de 1836. TOM, Ille 4 50. Artigo 259.° Se o vadio for estrangciro sera entregue a dis- posicio de governo, para o fazer sahir do terrilorio portuguez, se recusar o trabalho que Ihe for deter- minado. LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 272.°; etc. COMMENTARIO. Esta disposigio tem por base o art. 272.° do codigo francez, cuja fonte remola-foi o art. 7.° da ‘lei de 28 do vendémiaire do anno YI. relativa aos passaportes. . Tia porem uma differenca entre a legislacdo fran- ceza e a nossa; esta sé di ao governo o direito de expulsar o estrangeiro, quando elle nado quizer su- geitar-se ao trabalho a que se refere o art. 256.°; aquella da-Ihe uma faculdade muito mais lata, pois admitte no governo o poder de o expulsar, Jogo que clle seja declarado vadio por sentenca do poder ju- dicial '. SECCAO 2.8 MENDIGOS. A iniseria é um facto social que parece ter acom- panhado a humanidade em todas as épocas e idades. Todos os legisladores se tem occupado della ja para 3 Chauveau n.° 2977 ¢ seg. 51 prevenir e attenuar esse flagello (cuja extirpaciio 6 ainda e continuara a ser wm problema que hade sem- pre occupar o espirito dos philantrophos sem encon- trar uma solucdo), ja. para reprimir por instituicdes repressivas os terriveis males que elle péde causar 4 sociedade ; porque a miseria que ferve no cadinho do vicio, transforma-se em vicio, de vicio em crime, do crime em miseria; e nesta transmultacado successiva nio sao suficientes as instituicdes preventivas para destruir a sua fonte ou para allenuar seus effeitos ; ¢ preciso que a elles venham reunir-se as Icis penaes, reprimindo e¢ refreando’ os abusos que nascem da mendicidade. As medidas preventivas contra a miseria ndo sio do dominio do direito penal ; a inslituicdo de colonias agricolas, de asvlos de mendicidade, ¢ outras insti- tui, . < de beneficencia offerecem ao philosopho e ao economista um vasto campo de observacio ; ao cri- minalista cabe o estudo das medidas repressivas. A mendicidade sé por si, e isolada de qualquer, circimslancia aggravante, nio é um delicto, porque o pedir csmola nado pdde ser uma aceio imputavel, quando o agente sendo fraco ou doente, nio tem ou- tro recurso para sua sustentacio. © delicto nao co- meca a existir seniio desde 0 momento em que a men- dicidade deixa de ser fundada n'uma necessidade fla- grante, ou é filha da ociosidade, porque entao péde ser causa e meio para sc commetterem crimes. _ Ja daqui se manifesta que a Ici penal no con- sidera a mendicidade senio nos scus effvitos, c que a incriminacgao desse facto tem por base o perigo emi- nente com que elle ameaca a sociedade ;. perigo que at 52 nao é ephemera, como a experiencia mostra baseada nas taboas stalislicas *. Artigo 260.° Todo o individuo capaz de ganhar a sua vida pelo trabalho, que for convencido de mendigar habi- tualmente, sera considerado e punido como vadio. LEGISLAGAO ROMANA, L. un. Cod. de mendicant, validis 3 etc. LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 274.° e seg. ; da Austria Part. 2.3 art. 261.° e seg. 3 das Duas Sicilias art. 301.°; do Brasil art. 298.°; de Hesp. art. 256.° e seg. 3 etc. LEGISLAGAO PATRIA ANTERIOR. LL. de 26 de Novembro de 1538, e 6 de Novem- bro de 1558; Alv. de 16 de Junho de 19795 Ord. Liv. 5 Tit. 103; ete. COMMENTARIO. Para a mendicidade constituir delicto segundo este art. do Codigo, deduzido do art. 275.° do co- digo francez, dous elementos sio necessarios ; 1.° que o mendigo seja valido, ou capaz de ganhar a sua vi- 1 Engels, Die Lage der arbcitende Klassen in En- gland (Leipzig 1845), aonde mostra que em Inglaterra tem a criminalidade augmentado na proporgdo da men- dicidade. —- Chauveau n.° 2281 e seg.; Den Tex, De caus, crimin, pag. 84 € seg. : 53 da pelo trabalho; 2.° que mendigue habilualmente. Examinemos cada um delles. 1.° Que 0 mendigo seja capaz de gankar a vi- da pelo trabalho. — A razio disto é porque se o men- digo éinvalido, tem aos olhos do Legislador uma causa justificativa na sua idade ou nas enfermidades que o tornam incapaz do trabalho. Nesta parte vai o Codi- go dé acordo com a legislacdo das nacdes civilisadas.. O direito francez no art. 274.° tambem pune os mendigos invalides, quando mendigarem n’um distri- clo aonde houver depositos ou asylos de mendicida- de. Nao achamos justa esta disposicdo, porque para isso seria necessario que houvessem asylos sufficien- tes aunde fussem recolhidos todos os mendigos, e que as porlas desses estabelecimentos estivessem sempre francas a todos os verdadeiros mendigos ; pois nesse caso aquelle que mendigasse mostrava preferir a vida de yagabundo, aos commodos que a sociedade She offerecia nesses asylos. Em todo o caso, o estado va- lido ou invalido 6 uma questio de facto cuja apre- ciacdo deve scr deixada aos tribunaes *. 2.° Que mendigue habitualmente. —E’ neces- 40 tribunal de Bourges por acorddo de 3 de Fe- vereiro de 1831 decidiu nao ser valido um individuo a quem tinha sido amputada uma perna. -— E” necessario nisto muita cautela, como adverte Nypels: se a perda de um membro péde privar um individuo de todos os meivs de subsistencia, ou do exercicio de sua industria, € possivel que nao cause o mesmo obstaculo ao exerci- cio da profissio de outro qualquer individuo. Assim a privag&o de uma perna pouco ou nada péde prejudicar ao exercicio de uma profisséo que é toda manual. 54 sario mais para a incriminacio o requisite do habito de mendigar: mas para isto nio & preciso, dizem Chauveau e Morin, que o agente tenha sido encon- trado muitas vezes mendigando ; basta que se prove que. elle nao se sustenta sendo da mendicidade, e que esta constitue o seu modo de vida. Nesta parte ou nio enlendemos estes auctores, ou elles giram n’um circulo vicioso.: pois como ge hade provar que _o agente faz da mendicidade o seu modo de vida se- nao pela reiteracdo de actos? Quanto 4 pena, o Codigo pune os mendigos va- lidos como vadios; a razdo é porque a causa deste delicto é a ociosidade. Por direito romano tambem eram punidos estes mendigos. A L. un. Cod. de mendicant. vatidis de- terminava que sendo elles escravos mudassem do se- nhor, passavdo a ser propriedade de quem os denun- ciava, ¢ que sendo livres ficassem colonos perpetuos deste. Justiniano veio modificar esta legislagado pela Nov. 80; mandando no Cap. 5.° que elles fossem empregados yas obras publicas, ¢ que recusando-se ao trabalho fossem expulsos da cidade. A nossa legislaciio anterior impunha-lhes as pe- nas de prisdo, agoules, ou degredo para fora da villa e termo distancia de dez legoas. Ord. Liv. 5 Tit. 103; Alv. de 9 de Janeiro de 1604, 25 de Dezem-. bro de 1608 § 13, 25 de Junho de 1760 § 18 6 19 otc. Artigo 247.° Seréo punidos com a prisio de dows mezes a dous.annos, todos os mendigos, que por signaes -os~ 55 tensivos sinularem enferniidades, ‘ou que tiverem em- pregado ameacas, ou injurias, ou que mendigarem em reuniio, salvo marido e mulher, pai ou mie e seus filhos impuberes, 0 cégo, ¢ 0 aleijado, que nao puder mover-se sem auxitio, cada um com o seu res- pectivo conductor. LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 276.°3 ete. LEGISLAGAO PATRIA ANTERIOR: Ord. Liv. 5 Tit. 103. COMMENTARIO. \ Usposi¢io deste art. é copiada do codigo fran- cez art. 276.°, e 6 applicavel tanto aos mendiges' va~ lidos como aos invalidos, como se vé das expressdes todos os mendigos, ¢ da propria fonte deste art. Qs factos que constiluem a.incriminacdo sido 08 seguintes. 4.° Simular enfermidades por signaes ostensi- vos. — Nisto vai o Legislador de acordo com as leis penaes de todas as nacdes civilisadas, castigando uma fraude empregada para extorquir esmolas 4 caridade publica. Mas a lei, diz com razio Chauveau, nio pre- veniu sendo estas mentiras physicas: as falsas alle- gaco.~, as mniserias inventadas, a propria affirmacdo de uma enlermidade que nao existe, mas que o agente nao simulou ‘por signaes ostensivos, escapam a sua provisdo. 56 2.° Empregar ameacas ow injurias. — Sio cir- cumsiancias que vem aggravar a criminalidade do mendigo valido, e que lornam criminoso o mendigo invalido. 3.° Mendigar em reunides. —Isto pelo perigo € consequencias que pode ter. Para este effeito repu- ta-se reuniiio o ajuntamento de duas ou mais pessoas, como se vé da excepedo consignada, e do art. 22.° tit. 2 do codigo correccional de 19 de Julho de 1791 fonte do art. 276.° do codigo penal francez. Exceptua porem o nosso Codigo 0 marido e mu- Ther’, o pai ou mai, e seus filhos impuberes?, 0 ce- go eo aleijado, com seus conductores: copiando o codigo francez, aonde se manifesta nesta parte um sentimento de piedade para com a desgraca, e de commiseracdo para com a sua enfermidade terrivel. Nao é sem uma viva emocao, diz um auctor mo- derno, que vemos o severo logislador de 1810, ao passo que pune amendicidade em reunido, exceptuar logo desta disposic¢do o marido que mendiga com sua mulher, o pai ou mai com seus filhos impuberes, e 0 pobre cego que pede o pao da esmola, guiady pelo seu piedoso conductor. Religiosa e tocante excepcao, {Em Athenas a lei ia mais longe, porque obrigava a mulher aservir de guia ao marido que tivesse cegado, — Marcellinus, in Hermogen. ; Meursius, Themis attica I, 8. 2 Carnot quer que nas palavras « pai ¢ mai» se com- prtehendam todos os uscendentes, @ nos « filhos impube- ‘res todos os descendentes impuberes. Approvamos esta interpretagdo moral, que vai de acordo com a L. 220 Dig. de verb, siguificat. 57 que ‘nos traz involuntariamente 4 memoria tres gran- des nomes da antiguidade, recordando-nos o maravi- Thoso cego de Jonia, o poeta soherano do Dante, re- duzido a mendigar pela melodia de seus cantos a es- teril piedade de seus cuntemporaneos, o velho fatal do Citheron, fugindo Thébas com o piedoso Antigo- no, e emfim esse illustre guerreiro, repellido por uma corte iagrata, Belisario, que o venccdor de Ausirelitz tinha por cerlo presente na memoria quando redigia esse arligo do seu codigo penal‘. Artigo 262.° E’ applicavel aos mendigos o que se determina no art. 258.° ; e observar-se-hdo a respeito delles as disposicoes das leis e regulamentos de policia. COMMENTARIO. Pelo que respeita 4 primeira parte do art. , re- metlemo-nos para o commentario ao art. 258.°; e pelo que toca 4 segunda n@o carece de axplicaciv. SECCAO 3.3 ASSOCIAGOES DE MALFEITORES. O nosso Codigo seguiu a ordem inversa da le- gislacdo franceza : esta tracta primeiro das associacdes de malfcitores, e em seguida da vadiagem e mendjei- * Chassan, Essai sur da symbolique du droit;! Introd. pag. 102, € 103, 58 dade ; aquelle julgou que devia éccapar-se em ulti® mo lugar das associacdes de malfeitores. A respeito deste crime a lei nao é sé repressi- va, porque nao se limita a punir um acto jé por si immoral, étambem preventiva ; pois tende a prevenir os ferriveis efeitos que 4 sociedade podem resullar desta organisacio de reunides de criminosos. Exami- nemos a natureza do crime, os seus elementos, e a res- pectiva penalidade ; 0 que tudo faz objecto desta Seccao. Artigo 263.° Todos os individuos que fizerem “parle de qual- quer associacado formada para atacar as pessuas, ou as ‘propricdades, e cuja organisacdo se manifeste por con- Veneiio, ou por quaesquer outros factos, serdo punidos com a pena de prisdo maior temporaria com trabalho. § 4.° Os que forem auctores da associacao, ou nella exercerem dirccciv, ou commando, serdo punidos com trabalhos publicos temporarios. § 2.° Sao applicaveis as regras sobre a cum- plicidade a todo aquelle que, sendo sabedor da asso~ ciacdo, der voluntariamente pousada aos associados, ou os acolher, ou Ihes fornecer lugar de reuniao. LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 268.° - 268.° 5 da Sardenha art. 441.° © seg.5 etc, COMMENTARIO. Da simples leitura do art. se vé que tres sto os elementos da incriminacdo ; 1.° que haja uma asse- 59 ciacado formada ou organisada ; 2.° que a associagao tenha por objecto atacar as pessoas ou as pruprieda- des; 3.° que o criminoso faca parte dessa associa- cao. Analysemos cada um de per si. 1.° Que haja wma associacdo formada etc. — E necessario que a associacdo esteja formada ou or- zanisada, isto é, que a sua existencia se revele ma- lerialmente por algum acto ; para nado se punir a sim- ples intencdio, em quanta nao é acompanhada ‘pelo nenos de algum acto preparatorio. A organisagdo da issociacdo 6 a essencia do crime, é 0 que lhe di a sxislencia, porque é 0 acto exlerno, que manifesta o yerigo de que a sociedade se acha ameacada, e que a ei pode punir. Mas em que consistira essa organisacio? Sendo Lintencdo da lei, diz Chauveau, punir as associacdes aclivamente organisadas, parece que sO existira essa auisavav, quando as seus membros, obrando para. am fim commum, se acharem ligados por uma como lisciplina (que constitue o principal perigo da socie- lade) e tiverem uma direcedo qualquer que Ihes dé »impulso. O nosso Codigo mesmo o suppde, referin- lo-se no § 1 aquelles que exercem commando ou di- reccao. Quanto ao numero de individuos necessario- para sonsliluir a associacdo, nada nos diz o Legislader, ieguindo 9 exemplo do de Franca: e nesta parte pa- ‘ece-nos que andou bem: o que constitue o crime, liz Bourguignon ', nado é lanlo o numero dos indivi- ‘Jurisprudence des codes etc. a0 att. 268.° do co- jigo francez. vu duos, como a organisacdo ; ¢ com effeito é este um ponto que pouco influe na decisio do jury; 0 que este tem a decidir é se os individuos que compdem a sociedade sio ou ndo em sufliciente numero para constiluir a associacao de malfeitores, atlendendo ao -seu fim ¢ ao perigo-que della podia resultar ao Es- tado. A legislacio da Sardenha porem fixou esse nu- mero, exigindo no art. 441.° que hajam pelo menos cinco individuos para existir a asseciacdo. Diz-nos o Codigo que essa organisacdo se deve manifestar por conyencao ou per eulros quaesquer factos. Isto era escusado; uma vez que o modo de provar a organisac&io nao é estabelecido na lei limi- lativamente, o declarar que a prova se faz por meio de convencie ou otros quaesquer factos 6 uma for- mula banal, que devia ser banida de uma lei, cuja nalureza reclama sempre a preeisdo e clareza nas in- criminacdes. 2.° Que a associagto tenkha por objecto etc. Fsle objecto ou fim da associaciio é que constitue o scu perigo e a sua immoratidade. Se ella tiver qual~ quer outro fim, que nio esle, o crime deixard de exislir. Nao podemos assentir de modo algum a opi- nido do illustre auctor da Theoria do codigo penal : porque se hade restringir aos ataques contra as pes- soas e contra as propriedades o fim da associagao para os effcitos da incriminacio? Os crimes contra as pessoas ¢ propriedades serdo os mais importantes? Nao ha crimes contra 0 Estado, que, se forem obje- clo de alguma associacio organisada, devem tornar esta muito mais perigosa ? Pela theoria do Codigo, que 61 seguiu as idéas de Chauveau, devera ser punida uma sociedade que se organisar para furtos industriosos, nas nio o devera ser a que tiver por fim o crime le pirataria, ou o da escravatura, que Ihe é assimi- ado. 3.° Que o criminoso faca parte da assoctacio. —Isto é claro, nem carece de explicacio alguma. Jma cousa ha porem que deve deter por um pouco t nossa altencdo. Serd necessario que os individuos Jue compidem a associacado tenham ja commeltlido ou- tos crimes ou delictos? A expressio mal/eitores, em- yregada na epigraphe da Seccio, assim parece dal-o 1 entender, e tal foi em Franca a opinido de Carnot. Yio & porem exacto: a criminalidade nasee da na-- ureza e do fim da associacdo, independentemente dos ricios e habitos anteriores dos associados ; 0 simples ficlo de fazer parte della os constitue malfeitores, pois ie reuniram para mal fazer'. Ja se vé pois que a valavra malfeitores empregada na epigraphe do Cap. t.° é tomada em sentido differente pois suppdc cri- nes i nteriores, como se ¥é do art. 197.°. Quanto & pena. —Os auctores da associacao, yu os que nella exercerem commando sao punidos ‘om trabalhos publicos temporarios (§ 1); todos os nais com prisio maior temporaria ; a razao da diffe- venca ¢ ser a qualidade de chefe uma circumstancia weravante ; mas sera ella tal que justifique um salto do grande na pena? nae o cremos. Para nds a qua- lidade de chefe nao devia fazer sahir o Juiz das rey ‘ E” esta tambem a opinido de Chanvean mP Rags — Vide Rauter § 403,‘e Morin, hoc v.°3. etes 62 gras geracs da applicacdo da pena, seniio em raris- simos casos. A disposicio do § 2 era escusada dizel-a por- que ninguem duvidava que quem pratica taes aclos seja cumplice. As regras a que o Codigo se refere sio as dos art. 26.° e 88.°. CAPITULO 10° DOS JOGOS, LOTERIAS, CONVENCOES ILLICITAS SOBRE FUNDOS PUBLICOS, E ABUSOS EM CASAS DE EMPRESTIMO SOBRE PENHORES. SECCAO 1.2 30608." Q jogo remonta a uma grande antiguidadd; em todos os poves apparece eon mais ou metes predo- minancia, ai¢ mesmo como meio de desenvolvimento, comprehendendo os exercicios gymnasticos etc. , co- mo era vulgar entre os romanos. Em Roma apparece com cedo a distinec&o entre jogos simples ¢ jogos de asar; mas a legislaciio de- pressa procurou fulminar estes ultimos attendendo aos males que delles se derivavam. E com effeito além do perigo de distrahir dos trabalkos necessarios, dvs- pertam chimericas esperancas de ganho, em conse- quencia do que se fazem sacrificios e se arriscam quantias a que muitas vezes nao esta habilitada 4 for- tuna do homem, o qual se lanca na carreira do cri- 63 me para sustentar o vicio do jogo que se lhe torna uma _necessidade’ indispensavel ‘. EF’ por isso que desde os tempos da republica apparecem punidos os jogos de asar, que nido ten- diam a desenvolver as foreas. Cicero faz mencio de uma lei penal de alea, quando exproba a Antonio o querer rehabilitar hominem omnium nequissimum, le- ge que est de alea condemnatum?. Paulo refere no mesmo sentido na L. 2 Dig. de aleator. um sena- tusconsulto, que Pothier altribue a Septimio Severo ou a algum de seus predecessores. Justiniano nas LL. 1e 3 Cod. eod. veio confirmar a prohibicao do se- nado decretando a confiscacio das sommas ganhas ao jogo, e das casas que tinham servido de asyle aos jo- zadores, e ordenando que a accdo dos vencidos, para repelirem o que haviam perdido, nao prescrevesse alé 50 anas : e que, faltando herdeiros para a intentar, qualquer du povo o podesse fazer, ou 0s mesmes pro- curadores fiscaes, empregando estes nas obras publi~ 2as as quantias repelidas *. 4 Sobre os inconvenientes do jogo deasar nada mais vccrescentaremos, por ser uma cousa inquestionavel 5 re- mettemos 0 leitor para Descuret, La médicine des pas+ sions (Paris 1841) pag. 640 e seg., e para o escripto do vem conhecido litterato francez Julio Janin, Le Chemin le Traverse (Paris 1836) HI pag. 175 e seg. 5 etc. 9 Philipp. IT, 28. 3 Justiniano restringiu até os jogos, que serviam. yara exercitar o corpo, estabelecendo que a elles se nav yodesse arriscar mais do que um escudo de ouro em ca la partida. — Veja-se Pothier no seu tractado do jogo, » qual vem nas suas obras (ed. de Paris 1824) pag. 090 > seg. . 64 Apesar de todas as leis que em Roma havia eon- tra os jogadores, o mal continuava sem para nada servirem 03 remedios ; e por isso Juvenal na Satyra 1." v. 88 e seg. reprehende os romanes por exporem todo o seu cabedal ao jogo wee Alea quando Hos animos? Neque enim loculis comitantibus Ad casum tabule, posita sed luditur arca. Artigo 264.° Todo o jogador, que se sustentar do jogo, fa- zendo delle a sua principal agencia, sera julgado, ¢ punido come vadio. COMMENTARIO. Referir-se-ha o Codigo s6 aos jogos de asar ow a todo e qualquer jogo? se attendermos ao espirito da Seccio havemos dizer que sé falla dos jogos de asar; mas nem islo era preciso, porque sendo licito todo o jogo que nao é de asar, 6 claro que quem para se sustentar lancar mio de uma cousa licita nao é criminoso. Artigo 265.° O que for achado jogando jogo de fortuna ow asar, sera punido pela primeira vez com a pena de reprehensdo ; ¢ no caso de reincidencia com a mul- cla, conforme asua renda, de quinze dias a um mez. LEGISLACAO PATRIA ANTERIOR, Vide o commentario, 65 COMMENTARIO. __ E necessario precisar bem o que se deve enten- der por jogos de fortuna ou de asar. Sio qualificades como taes todos aquelles cujo resultado depende sd- mente de acaso.. Ha porem certos jogos a que pode- remos chamar mixtos, e cujo resultado apesar de de- pender do asar 6 filho as mais das vezes de combi- nacdes intellectuaes; tal 6 o bilhar’, Nao é a estes por certo que a lei se refere, mas sim aos merdmente de asar, como tem sempre sido a jurisprudencia se- guida em Franca. Entre nés o Alv. de 29 de Outubro de 1696 punia com degredo para Africa por um anno, e mul- sta de quarenta cruzados os que jogavam a banca ; 3 as mesmas penas impuaham o Aly. de 24 de Maio Je 1656, e L. de 25 de Janeiro de 1677 aos que ogassem jogos seccos ou de parar. No commentario 4 epigraphe da Secciio ja indi- vamos quacs eram as disposigdes do direito romano aa materia. Artigo 266.° Aquelle que jogar jogo de fortuna ou asar com 1A respeito do écarté, tem divergido os tribunaes tancezes ; 0 de Cassacao por acorddo de 14 de Novem- wo de 1840 decidiu que era jogo de asar; e o de Bor- gos em sentenca de 18 de Abril de 1844 julgou que ra mixto. — Decidir quaes sejam os jogos que devam er considerados de asar, ircumbe aos tribunaes, tendo m vista o principio que estabelecemos. TOM. Ill, 5 66 um menor de vinte ec um annos, ou filho-familia, sera condemnado em priséo de um a seis mezcs, e mulcta de um mez. § unico. A mesma pena seri imposta aquelle que excitar o menor, ou filho-familias ao jogo, ou-a habitos viciosos, ou 4 violacié da obediencia devida & seus pais, ou tuteres, se estes accusarem COMMENTARIO. A disposic&io do art.:tem por base a mesma ra- zie que originow outras disposicdes de direito civil, as quaes tem por fim proteger os menores, e castigar aquelles que procuram induzil-os a habitos viciosos. A determinacio do paragrapho tambem ¢ justa e até. moral; mas a maleria..contida nas palayras om a habitos:viciosos etc. é impropria deste lugar aonde sémente se tracta de jogo. Os romanos tambem puniam aquelles que indu- ziam og escravos © filhos-familias ao jogo; compe- tindo ao pai.ou senhor a accio de injuria ou serve corrupt contra aquelle que excilava ao jogo o menor ou filho-familias —L. 26 Dig. de injur. Artigo 267.° Aquelles que em qualquer lugar derem tabola- gem de jogo de fortuna ou de asar, ¢ os“qué forem encarregados da direccio do jogo, posto que o nio exergam habitualmente ; 0 bem assim qualquer admi- nistrador, preposto, ou agente, serio punidos com prisao de dous mezes a um aano, e muicta corres- pondente. 67 § unico. © dinheiro e effejtos: destinades ao jogo, os moveis da habitacdo, os instrumentos, obje- clos, e ulensilios destinados ao servico do jogo serae apprehendidos, e perdidos, metade a favor do Estado, 2 melade a favor dos apprehensores. LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Rot. dea Feanep art. 410.9. 475.° n° 53, etc. LEGISLAGAO PATRIA ANTERIOR, Ord. Liv. 5 Tit. 8% §§ 4,55; Regim. de 12 de fargo de 1603 § 5; etc. COMMENTARIO. Tendo o Legislador anteriormente punido 6 fa- to do jogo de asar, incrimina neste art. um dos meios ue mais vulgarmente se offerecem para a alimenta-. fio do jogo; e por isso pune.4.° os que em qual- uer lugar dio tabolagem de jogo de fortuna ou de sar, 2.° os encarregados da direccdo do jogo, os Iministradores, propostos, ou agentes da tabolagem. xXaminemos cada uma destas hypotheses. 4.° Os que em qualquer lugar dao tabolagem ‘ce. Dar tabolagem significava na. nossa antiga le- islag&o ter casa de jogo; e-esta expresso, ja em- regada na Ord. Affons., foi deduzida do hespanhol, mde a palavra éablaje indica casa de jogo, segun- 2. a derivacio apresentada per Bluteau no seu yo- ibularic. Sas 68 No nosso Codigo parece ter 0 mesmo sentido, s¢ attendermos 4 significacio da palavra tabolagem, 6 a redaceao do art., (no qual se suppdem prepostos e administradores etc.) e ao art. 410.° do codigo fran- cez. Mas por outro lado fazem-nos duvida as expres- sdes em qualquer lugar: a nossa duvida nasce de que havendo negse art. do codigo francez uma pena para os que tem casa de jogo, e outra no art, 475.° para 0S que estabelecem jogos nas ruas, pracas, e outros lugares publicos, e nao existindo para estes ul- timos pena especial na nossa lei, parece que ella quiz abrangel-os a ambos na mesma disposicio, e isto mes- mo se deduz das palavras em qualquer lugar. Este systema porem, se 6 0 do Codigo (como pensamos), tem dous inconvenientes ; 0 primeiro é a errada extensio dada 4 palavra fabolagem, a qual se applica sémente 4s casas de jogo, € no ao jogo es- tabelecido n’outros lugares que nao s&o casas: — 0 segundo é nivelar dous factos, impondo-lhes a ambos a mesma pena, quando a sua criminalidade nao é igual’; pois, como bem adverle Chauveau, 0 jogo nas casas offerece mais perigo, do que o jogo nos lugares publicos, porque nestes podem a auctoridade e a po- licia exercer uma vigilancia, que se torna mais. diffi- cil a respeito daquelles. Cumpre porem advertir que para as casas de jogo de asar serem criminosas é necessario, como condie&o essencial, (segundo a doutrina dos codigos e dos criminalistas) que 9 publico seja admittido nel- Jas para o fim de jogar jogos de asar. Por isso se o publico nio for admittido, nao existe casade jogo pu- nivel, porqué os cidaddos tem direito no seu domii- 69 lie de se entregarem a toda a especie de jogos, uma vez que restrinjam o uso destes ao cireulo da fami- lia e das suas relacdes privadas ; neste caso a aucto~ ridade publica nio tem a exercer vigilancia, porque os jogos de asar no se tornam perigosos 4 socieda- de, senéo quando se convertem em meio de especu- lagaio *. Em Franca tem-se dividido a jurisprudencia em decidir se os cafés, botequins, e hospedarias aonde se jogam jogos de asar devem ser considerados como ca- sas de jogo, para ser regulada a-pena de acordo com o art. 410.°, ou como lugares publicos para ser im~- posta a pena conforme o disposto no art. 473.°. No primeiro sentido decidiram os tribunaes de segunda instancia de Montpellier em 23 de Janeiro de 1843, de Bordéos em 7 de Dezembro de 1843, e o Tribunal a Cassagio em acordio de 12 de Maio de 1843; no segundo sentido decidiu anteriormente 0 mesmo Tri- bunal de Cassacéo em 14 de Novembro de 1840, e pela mesma opinido pugna Chauveau. Todavia a opi- niado deste criminalista fuada-se.n’uma falsa interpre- lagdo dada ao art. £10.° do codigo, como bem mos- tram as decisdes ja citadas dos tribunaes de Bordéos e Montpellier, cuja doutrina parcce ser hoje aquella para onde se inclina a jurisprudencia franceza. Esta questdo porem néo tem lugar entre nds porque, co- mo ja dissemos, 0 nosso Codigo comprehendeu no mesmo art. os jogos de asar em casas para esse fim deslinadas ou em vutro qualquer lugar. + Chauveau n.° 3985; Morin y.° Jeux prohibéss ete. 7 Escusado 6 advertir que, para os éffeitos da in- criminacdo, é indispensavel que os jogos a que se re~ fere o art. sejam de fortuna ou asar, porque elle é bem claro a semelhante respeito. 2.°°Os encarregades dau dirécc#o do jogo ete. — Nao sio 86-4quelles que dao tabolagem de jogo de asar, os punidos por esie art. ; sao fambem. os en- carregados da direccto dessa tabolagem estabelecida em qualquer-Iugar, bem como os administradores, prepostos etc.,!isto 6, aquelles, como diz Carnot, que sio incumbidos de dar ao jogo a actividade de que elle péde ser susceptivel. A estes chama-a lei fran- céza banquiers; mas no se devem cohfundir com aquelles que no acto do jogo do monte fazem ‘monte, e se chamam banqueires; e assim o tem entendido com razio o Tribunal de Cassacio. Por direito romano aquelle que dava casa de fo+ go era punido fortemente: os furtos e offensas pes- soaes quo lhe faziam, as injurias que the dirigiam nessa casa nfo eram punidas, nem para haver o fur- tado tinha acco civil (L. 1 pr., e §¢ 1, 2, 3 Digi de gleator..) ; o@ casa era confiscada (L. 2 Cod. tbed. }: § un. — A disposi¢ao deste paragrapho é base#- da no art. 410.° do codigo penal francez. A parte relativa ao dinhetro € efeitos destinados no jogo € designada nessa lei pelas xpressdes fonds ow effets quo seront exposés au feu, © com muito mais razio, pois as palavras empregados no presente paragrapho podem dar, péla-sua latitude, lugar a grandes abu- sos. Péde um homem ir a uma casa de jogo, levan- do na algibeira trinta moedas, mas.gom tenca: de ar- riscar sé duas; se a auctoridade entrar na casa © 71 prender .os jogadores, devera ser apprehendido todo o dinheiro que a esse homem for oftcontrado? iste de~ pende da questao de saber se-elle o destinava ou nao ao jogo; questo que é quasi impossivel resolver. A lei franceza .é ‘mais rasoavel ; .s6 apprehende o dinheito que for achado nas mezas, ou em poder dos jogadores, se estes, sendo surprehendidos em fta- grante, pretenderem subtrahil-o. Q nosso Codigo sub- sliluiu a palavra expos¢és por destinades, como que querendo ir de acordo com o que diz Chauveau n.? 3593; 0 facto porem é que nao o entendeu a elle, nem aos acordaos que clle refere. : Pelo que respeila 4 apprehensiio dos moveis etc., a commissig;:do corpo iegislativo foi de opiniio em Franga, quando se confeccionou o codigo de 1810, que esta disposig&o devia ser supprimida, por isso que podia muilo bem succeder que os moveis em toda ou om parte fossem alugados, fiades, ou emprestados, ju serem daquelle que havia alugado a casa sem sa- ser do fim a que ella era‘destinada ; e nao era justo que a pena recahisse sobre quem era innoeente. O conselho d’Estado rejeitou estas idéas, n&o sé porque ysses objectos deviam ser considerados como instru- nentos da contravenciio, mastambem porque os ter- seitos prejudicados devem impatar a si proprios a sua imprudencia, e tem recurso contra quem em di- ceito competir ‘. Esta questio entre nds 6 ociesa porque o art. 64.° declara que a apprehensio nado tem lugar nos casos em que o offendido ou algum terceiro ndo res- PLocré tom, 15 pag. 530, 534, 72 ponsavel pelo crime tenha dircito a restituicho-dos objectos apprehendidos. Artigo 268,° Aquelle que usar de violencia ou de ameacas para constranger outrem a jogar, ou para lhe man- ler o jogo, sera punido com prisdo de dous mezes a um anno, e mulcta correspondente, sem prejuiso da pena mais grave, se houver lugar. LEGISLAGAO ROMANA. LL. 1 § ult., e 2 Dig. de aleator. LEGISLACAO PATRIA ANTERIOR. Ord. Liv. 5 Tit. 82 § 75 etc. COMMENTARIO. Esta incriminag&o apparece no direito romano, e nas nossas Ordenactes. Ja o Jcto Pauto dizia na L. 2 Dig. de aleator. haver alguns individuos que forcavam outros a jogar, ou a receberem a desforra se estes por acaso ganhavam : « selent enim quidam et cogere ad lusum, vel ab initio, vel viets dum re- iinent. » A pena neste-caso era ou a mulcla ou as latumias*, ou prisdéo publica- A Ord. citada punia este facto com degredo para 1 Esta pena era uma especie da de trabalhos publi- cos; Noodt nao foi muito feliz tomando-a como equi- valente de carcere. 73 o Brasil por quatro annos, além da pena da injuria ; e é notavel semelhante disposicio quando a do mes- mo Liv. Tit. 144 § 4 determinava que nunca se im- pozesse.o degredo para o Brasil por menos de cinco annos. A pena do Codigo parece rasvavel, muilo mais estando ressalvada a pena mais grave, que possa.ter lugar em vista da violencia ou ameaca. Artigo 269.° Scriio impostas as penas do furto aos que em- pregarem meios fraudulentos para assegurar a sorte. COMMENTARIO. A disposicdo é justa, pois o facto é um verda- deiro furto. A Ord. Liv. 5 Tit. 82 § 3 impunha aos que jogavam com dados falsificados para enganarem os parceiros a pena de degredo para o Brasil por dez annos, e acoutes com bardgo e pregio, ou 0 anovea- do, sendo pessoa de maior condigao. Anbicko at Sdeoto ts Se do jogo resulta accao ?. Por direito romano aquelle que ganhava nao ti- nha accio para haver o ganho; e o que perdia tisha accio para repelir o que havia perdido e pago, nao 86 contra o vendedor mas contra seus herdeiros. L. ult. § 1 Dig., L. 1 e 3 Cod. de aleator. O codigo francez seguiu o direito romano em quanto determinou no art. 1968.° que.o vencedor v4 nao tem accdo para pedir .o ganho; mas. afastow-se delie em quanto no art. 1967.” negou ao vencide ac- cao para repetir o que liver pago. Esta doutrina do codigo francez (que era ja a de Struvio*) tem sido seguida pelos codigos da Sardenha (art. 1999.°, 2001.°), das Duas Sicilias (art. 1837.°, 1839.°), do Cantdo de Vaud (art. 1449.°, 1450.°), etc. Sémente o codigo da Baviera adoptou o princi- pio do dircito romano em toda a sua plenitude. Entre nds tem esta materia sido objecto de ques- tio. O Sr. Paschoal? sustenta que a doutrina do di- reito romano nao foi recchida; que o vencedor tem acco para pedir o qué ganhou, € que o vencido nao pode repetir o perdido. Lobio* combate esta opiniio, mostrando ter si- do o direito romano seguido neste reino, como se v6 de Pereira, Decis. 88; mas por fim inclina-se @ dou- trina do codigo francez, a qual foi tambem abracada pelo Sr. Coelho da Rocha*. Nao podemos inclinar- mo-nos nem 4 opiniio do Sr.:.Paschoal,: nem a do codigo francez, seguida por Lobio e pelo Sr. Rocha: e parece-nos que a theoria do dircito romano é a mais conforme 4 boa razio. Que o vencedor nao tem ac- cio para pedir o que ganhar ¢ principio adoptado por este direito e pelo francez por isso que a causa de pedir é illicita. Que 0 vencido tenha accdo para re- pelir o perdido, é o que nao admilte a legislacio fran- 41 Exercit. XV, thes. 57. 2 Instit. jur. civ. Lib. 4 Tit. 3 § 24. > Notas a Mello tom. I pag. 411 e seg. 4 Direito civ. § 875. 75 ceza fundada em que o vencido hascaria o seu pedi- do tambem n’uma causa illicita. Esta razio é falsa e parte de um cquivoco ; por isso mesmo que a causa porque o vencido pagou é¢ illicita, é que a lei the di aceiio; a causa de pedir é o ter pago nao devendo pager: é a mesma razio geral em que se basea o condictio indebiti. SECCAO 2,2 LOTERIAS. O uso das loterias ¢ muito antigo. Os festins das saturnaes entre os romanos eram quasi sempre:acom— panhados de uma loteria offerecida pelo dono da casa aos convidados, os quacs ganhavam pequenos objectos rte e de gosto: os imperadores tambem -estabele- ceram algumas rifas ou lolerias ; e Nero deseti¥élveu nellas uma grande magnificencia, concorrendo pata ellas com premios de immenso valor. Semelhante use perpetuou-se na Italias:¢ os ge- novezes © venesianos entregaram-se a este jogo quasi com uma especie de furor. Foi desse paiz que pas- sou para a Franca, aonde apparece pela primeira vez. em uso no tempo do rival de Carlos 5.° Francisco 1.°. O que a principio nio passéra de um diverti- mento degenerou em. grandes abusos; e é notavel, que declarando os governos as loterias immoracs e perniciosas, foram elles os primeiros a estabeleccl-as por sua propria conta no seculo XV, fazendo dellas uma fonte de receita publica; e a propria Igreja, que, como poder espiritual, tantas vezes Jandéra o %6 anathema contra todos os jogos aleatorios, cedeu, como poder temporal, ao impulso geral, @ admittiu a loteria nos seus Estados. E’ assim que no tempo de Luiz 14.° se estabe- leceu em Franea uma loteria real por decisio de Con- selho d’Estado de 11:de Maio de 1700, a qual veio nas mios do governo a ser uma medida puramente fiscal, que produzia um rendimento annual de dez a doze milhdes. Entre nés tambem o Aly. de 30 de Marco de 1703 mandou fazer uma Joteria de cem mil cruzados e sorles de tencas vitalicias a beneficio da casa do in- fantado; e o Alv. de 18 de Junho de 1799 estabe- leceu uma loteria real com o fundo de dous mithdes em vinte mil bilhetes. Mas hoje, auctorisada por lei, sé temes a da Misericordia de Lisboa. Sobre as loterias consideradas pelo lado higerie: co, moral, politico, e economico o trabalho megt completo e de merecimento que hoje se conhece: 6-@ obra posthuma do bem conhecido Conde Pelitti di Roreto publicada em Turin em 1853 com o titulo Del giuoco del lotto considerato né suoi effetti mo- rali, politics ed economici. Para ella remetlemos o leitor que desejar mais esclarecimentos, que sdo es- tranhos a este commentario. Arligo 270.° FE’ prohibida toda a loleria, que nio fér aucto- risada por lei, salvo o disposto no art. 272.°. § 1.° E’ considerada loteria, e prohibida ¢o- mo tal, toda a operagao offerecida ao publico para 77 fazet nascer a esperanca de um ganho, que haja de obter-se por meio de sorte. § 2.° Qs auctores, os emprezarios, ¢ os agen- tes de qualquer loteria nacional ou estrangeira, ou de qualquer operacio considerada loteria, serio pu- nidos com a mulcta, conforme a sua ronda, de um a seis mezes. LEGISLACGAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 410.9; L. franceza de 21 de Maio de 1836 art. 1.° ¢ 2.° ete. COMMENTARIO. D Codigo estabelece os caracteres da loteria no § 1, copiando a definicio tpsis rerbis da segunda parte do art. 2.° da lei franceza, de 24 de Maio de 1831;, a qual define loterias em geral « toutes opéra- trons offertes au public pour faire natire Pespérance Pun gain qui seratt acquis par la vote du sort. » No art. prohibe o Legislador toda a Joteria que nio for auctorisada por lei, seguindo tambem a le- gislacdo franceza, attendendo aos desasirosos effeitos que esta especie de jogo comsigo pdde trazer ; effei- tos que se acham pintados com vivas céres no refe- rido opusculo de Petitts di Roreto. Entre nds, das loterias nacionaes permittidas por lei, a unica que actualmente subsiste é a que se acha auctorisada pela Port. de 27 de Maio de 1834, e Dec. de 5 de Ou- tubro de 1838 no edificio da Santa Casa da Miseri- cordia de Lisboa. Todas as outras, on sejam nacio- 738 nacs ou estrangeiras so prohibidas pela L. de 25 de Janeiro de 1677. No § 2 puncm-sc os auclores, empresarios ou agentes da loteria nacional ou estrangcira com mul- cla de. um a seis mezes. O nosso Codigo abandonow o systema de cedigo francez ¢ da citada lei de 21 de Maio art. 8.°, o qual 4 mulcta accrescenta a prisio; nisto tem razio, porque o facto nio passa de uma contravencio, filha da esperanga de ganho, e que fica sufficientemente punida com pena pecuniaria. Artigo 271.° (continuagéo.) § 3.° Qs objectos postos em loteria serdo ap~ prehendidos e perdidos a favor do Estado. § 4° Sendo a loteria de alguma propriedade immovel, a perda a favor do Estado do objecto da lotcria, scra substituida por uma mulcta imposta ao proprictario, que, segundo as circumstancias, podera ser clevada até o:valor da mesma propriedade, accu- mulando-se a que fica determinada no § 2.°. LEGISLAGAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 410.°; citada L. art. 3.°5 eter COMMENTARIO. Depois de determinar no § 3 a apprehensiio a favor do Estado. dos objectos postos em loteria, se- guindo o disposto no art. 4410.° do codigo francez, previne o Legislador no § 4 a hypothese de ser o objecto. da loteria uma propriedade immeyels ¢ di 79 uma regra para substituir neste caso a apprehensio ordenada no § 3. A regra consiste em impér ao proprictario uma mulcla que, segundo as circumstancias podcra ser elevada até ao valor da mesma propricdade. Isto é copiado da art. 3.° da ja citada lei franceza de 24 de Maio com a differenca que esta em vez de dizer sim- plesmente valor, como fez o nosso Codigo;diz valor estimativo. Semelhante dispesicio é vivamente criti- cada por Chauveau (n.° 3603) por isso que abandona ao arbitrio, quasi illimitado dos tribunaes, a fixagdo de uma mulcta que péde elevar-se a um valor enor- me, nao dando para a distribuic&éo desta pena regra alguma certa. Artigo 272.° Aquelles que negociarem os bilhetes, ou os dis- iribuirem, ou que per qualquer meio de publicacdo tiverem feito conhecer a existencia da-loteria, ou fa- cilitado a emissiv, ou distribui¢io des bilhetes, scrao punidos com a mulcla, conforme a sua renda, de quinze dias a tres mezes. LEGISLAGAO ESTRANGEIRA, L. franceza de 21 de Malo de 1836 art. 4.5 etc. COMMENTARIO. Este art. é copiado, formaes palavras, do art. %.° da citada lei franceza, e s0 differe na pena. Esta a&io podia deixar de ser menor, attendendo a que os lelinquentes sio apenas cumplices. 80 Apesar de em Franca haver uma semelhante dis- posicao penal, Chauveau (n.° 3606) indica os modos porque ella tem sido illudida ; os quaes difficilmente se poderio reprimir. Arligo 272.° Podem ser auctorisadas pelo govern as loterias de objectos moveis, ou dinheiro destinado exclusiva- mente a actos de beneficencia, ou 4 protecciio das artes. § unico. O que violar os regulamentos feitos pelo governo para estas loterias auctorisadas sera pw- nido com as penas do art. antecedente. COMMENTARIO. A doutrina deste art. 6 copiada fieliente do art. 5.° da lei franceza de 21 de Maio de1836.; sobre a sua justica nada diremos porque é-evidente. Adver~ tiremos sémente que a palavra exclusivamente, em- pregada pelo legislador francez e pelo nosso, foi in- troduzida no art. muito de proposito para evitar frau~ des que se poderiam commetter; pois sob pretexto de beneficencia far-se-iam immensas loterias reservan- do uma pequena parte do producto para algum es~ tabelecimento de beneficencia. Tambem julgamos com Chauveau, que ainda que a lolteria seja exclusivamente destinada a actos de beneficencia, se nao for auctorisada pelo governo, devem os seus auctores ser punidos pela contravencio. A respeito do § un. temos a notar que os re- gulamentos a que elle se refere ainda os nao temos ; 81 em Franca notava-se a mesma falta, mas foi reme- diada pela Ordenanca de 29 de Maio. de 1844. SECCAO 3,2 GONVENCOES ILLICITAS SOBRE FUNDOS PUBLICOS. Artigo 273.° Aquelle que convencionar a-venda, ou a entre- ga de fundos do governo, ou de fundos estrangeiros, ou dss eslabelecimentos publicos, ou de companhias anonymas, se nao provar que ao tempo da coenven- g&o tinha esses fundos a sua disposicdo, ou que os devia ter ao tempo da entrega, sera punido com pri- si0 de quinze dias a seis mezes e mulcta correspon- dente. § unico. © comprador, se for sabedor das cir- cumstancias declaradas neste art. , sera punido com metade destas penas. LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 492.° ete. - COMMENTARIO. Este art. 6 copiado do art. 422.° do codigo pe- nal francez*. A sua.disposicao foi justificada pela se- 10 codigo francez sd falla de fundos publicos; o nosso diz fundos do governo, estrangeiros, de cstabeleci- mentos publicos, e de companhias anonymas, segitindo a intelligencia que Chauveau (n.° 3693) da Aquellas ex- pressGes da legislagdo franiceza. TOM, IITs 6 82 guiate {Orma nos motives desse codigo: «o fim da lei é reprimir um grande numero de especuladores; os quacs, sem terem solyabilidade alguma, se dio a esta especie de jogo, nio pondo o menor escrupulo em enganar aquelles com quem contractam : este meio de repressio fonge de prejudicar as operacdcs dos espe- culadores honestos, torna-as menos perigosas porque as livra do concurso daquielles que a tudo se abalan- cam. por nada.terem que perder‘. » Dous so os elementos do facto incriminado,. 1.° existencia de uma convencao de venda ou de entrega de fundos das especies designadas no art. ,. 2.° nao ter o vendedor ao tempo da convencio esses fundes sua disposic&o, ou ndo podendo tel-os ao tempo da enlrega.- Nio duvidamos que esle gencro de especulacio ou'de agiotagem, resultado das desastrosas theorias de Law, péde trazer comsigo inconvenientes, mas sera realisavel e rasoavel a incriminagio nos termos vagos em que esta expressada? E’ um elemento cons~ litutivo della o nio provar o vendcdor que ao tempo da conven¢io tinha os fundos 4 sua disposigéo, ou quo os devia ter ao tempo da entrega. Ora como é possivel provar, diz Chauveau com toda arazao, que os fundos deviam achar-se em poder do réo em certo e determinado tempo? Como fazer depender a appli- cacdo da pena, nio de um facto, mas da possibili- dade da existencia delle? _.A disposicio do Codigo vem pois a ser inutil, porque nao se péde verificar a existencia de pm dos 1 Locré, tom. 15 pag. 543. 83 elementos conslitutivos do crime. Além de que appli- cando uma judiciosa reflexdo de Legraverend’, se este art. do Codigo se executasse, a bolca ou praca de Lisboa offereceria todos os dias ao Ministerio pu- blico materia para um sem numero de processos. Nem isto é de admirar se attendermus ao vago da redaceio do art. E’ bem sabido, para quem tem algum conhecimento das operagdes conymerciaes, que os fundos publicos dao. lugar a duas especies de es- peculacdes, umas a dinheiro 4 visla, outras a prazo : nao é 4s-primeiras a que a lei se refere, mas sim 4s segundas ; estas porem ainda sao de duas especies ; umas sdo realmente a prazo, verificando-se no fim deste a enlrega convencionada dos fundos, e neste caso mesmo todos os'dias esta succedendo nio ter os fundos no momento da convencgio aquelle que con- tracta; outras, a que os francezes chamam marché é& prime, sio um verdadeiro jogo sobre a alta e baixa dos fundos, s&o apenas operacies ficticias que se re- solvem no pagamento de differencas da alta ou da baixa entre o tempo da convencio e o do prazo ajus- tado. Se a lei se referisse a estas ullimas no mere- ceria censura, mas referindo-se a todas nao tem des- culpa alguma, e revela nao conhecer ainda de leve o systema das pracas de commercio. As mesmas reflexdes sio applicaveis 4 disposi- c&o do § un.; ¢ Carnot accrescenta que 6 absurdo punir o comprador, porque este obra com um fim differente daquelle a que a lei attendeu para formu- lar a incriminacdo, 4 Legislat. criminelle, HT pag. 860. 6 84 Quanto 4 pena, a prisio é melade daquella que 6 imposta pelo codigo francez, e seria sufficiente, se 0 art. fosse applicavel. SECCA® 4.3 ABUSO EM CASAS DE EMPRESTIMOS SOBRE PENHORES. Com quanto o contracto pignoraticio seja regu- lado pela lei civil, & certo que as suas disposicdes sio insufficientes ou inapplicaveis 4s easas de empres- timo sobre penhores, quo formam uma das feicdes mais salientes do contracto do mutuo nos tempos mo- dernos. Qs interesses das classes pobres e desvalidas, muitas vezes seduzidas pelas facilidades desta especie de mutuo, mas sem atlenderem 4s condicdes oncro- sas com que oblem o emprestimo, exigiam a inter- yencio do poder social, j& para thes facililar o pa- gamento, ja para Ihes conservar o penhor em poder do mutuante, impedindo que este o destrua. Reco- nhecidos sio os inconvenientes dos emprestimos feitos particularmente sobre penhores, e carregados de enor- mes usuras. Foi para obviar 4s dos Judeos que na alia apparece desde o seculo XV a instituic&o dos montes de piedade, e com o mesmo intuito foram es- tabelecidos em Franca pelas cartas patentes de 9 de Dezembro de 1777, sendo dous annos depois prohi- bidas por um edicto de 10 d’Agosto todas as casas particulares de emprestimos sobre penhores. A revolucdo veio abolir esta disposicio philan- trophica do edicto, e desde esse momento multiplica- 85 ram-se as casas desle gencro (que hoje tambem cxis- tem no nosso paiz) ; mas taes abusos se originaram, que o Legislador se viu cbrigado a reprimil-os por meio de varias disposicdes, sendo a ultima dellas a do art. 411.° do codigo penal’, donde foi copiado o art. 274.° desta Seccdo, o qual passamos a examinar. Artigo 274.° - Aquelle que sem a competente auctorisacio ti- ver estabelecimento em que habilualmente -se fagam emprestimos sobre penhores; e bem assim aquelle que no estabelecimento auctorisado nao liver livro de- vidamente escripturado, em que se contenham segui- damente, e sem entre-linhas, as sommas ou objectos cmprestados, os nomes, domicilio, e profissio dos mu+ tuatarios, a nalureza, qualidade, © valor dos objectos empenhados ; sera punido com a prisio de-quinze dias a tres mezes, e muleta de um mez. COMMENTARIO. Duas sio as contravencées punidas neste art. : 1.” estabelecimento sem auctorisacdo legal, de casa aonde habilualmente se fagam emprestimos sobre penhores ; 1Qs montes de piedade, limite extremo do credito (como lhes chama Dupuynode) tem subsistido em Fran- Ga e n’outros paizes com grande vantagem, como se pé- de vér da obra deste auctor, La monnaie, ke credit, ct "impot (Paris 1853) tom. 1 pag. 427 e seg., e do Map- ort de Wattewille sur l'administration des monts-de- été (Paris 1850), nos quaes se acha a materia tractada elo lado economico, 86 2.* estabelecimento legalmente auctorisado, mas sem ter livro deyidamente escripturado com as declaracdes exigidas na segunda parte do art. Damos a estas in~ criminacées o nome de infraccdes porque a lei o que pune é ou a falta de auctorisacio, ou a amissio de alguma das formalidades por ella exigidas na escri- pturacdo, sem indagar se o agente obrou ou nao com pensamento criminoso. Examinemos cada uma dellas. 1.9 Estabelecimento sem auctorisacao legal etc. — Tres elementos s&a necessarios para a existencia desta primeira contravencio. O 1.° é que se estabeleca uma casa de empres- time sobre penhores, pois se nao for de emprestimo sobre penhores escapa 4 previsdo da lei; mas nao se segue daqui que se evifa a pena por meio de uma convencde simulada; logo que a simulaciao seja co- nhecida os tribunaes, restituindo 4 convencdo a seu verdadeiro caracter, podem applicar a pena. O 2.° 6 que nessa casa se facam habitualmente emprestimos ; a razio é porque o estabelecimento de uma casa de emprestimos sobre penhores suppode uma instituigdo permanente, ou pelo menos, para nos ser- virmos das expressdes de Chauveau, a instituicio de uma casa com destino habitual de fazer emprestimos; pois um facto isolado ¢ accidental por certo que nado é um estabelecimenta. - O 3.° & que esse estabelecimento soja feito sem auctorisaciia competente ; a razio é porque esta au- ctorisacdo torna mais publica a instituicio, da mais garantias aos mutuatarios. 2.° Estabelecimento legalmente auctorisado, mas sem ter livro devidamente escripturado em que se 87 contenham etc. —~ A lei para seguranca dos mulua+ tarios ndo exige sdmente a auctorisa¢do, exige mais que no estabelecimento haja um livre escriplurado em forma, aonde sem entre-linhas e seguidamente se con- tenham, 1.° as sommas ou objectosemprestados, 2.° 0s nomes, domicilios, e¢ proflssdes dos mutuatarios, 3.° a natureza,- qualidade, e valor dos objectos em~ penhados *. Por isso, se n’um estabelecimento auctorisado nio existir o livro respective, ou,existir com omissdo de qualquer das declaracies exigidas pela lei, aquelle que o tiver-estahelecido incorre nas penas do. art. CAPITULO 11.° DO MONOPOLIO, B DO CONTRABANDO. SECOAO 1.2 MONOPOLIO, O nosso Codigo nesta Seccio seguiu principal- mente, como costuma, a legislacda franceza, adoptan- do tambem do nosso anterior direilo alguns princi- pios que, apesar dos progresses da seiencia economi- ca, ainda hoje sio admissiveis, . A palavra monopolio {synonima de éravessia, como nola Pereira e Sousa) & derivada do grego ¢ 1 Veja-se'o Dec. de 23 de Janeiro de 1354 (no Dia- tio do Governo n.° 24) aonde vem um regulamento pratico desenvolvendo estes requisitos do Codigo, =~ significa vender 6; © por isso com quanto em sen~ tido stricto s6 possa ser applicavel aos erimes pre- vistos nos art. 273.° e 276.°, todavia o Legislador toma-a.em sentido: mais amplo comprehendendo nella tambem os delictos que fazem objecto dos art. 277.° 6 .278.°, seguindo talvez a idéa de Mayart de Voue. glans: que definia monopolio « toda a empresa ou as- sociagéo que tende a embaracar ou a destruir a li- berdade do commereio*. » Artigo 275,° Tode o mercador que vender para uso .do paw blico generos necessarios a0 sustento diario, se es conder suas provisdes, ou recusar vendel-as a qual- quer comprador, sera punido com mulcta, conforme a sua renda, de um a seis mezes. LEGISLACAO ROMANA. LL. 6 pr. de extraord. crimin. , 37 Dig. de pan. 3 L, un. Cod. de monopol. 3 etc, LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 416.°, 420.9; da Austria 9.9 parte art. 226.°, 230.9; etc. LEGISLACAO PATRIA ANTERIOR, Vide o . COMMENTARIO. O monopolio, muito vulgar nos antigos cstados, foi sempre odioso aos povos pois verificando-se elle 4 Lois crimin. pag. 340. 89 ordinatiamente nos generos de primeira necessidade, os seus effeitos deviam necessariamente tocar-lhes de mais perto. A Sagrada Escriptura no livro dos Proverbios Cap. 12 v. 26 apresenta-nos como maldicto aquelle que esconde os seus generos: « gui abscondit fru- menta maledicetur in populis, benedietio autem su- per caput vendentium ; » e as leis de Athenas fulmi- nam este facto com pena de morte‘. Aos monopolistas do trigo, ou dardanarii*, im- punham os romanos, segundo affirma Paulo na L. 37 Dig. de pen. , uma pena extraordinaria; ¢ Ul- piniano na L. 6 pr. Dig. de extraordinar. erimin. diz que ella podia consistir ou na interdiccdo do com-. mercio 4quelles que eram negociantes, ou na relega- gio, ou em trabalhos publicos : « st negotiantes sunt, negotiatione eis tantum interdicitur, interdum et re- legari solent, humiliores ad opus publicum dari. » Emfim a L. un. Cod. de monopol. veio punir com desterro perpetuo ¢ perda dos bens os que fizessem monopolio de generos. 1Sam., Petit, Leges attic: (edit. de 1635) pag.420. #Este nome era derivado de um certo Dardano ao qual se attribuia 0 trazer com encantos os Afigos dos ou- tros para os seus celleiros, segundo a opinido mais vul- gar seguida por Cujacio Observ. X, 19; donde veio tambem o serem denominadas dardania entre os roma- mos as artes magicas, como vemos de Columella de cul- tu hortorum v. 358.—- Vejam-se a este respeito a dis- sertagio de Stryck, de dardanariis publicada em 1741 debaixo do nome de Brunemann, Ménage, amenitates juris c. 39, e Rein, Criminalrecht der Romer pag. 829, gg Entre nés a Ord. ‘Liv. 5 tit. 76, 77, e mais legislacio extravagante casliga como monopolio al- guns factos que o'ndo so, v. gr. comprar generos para os vender no mesmo lugar‘, e compral-os por menos para os vender por mais eto.*; era isto.re- suliado da ignorancia em que os nossos legisladores se achavam dos principios da sciencia economica, do~ minados de duas idéas falsas, medo da fome e odio a usura. Em Franca a antiga legislacéo punia 08 mono~ polistas com banimento e confiscacia dos bens. Ne principio da revolucdo proclamou-se em 1791 a ab< solula liberdade de commercio de generas, e aboli- ram-se as corporacdes embandeiradas, julgando-se sér esta instituicdo uma das causas do monopolio. Mas dentro em pouco (sem nos occuparmos de chamado pacto da fome, que tanto serviu de thema aos revo- lucionarios*) appareceram monopolistas, que para fins politicos ou para interesse proprio abusaram de tal liberdade, levando o pove:s.exceasaa-de; desespe- 1 LL. de 9 de Agosto de 1557, 4 de Outubro de 1644, 24 de Setembro de 1649; etc. 2 Aly, de 20 de Outubro de 1651; Dec. de 25 de Janeiro de 1679, 12 de Agosto de 1695; etc. — Vide Pereira e Sousa, Classes dos crimes pag. 191 e seg. 3 E” bem sabido que este pacto da fome nada mais era do que 0 contracto de sociedade para a manutengio dos trigos do rei entre Leray de Chaumont, Rousseau, Perouchot e Mallisset, contracto que vem na Police de Paris devoilée de P. Manuel tom. 1 pag. 381, e que deu materia a um romance ¢ a um drama de Elias Ber- thet. 1 Ok racio: para obviar a isto veio a L. de 26 de Julho de 1791 punir com a pena de morte os monopoligfas ” de generos de primeira necessidade. Uma pena tio exorbilante nio podia subsistir, e por isso foi substituida pela de dous annos de fer- ros, e declarada em vigor sOmente para os monopo- listas que obrassem levades de fins politicos (13 ger- minal anno II). O codigo penal de 1810 veio no art, 419.° im- por a este facto apenas uma pena correccional de pri- sio e mulcta, modificando assim o rigor da antiga legislacdo ; e o nosso seguiu o seu exemplo punindo- o sé com muleta, pena que seria talvez a mais ana- loga, se o facto podesse ou devesse ser incriminade, Com effeito em vista dos principios economicos ja proclamados por Adam Smith‘, e pela escola mo- derna dos economistas 0 nosso Codigo nunca deveria ter incriminado semelhante facto. O perigo da causa publica, em que é baseada a incriminacdo, nao passa de uma chimera, e de um prejuiso que nio cxisto hoje, diz A. Clément, sendo em espiritos inteiramente incultos. Este economista resumindo todos os traba- Thos sobre a materia no art. accaparement do Diccio- nario de economia politica de Coquelin, mostra que nao so é quasi impossivel este monopolio em generos de primeira necessidadc, mas tambem, que quando mesmo fosse possivel, o governo tem na sua mao um remedio prompto ; e na verdade admittido o princi- pio da liberdade de commercio o monopolio dos ge- neros de primeira necessidade nao se pode verificar. 4 Richesse des. nations, Liv, 4 Cap. . 92 F’ por isto quo julgamos involver este art. do Codigo penal uma incriminacdo que se oppoe as idéas do seculo presente no estado actual das sciencias. Artigo 276.° Qualquer pessoa, que usando de algum meio fraudulento conseguir alterar os precos que resulta- riam da natural e livre concurrencia nas mercado- Tias, generos, fundos ou quaesquer oulras cousas que orem objecto de commercio, sera punido com mul- cla, conforme a sua renda, de um a tres annos. § unico. Se o meio fraudulento empregado para commetter este crime fOr a colligacdo com ou- tros individuos, tera lugar a pena lago que haja co- mego da exccugio. LEGISLACAO ROMANA. L. 2 Dig. de lege Julia de annona; etc. LEGISLAGAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 419.°, 420.°: ete. LEGISLACAO PATRIA ANTERIOR. Vide a citada no art. anterior. COMMENTARIO. A disposicdo deste art. tem por base os citados do codigo francez. Dous sio os elementos constituti- yos do delicto, 1.° os meios fraudulentos empregados para conseguir allerar os pregos que resultariam da 93 aatural ¢ livre concurrencia nas mercadorias etc. 2.° a alteracio dos precos cm resullado desses meios em- wregados. Quanto ao 1.° esses meios podem ser muitos ; 2 por isso o Legislador nao os enuniera, mas taes io, por exemplo, espalhar com 0 sobredito fim no rublico factos ¢ beatos falsos etc. Quanto ao 2.°, consiste elle, como ja dissemos, m alterar por estes modos os precos que resultariam a natural e livre concurrencia, isto ¢ da concurren- 1a que se exerce pelo trabalho e sem fraude, pois, endo resullado desta, a mesma liberdade de indus- tia exige a sua repressio. A disposicio do-§ un. previne o caso de ser 0 1eio fraudulento empregado para esse fim, a colliga- do com outros individuos. Nessa hypothese o facto orna-so mais grave, ji ndo é um acto individual, 6 ma manobra collecliva proparada por uma reunido u colligacio de individuos ; ¢ é essa a razdo porque Codigo pune a tenlativa como se o critne estivesse 1 consummado. Colligacao, no sentido legal, 6 0 concerto forma- 0 entre muilos individuos de um mesmo estado (v. tr. padeiros), em interesse commum, para obler um esultado forcado *- Este delicto j4 era punido pelos romanos como evé da L. 2 Dig. de lege Jul. de annona, e daL. n. Cod. de monopol. 4 Morin, v.° Coalitions; Chauveau n.° 3666 e seg. 94 Artigo 277.° Sera punida com a prisio de um 4 seis mezes, 6 com a mulcta de cinco mil réis a duzentos mil réis : 1.° Toda a colligagao entre aquelles que em- pregam quaesquer trabalhadores, que tiver por fim produzir abusivamente a diminuicie do salario, se for seguida do comeco de execucio. 2.° Toda a colligagio entre os individuos de uma profissio, ou de empregados em qualquer ser- vico, ou de quaesquer trabalhadores, que tiver por fim suspender, ou impedir, ou fazer subir o preco do trabalho regulando as suas condigdes, ou de qual- quer outro modo, se houver comeco de exccucio. § unico. Os que tiverem promovido a colliga- cdo, ou a dirigirem ; e bem assim os que usarem de violencia ou ameaca para assegurar a execucdo, sc- rao punidos com a prisdo de um a tres annos, € po- dera determinar-se a sugci¢io 4 vigilancia especiak da policia, sem prejuiso da pena mais grave, se 05 actos de violencia a merecerem. LEGISLACAO ESTRANGEIRBA. Cod. de Franga art. 414.°, e 415.9; da Sardenha art, 398.°- 400.93 ete. . COMMENTARIO. Nos dous numeros deste art. prevé 0 nosso Co- digo, seguindo o francez, duas especies de crime de monopolio, ambas as quaes passamos a examinar. 95 N.° 1. — Neste numero pune o Legislador a col- ligacio entre aquelles que, atacando a liberdade de ndustria, empregam trabalhadores, quando tem por im fazer diminuir abusivamente os salarios destes. « Na antiga legislacio nio apparece nem era pos- ivel que apparecesse, diz Chauveau, semelhante in- Timinacao: obstava a isso a existencia das corpora- Ses ou officios embandcirados, cada uma das quaes. nha seus chefes, suas deliberagdes, e decisbes, ha- sndo por isso no Estado, uma como perpetua colli- acio que dictava leis a todos os cidadaos. » « Com a abolicio destas corporacdes (que se ve- ificou em Franca pela L. de 2 de Marco de 1791 *) i se tornava possivel a existencia do delicto, e foi aldo que veio a L. 22 do germinal do anno XI in- riminar o facto daquelles mestres que se colligassem ara fazerem diminuir abusivamente o salario dos tra- alhadores, disposicio que foi textualmente reprodu- da no codigo de 1810 no art. 414.°.» Entre nés niio era a mesma causa designada pop hauveau que tornava impossivel este delicto, ea ra- io é porque o taxar as obras dos officiacs mechani- ds, 08 jornaes dos trabalhadores elec. nao pertencia s corporacoes ou officios embandeirados, mas sim 4s amaras Municipaes pela Ord. Liv. 1 Tit. 66 §§ 2, 337. Ecom quanto esta Ord. estivesse ha muito n desuso, mesmo antes da introduccdo do systema mstilucional, é certo que a primeira disposig&io que 1 E entre nés pelo Dec. de 7 de Maio de 1834. 3 Borges Carneiro, Dir. civil tom. 3 § 321; Reper- r. & Ord. v.° Tasas ; etc. a tal respeito encontramos é este art. do noss0 Co- digo copiado do 414.° do codigo francez. Passando agora ao exame dos elementos consti- tutivos da incriminacdo, tres sio os que encontramos neste numero. 1.° Colligacdo entre aquelles que empregam quaesquer trabalhadores. — Ja dissemos no commen- tario a0 § un. do art. antecedente que por colliga- cio se entende um concurso praticado entre muilas pessoas * para conseguir um mesmo fim. Cumpre po- rem-observar com Chauveau, que pouco importa que essas pessoas tenham profissdes differentes ow residam em differentes cidades ; @ lei ndo restringe a este ponto a colligacio, nem o devia fazer por isso que quanto mais clla se estender, tanto mais fortes e desastrosos hao de ser os seus efeitos. A colligacio, segundo 0 nosso Codigo, deve ser entre aquelles que empregam quaesquer trabalhado- res; 6 0 mesmo que diz o codigo francez, entre ceux qui font travailler des owvriers ; coma differenca que 0 nosso antepoz a palavra trabalhadores 0 pro- nome quaesquer, € com justa razio; porque em Fran- ca o art. 414.° niio se applica aos proprietarios ¢ ads agricultores*, segundo a opiniio dos commenta- * Daqui se vé que nfo péde considerar-se colligagdo para os effeitos deste art. 0 concurgo formado para o mesmo fim entre os diversos agentes de uma casa de commercio, porque uma sociedade commercial nado fér- ma legalmente sendo uma pégoa.’ "7A estes é applicavel o art. 19.° do codigo rural de 28 de Setembro de 1791. of dores, mas sim aos donos de manufactutas, fabricas etc. , e o nosso quiz comprehender a todos. 2.° Com o fim de produzir abusivamente a di- minuicdo do salario. —Este fim da colligacdo € a base principal da criminalidade pois tende a collocar os trabalhadores na dura necessidade de viver sem terem em que trabalhar, ou de trabalhar com um sa- lario sem proporc&o alguma com o seu trabalho. A palavra abusivamente suppSe que essa diminuicio de salario péde ser justa ; e esta supposicdo 6 exacta pois nao se pide negar que ha causas geraes, apontadas pelos economistas, as quacs fazem diminuir os sala- rios, e de cuja influencia, sendo geral, devem tam~ bem participar os trabalhadores ; neste caso a colli- gacio no deve ser punida *. 3.° Se fér sequida de comeco de execucato. — Isto 6, a colligacdo é punivel logo que exista qual- quer acto que constitua comego de exeeucio. O nosso Legislador, usando destas expressdes, cortou as ques- ides frivolas e ridiculas, que os commentadores fran- sezes tem suscitado sobre. as palavras — suivie d'une entative ou d’un commencement d'exécution — em- pregadas pelo codigo de 1810. N.° 2.— Neste numero incrimina-se a colliga- ‘io dos individuos de uma profissio, ou de émpre- ‘Chauveau n.° 3650. tambem julga ser justa a col- igagdo quando constituir uma reacgio contra uma cle- ‘agi injusta e forgada dos salarios; ni&éo podemos ad- aittir semelhante opinido; a elevagdo do salario para er injusta c forgada é resultado do facto punido no n.° deste art., e¢ entio contra um delicto devem-se em- Togargs meios da I¢i, e nfo outro dclieto. “* TOM. IIL, q gados em qualquer servico, ou de quaesquer traba- Ihadores, quando tiver por fim suspender, impedir, ou subir o preco do trabalho elc. Se pela antiga organisacdo social ou pela legis- Jaco em vigor cra quasi impossivel a existencia do delicto, objecto do n.° 1, nao sucecdia o mesmo a respeito daquelle incriminado neste numero. Podia, é verdade, haver disposicdes das corporacdes embandei- radas que regulassem o prego do trabalho, mas isso nio impedia que os trabalhadores resistissem a essas prescripcdes: e para incriminar essa resistencia re- corria-se por analogia 4 L. un. Cod. de monopol. que reputava illicito todo o pacto formado uf species diversorum corporum negociationis, non minoris quam. tnler se statuerint venundentur ; sendo a col- ligaciio punida com penas arbitrarias *. Em Franca antes do codigo de 180 foi este fa- eto incriminado directamente pelas LL. de 2 de Marco de 1791, ¢ 22 do germinal do awno XI, cujas dis- posicdes passaram com alguma modificacée para o art. 415.° do codigo penal, fonte do n.° 2 do pre- sente art. Quanto aos elementos do delicto, sio tambem tres, como passamos a vér. 1.° Colligacdo entre os individues de uma pro- fissio, ow de empregados de qualquer servico etc. — Ja definimos a natureza da colligacdo; vejamos po- rem no caso presente entre que pessoas deve ella ter lugar para ser comprehendida neste numero do art. 1 Farinacius, § monopolium n.° 291; Jousse tom. 3 pag. 838, 99 477.9. O Codigo enumora tres qualidades de pessoas; a respeito da primeira algumas reflexdes se nos offe- rece. Diz o Codigo — individuos de uma profissao ; esta palavra —~ wna — indica que se a colligacio ‘Or entre individuos dé diversas profissdes nao existe ) deliclo ; isto oppic-se ao que dissemos no n.° 1 a ‘espeilo dos que empregam trabalhadores ; a colliga- vio pode ser composta de individuos de differentes oofissbes, sem com isso se destruir o segundo ele- nento do crime (que é o fim de susperder, ou im- vedir o trabalho ou fazer subir o seu preco), antes velo contrario o facto se torna por esta forma mais verigoso pelas proporcdes enormes que péde apresen- ar. Assim se todos os officiaes de ferreiro desta ci- lade se colligassem para no trabalhar senao pelo ornal de 800 réis, ndo havendo alguma das causas seraes que elevasse a taxa do salario, por certo que sta colligag%o era punivel em vista deste art.; mas nuito mais o seria quando ella fosse nio s6 de ferrei~ ‘os, mas de carpinteiros etc. 9.° Que tiver por fim suspender ou impedir, ou azer subir 0 preco do trabalho etc. — Este segundo lemento é, para bem dizermos, a essencia deste cri- ac, pois é deste fim (que lende a nada menos do jue atacar a liberdade de industria) que nasce a cri- ninalidade da colligag&o. E’ notavel porem que o Codigo, punindo 0 fa- to dos que cmpregam trabalhadores, s6 quando abu- Wamente tenlarem diminuir os salarios destes, nio 1ea a mesma restriccdo a respeito da colligac&io dos rabalhadores ; e se isto nos faz admirar 6 porque a aziio 6 a mesma; se, como diz Chauveau, a colli- Ye 100 gacio daquellés nao é criminosa quando a baixa dos salarios for produzida por essas causas geraes apon- tadas pelos economistas, como ha de sel-o a destes quando a alla dos salarios for produzida pelas mes- mas causas? O nosso Codigo nao fez islo com ma tengio ; copiou o n.° 4 deste art. do 414.° do codigo fran- cez, Viu {4 a palavra abusiva, transereveu-a logo ; e eomo para base do n.° 2 tomou o art. 415.° do mes- mo codigo, ¢ nao existe nelle essa palavra, nio a in- froduziu tambem na lei portugueza. : O que admira é como nio altenden as reftexdes que contra essa parte da legislacio franceza foram apresentadas & assembl¢a constituinte depois da revo- Juco franeeza de 1848; dellas faremos mengio no: appendice 2.°. ‘ § un. — Neste paragrapho consideram-se como’ mais aggravantes para a imposicio da pena o faclo de ser promotor ou chefe da colligacio, e 0 de se empregarem vivlencias ou ameacas para assegurar & exccucdo. Pelo que respeila aos promotores ow chefes se- guiu o nosso Legislador a disposicac do art. £45.° do codigo francez, com a differenca de que a prisio se eleva’ nessa legislacio até cinco annos. Pelo que loca as violencias ¢ ameacas é omisso esse codigo, mas a L. 22 do germinal do anno XL mandava no art. 8.° applicar nesse caso as penas que pela regra geral cram impostas a scmelhantes fa- elos, por isso que a violencia, com quanto aggrava- da pelo facto de andar reunida ao delicto da colliga- eGo, nio deixa de constituir um crime sui generis, 104 Fodavia é certo que este systema nio ¢ tio rasoavel como parece, porque se as violencias sio empregadas para assegurar a cxecucio da colligagio, constiluem um elemento desta, a qual neste caso é punida mais severamente ; 0 delicto conserva a. sua qualificacio embora haja circumstancias, que diminuam ou au- gmentem a sua gravidade. Approvamos por isso a doutrina do nosso Codigo (filha das reflexdes de Chau- veau'), bem como a ullima parte do paragrapho « sem prejuiso etc. » posta que consideramos como desnecessaria semelhante declaragao. : Artigo 278.° Aquelle que em qualquer arrematacdo auctori- sada por lei, ou pelo governo, tiver conseguido por dadivas, ou promessas, que alguem ndo lance ; e bem assim aqtelle que cmbaracar, ou perlurbar a liberda- de do acto, por meio de violencia ou ameacas, sera punido com prisdo de dous mezes a dous annos, ¢ nulcta correspondente, scin prejuiso da pena mais. grave, sc os aclos de violencia a ‘merecerenr LEGISLACAO ESTRANGEIRA. Cod. de Franga art. 412.93 da Sardenha art. 415.2 : seg. 3 das Duas Sicilias art. 222.95 ete. COMMENTARIO. A presente disposicao 6 deduzida do art. 412.° lo codigo francez, cuja fonte, como allesta Faure nos IN,° 3662, 102 motivos desse codigo, foia L. 19 de 22 de Julho de 41791 art. 27.°, posto que a razio que motivasse esta lei nao fosse a mesma que dominou os redactorcs do codigo de Napoledo ; pois é certo que ella teve a sua origem nas perturbacdes politicas que entio agilavam a Franca, tendo por fim punir aquelles que em mui- las provincias procuravam obstar 4 venda dos bens nacionaes por mejo de violencias ou manobras pro- prias a impedil-as. Em 1810 se ja nio havia a mes- ma razio especial, havia uma razdo geral, por isso que a disposicéo era fundada n’um principio justo, que tem por fim garantir a livre concurrencia nas arremalacées publicas. O art. pune dous factos que, apesar de terem toda a analogia, apresentam todavia uma grande dif- ferenca, como passamos a vér; advertindo ja que a palavra qualquer empregada pelo Legislador, indica que ello: quiz comprehender tadas as especies de arre- matacies, qualquer que seja a nalureza do objecto arrematado, uma vez que a arrematacdo seja aucto- risada pela lei ou pelo governo. 1.° Conseguir por meio de dadivas ou promes- sas que alguem ndo lance. —Em Franca 0 projecto do codigo de 1810 confundia esta incriminacdo com a da segunda parte do art., considerando-as ambas como tendentes a embaracar a liberdade das arrema- facdes, e reputando as promessas ou dadivas como um meia de praticar o facto, semelhante ds violencias € ameacas ; ¢ diziag—« ceux qui... auront entravé on troublé la liberté des enchéres... soit par dons on promesses, soit par votes de fails cle.» — A commissio do corpo legislativo nao admittiu 103 esta redacg&o com o pretexto de que as dadivas ou promessas nio embaracam:a liberdade da arremata- cdo, mas sim a mesma arrematacdo, e por isso foi de opiniio que no art. se supprimisse a palavra li berdade. QO Conselho d'Estado reconheceu o funda- mento da objeccio, mas nado admitlid a emenda da commissao, reduzindo o art. a duas incriminacdes di- versas ; e foi esta a redaccdo definitivamente adopta- da, a qual o nosso Codigo imitou. 2.° Embaracar ou perturbar a liberdade do acto por meio de violencias ou ameacas. — Tres re- quisitos séo indispensaveis para este facto ser punido. 1.° Que a liberdade do acto seja impedida ou per- turbada ; ¢ este impedimento ou embaraco que cons- titue o mal material do delicto ; mas é necessario que este embaraco ou perturbacdo tenha directamente por fim atacar a liberdade do acto, porque se for occa- sional ou feito com outra causa esta sugeito a outras penas'. — 2.° Que o embaraco ou perlurbacio seja feito por meio de violencias ou ameacas. A immora- lidade do facto esla toda neste meio de execucio, as . palavras, as exhortacdes ou grilos, ainda quando po~ dessem perturbar a liberdade da arrematacao, nio bastam para a existencia do delicto. ; O tribunal de Bourges em sentenca de 25 de Marco de 1841 decidiu que sémente sio comprehen- didas na disposicio da lei as ameacas que tem por objecto inspirar receio a respeito dos actos pessoaes e futuros daquelle que as profere ; e que aquelle que procurasse sdmente inspirar reccio a respeito do.facto 4 Chauveau n.° 3618, de oulra pessoa nao péde ser declarado culpado deste delicto. SECCAO 2.4 CONTRABANDOS E DESCAMINKOS. Contrabando em geral é todo o commercio que se faz contra as leis do Estado’; e divide-se em can- trabando propriamente dito, que consiste em impor- lar ou exporlar generos cuja imporlacio ou exporta- gio 6 prohibida, e em descaminko que consiste em illudir o pagamento dos direitos impostos sobre as mercadorias nacionaes ou estrangeiras, ou seja no scu consumo interior, ou na sua importacdo ¢ exportacdo. O contrabando vem pois a ser a infracodio do systema prohibitivo, e é por isso mesmo, que hoje, quando a liberdade de commercio é um principio eco- nomico reconhecido pela sciencia, no pdde elle ser Gonsiderado como um verdadeiro delicto, porque nao alaca nenhum direilo social baseado na razdo huma- na; se as leis, apesar do estado da sciencia, e por mal enlendidas conveniencias sociaes, sanccionam mais ou menos o systema prohibitive, violam a liberdade humana n’uma das suas manifestacodes mais uteis ¢ proveitosas a sociedade. E este o motivo porque a incriminacio do con- irabaudo se basea sémente no principio do interesse 1A palavra contrabando é composta da preposicdo contra e da palavra bando, a qual no sentir commum é o mesmo que edicto ou mandato prohibitorio, — Pe- yoira ¢ Sousa, Classes dos crimes, pag. 186. 105 social e nfo na justica ; e por isso a pena, a ter lu- gar, deverd ser diminuta ‘. Pelo que respeita ao descaminho, consistindo elle na infraccio das leis que impdem direitos sobre © consumo interior ou sobre a importacio e expor- fagio de certas mercadorias, sio-lhe em parte appli- caveis as reflexdes que temos feito, porque ou os di- reitos impostos no passam de um tributo fiscal, ou tem por fim proteger as industrias nacionaes ; no pri- meiro caso os direitos podem justificar-se, como diz Garnier, € por isso tambem a incriminacdo do des~ caminho, mas no segundo caso sao injustificaveis para nés porque se baseam no falso principio do systema protector2. ‘ Artigo 279.° Aquelle que importar ou exportar mercadorias, generos, ou quaesquer objectos de que a lei prohibir a importaciio ou exportacdo, sera punido com mul- cla, conforme a sua renda, de um mez a [res annos. § unico. © que preslar ajuda a este crime, 1 N&o nos demoramos em expér a theoria da liber- dade do commercio, em que baseamos as nossas idéas contra a incriminag&o do contrabando, por n&o estarmos escrevendo um tractado de economia politica; so bem eouhecidos dos nossos leitores os trabalhos da sciencia mo- derna sobre esta questdo tdo celebre, 4 qual anda ligado o nome de uma intelligencia profunda, 0 nome de Bas- tiat. 2 Vide Villermé, Les douanes et la contrabande (Pa- ris'4851) Diction. dw commerce ef des marchandises, v.° Contrebandc, etc.

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