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OBRAS DA AUCTORA
Memórias
§ deJHartha
(Narrativa)
I899
Casa Durski — Editora
Sorocaba.
Tenho uma idéia vaga da casa em que
nasci e onde morei até aos cinco annos. Um
ou outro canto ficou desenhado em meu es-
pirito; quasi tudo, porém, se perde num es-
boço confuso.
Assim as scenas. Entre tantas cousas, tan-
tos typos e tantas palavras que só reflectiram
nas minhas pupilas de criança, ou que vibra-
ram em meus ouvidos, que ficou?
Bem pouco!
Lembro-me, por exemplo, de um angulo
de quintal, onde havia um banco tosco e um
tanquesinho redondo que servia de bebedoiro
ás gallinhas.Era alli que eu lavava as roupas das
bonecas. Lembro-me também do papeldasalinha
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IV
E não faltava.
A' direita da nossa casa ficava a de uma
família gallega, operários de uma fabrica de
chinellos, a mulher, o marido e duas filhas
moças, que iam todos os domingos para casa
de um tio aos subúrbios e fechavam-se as
horas da comida para não repartirem os restos
com o Lucas, que tinha o costume de pedir
alimento a quem visse comer, ou ao tio Ber-
nardo, o idiota velho, que o carroceiro sus-
tentava e a quem todos davam os magrisjsi-
mos sobejos.
O tio Bernardo, um mina, pagava essas
coisas ao proprietário, varrendo a calçada e
lavando os exgottos com uma regularidade
nunca alterada...
Entre todos os moradores da avenida dis-
tinguiam-se dois rapazes tyrolezes, muito
amigos, e que viviam juntos na mais pura
harmonia.
Viamol-os passar todas as manhãs com
as suas ferramentas de trabalho a caminho
da officina. O mais velho, Túlio, era carpin-
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— Martha.
— Martha ! é isso ! Se me lembro ! Mora
por aqui?
•— Não....
Houve uma grande pausa.
Estávamos ambas contrafeitas; desejava-
mos lançar-nos nos braços uma da outra, e
nem nos atrevíamos ás perguntas mais sim-
ples !
— Imagine ! disse-me ella por fim. pre-
cipitando um pouco as palavras, visivelmente
nervosas. Morreu uma criada minha dei-
xando uma filha de nove mezes.... eu dei
a criança a uma ama, remunerando-a bem.
Hoje vim vêl-a.... está magrissima e suja,
o h ! suja! os vestidinhos bordados que lhe
tenho mandado, sabe onde os encontrei ? no
corpo das outras crianças, filhas da arna ! Que
gente !.... Vou tomal-a para casa !
Calam o-n os.
Nisto umas vozes fortes gritaram da es-
trada, embaixo :
— OJá! C l a r i n h a ? !
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— A senhora chamou ?
— S i m ; olha cá, qual é o vestido que
na tua opinião me vae melhor ?
— Oh ! minha senhora, eu não sei... todos
lhe vão bem.
— Não é isso que eu pergunto, mas qual
entre todos é mais elegante ?
— O encarnado vae-lhe a matar....
— Não, n ã o ! o encarnado é muito vis-
toso... tem uma côr grosseira...
— Então o azul!
—- 0 azul ?...
— Se a senhora quer que lhe falle com
franqueza, eu ainda gosto mais do cinzento.
— Esse está muito usado.
— Então o cor de rosa.
— E ' impróprio...
— O roxo ?
— Tem as mangas muito estreitas !
— Nesse caso... só se a senhora vestisse
o bordado.
— Qual é ?
— O que tem muitos vidrilhos.
•— Ah ! não ! é muito pesado.
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— Cizento ?
— Já tenho!
Tenho de todas as cores e de todos os
feitios ; quero que me invente uma coisa nova
completamente n o v a ! que seja eu a primeira
a usar.... cômprehendeu bem ?
— Parfaitement! ah ! eu servirei madame!
Vestido de tule heliotrope, enfeitado de fiti-
nhas estreitas, verdes
— Que disparete!
—Non gosta? ah! est três gentil!
— Deus m e u ! não me cômprehendeu!
Mrae. Cleraence! Eu tenho o espirito insaciá-
vel em questões de modas ! Tudo que haja ha
dois dias já não me serve! Uma toilette origi-
nal, Mme. Clemence ! uma toilette nova, novís-
sima ! I n v e n t e !
— Em que gênero quer?
— Ora, em que gênero !
— Bien ! je sais! amanhã as quatro horas
du soir eu mando trazer seu vestido Mrae. ha
de ficar três contente! au revoir!
— Mme. Clemence, adeus!
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— Carolina!
— Minha senhora ?
— Que horas são ?
— Quatro.
— Mme. Clemence ainda não mandou o
vestido ?
— Acaba de chegar.
— Dá-m'o cá já o viste?
— Já
— Que côr tem ?
— Tem uma côr assim como a de seus
cabellcfe!
— E' loiro ? !
— E' eu não sei veja-o, minha se-
nhora, olhe, aqui o tem!
— Decididamente a Clemence está doida!
Que uniformidade horrorosa ! Tens razão,
Carolina, é quasi da côr dos meus cabellôs!
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