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@ A/t/tografia: uma mesticagem metonimica’ Rita trwin Na historia do Ocidente, foi Aristételes quem pri- meiro tentou resolver um aparente conflito entre artes ¢ filosofia, o que para Plato era uma rela- si injusta, Arist6teles articulava “tés tipos de ‘pensamento’: — teoria (theoria), pritica (praxis), criagéo (poesis), sendo que o dltimo inclui poe assim como outras maneiras de se produzir arte Mais recentemente, o trabalho de Dewey sugere ‘que uma experiéncia estética “envolve uma conti- uidade clara entre agir e softer a agio; esforco Amigo exaido de: Rit L Irvin, “Aetograty: 4 Metonyn ie Mestsage", em Rita L Iewin & Alex de Cosson (om) Atiogra: Rendering Self through Ate Bated Living Inpury [Wetografa:auo-resiuiso através de win questionament vivo baseado na arte (Vancouver: Pacific Educational Pres, M), pp 27-38. van, AstherieEdcstion athe Lincoln Contr Pita: ‘An Hiorical and Philsophical Overview (Nava York: Lincoln ‘Center Instcut, 2000), xp, 4 88 _menetorshace | mids conoas eeucar30 que integra o intelecto, os sentimentos ¢ as fungées priticas; ¢ 0 resulta. do final é um tipo de consumagao permeado de sentido, de uma emogio predominante, ¢ de uma resolugio pratica’." Enquanto uma experiéncia comum nio sustenta tal propésito € aspectos de integracio, para Dewey, ‘obras de arte! guardavam em si o melhor exemplo de todas essas qualida- des ¢ podiam promover uma experiéncia estética” Entender essas trés formas de pensamento tem sido de maior interesse ppara muitos arte-educadores e para aqueles que recorzem 3 arte como um meio de ampliar stua compreensio de idéias e priticas. Para ambos, especia- lades na constru- listas e generalists, a arte abriu uma nova gama de pos «ao de significado que, do contrétio, teria se tornado rigida. Ao nosso redor, pesquisadores da area de educagio estio fazendo experiéneias com diferentes tipos de pesquisa e questionamento, coletando, apresentando c representan- do, Nos anos 1970, 0 trabalho revolucionsrio de Eisner no conbecimento critica educacional usava exemplos das artes visuais (e de outeas artes) para descrever o papel e a pritica de criticas da educacio, pesquisando 0 entor- no educacional. Ao longo da diltima década [1994-2004], testemunhamos 0 crescimento de formas de pesquisa baseadas na arte: narrativa, autobiografia, prética etnogréfica, teatro de leitura, questionamento postica, estudo de si mesmo, dentre muitas outras formas de questionamento criativo. A pesquisa baseada na arte para arte-terapeutas, de McNiff' tem sido informativa para educadores, mas nao capaz de abarcar as necessidades dos pesquisadores que vvisam integrar artes visuais com métodos de pesquisa cducacivual Neste livro, compa ithamos muitas consideragdes provindas do tea balho de artist-researcher-teacher (artista-pesquisador-professor) ao tentar- ‘mos integrar sheoria, praxis € poesis, ou teoria/pesquisa, ensino/aprendiza- do ¢ arte/produgao.’ Comecamos com esses trés papéis e essas trés formas 1 Bia, vp 4 [Dewey Aas Exerince (Nora Yor Capcom Books, 1934). + Vertambém B W Jockin, faba Day and the Leson of Art (New Haven ile Univescy Pres 195, © S.MeNiR, Ar Bared Resoch (Landes: sien Kingee, 1938). 7 Ver também A. de Casin, "Flowing the Proce: a Noa Modern Intex), em Ee sional Insights, 6 (1), 200, dsponve em pec cde ubc/pubiin/insghtarchivew *W6n0/; A de Cosson, Aneel Selig Learning Lear, One fom Anat itcgasunamesteagen metrics 8 de pensamento nao apenas como entidades separadas, mas também como identidades conectadas ¢ integradas que sempre permanecem presentes ‘em nosso trabalho. Fazer relagbes entre essas formas de pensamento é fundamental para nosso trabalho. No passado, 0 pensamento dicotémi- co separava as categorias de pensamento ¢ freqiientemente posicionava uma forma acima de outra, levando a consideragées hierarquizadas. Nas liltimas duas décadas [1984-2004], relagdes dialéticas entre essas catego- tias de pensamento se tornaram mais proeminentes. © siltimo posiciona- ‘mento das categorias de pensamento est no igual relacionamento de um para com o outro, possibilitando assim que os conceitos inerentes vibrem constantemente com a energia ativa. A partir dessa perspectiva, teoria ¢ Prética nao eram vistas como dicotémicas, mas sim como dialéticas, ¢, se fosse preciso constituir preferencia entre as duas, seria para a pratica, ¢ io para teoria, Embora uma postura dialética auxilie muitos empreendi- mentos educativos, a categoria dual ainda é favorecida, e em educagio isso significa favorecer teotia/prética. Se resistirmos a esse favoritismo © nos ‘ul of Curiam Theorizing, 17), 2001; A de Cosson “The Hermeneutic Dialogic: Finding Panera amid the Apotia ofthe Ari/Researchea/Teacher", em Alberts onal of Eduestonal ‘Research, xvii 3),em CD-ROM, 202; KL. Irn, “Listening tothe Shapes of Collaborative ‘Animaking”, em Arr Education, 52 Q), 1999; R. Lewin eal, “Quikimaking as + Metaphor: (Creating Feminist Political Consciousnes for Art Podagogue:”, em E. Sacea & B. Zimmer- ‘man (org), Women at Bator: Vs Hersories, Oui, Future Stories (Boucher: CSEA, 1998), RL Irwin eral, “Pausing to Reece: Moments in Feminist Collaborative Action Re search’, em Journal of Gender Tacs Art Education, n 1, 2000; RL Twi, T. Roget K. Reynolds “In the Sprit of Gathering", em Canadian Review of Art Education, 27 (2), 200, R Irwin ea, "Passionate Creativity Compassionate Community", em Canadien Review of ‘Ar Education, 28 2), 200; S Springgay,“Arts-Based Eacational Reseach as a Unknovwable ‘Tease Albers fournal of Educational Research (3), ens CD-ROM, 2002; 5. Springey, “Cloth as Ltercoxporelity a Artist's Inquiry into Student Pescepions of Body Images, Visual Cul- ture, and [deny artigo e insalagio artstiea apresentados durante a cnferéncia Curicu- lum and Pedagogy and Ans-Based Research (Decatur, Geng, 2002) 8. Spring & RL. [nwin, “Women Making Ant: Aesthetic Inquiey as a Poliial Performance", G. Knowles et at. (ngs), Proved by Are: Theorizing Ane Informed Inquiry (Toronto Backalong, 2008), 1p 71-83; 8. Springgay ea, “Cutting into the Research Space: Re-Imagining A'torafia ae 8 Living Practice, antigo e video apresentados durante conferéncia Curriculum and Pedagogy (Athens, Ginga, outubro de 2002); Wilson, Ser al, “Peformative Liberation: a Mulsectic Inverneastanding of Pedagogy”, em T Poets eta. (ngs, In(Ex)clason (Re) Visioning the Democratic Ideal (Troy, Nova York: Educators International Pres, 2002), artigos apresentadot na Segunda Conferéncia Anual sobre Cutscul ePedagogia elizada pela Univesity of Vie~ toda (Canad, outubro de 200). mobilizarmos no sentido de abracar theoria, praxis © poesis ote Palavras, pesquisa, ensino ¢ criagdo de arte, estaremos nos movendo por categorias mais complexas de intertextualidade e inteatextualidade. Uma instancia dialética nao fanciona mais, a menos que forcemos a natureza da intencdo incorporada nessa instancia dialética para obtermos uma visio mutifacetada que encoraja a existéncia da “tercciridade”, um espaco “no meio", entre e dentre as categorias. A/r/t como mesticagem; A/r/tografia como. questionamento vivo ‘Se concebermos pesquisa, ensino ¢ produgao de arte como atividades que se costuram ¢, através umas das outras, 0 intra ¢ o entrelagamento de conceitos, atividades e sentimentos, estaremos criando uma manta de similaridades e diferengas. Nesses atos de interlinguagem, existe uma acei- tagio definitiva do jogo com categorias particulares e uma recusa em ficar alinhado com qualquer outra categoria. Onde duas estariam inclinadas em oposigao dialogica, um terceiro espaco oferece um ponto de convergéncia, mesmo que ainda propicie divergéncia, no qual diferengas e similaridades estdo costuradas juntas. A partir de uma perspectiva sociocultural, mestigagem € uma lingua- gem da fronteira, do inglés-francés, da autobiografia-etnografia, do ma- cho-fémea. Metaforicamente, essa fronteira € um ato de mestigagem que cstrategicamente apaga essa fronteira ¢ as barreiras, uma vez sustentada entre 0 colonizador € 0 colonizado. A tipogralia da fronteira# simultaneamente o espago de sutura de opressbes "Maitipas e um espaco potenciaimentetibertador por meio do qual [2 pode] Imigrar a uma nova posicdo de sujeta 0 tropo geografco @ a um tempo ps ‘or6gico fisico, metafsicoe espiritual, pois funciona come um espago onde ‘culturas entram em confito,contestam e reconstituem umas as Outras® ity and the Bady (Bloomington: Indiana University Pres, 1985), ogra ura mesiagen monica 91 Aqueles que moram nas fronteiras esto re-pensando, re-vivendo & re-fazendo os termos de suas identidades ao se confrontarem com a dife- renga e semelhanca em um mundo aparentemente contraditério.” Estio vivendo uma terceiridade, um novo Terceiro Mundo, no qual tradigio née constitui mais a verdadeira identidade: no lugar disso, existem miltiplas identidades. Antistas-pesquisadores-professores sio habitantes dessas frontciras 20 re-criarem, re-pesquisarem ¢ re-aprenderem modos de compreensio, apre- ciagio c representacio do mundo." Abragam a existente mestigagem que in- tegra saber, agdo e criaclo, uma existéncia que requer uma experiéncia esté- fica encontrada na elegiincia do fluxo entre intelecto, sentimento e pritica." Obras de arte criadas nessa terceiridade sustentam uma grande promessa ja {que tentam integrar todas essas caracteristicas, e como resultado, oferecem uma experincia estética para os que so testemunhas dessa profunda inte- gragio, Talver seja na “produgio” de nosso trabalho como artistas-pesqui- sadores-professores que possamos confrontar as propriedades metaforicas ¢ ‘metonimicas da terctiridade embutidas em nosso papel, nosso trabalho, € em nbs.” Talver. todos os educadores desejem se tornar artistas-pesquisado- res-professores quando comecam a se questionar sobre como tém ensinado ‘© como os métodos tradicionais precisam da vida e de viver"® Eles aspiram por um signi prias expressdes de certeza c de ambigihidade, Freqiientemente nesse ques- tionamento a imagem do “cu” € yuavizada. Existe um desejo de viver num espago de similaridade e diferenca, de resolugio e crescimento continuo, de ado mais evidente, descjam criar, ¢ eles almejam suas pré- nutrigio retengao. Existe 0 desejo de explorar um novo territério,! uma > Rogol. Tee Infirma: Geography’: Vinal Culture (Londees: Routledge, 2000), Vers. Finley 4 1G. Knowles, “Researcher as ArisvArin as Researches", nm Qualitative In- ‘pny, (1), pp. 10-192. "Mer também S, Linstead € H. Hopi (orgs), The Aeatescr of Organization (Londtest Sage, 2000). TT, Aoki, “Locating Living Pedagogy in Teacher ‘Rescrch’: Five Metonymic Moments" em WER. Pinar te RL: Irwin (orgs), Carica ino New Key: the Collected Works of Tod T okt (Mahwah: Lawrence Ensim, 2005), pp. 425-432 8 C.PGaroian, Porming Pedagogy: toward an Ar of Politics (Nova York Suny Press, 1999) Ver G.". Pox J. Gciehman, "Creating Reseach Questions from Strategies and Perspectives ‘of Contemporary An”, em Curicuurs Inquiry, 31(1), 2001, pp. 33-49. fronteira de reforma e transformagio, um lugar geogrifico, espiitual, social, pedagégico, psicolégico ¢ fisico inter ¢ intea-subjetivamente localizado no didlogo, e através dele. Miscigenacio € geralmente reconhecida em relacionamentos hifeni- zados. Os papéis de artista-pesquisador- professor freqiientemente causam ‘uma luta interior para os individuos ao tentarem carregar 0 peso das tra~ digdes ¢ conquistas disciplinares enquanto experimentam € criam novas ‘maneiras de teoria, de pratica e de eriagio. Mestigagem & um ato de inter- disciplinaridade. Ele hifeniza, cria pontes, barras, e outras formas de ter- ceiridade que oferecem espaco para explorasio, traducio ¢ compreensio de maneiras mais profundas e enfatizadas de construgio de significado. Mestigagem ¢ uma metifora para artistas-pesquisadores-professores que transpdem esses papéis as suas vidas profissionais e pessoais. F tam- bém uma metifora para os processos ¢ produtos criados ¢ utilizados em sua atividade. E por isso que o acronimo a/t/t (artiet-revearcher-teacher) & tio apreciado. A/1/t no apenas reconhece o papel de cada individuo, mas também possibilita que todos nés teahamos um momento de imaginacio 420 apreciarmos e entendermos que os processos ¢ produtos envolvidos na criagdo da obra de arte, no importando se sio objetos ou tarefas profis- sionais, sio formas exemplares de integragio entre saber, priticae criagio. Os processos ¢ produtos sao experincias estéticas nelas mesmas, pois in- tegram as trés (ou possivelmente mais) formas de pensamento. E. nessa integragio que convergéncia c divergéucia tém de trabalhar juntas para resolver momentos, ainda que ensinaveis, de contradiglo. A/e/t como mes- tisagem é uma metéfora poderosa porque nos ajuda na “experimentagio e ‘compreensio de uma coisa através de outra”.” Criamos por comparacao. No infcio dos anos 1980, Lakoff Johnson, em Metaphors we Live by articularam como as metéforas situavam argumentos tebricos de maneira consciente ¢ inconsciente. Nossa escolha de linguagem atua por meio de metiforas. Como Richardson salienta,* muitos de nés fomos ensinados a 5 L Richardson, Whiting’ Method oftaqury” em. K. Denzin @'S. Lincoln (ong), Hand ‘400k of Qualitative Rewarh (2d. Thousand Oaks: Sage, 200), pp. 923-948, 6 Bid, p 926 _ooggate ura masagem meters .| cedificar uma tesc, ensinar fiundamentos, procurar bases © constewir estru- suras: as palavras em itélico revelam as longevas metiforas, “teoria como arquitetura”. Quando adotamos a/t/t como mestigagem, estamos adotan- do uma imagem que € modernista ¢ pés modernista. Nao se trata de pen- samento dicotémico, mas sim de pensamento dialégico, relacionando, ¢ percebendo. Trata-se de viver nas fronteiras, nos espagos entre ¢ dentre os artistas, pesquisadores e professores. Afsfografia vai além da visio da dualidade da arte ¢ da a/r/t para incluir uma préxima dualidade, que € a escrita ou “grafia”. Arte ¢ escrita unificam o visual e 0 textual por se complementarem, se refutarem ¢ se salientarem uma a outra. Imagem e texto no duplicam um ao outro e, sim, ensinam algo de diferente e ainda, similar, permitindo que nos ques- tionemos mais profundamente a respeito ce nossas priticas."” Artista, pes- quisador, professor vivem uma vida contigua, uma vida que conecta os Uués diferentes paptis através da imagem ¢ do texto, por determinado perio- do de tempo, apenas para encontrar momentos em que esses tres papéis ou atos de questionamento se revezam para se aproximarem, se tornarem adjacentes, mas nunca se tocarem, Atuam como artistas, pesquisadores € professores, enquanto estéo “realizando a escrita™ © produzindo arte.” Existe um tempo ¢ um espaco para cada um ser enfatizado ou reconstitui- Nee H. Peas, ‘Autobiography and Self Porsatuce as Pedagogy Retearch and An”, em NSCAD apes in Art Education, of 17, 1994; 8, Pink, Vinal Exhnogrphy (Londres: Sage. 2001); Prosses, Image Based Research: a Sourcebook for Qualitative Recarcers (Londres: Falvee Pes, 1998); Rogol, Tera Infra: Geography’ Vial Culture (Londres: Rouledge 2000); G. Rose, Visual Methodologies (Londres: Sage, 201); R Stewart, "Creating Ourselves Memory a Sell Naceaive", em Vinal Research Method, Deparment of Visual Arts, University of Souther ‘Queensland, Austria, 202; G. Sullivan, “Arise Thinking as Traascognitve Practice: 2 Re

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