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Comunicação líquida
Edição 835
por Nara Almeida
27 de janeiro de 2015
O papel do tempo
Eu acho que faz sentido, que é de fato o que está acontecendo. Nós
estamos vivendo uma vida fragmentada; um dos meus livros se chama
Vida em fragmentos. Fragmentos são período de tempo com um
começo e um fim, de modo que um fragmento pode ser separado do
outro. O que é uma ilusão, claro, porque não funciona assim. Mas
tornou-se nossa política de vida: terminar algo e começar uma coisa
diferente.
Interdependência global
Dentro de suas próprias fronteiras, cada país deveria ser capaz de arcar
com as suas contas, de ser autossuficiente. Militar, econômica e
culturalmente, eram requisitos muito elevados. É preciso ser grande,
rico em recursos, ser capaz de fortalecer a estrutura e a economia
nacional, assegurar a sobrevivência social, biológica e legal, e afirmar a
independência cultural. O que significa fornecer todos os parâmetros
de vida, todos os valores necessários para o funcionamento de uma
sociedade. Sem esses elementos, qualquer país, mesmo um país
grande como o Brasil ou os Estados Unidos da América, não poderia
reivindicar a autossuficiência real.
Com isso, os testes nos quais um grupo de pessoas deve passar com
sucesso para ser reconhecido como uma entidade política
independente foram reduzidos. Você não precisa ser realmente
poderoso, rico e muito criativo culturalmente para merecer ser
reconhecido como um país independente. Pessoas da Lombardia,
catalães, escoceses ou mesmo brasileiros reivindicam a independência
de Brasília, de Roma, de Londres, de Madri, perguntando- -se por que
eles deveriam ter este mediador, este intermediário. Tendências
separatistas são um fenômeno geral hoje em dia e são um produto da
globalização. Estamos todos sujeitos a este mesmo processo. A nossa
interdependência já é global e, portanto, as subdivisões são
negociáveis. Não é um veredicto da natureza, ou da história, é apenas
um acordo. E todo acordo é, por definição, renegociável.
Democracia no Brasil
Essas pessoas ficam tentadas por uma espécie de ideologia, algo como
“se eu pude chegar aqui, por que os do norte não o fazem com seu
trabalho duro? Eles são preguiçosos demais”. Há cerca de vinte anos,
nos Estados Unidos, havia algo chamado ação afirmativa. As
universidades foram instruídas a dar pontos extras para as pessoas que
vinham de áreas carentes, partes até então desfavorecidas da
sociedade. Essas pessoas deveriam ser admitidas mesmo que não
passassem nos exames. Graças a isso, os Estados Unidos têm centenas
de milhares de políticos de pele negra, advogados, membros do
governo, senadores e assim por diante. Eles não conseguiriam isso se
não fosse pela ação afirmativa. Mas esses indivíduos que foram os
primeiros a se beneficiar dela foram também os primeiros a exigir que
a mesma fosse abolida.
Desafios democráticos
Eu acho que o Brasil é um país grande o suficiente a ponto de sentir o
divórcio entre o poder e o Estado menos intensamente que os países
menores. Os governos destes ficam realmente em apuros porque,
mesmo que sejam bem intencionados, incorruptíveis e realmente
queiram servir seu país, enfrentam dificuldades. Se eles seguirem a
vontade de seus eleitores, ignorando a vontade da Bolsa de Valores e
dos investidores estrangeiros, estarão em apuros. Esses governos não
ajudarão a sua nação, o capital vai fugir e o único efeito que se
conseguirá será o aumento do desemprego e a redução dos padrões
de vida.
Classe média
Cultura agorista
Se, em algum momento, você tiver filhos, como uma mãe amorosa,
buscará dar o seu amor a seus filhos. De que as crianças precisam? Elas
precisam de amor. Mas o amor para as crianças significa a mamãe ou o
papai passando muito tempo com elas, ouvindo atentamente o que
está acontecendo na escola, que tipo de lição de casa foi passada para
hoje, se há um valentão tornando suas vidas desagradáveis. Significa
partilhar a vida e receber aconselhamento, sentir que alguém se
importa.
Vidas fragmentadas
Uma diferença da época em que eu tinha a sua idade para hoje, por
exemplo, é que o acesso à Internet faz parte do que é ser humano
agora. Se você não pode acessá-la, se você é privado disso, isso é uma
injustiça social. Isso não existia no meu tempo. Se você queria falar
com uma pessoa, precisava sair e encontrar os amigos, ir à casa do seu
vizinho ou convidá-lo à sua. Agora, é outra história.
De um modo geral, há sim algo que temos de possuir. Cada um de nós
precisa possuir habilidades sociais a fi m de viver em sociedade.
Aristóteles disse que fora das cidades, só os anjos e os animais podem
viver. Mas nós não somos anjos e nós não queremos ser animais, por
isso estamos condenados a sermos humanos, e o ser humano não
pode viver fora das cidades. A Sócrates foi dada uma escolha entre
ingerir veneno ou ser exilado de Atenas. Ele escolheu o veneno, porque
não poderia existir fora de Atenas. Temos mudado consideravelmente
em nossa essência, mas ainda precisamos de algo para funcionar no
mundo off -line. Ir para a rua, para o local de trabalho, atender aos
colegas de trabalho, levar os fi lhos à escola, ir a locais onde
encontraremos estranhos com os quais teremos que passar algum
tempo juntos, trocando pontos de vista e cooperando, colaborando.
Tudo isso requer habilidades sociais. E o que a sociedade consumista
está oferecendo é abrigo dessas habilidades, tornando-as redundantes.
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