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Bettega.
Uma desesperada fuga para a vida privada, cuja mais forte consequência é o
medo do outro e uma ânsia de segurança cujo resultado é a formação do
"consenso dos inocentes", do silêncio dos inocentes. Grades, muros
eletrificados, guaritas em ligação direta com a polícia, pitbulls e rottweilers,
controles eletrônicos sofisticados, "sorria, você está sendo filmado", câmeras
indiscretas no interior dos elevadores, sinistras polícias privadas de
segurança, photocharts nas portarias, até a arcaica forma dos muros
ameaçadoramente eriçados de cacos de garrafa, de alto a baixo da escala
social, dos guetos dos ricos, passando pelos condomínios da classe média, até
as moradias pobres, o Outro é a ameaça. Os programas políticos, da esquerda
à direita, prometem segurança como o item mais importante da cesta de
consumo dos lambs. É isso que responde pela possibilidade da ofensiva
neoliberal que apela à privatização da vida - e torna os valores do mercado
seu sinônimo -, pelo amplo consenso em torno da estabilidade monetária no
Brasil como signo da segurança, e pelos "bodes expiatórios" que conspirando
contra a estabilidade e o refluxo à vida privada, produzem instabilidade e
violência. A privatização da vida é a eliminação da política no sentido da
pólis grega. (OLIVEIRA, 2018, p. 97).
2 Resumos:
Deixe o quarto como está, ou Estudos para a composição do cansaço e seus enredos.
Autorretrato
Narrado em terceira pessoa. O conto inicia com uma visão panorâmica de uma
casa grande, que não se pode distinguir se rica ou pobre. “Uma casa grande apenas”. Na
sequência, aparece uma mulher gorda, que, segundo o narrador, é uma extensão da
própria residência. A descrição privilegia o tamanho do corpo dela, ressaltando a
imensidão de seus braços e coxas. Ela está com um vestido que desce até os pés. O tom
do narrador é de repulsa pela personagem, uma repugnância que está ligada à
desproporção e à quebra de padrão da descomunal obesa.
Sob uma árvore é difícil de perceber um homem. Ele se confunde com a
vegetação. Calça botas e está cegamente a serviço da gorda. Ela está deitada na grama
do jardim, enquanto o homem espera com servilismo, ali ao lado, alguma ordem dela.
Como o ponto de vista é do alto, o narrador não consegue dimensionar o tamanho do
muro que protege a propriedade do casal. Ao lado da divisória, surgem dois meninos,
“mulatinhos e esmirrados”, que escalam a parede e, com auxílio de um galho, descem
no pátio da casa grande. Eles tentam entrar por uma janela, para desespero do narrador,
que torce para que o casal tome alguma atitude contra a invasão.
Com um olhar apenas, a gorda autoriza o homem a capturar os meninos, que
ainda não tinham entrado pela janela. Ele prende os dois, choca a cabeça de um contra a
do outro e os solta. Eles dão alguns passos cambaleantes e desmaiam. Quando
recuperam a consciência, o homem os leva até a mulher, que emocionada faz um afago
nos garotos. Numa disposição serviçal, as crianças são levadas até o portão pelo
agressor, que parece lhes oferecer algum dinheiro e doces. Elas vão embora, enquanto o
sujeito vai até o fundo do pátio e volta com um saco de areia. Deposita-o sob a árvore e,
num rompante de fúria, começa a socá-lo. A mulher se mantém inerte, como uma
estátua, e é indiferente à raiva do companheiro. Aos poucos a tranquilidade começa a
voltar ao cenário, o conto termina com a mesma visão aérea do início da narrativa, e a
paz só é quebrada pelos movimentos dos braços do “homem-cão”, que continua
batendo.
Exílio
Aprendizado
Narrado em primeira pessoa. O conto tem um forte teor machista e inicia com o
protagonista em um motel com uma mulher, que é colega de serviço, a qual compara a
uma égua. Enquanto ela se penteia de frente para o espelho e de costa para ele, a cena é
relembrada da seguinte forma: “Fico apreciando a musculatura das suas costas, nem
muita, nem pouca, perfeita, parece uma égua de corrida (falta só o suor brilhando)”. A
jovem é funcionária de uma imobiliária, e o narrador insinua e desconfia que ela e o
chefe tenham um caso. E a maneira como se refere a essa desconfiança é bastante
desprezível: “deve ser a comidinha dele também”. Ele menciona que a sua mãe está
convalescendo de uma doença e que talvez não vá ao trabalho, para levá-la ao hospital.
Os dois deixam o motel juntos e tomam um ônibus. Descem em um “trailer de xis”, e
ela compra dois lanches. Despendem-se, e o protagonista reforça que não sabe se vai à
imobiliária no dia seguinte.
Em meio aos vai-e-vem noturno, o rapaz retorna para casa. Tenta comer algo,
mas a geladeira só tem uma sopa rala, talvez a comida da mãe doente. O pai aparece
abatido e diz que é preciso levá-la a um posto de saúde. A preocupação do velho é
bastante pragmática e questiona o filho sobre quem irá cortar as unhas dele, pai, se a
esposa morrer. Na conversa dos dois homens, o narrador relembra do alcoolismo do
idoso, que largou o vício depois de um “trabalho num terreiro de umbanda”. Durante o
diálogo, surge a questão que atravessa o conto: “você sabe qual é o tempo de trabalho
que a gente precisa ter pra ganhar o seguro-desemprego?”.
Após mais algumas palavras, o jovem levanta da mesa e diz que vai dar uma
volta. Acaba indo ao Bar do Jones, um boteco boêmio, decadente e com mesa de
snooker. Embora não saiba jogar, ele fica no entorno da mesa e pergunta sobre um
conhecido chamado Binho. Nesse momento, Darci se aproxima e pergunta quando o
rapaz lhe pagaria os cinquenta reais que lhe deve. O endividado tenta despistar,
afirmando que Binho lhe emprestaria algum dinheiro e aí ele pagaria a quantia. Darci
não aceita as desculpas e o esmurra no corredor que dá para os banheiros. Um soco
certeiro lhe quebra um dos dentes. Ao voltar ao salão de snooker, Binho, que trabalha
numa farmácia veterinária, havia chegado. O agredido pede cinquenta reais a ele, que
nega com veemência. A pergunta central volta à cena: “Se a gente sai do emprego com
menos de um mês, a gente ganha o seguro-desemprego, Binho?”.
Binho não sabe responder à dúvida. Os dois vão à farmácia veterinária a pé, após
o protagonista dizer que precisa de um remédio para a mãe. Na farmácia, Binho se
sente relaxado para ligar o rádio, acender um cigarro e calçar “as havaianas que costuma
deixar sob o balcão. Mas tudo depois de vestir o avental”. O atendente quer saber o que
a mãe do amigo tem. O outro rapaz não sabe dizer e menciona que ela sente muita dor.
Apanha um analgésico aplicado em cavalos de maneira aleatória, agradece e vai
embora. No trajeto para o apartamento em que mora, se depara com uma fila para
distribuição de fichas para uma consulta hospitalar. Faltam ainda oito horas para o
início da entrega das senhas. O grupo de pessoas aumenta e um homem lhe oferece
trinta reais pelo lugar do rapaz, que pede tempo para pensar. Quando decide vender a
posição na fila, o interessado reduz a proposta para quinze reais, o que é aceito. No
retorno, uma nova visita ao Bar do Jones. O pessoal continua reunido em volta da mesa
de bilhar, e os quinze reais servem para pagar parte da dívida com Darci. A promessa é
que, com o seguro-desemprego, se quitasse o restante do valor. A dúvida sobre o direito
ao seguro persiste, mas não há clima para solucioná-la. Darci cobra aos berros, e o
devedor mantém a dignidade com pose, indo embora de fininho.
Já na rua e em direção à casa dos pais, o barulho de uns sacos de lixo lhe chama
a atenção. O jovem pensa que são gatos ou cachorros revirando o lixo, os quais gostava
de agredir com chutes. Ao contornar a lixeira, ele se depara com um homem que mexe
nos restos de comida. Ao se certificar que está a sós com o mendigo, o até então
agredido se torna agressor e desfere um chute no queixo do catador, sem nenhum
motivo. O retorno para casa só é concluído com o nascer do sol. O apartamento está
lotado de parentes e amigos. E o tio Olavo lhe informa que a mãe havia morrido. Após
decidir que naquele dia não iria trabalhar, o filho em luto vai até a cozinha fazer um café
e fica matutando que deveria lembrar sobre as condições para receber o auxílio-
desemprego, pois já tinha passado por aquelas circunstâncias quando foi demitido de
uma transportadora. Mas como ele mesmo diz: “Tem coisas que a gente não aprende
nunca”.
Insistência
Narrado em primeira pessoa. O enredo trata de uma disputa entre dois grupos
pelo direito de viver em uma espécie de galpão. “Os caras” que estão do lado de fora
ficam a todo momento tentando invadir o espaço e são expulsos com violência pelos
homens que têm a posse do lugar. A incompreensão com o ciclo de tentativas de
investidas e de expulsões violentas é tal, que o narrador chega a perguntar a um dos
colegas sobre qual é a diferença entre estar do lado de dentro ou do lado de fora. O
companheiro enrola e menciona que o ponto é a possibilidade de escolha entre estar em
um dos lados. Em meio à troca de socos e pauladas, o personagem central se orgulha de
(I) saber se esquivar dos golpes, (II) sempre deixar alguém entre ele e o agressor e (III)
fugir sem ser percebido. Em meio a sucessivas derrotas, ele argumenta para o restante
dos homens que seria mais inteligente e menos desafiador se tentassem ficar lá dentro
um de cada vez, ao invés de entrarem todos juntos. Segundo o que conta, entrou sozinho
uma vez, ficou por dias lá dentro e teria saído de maneira pacífica. Um dos lutadores do
grupo diz que não aceita a sua hipótese, pois “a briga ali não era uma coisa individual”.
A coletividade descarta ocupar aos poucos e mantém a sistemática de sempre.
Numa das brigas, um dos homens de dentro cai após um golpe certeiro do
narrador. O que causa inveja nos aliados de fora. Nesse momento, um dos invasores
acerta uma cotovelada no personagem-narrador, que é defendido por um dos indivíduos
que habitavam o galpão. Há uma troca de lado, e o forasteiro é aceito no bando interno.
Ele passa, então, a ajudar nas agressões contra os membros da sua antiga facção –
sempre chamada de “os caras”. Vira a casaca e passa a desfrutar dos benefícios da vida
de festas e confraternizações dos novos parceiros. O que era sempre interrompido por
mais uma nova ameaça de ocupação. O narrador – que sempre contrariou as decisões,
quando estava do lado de fora – passa a criticar as determinações do lado de dentro. E se
nega a ter que abandonar sua bebida e a tranquilidade para reprimir a entrada dos agora
desafetos. Por isso, é expulso e obrigado a deixar a proteção e o divertimento após se
contrapor às regras. Antes de sair, briga com um homem e, mesmo sem entender o
sentido daquela confusão diária, parece voltar ao grupo da origem, “pois já tinha
decidido que não ia ter mais sossego na vida”.
Hereditário
O crocodilo I
A cura
O crocodilo II
O rosto
A visita
O encontro
Narrado em terceira pessoa. Um casal vai a uma província cercada por uma
muralha e se hospeda na casa de uma senhora denominada de Senhora Baixinha que
Fala Alto. Os dois saem atrás da Casa em que se daria a cerimônia, a qual gostariam de
conhecer. Encontram uma “casa branca, de janelas e portas azuis”. Como é necessário
esperar até o ritual começar, decidem conhecer a vila. Param num café para se
abrigarem da chuva, que começa a cair. Uma senhora que se diz cantora os indaga de
onde vinham e se tinham vindo para a reunião. A desconhecida afirma que pode ajudá-
los e se compromete a intermediar o encontro ritualístico, conversando com alguns
moradores da cidade. No dia seguinte, o casal vai conhecer as muralhas e, na volta para
a pensão da Senhora Baixinha que Fala Alto, cruzam com um homenzinho que vende
bugigangas. O Homem Sorridente que Vendia Bugigangas na Calçada dá a mulher um
bonequinho e fala que aquele objeto será útil na cerimônia, embora o Homenzinho
também não saiba em que dia ela se dará. Eles não aceitam o brinquedo, mas ele será
oferecido sempre que os dois passarem pelo vendedor.
No terceiro dia, decidem ir até a Casa para terem mais notícias sobre a
celebração. Um Jovem Com Olhar de Espanto os atende e ouve que eles têm um horário
marcado e pressa de ir embora. Infelizmente, não haverá sessão naquela semana, e o
jovem diz que eles precisam retornar na semana seguinte. Com a frustração, decidem
procurar a Mulher Que Se Dizia Cantora para saber se ela não poderia solucionar o
problema e abreviar o tempo da espera. Mas não a encontram nos lugares em que
costuma frequentar e ninguém sabe do paradeiro dela. Na outra semana, retornam à
Casa. São atendidos novamente pelo Jovem Com Olhar de Espanto que os encaminha a
sua superior hierárquica, que é denominada de Mulher de Meia-Idade e Ar Distraído.
Ela os desengana de novo, pois refere que “o encontro não se dará nos próximos dias,
com certeza”. Eles saem desolados, mas decidem permanecer e aguardar. Vivem uma
rotina por dias e, em certo momento, vão à Casa para obterem mais informações. Dessa
vez, não acham ninguém e se deparam com tudo abandonado. Se abraçam e tristes
voltam para a hospedaria. Na outra manhã, o homem sai para buscar pão e irresignado
procura alguém, mas não há ninguém nas ruas. Ele se perde e dá de cara com a muralha,
vira-se de costa e cai sentado, imaginando que a mulher também tenha se perdido e que
possa estar do outro lado daquele muro.
Correria
Narrado em primeira pessoa. Como o próprio título já induz, o conto narra uma
corrida. Nela, um homem está no limite da sua condição física e persiste na disputa, ao
mesmo tempo em que é incentivado por outro corredor, chamado de Zezinho. Outra voz
que o acompanha é a do gordo Soares, que o segue com falas como: “Vamos lá,
campeão!”. Mesmo que não goste dos dois, o personagem central continua e encontra
forças inimagináveis para também se distanciar dos comentários deles. O desgaste é
tamanho, que, em dado momento, começa a babar sangue e escuta de Zezinho um: “Não
dá bola e segue, porra”. O cansaço é tão grande que é como se as vozes e as frases de
apoio saíssem de dentro de sua cabeça, mesmo aparentemente vindo de várias pessoas.
Não há possibilidade de desistência, e o limite é a falência do corpo. “Comecei a
acelerar, queria me arrebentar o quanto antes, cair ali mortinho, com as veias inchadas,
os olhos saltando”.
Todos, em sua volta, o apoiam ainda mais, mesmo com a imagem do sangue que
escorre pelo nariz e pela boca. Os espectadores torcem por ele, ainda que a sua morte
seja a consequência da estafa. Tropeça e quase cai. Mas é amparo. É induzido a
continuar até com “um chute na bunda”. E o encerramento se dá numa discussão com
Zezinho, que diz: “Até o gordo Soares aguenta, seu maricão. (...) Só te chutando a
bunda mesmo”.
Espera
Referências
OLIVEIRA, Francisco de. Brasil: uma biografia não autorizada. São Paulo: Boitempo,
2018.