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Latim Jurı́dico

Compilado por
Catarina Stamford, LL.B.∗
Renato J. Cintra, M.Sc.†
14 de julho de 2002

Resumo No entanto, o latim prevaleceu sobre as demais, ajudada


pelas grandes conquistas militares dos romanos.
Este texto enfoca breves os aspectos da lı́ngua latina — O latim, enquanto idioma, existia desde os tempos pré-
como sua formação histórica e sua pronúnica — e também históricos, porém foi a partir do século III a.C. que passou
apresenta uma breve análise do uso do latim no meio a adquirir uma forma literária, construindo-se aos poucos
jurı́dico. É compilada uma pequena lista de expressões uma gramática com regras explı́citas, cuja consolidação
mais usadas. Este trabalho é uma compilação baseada se deu por volta do século I a.C., que é considerado o
principalmente nas referências [Val45] e [Car02]. perı́odo clássico do latim.
Quando nos referimos ao latim clássico, estamos nos
referindo ao latim da época de Cı́cero, César, Sêneca, ou
1 Os Latinos: A Terra e o Povo seja, ao da época do apogeu do império romano. No en-
tanto, ao lado desta lı́ngua erudita, castiça, falada e es-
Os latinos foram assim chamados por habitarem uma re- crita pelas pessoas letradas, havia o latim popular, que
gião da Itália antiga chamada de Lácio (em latim, La- assumia formas mais livres e sem a precisão das regras
tium), onde fica ainda hoje a cidade de Roma. Eram seus gramaticais, falada pelas pessoas do povo e, principalmen-
vizinhos territoriais os etruscos e os sabinos. Da união te, pelos soldados romanos, que participavam das guerras
destes três povos (latinos, etruscos e sabinos) originaram- de conquistas.
se os romanos, o povo que conquistou o mundo antigo Foi desta lı́ngua popular, no confronto com outros idi-
pela arte da guerra e, com a expansão de sua lı́ngua e de omas falados nas diversas localidades por onde passou o
sua cultura, deu origem também às diversas lı́nguas hoje rolo compressor das legiões romanas, que se originaram as
faladas na Europa central e numerosos paı́ses da América. lı́nguas românicas, dentre elas, o português, o espanhol,
São as lı́nguas neolatinas (italiano, francês, romeno, espa- o francês, o italiano.
nhol, português), que resultaram deste caldeirão cultural Paralelamente a isto, a partir do século III d.C., com
imposto ao mundo ocidental pelos romanos, ao longo de a expansão do cristianismo pelo império romano, temos
500 anos. o perı́odo cristão da lı́ngua latina, representado pelos es-
Da inteligência e do talento polı́tico dos romanos, nas- critores eclesiásticos a partir de então, sobretudo Santo
ceu um fruto que foi colhido por toda a humanidade: o Agostinho, São Jerônimo, Tertuliano, Santo Ambrósio,
Direito. O direito romano é uma das grandes fontes do dentre outros. Este latim com influências eclesiásticas foi
direito contemporâneo em todos os paı́ses, e não apenas o que mais predominou no ensino do latim em nosso meio,
naqueles onde se faz sentir o efeito direto de sua cultura. de modo especial com a matiz italiana da pronúncia, en-
Após conquistarem todo o mundo antigo, os romanos sinada nas escolas brasileiras até o inı́cio dos anos ’60.
submeteram todos os inimigos. Especializados na arte da Em resumo, portanto, podemos distinguir o latim eru-
guerra e não tendo mais contra quem guerrear, deixaram- dito em latim clássico e latim eclesiástico. Quanto aos
se trair pelas leviandades e pelos vı́cios que acompanham dialetos, podemos dizer que não há dialetos latinos, uma
a opulência, vindo a ser derrotados pelos hunos, no final vez que as variações populares da lı́ngua se transformaram
do século V d.C., pondo fim a uma etapa da história da em outros idiomas autônomos.
humanidade.

1.1 O Latim e os Dialetos 2 Pronúncia


O latim era a lı́ngua falada no Lácio (Latium), região Os sons correspondentes às letras do alfabeto em la-
central da Itália, onde fica a cidade de Roma. Mas não era tim têm a mesma caracterı́stica da pronúncia em por-
a única lı́ngua falada na penı́nsula itálica, onde também tuguês [Car02].
se falava o osco, o umbro, o etrusco e também o grego.
∗ Advogada e Professora de Direito Romano e Direito Co- Vogais. As vogais devem ser pronunciadas com o som
mercial, Universidade Salgado de Oliveira – Recife. original da letra, mesmo quando não são tônicas.
† Doutorando em Engenharia Elétrica (UFPE). Por exemplo: em português, a palavra “belo”

1
pronuncia-se bélu; já em latim, a palavra bello pronuncia- S O ‘s’, em geral, soa como ‘ss’, como em português.
se bélo. O grupo dı́grafo ‘sc’ diante de ‘a’, ‘o’, ‘u’ soa como
Em português, a palavra “triste” pronuncia-se trı́sti; ‘sk’. Entretanto, assume uma forma branda antes de
já em latim, a palavra Christe pronuncia-se krı́ste. ‘æ’, ‘e’, ‘œ’ e ‘i’, soando como ‘sh’. Ex.: discipulus
A palavra “objeto” em português pronuncia-se objetu; pronuncia-se dishipulus.
em latim, a palavra objecto pronuncia-se obiékto. Isto
T O grupo ‘ti’ no meio da palavra e seguido de vogal soa
é, as vogais são sempre pronunciadas com os seus sons
como ‘tsi’. Ex.: patientia pronuncia-se patsientsia,
originais.
gratia pronuncia-se grátsia (graça).
Note-se a existência dos grupos vocálicos ‘œ (oe)’ e
‘æ (ae)’, que são pronunciados como ’e’ aberto. Por Tem som de ‘ti’ principalmente quando precedido de
exemplo, coelum pronuncia-se célum; laetitia pronuncia- ‘s’, ‘x’ ou ‘t’: tiara, ostium.
se letı́cia. X O ‘x’ soa geralmente como ‘cs’ ou ‘kç’. Ex.: auxilium
= aucsilium
A Soa como na palavra portuguesa “há”. Assim: magnus
é pronunciado má-nhuss, e não m~
a-nhuss. Z A letra ‘z’ soa como ‘dz’. Ex. zona pronuncia-se dzona.

Æ, Œ Não se trata propriamente de vogais, mas de di-


tongos. Soam como “é”. Estes ditongos são muitas 3 O Latim Jurı́dico
vezes gravados por ae (æ) e por oe (œ).
O latim tem sido sempre muito prestigiado pelos juris-
E Como em “fé”.
tas. Advogados, procuradores, juı́zes costumam inserir,
I, Y Soa como em “mil”. Ex.: divinus, lyra. em seus escritos, expressões latinas com diversos objeti-
O Como em “pó”. vos. Pode ser para mostrar erudição, para impressionar
o leitor, para conferir um certo charme ao documento,
U Como em “cajú”. Ex.: numerus. para demonstrar apego à tradição, o motivo não importa
Observação Importante: Não se deve dar às vogais realmente. O que muitas vezes sucede é que, por des-
átonas som fechado. Assim: Deo (Deus) e não Deu; cor- conhecimento gramatical do idioma latino, incorrem em
pore e não corpori. erros de grafia e de concordância.

Consoantes. De modo geral, a pronúncia das conso- 3.1 Origem dos Brocardos Jurı́dicos
antes proferem-se de modo similar ao português [Val45].
De acordo com o Dicionário Jurı́dico Brasileiro, compilado
Entretanto, algumas consoantes assumem sons diferentes,
por Marcos Cláudio Acquaviva, a palavra “brocardo1 ”,
conforme o caso:
curiosamente, não tem origem latina. É o resultado da
C A letra ‘c’ diante de ‘æ’, ‘e’, ‘œ’ e ‘i’ soa como ‘ts’. latinização do nome de “Burckard”, um jurista que era
O grupo consonantal ‘ch’ tem som de ‘k’. Ex.: bispo da cidade inglesa de Worms no século XI, e que
machina pronuncia-se mákina; schola pronuncia-se foi o compilador de vinte volumes de regras de direito
skóla. eclesiástico, tornando-se assim um padrão de formulação
jurı́dica também no direito não eclesiástico.
O grupo consonantal ‘cc’ diante de ‘æ’, ‘e’, ‘œ’ e Os brocardos resumem uma secular experiência
‘i’ soa como ‘tsh’. Ex.: accendere = atshendere jurı́dica, semelhante aos provérbios e ditados populares,
(acender) que encerram a sabedoria de uma comunidade. Embora
G A letra ‘g’ diante de ‘æ’, ‘e’, ‘œ’ e ‘i’ soa ‘dj’. Ex.: não tenham força de lei, no entanto a sua credibilidade
legiones pronuncia-se ledjiones. serve de orientação para o intérprete e o estudante, no
A pronúncia fica dura, como o nosso ‘g’ antes de ‘a’ momento de compreender e aplicar a norma. O fato de
e ‘o’, diante de ‘a’, ‘o’, ‘u’. serem escritos, originariamente, em latim se deve a esta
O grupo consonantal ‘gn’ tem som de ‘nh’. Ex.: ig- tradição do direito ser escrito nesta lı́ngua desde os roma-
nis pronuncia-se ı́nhis (fogo); cognosco pronuncia-se nos, passando pelo direito eclesiástico.
conhósco; regnum pronuncia-se rénhum (reino). Os brocardos acumulam também indiscutı́vel conteúdo
didático, ao sintetizarem em poucas palavras um concei-
H O ‘h’ não é consoante, mas sinal de aspiração da vo- to universalmente aceito. Como toda definição, eles não
gal, de modo que duas vogais separadas por ‘h’ se podem ser entendidos estritamente, mas precisam sempre
consideram como seguindo-se uma à outra imediata- ser ajustados às situações concretas, sobretudo tendo-se
mente. Ex.: nihil (nulo, nada). em conta o grande dinamismo das relações sociais, que
J Tecnicamente não existe esta letra no Latim. Foi in- fundamentam as relações jurı́dicas. Sobre estes, assim co-
troduzida no séc. XII para diferenciar o ‘i’ vogal do mo sobre as normas positivadas, deve sempre prevalecer
‘i’ consoante. Assim, letra ‘j’ tem sempre som de o senso da justiça, sem o qual todo direito fica esvasiado.
‘i’. Ex.: jus pronuncia-se iús; Jesus pronuncia-se Provavelmente, a sua melhor aplicação ocorra quan-
iésus; jacta pronuncia-se iácta. do existem as lacunas legais, porque nenhum juiz poderá
deixar de decidir à falta de uma norma escrita, recorren-
PH O grupo consonantal ‘ph’ tem som de ‘f’, igual ao do nestes casos à analogia, aos costumes, aos princı́pios
português arcaico. Ex.: thophæum pronuncia-se
troféum. 1 Brocardo, s.m. Sentença, provérbio, axioma. [Bue76]

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gerais do Direito, ou seja, no meio de tudo isso estão su- Agora observe este outro exemplo: “O autor requer
bentendidos os brocardos jurı́dicos. que, sem ouvir a outra parte, seja-lhe concedida a
medida liminar pleiteada”. A expressão “a outra
parte” neste caso não é sujeito da oração principal,
3.2 Algumas Expressões Jurı́dicas La- mas está inserida numa oração reduzida subordinada
tinas à primeira, que corresponde em latim a um ablativo
absoluto. Neste caso, a grafia correta será: “O autor
Procuração Ad Judicia e Ad Negotia A expressão
requer que, inaudita altera parte, seja-lhe concedida
ad judicia tem a letra ‘c’ antes do ‘ia’, enquanto a
a medida liminar pleiteada”.
expressão ad negotia tem a letra ‘t’ antes do ‘ia’. Na
pronúncia, não se distinguem, porque a letra ‘t’ an- Conforme se observa, na grande maioria das vezes
tes da vogal ‘i’ tem som de ‘ts’. Pronunciam-se ad em que esta expressão aparece nos textos jurı́dicos
iudı́tsia e ad negótsia. De onde vem a diferença será condizente com a segunda hipótese, sendo bas-
na grafia? tante raro o primeiro caso. Portanto, ao inserir esta
expressão latina no texto, o leitor deve estar bem ci-
Judicia vem de judicium (= juı́zo), que vem de ju-
ente da função sintática da locução “a outra parte”,
dicare (= julgar). Conforme se pode observar, nas
a fim de utilizar a grafia correta. Ambas as formas
palavras originárias, há sempre a letra ‘c’ como par-
são corretas gramaticalmente, mas precisam ser uti-
te do radical da palavra (judic), portanto, judicia
lizadas no contexto apropriado. Trocar uma pela
mantém a letra ‘c’ na sı́laba final. Um documento
outra constitui erro imperdoável.
ad judicia significa que se destina ao uso no âmbito
forense. Ad Argumentandum Tantum Significa “apenas para
Negotia vem de negotium (= profissão, ocupação), argumentar”. O latim guarda certa semelhança com
que vem de negotiari (= negociar, comerciar), con- a lı́ngua inglesa, diferentemente do português, quan-
servando sempre a letra ‘t’ no seu radical. Um do- do o verbo vem regido de preposições. No inglês, a
cumento ad negotia significa que se destina ao uso expressão “para estudar” se diz “for studying”, co-
comercial, em geral, nas instituições financeiras. locando o verbo no gerúndio; em latim, a expressão
“para argumentar” se diz ad argumentandum, colo-
Constitui erro, portanto, grafar ad juditia, como al- cando o verbo no gerundivo.
gumas vezes se observa em documentos jurı́dicos.
Já a palavra tantum é um advérbio (=apenas), sen-
Inaudita Altera Parte Esta é uma expressão frequen- do portanto invariável. O fato de terminar em um,
temente utilizada nas medidas liminares, quando o assim como argumentandum é mera coincidência.
requerente pede a proteção jurisdicional sem a ou-
vida da parte contrária. Algumas vezes se vê a ex- Ad Referendum É uma expressão muito usada em atos
pressão inaudita altera pars empregada no lugar da de autoridades públicas, quando tomam decisões
epigrafada, o que pode também ser correto, mas as que precisam ser levadas ao conhecimento de algum
duas expressões não se equivalem. órgão colegiado. Significa “para apreciação” ou ain-
da “para submeter à deliberação de”. Igualmente
Preliminarmente, observe-se que a primeira palavra ao comentário anterior, o verbo vem na forma do
se escreve inaudita, com a letra ‘u’ antes do ‘d’, por- gerundivo (referendum), que é o mesmo referre na
que é palavra derivada do verbo audire (= ouvir). forma infinitiva. Referre significa “trazer de volta,
No caso, inaudire seria “não ouvir” e inaudita se- restituir”, ou seja, a decisão tomada ad referendum
ria “não ouvida”, sempre com ‘u’. Há pessoas que precisa ser levada de volta, restituı́da a algum órgão
escrevem “inaldita”, que é uma grafia errada, pelos para ser tornada definitiva.
motivos apontados.
Mais uma curiosidade, o particı́pio passado de referre
A palavra altera significa literalmente “outra”, não é relatum, de onde vem a palavra “relato” e também
necessita de maiores comentários. Pronuncia-se “relatório”, significando também algo que é trazido
áltera, proparoxı́tona. para a consideração de alguém.
Pars e parte são, na verdade, a mesma palavra, ape-
nas em casos gramaticais diferentes, ou seja, pars Bis In Idem Literalmente, significia “duas vezes no
está no caso nominativo (sujeito), enquanto parte mesmo”, ou seja, uma repetição sobre a mesma coi-
está no caso ablativo (complemento verbal). Veja- sa. Bis é um numeral e significa textualmente “duas
mos em que situações se usam uma ou outra. vezes”.
Observe o seguinte exemplo: “A outra parte não ou- Extra Petita, Ultra Petita, Citra Petitum Por que
vida será interrogada na próxima semana”. A ex- às vezes a palavra é petita e outras vezes é petitum?
pressão “a outra parte” funciona como sujeito da As duas são a mesma palavra, sendo petitum a forma
oração. Neste caso, o correto é escrever assim: Alte- singular (=pedido) e petita a forma plural (=pedi-
ra inaudita pars será interrogada na próxima sema- dos). Extra petita seria um julgamento fora dos pe-
na. Considere ainda esta outra expressão: Audiatur didos; ultra petita seria mais do que os pedidos; citra
et altera pars (=ouça-se também a outra parte), on- petitum seria aquém do pedido.
de altera pars funciona como agente da passiva, que Seria correto também extra petitum e citra petita?
equivale à função de sujeito. Nestes dois casos, o Gramaticalmente, ambas estão corretas. A aplicação
correto é escrever altera pars. vai depender do contexto. Se o pedido é um só, então

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usa-se a forma singular, tanto faz ser extra petitum, “nunca”. Desta forma, nunc em latim significa o
ultra petitum ou citra petitum; se são vários os pedi- oposto do sentido de ‘nunca’ em português.
dos, então usa-se a forma plural: extra petita, ultra
petita ou citra petita. A não observância deste fato Agenda É uma palavra de uso mais que corriqueiro, sen-
poderá gerar erro gramatical. do até concebida como um objeto material, isto é,
um pequeno caderno onde se fazem anotações de
Data Venia, Concessa Venia São também expressões compromissos. Gramaticalmente, é o gerundivo do
muito usadas. A palavra venia significa “permissão”, verbo agere (=fazer, agir, realizar), significando nu-
“licença”, sendo um substantivo, portanto. As pala- ma paráfrase “coisas que devem ser feitas” ou “ações
vras data e concessa são formas verbais, sendo data que se devem realizar”. Por metonı́mia, se adota a
originada do verbo dare (= dar) e concessa oriun- expressão referente às “ações” que devem ser efetiva-
da do verbo concedere (=conceder). Literalmente, das com o objeto onde estas referências são anotadas.
a tradução poderia ser “sendo dada permissão” ou O singular de agenda é agendum, significando literal-
“sendo concedida permissão” para dizer ou fazer al- mente “aquilo que deve ser feito”, quando se refere
go. a uma só ação. Usa-se, em geral, na forma plural
Conforme se pode deduzir, estas palavras não admi- (=agenda) porque comumente se trata de diversas
tem variação de grafia quando se quer fazer realce. ações e não apenas uma só.
Por exemplo, se se quer pedir muita permissão, se se Por associação a este conceito, convém lembrar aqui
quer enfatizar o pedido, deve-se utilizar data maxima outra palavra latina muito utilizada não apenas no
venia ou concessa maxima venia, jamais “datissima campo jurı́dico, mas em qualquer atividade que en-
venia”, que é um erro gramatical e serve apenas pa- volve um grupo. Trata-se da palavra ata, por exem-
ra demonstrar falta de conhecimento da gramática plo, fazer a “ata da reunião”, “ata da assembléia”.
latina. “Ata” vem do mesmo verbo agere acima citado, que
no seu particı́pio passado se diz actum (plural = ac-
Quorum É uma expressão usada por todos quando se
ta), ou seja, aquilo que foi feito, que foi realizado.
quer referir um número mı́nimo de participantes pa-
Ata (=acta) é o plural de ato (=actum), valendo pa-
ra validade de decisões tomadas num grupo. To-
ra estas palavras o mesmo que se disse acima sobre
das as reuniões, assembléias, sessões têm um quorum
agenda e agendum.
mı́nimo estabelecido em regulamento.
Literalmente, quorum significa “dos quais”, sendo Em resumo, agenda e acta são formas verbais do
originado da palavra qui, que significa “quem” ou mesmo verbo agere, sendo que agenda se refere ao
“qual”. De onde vem este significado de número futuro (coisas que devem ser realizadas), enquanto
mı́nimo? Vergı́lio, um antigo poeta latino, no livro acta se refere ao passado (coisas que foram realiza-
‘Eneida’, conta a história de Enéias e um grupo de das). A palavra agenda não sofreu alteração na pas-
bravos guerreiros que partiram para a batalha, “dos sagem para o português; já a palavra acta perdeu o
quais” apenas alguns bravos heróis conseguiram re- ‘c’, passando a ser escrita apenas “ata”.
tornar para testemunhar a dureza dos combates. A Juris Tantum, Juris Et De Jure Literalmente, esta
locução “dos quais” (=quorum) passou a ser aplicada expressão significa “apenas de direito”. Tantum sig-
a todo grupo que se reúne com um número mı́nimo nifica “apenas”, “somente”, “simplesmente”. Es-
de “heróis” necessários para o funcionamento da en- ta expressão aparece geralmente associada à pala-
tidade que compõem. vra “presunção”, assim “presunção juris tantum”.
Ex Nunc, Ex Tunc São todas palavras invariáveis, Refere-se a uma situação hipotética, algo que deve
sendo ex uma preposição e nunc (=agora) e tunc ser, mas ainda não foi confrontado ou comprovado
(então) advérbios de tempo. A preposição ex não por fatos concretos, encontrando-se ainda no estágio
tem uma correspondente própria em português, puramente conceitual.
assemelhando-se à preposição “from” da lı́ngua in- A expressão juris et de jure indica algo que já não
glesa. Traduz-se por “a partir de”, por se referirem é mais uma presunção, uma hipótese, mas foi cons-
ambas a circunstâncias temporais. Ex nunc significa tatado materialmente e tornou-se um fato concre-
“a partir de agora” e ex tunc significa “a partir de to. Literalmente significa “de direito e por direito”,
então”. quer dizer, tanto no aspecto formal quanto no as-
Exemplificando: uma decisão com efeitos ex nunc é pecto material. Trata-se, portanto, de uma situação
aplicada a partir de agora, ou seja, a partir da data fática uris et de jure, isto é, o “dever-ser” da hipótese
em que a própria decisão foi tomada. Uma decisão jurı́dica se materializou num caso concreto.
com efeitos ex tunc significa que se aplica a partir De Cujus Esta expressão é usada comumente como
da origem dos fatos a ela relacionados, ainda que a sinônimo de “pessoa falecida”, numa figura eu-
decisão seja tomada muito tempo depois. femı́stica substitutiva de “defunto” ou “morto”. Es-
Para efeitos de memorização, observe-se que ex tunc tas duas palavras foram, na verdade, retiradas de
se assemelha mais com “então” pela presença da le- uma expressão mais longa, que é: De cujus succes-
tra ‘t’ em ambas. Já a expressão ex nunc pode ser sione agitur e significa “de cuja sucessão se trata”.
associada a uma semelhança com o oposto da pala- Situa-se, portanto, no contexto do direito sucessório,
vra nunc (=agora), que seria a palavra portuguesa do caso daquela pessoa falecida, que deixou bens ma-

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teriais, e cuja sucessão (direito de herança) é regula- ablativo absoluto, que em português corresponde a
da pelas normas jurı́dicas. uma oração reduzida. Do ponto de vista gramatical,
Et Cetera A palavra ceterus significa “restante”, “tu- guarda semelhança com a expressão inaudita altera
do o mais”. É um adjetivo da segunda declinação, parte, comentada acima, que é também um ablativo
variando para cetera no feminino e ceterum no neu- absoluto.
tro. Na expressão et cetera, a palavra cetera está na Rebus é o ablativo plural de res (=coisa); stantibus é
forma neutra plural de ceterum. Usa-se geralmen- ablativo plural de stans, que é particı́pio presente do
te na sua forma abreviada, já consagrada na lı́ngua verbo stare (=ficar, permanecer), declinado segun-
portuguesa: etc. do o modelo da terceira declinação; sic é advérbio
de modo (=assim, assim como). A sua tradução
Ex Positis Em primeiro lugar, atentemos para a
literal (“as coisas assim ficantes”) não seria aceita
pronúncia desta expressão, que tem acento na sı́laba
na lı́ngua portuguesa, daı́ porque em geral não se
‘po’. Se fosse acentuada, ficaria “ex pósitis”, mas
traduz. O seu significado corresponde a “enquanto
esta grafia não é correta, porque a lı́ngua latina não
as coisas permanecerem como estão”, “se as coisas
comporta acentuação.
permanecerem assim” ou ainda “ficando tudo como
Literalmente, significa “a partir do exposto”, pois a está”.
preposição ex tem sempre alusão à origem de algo.
Diz a religião que Deus fez o mundo ex nihilo, ou Sub Judice Esta expressão é uma simplificação da se-
seja, a partir do nada. No caso em apreço, ex positis guinte frase: Adhuc sub judice lis est. Analisamos
é uma locução conclusiva, usada após uma série de cada palavra: adhuc = adv. “ainda”, “até agora”;
análises e argumentações. Em latim, a preposição sub = preposição “sob”, “debaixo de”, rege sempre
ex rege ablativo, ou seja, exige que a palavra a ela ablativo; judice = ablat. sing. de judex, judicis
associada esteja no caso ablativo. (=juiz); lis = nom. sing. lis, litis (=lide, litı́gio).
Agora, se colocarmos na ordem direta que se usa co-
Positis é no caso ablativo plural de positum, que é
mumente em português, teremos: Lis est adhuc sub
o particı́pio passado do verbo ponere (=por). As-
judice. Tradução: A lide ainda está sob [apreciação
sim como em português, em latim também é um
do] juiz.
verbo irregular na sua conjugação, figurando como
pono (=eu ponho) no presente, posui (=eu pus) no Pro Rata Esta expressão completa é: Pro rata parte,
pretérito e positum (=posto) no particı́pio passado. usada geralmente na forma simplificada pro rata.
Analisando as palavras, temos: pro = preposição que
Dormientibus Non Succurrit Jus Esta expressão re-
pode assumir diversos significados. Os mais comuns
trata bem a estrutura frase em latim, que não segue
são “diante de”, “a favor de”, “em lugar de” ou ainda
uma ordem direta, assim como costumamos escrever
“conforme”, “em proporção de”; rege sempre ablati-
em português. As palavras são identificadas nas suas
vo, ou seja, a palavra seguinte será colocada no caso
funções sintáticas pela forma como estão declinadas.
ablativo. rata = ablat. part. passado do verbo reor
Temos, desta forma, jus no caso nominativo, portan- = contar, calcular; no caso, seria “contada”, “calcu-
to, deve ser o sujeito da frase; temos ainda ’dormien- lada”; parte [Obs: pronuncia-se o ‘e’ final, embora a
tibus’ no caso dativo, portanto, deve ser um objeto vobal tônica seja ‘a’] - ablat. de pars, partis da 3a.
indireto. Escrevendo na ordem direta, a frase fica- dec. (=parte). Na ordem direta que se usa em por-
ria assim: Jus non succurrit dormientibus. Succur- tuguês, será: pro parte rata, ou seja, em proporção
rit é terceira pessoa do singular do verbo succurrere da parte contada ou calculada.
(=correr em socorro, socorrer); dormientibus é abla-
tivo plural de dormiens, particı́pio presente do verbo
dormire (=dormir). Dormiens seria “o dorminte”, Referências
aquele que dorme, segue a terceira declinação.
“O Direito não socorre aos que dormem” é uma [Bue76] Francisco Silveira Bueno. Dicionário Escolar da
alusão ao tempo e um alerta ao profissional que deve Lı́ngua Portuguesa. Ministério da Educação e
estar sempre vigilante quanto ao cumprimento dos Cultura, 11a edição, 1976.
prazos jurı́dicos que são, quase sempre, irrenováveis. [Car02] Antonio Carlos. Página Do Latim.
Tempus Regit Actum Esta expressão verbaliza o di- <http://www.geocities.com/Athens/Agora/
tame de que as coisas jurı́dicas se regem pela lei da 1417/PLatim.htm>, 2002.
época em que ocorreram. Literalmente, “o tempo [Val45] Pe. Milton Valente Valente, S. J. Gramática La-
rege o ato”, encontrando-se a palavra tempus no no- tina. Selbach & Cia., 16a edição, 1945.
minativo singular (o plural de tempus será tempora),
regit é a terceira pessoa do indicativo singular do ver-
bo regere (=reger) e actum é a forma acusativa de
actus, particı́pio passado do verbo agere já comenta-
do acima.
Rebus Sic Stantibus Esta é uma cláusula usada em
contratos, para significar a permanência do atual
estado das coisas. Trata-se de outra expressão no

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