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TEXTO COMPLEMENTAR

Noções Introdutórias de Licitação e


Contratos Administrativos

Dispensa de licitação em função do valor:


considerações sobre o fracionamento de despesa1

Renata Maria Periquito Pontes Cunha

Introdução

A Constituição Federal, em seu art. 37, inciso XXI, estabelece a


regra da obrigatoriedade de licitação para a contratação com o Poder
Público, corolário do Princípio da Isonomia, bem como garantia da
melhor oferta para o Erário:

“XXI- ressalvados os casos especificados na legislação,


as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que
assegure igualdade de condições a todos os concorrentes,
com cláusulas que estabeleçam obrigações de
pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta,
nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências
de qualificação técnica e econômica indispensáveis à
garantia do cumprimento das obrigações”.

Sobre o tema esclarece José dos Santos Carvalho Filho em sua


Obra Manual de Direito Administrativo – 2007:

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O artigo transcrito neste arquivo é uma reprodução do seguinte texto disponível on-
line:

CUNHA, Renata Maria Periquito Pontes. Dispensa de licitação em função do valor:


considerações sobre o fracionamento de despesa. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF:
12 dez. 2014. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.51341&seo=1>. Acesso em: 14
nov. 2016.

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“Não poderia a lei deixar ao exclusivo critério do


administrador a escolha das pessoas a serem contratadas,
porque, é fácil prever, essa liberdade daria margem a
escolhas impróprias, ou mesmo a concertos escusos entre
alguns administradores públicos inescrupulosos e
particulares, com o que prejudicada, em última análise,
seria a Administração Pública, gestora dos interesses
coletivos.

A licitação veio contornar esses riscos. Sendo um procedimento


anterior ao próprio contrato, permite que várias pessoas ofereçam
suas propostas e, em consequência, permite também que seja
escolhida a mais vantajosa para a administração.”

Desenvolvimento

A Lei disciplinadora das normas gerais sobre licitações é a Lei nº


8.666/93, editada em face da competência atribuída à União pelo art.
22, XXVII, da CF, sendo aplicável a todos os entes da Federação,
facultado aos Estados, Distrito Federal e Municípios legislar sobre
questões específicas.

O aludido diploma normativo disciplinador das normas gerais


sobre licitações, ressalvou algumas hipóteses em que, em função de
determinadas particularidades, não se compatibilizavam com os
trâmites do procedimento licitatório, motivo pelo qual, com arrimo na 1ª
parte do transcrito dispositivo da Constituição Federal de 1988
(CF/88), foram elencadas hipóteses em que a Administração Pública
poderá dispensar o procedimento licitatório, a depender dos critérios
de conveniência e oportunidade.

Eis as lições da melhor doutrina sobre o assunto:

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“As hipóteses de dispensabilidade do art. 24


constituem rol taxativo, isto é, a Administração somente
poderá dispensar-se de realizar a competição se ocorrente
uma das situações previstas na lei federal...

A par de exauriente, o elenco de situações em que a


licitação é dispensável apresenta-se com a característica
de reservar à Administração discricionariedade para
decidir, em face das circunstâncias do caso concreto, se
dispensa ou não o certame. Mesmo em presença em que
a dispensa é autorizada, a Administração pode preferir
proceder à licitação, se tal entender superiormente ao
interesse público”. (in Comentários à Lei das Licitações e
Contratações da Administração Pública, Jessé Torres
Pereira Junior,8ª ed).

Nesse contexto, o artigo 24, da Lei nº 8.666/93 contempla as


hipóteses de dispensa de licitação, prevendo, como uma de suas
hipóteses:

“Art. 24. É dispensável a licitação:

omissis

II- para outros serviços e compras de valor até 10%


(dez por cento) do limite previsto na alínea a, do inciso II
do artigo anterior, e para alienações, nos casos previstos
nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um
mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que
possa ser realizada de uma só vez;”

Ou seja, há previsão de dispensa para compras e serviços no


valor até R$ 8.000,00 (oito mil reais)

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Ocorre que não se pode admitir a dispensa de licitação pelo


valor,caso haja o fracionamento do objeto, se utilizado com o fito de
burlar o procedimento licitatório, na forma do preceituado pela
doutrina, ibis idem:

“O não-fracionamento continua sendo diretriz


importante na legislação licitatória, tanto que a Lei nº
8.666/93 ressalva, na hipótese de dispensabilidade do
certame em razão do pequeno valor do objeto (art. 24,
inciso II), a inaplicabilidade do permissivo para parcelas da
mesma compra. Vale dizer que a lei proíbe a contratação
direta de compra de objeto que haja sido parcelado no
propósito de fracionar seu valor global e com isto evitar-se
a realização do procedimento seletivo, que seria
obrigatório para a contratação da integralidade. A vedação
estende-se a obras e serviços por força do disposto no art.
23, §5º.

Por isto mesmo o Tribunal de Contas da União tem


insistido, vigente o novo regime, na censura à prática do
fracionamento, especialmente quando possa significar
ladeamento do dever geral de licitar, substituição indevida
de modalidade mais ampla de licitação por outra mais
restrita, ou gestão imprevidente das necessidades da
Administração.” (in Comentários à Lei das Licitações e
Contratações da Administração Pública, Jessé Torres
Pereira Junior, 8ª edição,).

Sobre o assunto em debate, o Tribunal de Contas da União já se


manifestou, nos seguintes termos:

“adotar, como regra, a realização de coleta de preços


nas contratações de serviços e compras dispensadas de
licitação com fundamento no art. 24, inciso II, da Lei nº

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8.666/93, anexando os elementos correspondentes aos


respectivos processos” (Ac. 310/95, 1ª Câm., Rel. Min.
Humberto Souto, DOU de 24/12/95, seção I, pág. 19.230).

“abstenha-se de realizar despesas de mesma espécie,


com dispensa de licitação, cujos montantes ultrapassem o
limite estabelecido pelo art. 24, inciso II, sob pena de se
configurar fracionamento de despesa com fuga ao
procedimento licitatório, e atente para o fato de que
compras realizadas a intervalos superiores a 30 dias não
descaracterizam o fracionamento e de que o art. 24, inciso
XII, não ampara a aquisição de perecíveis
indefinidamente” (2ª Cãm., Ac. nº 305, rel. Min. Valmir
Campelo, DOU de 05/06/00, pág. 57).

Ora, da análise dos julgados acima colacionais, conclui-se queo


TCU sedimentou entendimento, no sentido de considerar vedado
o fracionamento de despesas para adoção de dispensa de licitação ou
modalidade de licitação menos rigorosa que a determinada para a
totalidade do valor do gasto.

Importante mencionar, ainda, que o TCU proferiu decisão bastante


didática, determinando que a Administração Pública evite o
fracionamento de despesa com a utilização de dispensa de licitação
indevidamente (art. 24, II, da Lei nº 8.666/1993), quando se estiver
diante de despesas previstas e contínuas, realizadas no decorrer do
exercício financeiro.

Eis o teor da aludida decisão, vejamos:

Evite o fracionamento de despesa com a utilização de


dispensa de licitação indevidamente fundamentada no art.
24, inciso II, da Lei nº 8.666/1993, uma vez que o
montante das despesas previstas e contínuas realizadas

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no decorrer do exercício, a exemplo das aquisições de


material de expediente, de consumo e de gêneros
alimentícios, extrapola o limite de dispensa de
licitação. Acórdão 2090/2006 Primeira Câmara

Nesse contexto, importante mencionar que não raras vezes,


ocorre fracionamento da despesa pela ausência de planejamento da
Administração. O planejamento do exercício deve observar o princípio
da anualidade do orçamento.

Desta feita, não pode o agente público justificar o fracionamento


da despesa com várias aquisições ou contratações no mesmo
exercício, sob modalidade de licitação inferior àquela exigida para o
total da despesa no ano, quando decorrente da falta de planejamento,
conforme entendimento, mais uma vez, consolidado no âmbito da
Corte de Contas, que proferiu orientação:

Realize planejamento de compras a fim de que


possam ser feitas aquisições de produtos de mesma
natureza de uma só vez, pela modalidade de licitação
compatível com a estimativa da totalidade do valor a ser
adquirido, abstendo-se de utilizar, nesses casos, o art. 24,
inciso II, da Lei nº 8.666/1993 para justificar a dispensa de
licitação, por se caracterizar fracionamento de
despesa. Acórdão 367/2010 Segunda Câmara
(Relação)

Conclusão

Por todo o exposto, conclui-se que não deve ser admitido


o fracionamento de despesas para adoção de dispensa de licitação ou
modalidade de licitação menos rigorosa que a determinada para a
totalidade do valor do gasto, considerando a estimativa realizada pelo
administrador público para um exercício financeiro, sob pena de

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privilegiar-se entendimento que venha a colidir frontalmente com a


natureza do instituto da licitação e com os princípios constitucionais
que norteiam as contratações realizadas no âmbito da administração
pública.

Bibliografia

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito


Administrativo. 18ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007

PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações


e Contratações da Administração Pública. 8ª ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009.

ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Administrativo


Descomplicado. 22ª ed. São Paulo: Editora Método, 2014.

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