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NOSSO

CONTEMPORÂNEO
NOSSO
CONTEMPORÂNEO
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que aprovou este livro
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ISALTINO GOMES C. FILHO

IIAQCA

CONTEMPORÂNEO

Um estudo contextualizado do livro de Miquéias

A
JUERP
Todos os direitos reservados. Copyright © 1995 da Junta de Educação
Religiosa e Publicações da Convenção Batista Brasileira.
Coelho Filho, Isaltino Gomes
C672m Miquéias: nosso contemporâneo: um estudo
contextualizado do livro de Miquéias/Isaltino
Gomes Coelho Filho. Rio de Janeiro: JUERP, 1995.
132p.; 20,5 cm.
1. Miquéias — Comentário. 2. Miquéias — Profecia.
I. Título.
CDD — 224.9
Coordenação Editorial
Josemar de Souza Pinto
Revisão Textual
Alexandre Emilio Silva Pires
Luiz Paulo de Lira Moraes
Jorge Luiz Luz de Carvalho
Copidesque
Marcos José da Cunha
Edição de Arte
Nilcéa Pinheiro
Capas
Valdecy Ferreira
Código para pedidos: 215040
Junta de Educação Religiosa é Publicações da
Convenção Batista Brasileira
Caixa Postal 320 — CEP: 20001-970
Rua Silva Vale, 781 — Cavalcanti — CEP: 21370-360
Rio de Janeiro, RJ — Brasil
3.000/1995
Impresso em gráficas próprias.
À memória de Eurico Alfredo Nelson, o apóstolo da
Amazônia. Por quase meio século, do Maranhão ao Pferue à Bolívia,
a Amazônia ouviu sua voz proclamando Jesus Cristo como Sal­
vador dos homens. Um homem incomum.
À Primeira Igreja Batista de Manaus, por ele fundada em
5 de outubro de 1900, a pioneira da evangelização do Amazonas,
e que cultiva a visão evangelística e missionária do seu fundador.
Que nunca se esqueça de suas origens.
SUMÁRIO

Apresentação.................................................................... 9
1. Miquéias: Quem É Ele?......................... ........................... 11
2. O Anúncio do Juízo.......................................................... 19
3. O Porquê do Juízo............................................................ 25
4. Um Abismo Chama Outro Abismo................................ 33
5. A Reação Contra o Profeta............................................. 39
6. O Preço da Iniqüidade..................................................... 47
7. Boas Notícias!................................................................... 55
8. Mais Vislumbres do Futuro............................................. 63
9. Um Vislumbre do Messias............................................... 71
10. Vislumbres da Era Messiânica......................................... 79
11. Repreensões e Ameaças................................................... 87
12. O Processo se Amplia...................................................... 95
13. A Corrupção Moral da Nação......................................... 103
14. Levantando-se dos Escombros......................................... 109
15. Esperança, a Força que Impulsiona a Vida..................... 117
16. O Desafio de Miquéias..................................................... 125
Referências Bibliográficas.............................. ................. 129
APRESENTAÇÃO

Eis aqui mais uma obra da série “Nosso Contemporâneo”.


À semelhança dos seus outros livros, o pastor Isaltino nos apre­
senta um estudo sério e minucioso, fazendo-nos ver na realidade
de hoje as revelações de Deus pelo profeta, que, embora escritas
há cerca de 2.700 anos, nunca deixaram de ser presentes e opor­
tunas. Se por vezes nos esquecemos do valor deste profeta menor,
em Miquéias, Nosso Contemporâneo temos a oportunidade de
ver resgatadas numa linguagem clara e precisa as mensagens de
profundo valor espiritual para nós nos dias atuais.
O autor é pastor da Primeira Igreja Batista de Manaus, tendo
já exercido o pastorado em São Paulo e em Brasília. Tem uma vasta
experiência na docência teológica: foi diretor da Faculdade Teoló­
gica Batista de Brasília e professor na Faculdade Teológica Batista
de São Paulo. Atualmente leciona na Faculdade Batista de Teologia
do Amazonas e preside a ABIBET (Associação Brasileira de Insti­
tuições Batistas de Ensino Teológico). É profundo conhecedor do
Antigo Testamento e da língua hebraica.
Porém, acima de qualquer predicado, o pastor Isaltino é um
servo do Senhor. Tendo tido o privilégio de compartilhar com ele
o ministério na PIB de Manaus, tenho apreciado nele a maneira
apaixonante e vibrante de exercer sua missão.
Com certeza, o nosso Deus, pela instrumentalidade deste livro,
há de nos enriquecer e abençoar.
Anderson Silveira Motta
1
MIQUÉIAS: QUEM É ELE?

A palavra do Senhor que veio a Miquéias, morastita, nos


dias de Jotão, Acaz e Ezequias, reis de Judá, a qual ele viu sobre
Samária e Jerusalém (1.1).
É assim que Miquéias se apresenta em seu livro. Seu nome
era bastante comum no seu tempo. Sua transliteração seria
Myqayah, cujo sentido seria “Quem é como Ya?”, entendendo-se
Ya como abreviatura ou contração de Yahweh, o nome de Deus.
O curioso personagem de Juizes 17, chamado Mica, é portanto
seu homônimo. O nome guarda semelhança com Miguel, “Quem
é como El?”, sabendo-se que E li o nome comum para Deus no
Antigo Testamento.
Ele é morastita, gentílico de Morasti ou Moresete (em 1.14
chamada de Moresete-Gate). Sua cidade natal tem sido identifi­
cada como Tell el-Gudeideh, aproximadamente a trinta quilômetros
de Jerusalém. Outros a identificam com Beit-Jibrin, a quarenta
quilômetros a sudoeste de Jerusalém, perto de Gate, na Filístia.
Seja qual for a identificação, o sétimo dos profetas menores era
do reino do Sul, Judá. Estranhamente, Vida dos profetas, um livro
apócrifo escrito em grego no século I da era cristã, declara-o
membro da tribo de Efraim (seria um israelita, então). E diz mais:
“Depois de dar muito o que fazer a Acabe, foi eliminado por seu
filho Jeorão, que o lançou de um despenhadeiro porque lhe lançava
em rosto as impiedades de seus antepassados. Foi enterrado em
sua terra, sozinho, perto do cemitério dos gigantes”.1 Embora o
relato seja fictício e cometa um equívoco de data (traria Miquéias
de 730 a.C. para 850 a.C.), temos uma visão bem curiosa sobre
Miquéias: seu sepultamento perto de um fictício cemitério de
gigantes serve para indicar o grande conceito que desfrutava nosso
profeta nos círculos literários que produziram os livros apócrifos.
11
Foi contemporâneo de Isaias, pois profetizou nos reinados
de Jotão, Acaz c Ezequias. Em Isaias 7, vemos Isaías e Acaz. E
em Isaías 36 e capítulos seguintes, vemos este profeta servindo
no reinado de Ezequias.
Embora contemporâneo do chamado “príncipe dos profetas”,
Miquéias trabalhou em um espaço diferente. Isaías foi um homem
da corte, era um palaciano. Miquéias era do campo e parece ter
pregado mais nas ruas (alguns comentaristas chegam a pensar que
os dois não se conheceram, o que parece pouco plausível, em
virtude das circunstâncias da época), ainda que contra a liderança
religiosa e palaciana. No entanto, sua pregação também alcançou
a elite dirigente. Em Jeremias 26.18, ele é citado em defesa de Jere­
mias. Nesse texto se constata que Ezequias foi influenciado por
Miquéias. Essa observação nos é muito útil. Deus precisa de servos
fiéis entre a elite e no meio do povo. Seja onde for que Deus
coloque um servo, este deve falar o que o Senhor quiser. Pode-se
servir a Deus nas altas esferas governamentais e entre o povo. Não
é o lugar, mas o conteúdo da vida que mostrará o serviço a Deus.
Aliás, quem melhor expressou isto foi outro homônimo de Mi­
quéias, o profeta Micaías (outra forma de transliterar o nome), em
IReis 22.14: “Vive o Senhor, que o que o Senhor me disser, isso
falarei.” No meio dos poderosos ou no meio do povo simples,
compete ao homem de Deus falar a palavra de Deus. Sua lealdade
máxima é para com Deus e sua palavra.
Era um homem de impressionante determinação. Sua palavra
em 3.8 é uma mostra disto: “Quanto a mim, estou cheio do poder
do Espírito do Senhor, assim como de justiça e de coragem, para
declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado.” Isto
é convicção e não arrogância, como muitos hoje fazem, jactando-
se de sua “espiritualidade”. Miquéias provou o que disse com a
sua vida. Nessa passagem, observa-se que o profeta pregou contra
os dois reinos, o do Sul (Judá) e o do Norte (Israel). Na leitura de 1.5
se confirma tal observação. O ministério de Miquéias pode ser esti­
mado entre os anos 737 e 690 a.C. Costuma-se encaixá-lo nesse
período. Foi um ministério longo, pois alcançou três reis de Judá
( 1. 1).
A linguagem de Miquéias é dura. Ele ataca o latifúndio, a
justiça corrupta e a violência dos poderosos. Mas não é um refor­
12
mador social ou um agitador de massas. É um profeta que tem
uma explicação espiritual para os erros sociais. São frutos do
pecado. Muitos querem ter voz profética e até alegam possuí-la
hoje em dia, mas fizeram apenas uma opção partidária e pretendem
justificá-la com a Bíblia. Uma postura pouco honesta. Miquéias
não autoriza essa atitude.
Sua época explica sua mensagem. E nos desafia a entender
a nossa época para pregarmos com eficácia a vontade de Deus
aos nossos contemporâneos. Muitas vezes, pregamos aos falecidos,
falando de realidades do passado, falando do que não interessa
a ninguém. Miquéias falou das coisas do seu tempo. Analisou sua
época à luz da palavra divina e soube chamar ao arrependimento.
Nosso profeta nos é bastante oportuno. Vemos hoje a transfor­
mação do evangelho numa graça baratíssima, ordinária e falsificada.
As pessoas são chamadas para ficar ricas, saudáveis e sem
problemas. Fscado saiu de moda. Arrependimento é palavra esque­
cida em muitas pregações. Há púlpitos que apenas oferecem bênçãos
de um Deus que só pede confiança e dinheiro, mas que não parece
ter moralidade alguma. Jesus Cristo passa a ser o distribuidor de
riquezas em vez de ser o homem-Deus que serve de reconciliação
e propiciação pelos nossos pecados. Precisamos ver nosso tempo
e os pecados de nossa época. Há exploração econômica, concen­
tração de riquezas, corrupção em vários níveis e uma religiosidade
hipócrita, apenas de festividades e reuniões, divorciada do caráter,
da retidão e da ética. Precisamos imitar Miquéias. Vejamos seu
tempo. Vejamos o que diz do nosso.
A linguagem de nosso profeta é dura, mas não pobre. Há
brilho, profundidade de sentimentos, belas imagens e figuras retó­
ricas. Miquéias gosta de imperativos, símiles, metáforas e perguntas
retóricas. Sua capacidade literária não tem sido reconhecida como
deve, em parte porque se olha muito para seu contemporâneo, Isaías.
Mas Miquéias é brilhante na forma de se expressar.
O contexto de nosso profeta é compreendido quando se volta
o olhar para a situação econômica dos dois reinos.’Estes haviam
crescido ao máximo em termos econômicos. Mas o crescimento
não trouxera prosperidade para todos. A renda se concentrara nas
mãos de uma elite insensível. O povo gemia com dificuldades econô­
micas. A justiça se corrompera, e os líderes religiosos eram
hipócritas, adoçando a boca do poder e iludindo o povo. Uma uicvc
radiografia dos reinos nos ajudará um pouco mais a entender a
situação.
No Sul, Jotão foi um bom rei; Acaz, péssimo; e Ezequias,
bom. O Norte, que fora expandido ao máximo por Jeroboão II,
começava a declinar. Este, que foi o maior rei de Israel (leia-se
2Rs 15.23-29), teve substitutos medíocres. Zacarias reinou seis
meses (2Rs 15.8). Veio Salum, que reinou um mês (2Rs 15.13).
Menaém reinou dez anos (2Rs 15.17,22), porém nada fez de útil.
Pecaías reinou apenas dois anos (2Rs 15.23), mas mesmo em tão
curto espaço de tempo conseguiu fazer o mal. Peca reinou 20 anos,
mas foi uma tragédia (2Rs 15.24,25). Oséias (que não deve ser
confundido com o profeta) reinou nove anos e não foi muito melhor
que os antecessores (2Rs 17.1,2). Com todos esses desacertos, o
fim de Israel já estava nos portões de sua capital, Samária. Uma
potência destruidora se aproximava, a Assíria. Miquéias pregou
durante o reinado de todas essas nulidades, mas não foi ouvido.
Ele viveu a destruição de Israel em 722, pela rejeição à chamada
ao arrependimento que ele entregara com fidelidade. E viu quando
a Assíria chegou como um furacão, assolando Judá, chegando às
portas da capital, Jerusalém.
O reino do Sul vivia história com muitos pontos de seme­
lhança. Amazias reinara por 29 anos (2Cr 25.1,2). No princípio,
foi fiel. Depois, envolveu-se com a idolatria. Seu filho, Uzias
(2Cr 26.1), também chamado de Azarias (2Rs 15.1), reinou 52 anos,
mas se ensoberbeceu e ficou leproso. Sua morte deixou a nação
consternada. Foi nessa época que Isaías foi chamado para o minis­
tério profético (Is 6.1). A figura desse soberano deixou marcas na
história, pois Isaías escreveu um livro sobre ele (2Cr 26.22). Jotão,
filho de Uzias/Amazias, reinou por 16 anos (2Cr 27.1) e foi um
bom rei. Mas Acaz foi um desastre. Sua biografia relatada em
2Crônicas 28 mostra a calamidade que foi seu reinado. O que fora
feito de bom por seu pai e por seu avô começou a ser desfeito por
ele. Como é difícil construir! E como é fácil pôr abaixo! Como
custa edificar uma igreja, mas como é fácil destroçar seu ambiente!
Há pouco tempo, perto do gabinete deste autor, um prédio de
dois andares foi demolido para dar lugar a outro, maior. Em dois
dias, armados de máquinas e ferramentas, um grupo de homens
14
pôs abaixo a construção. Mas quanto tempo deve ter levado para
edificá-la! Quantas vezes as atitudes impensadas de crentes põem
abaixo em semanas o que se levou anos para construir! Que adver­
tência!
É nesse momento que Miquéias se agiganta. Quando Eze-
quias, filho de Acaz, assume, lá está nosso profeta a verberar os
pecados de Judá. Israel não mais existe. O profeta pregara contra
ele, chamando-o ao arrependimento, que não veio. Não vindo o
arrependimento, veio o fim. Judá terá o mesmo destino? Será tão
insensato que não lerá os sinais da história? Não aprenderá nada?
A mensagem tão agressiva de Miquéias 3 foi ouvida por
Ezequias, e este deu rumo seguro à sua administração. Jeremias
26.18,19 revela que a pregação do morastita obteve êxito. A des­
crição que ele faz, em 1.8-16, identifica-se muito com a situação
havida em 701 a.C., quando Senaqueribe invadiu Judá. Mais deta­
lhes desta invasão podem ser lidos em Isaías 36 e 37. Isto não
apenas corrobora Miquéias e Isaías como contemporâneos, mas
mostra que, embora não brilhasse tanto como o profeta palaciano,
o profeta das ruas e dos campos teve destaque em seu ministério
e que suas palavras foram ouvidas.
Uma síntese da pregação de Miquéias pode ser feita assim:
ele denuncia os pecados de Israel e de Judá (1.1 e 1.5-9). Tais
pecados são, basicamente, a exploração dos pobres (2.1,2 e 3.1-3)
e a falsa religiosidade (3.5-7). Não é acidental encontrarmos esses
dois pecados juntos. Eles costumam caminhar lado a lado. Quando
a fé é fingida, o respeito ao próximo não existe. Por causa desses
pecados, os dois reinos serão julgados (1.6-16). O cativeiro é o
destino dos rebeldes (2.10 e 6.9-16). Afrontar a Deus é ter juízo
às portas. Com que facilidade nações e pessoas se esquecem disto!
Quando se lembram, é tarde demais!
Mas, e os planos de Deus? E o Messias? Miquéias acena com
esperança após o vendaval. Haverá um retomo do cativeiro (4.6-8).
Haverá um libertador por nascer em Belém (5.2-5). Neste sentido,
embora profecia e predição não sejam sinônimos (a profecia pode
incluir a predição, mas esta é acessória e não o cerne), Miquéias
é muito preditivo. Ele viu Judá arrasado pela Assíria (1.9-12), viu
a queda do Sul, com a conseqüente destruição de Jerusalém
(3.12). Viu a ascensão de Babilônia (4.10) e como Judá seria por
15
esta submetido ao cativeiro. Viu ó retorno do cativeiro e, coisa
impressionante, vislumbrou o Messias como vindo da insignificante
Belém (5.2), isto quase 750 antes de Cristo!
Numa çlas vezes em que este capítulo foi reescrito, o autor
se encontrava em Nhamundá, uma pequena cidade de 5.000 habi­
tantes, no meio da Floresta Amazônica. Fora visitar uma
congregação e uma escola de sua igreja. Caminhando pelas ruas
da cidade, comentou com a esposa: “Você já pensou que o maior
vulto da história nasceu em Belém, uma cidade menor, mais pobre
e mais sem relevância política e econômica que esta? Se alguém
lhe dissesse que um excepcional vulto da história da humanidade
sairia desta cidade, o que você diria?” Miquéias previu o nasci­
mento do Messias na insignificante e inexpressiva Belém. Negar
sua inspiração é tarefa muito difícil para o incrédulo.
Miquéias é um homem que fala de maneira dura. Seu discurso
no capítulo 3 é objetivo, repleto de figuras de linguagem, e deve
ter doído nos ouvidos dos culpados. Ao mesmo tempo, porém, é
um homem com uma palavra de esperança. Havia falsos prega­
dores anunciando “paz, paz”, quando não havia paz (3.5). Eram
pregadores interesseiros, visando obter benefícios materiais. Ele
vê paz, mas só depois do arrependimento e pela atuação do Messias
por vir. Não há paz nem prosperidade no pecado. É muito signi­
ficativo para nós, e desconcertante para os céticos, que a esperança
messiânica não surja no exílio ou numa situação de miséria, mas
no fulgor econômico de ambos os reinos. Poder-se-ia alegar que,
em tempos de miséria, as pessoas projetam suas expectativas para
o futuro e criam seus messias e suas novas jerusaléns. Isto tem
acontecido ao longo da história, e até mesmo em Portugal e no
Brasil, com o chamado “sebastianismo”, o mito do retorno do rei
D. Sebastião. A esperança de Miquéias é projetada para o futuro
numa época de riqueza. Ele entende que os fundamentos estão
errados. Só a base verdadeira, do temor a Deus e da fé no Messias
por vir, é que poderia dar a Judá alguma esperança. Não há espe­
rança eterna nas riquezas humanas.
Miquéias, apesar de pouco estudado em nossas igrejas, é um
profeta altamente enriquecedor. Analisar seu livro e entender sua
pregação muito nos ajudará a nos situarmos numa sociedade que
manifesta pecados não muito diferentes dos da sua época. E é no
16
olhar confiante no Deus que dirige a História e que a faz cami­
nhar para o ponto por ele determinado que se pode exclamar:
“Eu, porém, confiarei no Senhor; esperarei no Deus da minha
salvação. O meu Deus me ouvirá” (7.7). Aprendamos a mensagem
deste grande homem de Deus do passado e a apliquemos às nossas
vidas.
NOTA
1. Vida dos profetas, capítulo 6, versículos 1 e 2. In: Macho Diez (ed.). Apócrifos
dei Antiguo Testamento, vol. II.

17
2
O ANÚNCIO DO JUÍZO

Ouvi, todos os povos; presta atenção, ó terra, e tudo o que


nela há; e seja testemunha contra vós o Senhor Deus, o Senhor
desde o seu santo templo. Porque eis que o Senhor está a sair do
seu lugar, e descerá, e andará sobre as alturas da terra. Os montes
debaixo dele se derreterão, e os vales se fenderão, como a cera diante
do fogo, como as águas se precipitam por um declive (1.2-4).
Que grande poeta é Miquéias! Que belas expressões utiliza ele!
Ter sido um homem do campo não significa que nosso profeta fosse
desprovido de beleza literária e homem de palavras rudes e toscas.
É de estilo fulgurante. Mas por trás das belas figuras de expressão,
o anúncio, em sua essência, é duro. Yahweh, o Senhor, vem.
“Ouvi” é a primeira palavra do profeta. Seu livro tem três
grandes divisões literárias que se tornam perceptíveis por essa
palavra. A primeira começa aqui, em 1.2. Começa com “ouvi”.
A segunda começa em 3.1. E novamente “ouvi” é o ponto de partida.
A última grande divisão está em 6.1. Mais uma vez encontramos
o imperativo “ouvi”. Miquéias reclama atenção para o que prega.
É óbvio que todos os pregadores querem atenção. Ninguém prega
esperando não ser ouvido. Seria muito estranho tal proceder. Mas
nosso profeta, com esse recurso, está realçando a seriedade daquilo
que fala. Não está a brincar. O que ele fala é sério. Como ficou
claro no versículo 1, é “palavra do Senhor” e não invenção sua.
É o dabhar Yahweh (“palavra do Senhor”, em hebraico), termo
técnico que designa uma revelação da parte de Deus. Essa palavra
“veio” (Versão Revisada) a Miquéias. Na edição Revista e Atua­
lizada, “em visão veio”. Na Bíblia de Jerusalém, é a palavra que
lhe “foi dirigida”. Essas três versões nos permitem entender o “ouvi”
enfático e iniciador da obra. Ele tem uma palavra da parte do Senhor
de Israel. Essa palavra, uma visão, precisa ser bem entendida, porque
19
mesmo nos arraiais evangélicos há muita confusão sobre o que
seja receber uma palavra da parte do Senhor. Não é estar fora de
si ou ser apossado de uma divindade estranha, como nos casos
do espiritismo brasileiro, que habilita a pessoa a dizer coisas que
não diria em seu estado normal. Cremos que o profeta é possuído
pelo Espírito de Deus, mas não no sentido de perder suas facul­
dades mentais e ser controlado por um poder alheio a ele. Até
mesmo João, no enigmático Apocalipse, está consciente de si. Não
se confunda revelação com psicografia espírita ou com entrar em
transe. Eis uma boa citação de Maillot-Leliévre:
Ao contrário do que muitas vezes se pensa e se escreve, os profetas,
pelo menos os maiores dentre eles, não eram neuropatas nem
pessoas de sensibilidade à flor da pele, mas homens que refletiram
muito e que procuravam descobrir o permanente atrás do acidental.
Mas, quando chegavam a uma convicção, esta os impregnava de
tal modo que se tornava um fenômeno psíquico, uma visão. O
profeta via então o que os outros homens não viam. Por trás do
fato comum ele via a causa... e não muitas vezes também as
conseqüências
O profeta não era um alienado, mas um homem lúcido, inte­
ligente, habilitado por Deus a ler os sinais da história. Este é o
sentido de um dos termos hebraicos para “profeta”, hòzeh ou ro’eh.
Assim diz Archer: “A implicação deste título era que o profeta
não seria iludido pela aparência externa das coisas, nem pelas falsas
impressões do mundo material, mas que perceberia as coisas
conforme realmente eram do ponto de vista do próprio Deus”.2
“Ouvi, todos os povos.” A palavra é “sobre Samária e Jeru­
salém” (v. 1), as capitais de Israel e de Judá, respectivamente. Mas
todos os povos são chamados. “Ele exorta o povo a dar ouvidos
às acusações de Deus contra eles, tendo o anfiteatro da terra inteira
como audiência.”3 Quem testemunha contra o povo é o próprio
Senhor. O profeta não o chama de “acusador”, mas como aquele
que tem um testemunho contra o povo. E não é um testemunho
descuidadcx, mas vem “desde o seu santo templo”. É um testemunho
forte, pois vem do templo santo. Vem com a autoridade de queixa
divina.
20
“O Senhor está a sair do seu lugar.” Ele não está inativo. Está
para sair e vir julgar. Mas, sair de onde? De que lugar? A resposta
vem do versículo 2: “do seu santo templo”. Lá ele está entronizado
no “Santo dos santos” e não num lugar comum. A figura de Deus
saindo do lugar, deixand9 seu trono, não é repetida com freqüência
no Antigo Testamento. É sempre para algum momento grandioso
na história do povo (veja-se, por exemplo, Êxodo 19.11 e 18). Então,
o que vai aparecer diante de nós merece todo o cuidado na análise.
Ele sairá e chegará para juízo. “A chegada de Javé para o
julgamento é teofânica: como no Salmo 50 (julgamento) ou 96
e 98 (reinado, governo); ver também Na 1; Hb 3; Sf 1.15 etc. A
rápida imagem sintetiza elementos de erupção vulcânica e de
terremoto, com função simbólica e não realista.”4 Uma teofania
se apresenta aos nossos olhos, portanto. Nela, os montes se derre­
terão e os vales se fenderão. A linguagem é simbólica e não real.
O texto é teofânico e não realista. A interpretação literal suscitará
muitos problemas. Miquéias procura mostrar a vinda de Yahweh
de forma dramática. Essa vinda, que outros profetas denominam
“dia do Senhor”, é sempre dramática. Joel, que é um deles, por
exemplo, a pinta em cores carregadas (como em J1 2.11 e 31).
Os montes são o que há de mais resistente na criação. São rijos
e, na literatura poética, símbolo do inabalável. “Aqueles que con­
fiam no Senhor são como o monte Sião, que não pode ser abalado,
mas permanece para sempre” (SI 125.1). Quando Yahweh chegar,
os montes se derreterão. O que em aparência é tão rijo se dissol­
verá. A figura da cera diante do fogo, usada no versículo 4, é bem
clara. Nada subsistirá.
Dois verbos não podem passar despercebidos no versículo
3. Eles é que comandam o processo a seguir: “descerá” e “andará”.
Deus não é omisso nem inativo. Ele está no seu trono, mas “desce”,
ou seja, sai dele e vai aonde os homens estão. E não é um obser­
vador passivo, indolente, mas “anda” no meio do pova No Apo­
calipse, a mesma figura é empregada. O Cordeiro que foi morto
mas vive “anda no meio dos sete candeeiros de ouro” (Ap 2.1).
Os candeeiros são as igrejas (Ap 1.20). Quer no Antigo quer no
Novo Testamento, Deus não está distante dos homens nem é mero
espectador dos eventos. Ele anda no meio do povo. Participa das
experiências e da história deles.
21
Quando Miquéias escreveu, o juízo estava em andamento.
Enquanto a liderança política presumia poder contorná-lo com
alianças com outras nações, vendo apenas variantes de uma conjun­
tura política, o profeta via a mão de Deus. Cego em sua
insensibilidade espiritual, o pecador não consegue ler a história
e ver o que Deus está fazendo. O profeta vê. Miquéias viu. Esta
é sua visão. Os acontecimentos de seu tempo não eram meros
eventos políticos, produto descontrolado e descoordenado de forças
militares e econômicas. Por trás de tudo estava Deus. Os eventos
não eram acidentes. Deus estava para sair de seu lugar. Estava para
descer e andar no meio do povo. Pôr isso, “ouvi, todos os povos”.
Por isso, “presta atenção, ó terra”. Bem-aventurado o que presta
atenção aos atos-de Deus na história.
São duas questões fundamentais que nós, cristãos, preci­
samos entender. Precisamos compreender que nosso Deus é o
Senhor da história. Que os eventos, mesmo os piores, conquanto
não sejam expressão direta de sua vontade, conduzem a história
no rumo desejado por ele. É o que lemos em Gênesis 50.20: “Vós,
na verdade, intentastes o mal contra mim; Deus, porém, o intentou
para o bem, para fazer o que se vê neste dia, isto é, conservar muita
gente com vida”. As sucessivas desgraças de José foram encami­
nhadas por Deus para um ponto positiva Ele nunca perde o
controle, embora, em certos momentos, tudo possa parecer nebu­
loso para nós. Lembre-se também de que, a despeito de estar predito,
e pelo próprio Miquéias, que o Messias haveria de nascer em Belém,
poucos dias antes do seu nascimento sua mãe estava a quilôme­
tros de distância dessa cidade. Foi um decreto de um pagão, César
Augusto, que obrigou Maria a viajar para Belém (Lc 2.1). Nenhuma
mulher grávida, às vésperas de dar à luz, faria uma viagem tão
longa e perigosa se não houvesse uma necessidade premente. Um
pagão fez a Escritura se cumprir, obrigando o jovem casal a uma
viagem sem sentido. O decreto era incômodo e trouxe transtorno
a Maria e José. Mas Deus se valeu dele. Esta é uma necessidade
nossa: entender que Deus está no comando da História. Ela vai
no rumo que ele estabeleceu. Até o que nos parece sem sentido
pode ser usado por ele. Quando cremos assim, uma profunda segu­
rança nos domina. Tudo vai terminar de acordo com o querer de
Deus.
22
A segunda questão já foi levemente mencionada no comen­
tário da primeira. É que Deus usa pagãos e incrédulos para dar
consecução ao seu querer. A Assíria era cruel e estava com seus
dias contados pela sua violência e iniqüidade. Mas Deus a estava
usando como instrumento de juízo sobre Israel e Judá. E o fato
de usar pagãos e incrédulos não significa que Deus lhes fica devendo
favores. Em Isaías 10.5, a Assíria é “a vara da minha ira”. Mas,
“ai da Assíria”. Deus usa quem quer, quando quer e não deve nada
a ninguém por isso. Guardemos essa mensagem em nosso coração.
Muitas vezes, pensamos que Deus nos deve favores porque estamos
engajados no seu reino. Ele não deve nada a ninguém. Nem a
ímpios, nem ao seu povo. O Soberano não deve favores aos súditos.
Mas não é só de juízo que o profeta fala. Esperança também
está na sua pauta, como veremos ao longo do comentário textual.
No entanto, registremos desde logo, para não se presumir que anda­
remos por uma estrada cheia somente de escolhos, sem refrigérios.
Há boas notícias no seu livro. Tenhamos, então, uma visão global
da obra, neste contexto. Os comentaristas gostam de dividir o livro
em quatro seções:
capítulos 1 a 3 — ameaças;
capítulos 4 e 5 — promessas;
capítulos 6 a 7.7 — ameaças;
capítulo 7.8-20 — promessas.
Como se vê, ameaças e promessas se alternam. Todavia,
Willis5 propôs uma divisão diferente, nos seguintes moldes:
Denúncia Salvação
1.2 a 2.11 2.12,13
3.1-12 4.1 a 5.15
6.1 a 7.6 7.7-20
A Bíblia de Jerusalém apresenta uma divisão mais simples,
de apenas quatro partes. Nelas, a condenação é mais acentuada,
por aparecer em duas divisões:
1. O processo de Israel — 1.2 a 3.12.
2. Promessas a Sião — 4.1 a 5.14.
23
3. Novo processo de Israel — 5.15 a 7.7.
4. Esperanças — 7.8-20.
Voltaremos mais vezes a esta divisão do livro. O que interessa
no momento é o fato de nos três esquemas aqui mostrados o anúncio
condenador não ser fruto de um Deus iracundo ou descontrolado,
mas algo que é feito na expectativa de que este sensibilize o povo
e o leve ao arrependimento. Após as queixas e as ameaças de conde­
nação, vem a oportunidade de recuperação. O juízo nunca é
anunciado sem que a graça seja oferecida. Quem é punido não
o é sem avisos e sem oportunidade de se arrepender. Neste capí­
tulo, vimos o anúncio do juízo. No próximo, veremos o porquê
de suá iminência. A seguir, veremos a graça anunciada.

NOTAS
1. MAILLOT. A. e LELIÈVRE, A. Atualidade de Miquéias: um grande “profeta
menor”, p. 26.
2. ARCHER, Gleason. Merece confiança o Antigo Testamento?,
p. 334.
3. SHEDD, Russel (ed.). O novo comentário da Bíblia, p. 880.
4. SCHOKEL, Alonso e DIAZ, J. L. Profetas, vol. II, p. 1.074.
5. SCHOKEL, Alonso e DIAZ, J. L. Op. cit., p. 1.066.
3
O PORQUÊ DO JUÍZO

Sucede tudo isso por causa da transgressão de Jacó, e por


causa dos pecados da casa de Israel. Qual é a transgressão de
Jacó? não é Samáría? e quais os altos de Judá? não é Jerusalém?
Por isso farei de Samáría um montão de pedras do campo, uma
terra de plantar vinhas; e farei rebolar as suas pedras para o vale,
e descobrirei os seus fundamentos. Todas as suas imagens escul­
pidas serão despedaçadas, todos os seus salários serão queimados
pelo fogo, e de todos os seus ídolos farei uma assolação; porque
pelo salário de prostituta os ajuntou, e em salário de prostituta
se tornarão. Por isso lamentarei e uivarei, andarei despojado e
nu; farei lamentação como de chacais, e pranto como de avestruzes.
Pois as suas feridas são incuráveis, e o mal chegou até Judá;
estendeu-se até a porta do meu povo, até Jerusalém. Não o anun­
cieis em Gate, em Aco não choreis; em Bete-Le-Afra revolvei-vos
no pó. Passa, ó moradora de Safir, em vergonhosa nudez; a mora­
dora de Zaanã não saiu; o pranto de Bete-Ezel tomará de vez a
sua morada. Pois a moradora de Marote espera ansiosamente pelo
bem; porque desceu do Senhor o mal até a porta de Jerusalém.
A ta ao carro o cavalo ligeiro, ó moradora de Laquis; esta foi o prin­
cípio do pecado para a filha de Sião; pois em ti se acharam as
transgressões de Israel. Por isso darás a Moresete-Gate presentes
de despedida; as casas de Aczibe se tornarão em engano para os
reis de Israel. Ainda trarei a ti, ó moradora de Maressa, aquele
que te possuirá; Chegará até Adulão a glória de Israel. Faze-te
calva, e tosquia-te, por causa dos filhos das tuas delícias; alarga
a tua calva como águia, porque de ti serão levados para o cativeiro
(1.5-16).
Até o versículo 4, quem falou foi Miquéias. Deus apareceu
como a terceira pessoa do discurso. Do versículo 5 até o 7, muda
25
-se o locutor; quem fala é Deus. Atente para os verbos que mostrafn
a ação divina: eles estão na primeira pessoa do singular. É Yahweh
quem fala agora e explica o porquê do juízo. Não necessita dar
satisfações, mas não julga o pecador sem lhe dizer que o está
fazendo e por que o faz. Se é soberano, não é mal-educado.
A razão do juízo é bem descrita no versículo 5: “Sucede tudo
isso por causa da transgressão de Jacó, e por causa dos pecados
da casa de Israel”. Não é por capricho de Deus, mas por causa
das transgressões do seu próprio povo contra sua santidade. O
pecado acarreta castigo. É uma ofensa a Deus, e sua presença na
vidá do povo de Deus é um desgosto para o Senhor.
Ambos os reinos são culpados. Tanto Judá (Jacó) como
Israel pecaram contra Deus. Israel nasceu sob o signo da idolatria,
com Jeroboão. Veja-se IReis 12.16-33 para localizar o surgimento
histórico do reino do Norte. Atente-se em particular para os versí­
culos 28-33, que mostram como a idolatria se firmou desde o início
do reino. Judá demorou mais a ser envolvido pela idolatria, pela
força da dinastia de Davi, que teve gente de firmeza espiritual.
Em Oséias 11.12 lemos: “Efraim me cercou com mentira, e a casa
de Israel com engano; mas Judá ainda domina com Deus, e com
o Santo está fiel”. Todos os reis de Israel foram idólatras, sem
exceção. Em Judá houve reis piedosos que evitaram uma desin­
tegração mais rápida do reino. Esta veio, mas custou um pouco
mais.
Na palavra de Deus através de Miquéias, a transgressão de
Judá (o reino do Sul) é Samária (capital do reino do Norte). Judá
também foi envolvido pela idolatria. Copiou os feitos errados de
Israel, de modo que tem seus “altos”. O que significa isto?
No Antigo Testamento, os “lugares altos”eram tradicionalmente
os locais de culto às divindades ligadas à fertilidade da terra, onde
a prostituição era o rito central. Era considerado um culto idolá-
trico porque significava uma traição ao culto a Javé. Ora, o culto
a Javé era a prerrogativa central de Jerusalém, considerada o sím­
bolo da aliança de Deus com seu povo. Desse modo, podemos
perceber a violência da acusação de Miquéias: de lugar de culto
a Javé, Jerusalém se tornou o local da idolatria, da prostituição.
Isso relembra o destino de Samaria (sic), que o profeta promete
26
também para Jerusalém: como conseqüência da idolatria, Jeru­
salém será arrasada e ficará em ruínas (1.6,7).1
Não era apenas a idolatria, como se esta fosse pouco. Uma
idolatria comum, como a que vemos hoje, com veneração de
imagens, já seria uma perversão religiosa. Era uma idolatria com
prática de sexo por sacerdotisas-prostitutas. Era o culto à fertili­
dade. “Por isso” (v. 7) virá juízo sobre Samária. Ela será um montão
de pedras do campo, o que parece significar terra inóspita. Outros
pensam que seria ainda fértil por ser uma terra de plantar vinhas.
Mas a idéia é mais de desabitação. Samária será terra abandonada.
Nasceriam vinhas sem cultivo, como em muitos lugares do Brasil
nascem árvores frutíferas sem cuidado humano.
As imagens esculpidas seriam despedaçadas. A idolatria seria
destruída. A expressão “salário de prostituta” indica que para Deus
toda a Samária era uma prostituta, como Israel o era para Oséias.
A infidelidade espiritual é vista por Deus como prostituição. É
a quebra do compromisso, do pacto assumido com ele. Como igreja
de Cristo, precisamos lembrar que firmamos um pacto com o
Senhor. Nossa infidelidade no relacionamento com ele, quando
deixamos de amá-lo ou quando colocamos nossa confiança em
recursos humanos, é prostituição. Pensamos muito em idolatria
como adoração de imagens. E nos orgulhamos porque não somos
idólatras. Mas muitos cristãos o são. Muitos de nós adoramos
conceitos, ideologias e instituições — e, não poucas vezes, nossas
opiniões pessoais, às quais atribuímos um caráter de sagradas.
Julgamos nossas opiniões infalíveis. Quantas dissensões têm surgido
nas igrejas por causa de gente que se vê como um oráculo infalível
e julga sua palavra pessoal como alguma coisa à qual toda a comu­
nidade tem de sujeitar-se!
Valorizamos muito mais essas coisas do que o evangelho de
Jesus. Há tempos, surgiu no cenário brasileiro uma empresa de
produtos diversos chamada Amway. Nada a dizer contra ela, até
mesmo por ser uma empresa como qualquer outra. Mas dizia um
membro de certa igreja que, se seu pastor fosse tão apaixonado
pelo evangelho de Cristo como o era pela Amway, a igreja estaria
explodindo de vida. Ele divulgava seus produtos com uma inten­
sidade com que não divulgava o nome do Salvador. Outro obreiro
engajou-se na campanha política de determinado candidato à Presi­
dência da República. A opção política é um direito de qualquer
cidadão, e daquele obreiro também. Mas se nunca pusera um plás­
tico evangélico em seu carro, ele pôs um do seu candidato em cada
vidro do veículo. Não era de distribuir literatura evangélica, mas
fazia “corpo a corpo” distribuindo os chamados “santinhos” do
seu candidato. Nossas emoções e nosso entusiasmo maior são pelo
Senhor Jesus, por sua obra, ou por nossos negócios e propósitos?
Discutimos com mais ardor sobre política e futebol do que falamos
de Jesus? Nossas emoções estão mais postas no reino de Deus ou
em futilidades? Vibramos mais com nosso clube de futebol do que
com o evangelho? Isto é idolatria: empolgar-se mais com essas
coisas do que com o reino de Deus, ter mais vigor e entusiasmo
com o fútil do que com o Eterno. Cuidado com as sutis formas
de idolatria da sociedade contemporânea!
No versículo 8, o profeta retoma a palavra. Vai lamentar,
uivar, andar despojado e nu, em sinal de lamento. Seu contem­
porâneo, Isaías, agiu da mesma maneira (Is 20.2,3). Realmente,
a situação não era das mais agradáveis. A partir daqui, Miquéias
anuncia o juízo divino sobre 12 cidades, algumas delas conhecidas,
como Gate, Zaanã, Laquis, Moresete-Gate, Aczibe, Maressa e
Adulão. Outras são ignoradas. É muito provável que o profeta esteja
falando da invasão de Senaqueribe contra Judá, em 701 (leia sobre
ela em Isaías 36 e 37). Essa invasão chegou até as portas de Jeru­
salém, mas lá Senaqueribe não conseguiu entrar. Deus não o
permitiu. Como lemos em Isaías 37.33-35: “Não entrará nesta
cidade, nem lançará nela flecha alguma; tampouco virá perante
ela com escudo, ou levantará contra ela tranqueira. Pelo caminho
por onde veio, por esse voltará; mas nesta cidade não entrará, diz
o Senhor. Pbrque eu defenderei esta cidade, para a livrar, por amor
de mim e por amor do meu servo Davi.” Isto está em consonância
com o versículo 9 de nosso texto: “estendeu-se até a porta do meu
povo, até Jerusalém.” Ficou na porta. Não entrou.
As feridas de Samária eram incuráveis. Não havia mais
remédio. A que ponto chega a dureza de coração! Uma pessoa
pode viver no pecado e acabar cauterizando a sua consciência a
tal ponto que não mais se sensibilize com a chamada ao arrepen­
dimento. Como devemos ser cautelosos com nossas atitudes! “Hoje,
28
se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações (...)”
(Hb 3.7,8) é uma boa exortação para nós.
As feridas não eram apenas incuráveis, mas também trans­
missíveis: “o mal chegou até Judá.” Já havia uma advertência contra
essa possibilidade em Oséias 4.15: “Ainda que tu, ó Israel, te queiras
prostituir, contudo não se faça culpado Judá.” Eis outra razão para
cuidarmos bem de nossa vida. Existe um elemento altamente trans­
missível no pecado. Ele se propaga com rapidez. Não se passa saúde
para outra pessoa, mas doenças contagiosas se propagam com faci­
lidade. Nossos pecados podem contaminar toda uma comunida­
de, pelo nosso mau testemunho, por um mau exemplo.
Porque o mal chegou até Judá, até a porta de Jerusalém
(v. 9), do Senhor desceu o mal até a porta de Jerusalém (v. 12).
0 profeta é bem claro: não importa até onde o mal tenha chegado.
Até ele chegará o juízo de Deus. Mesmo que tenha sido na pró­
pria casa de Deus o lugar aonde o mal tenha chegado, até aí
chegará o juízo de Deus. Devemos pensar nisto porque muitos
nutrimos um conceito estranho e até mesmo tortuoso: que Deus
não tolera o pecado no ímpio, mas o tolera no salvo. Para muitos,
Deus julgará implacavelmente os perdidos, exatamente por causa
dos seus pecados, mas fará vistas grossas ao pecado na presença
do seu povo/O mal havia chegado a Judá. O castigo chegaria a
Judá. Foi ao seu próprio povo que Deus disse: “(...) o vosso pecado
vos há de atingir” (Nm 32.23). O pecado em nossa vida será
cobrado. Não pensemos que temos liberdade para pecar à vontade.
“Chegará até Adulão a glória de Israel” (v. 15b). Depois de
uma série de invectivas contra cidades, aldeias e lugarejos de Judá
praticamente desconhecidos, chega-nos essa expressão. O que está
por trás dela? Afinal, trata-se da glória de Israel, a qabhôd. Em
1Reis 8.11, a palavra é usada para Deus, quando a qabhôd-Yahweh
encheu o templo que Salomão acabara de dedicar. Agora, Mi-
quéias nos diz que ela chegará até Adulão. Esse foi o lugar onde
Davi se asilou quando fugia de Saul (ISm 22.1). A glória de Israel
iria para lá. Para o comentarista da Bíblia de Jerusalém, em nota
de rodapé, o texto deveria sofrer uma correção, e se leria, então:
“De Adulão irá embora, para sempre, a glória de Israel”. Sua obser­
vação é esta: “Yahweh vai abandonar o lugar onde a dinastia
começou seus feitos heróicos”.2 É um pouco problemático fazer
29
correções ao texto, mesmo sabendo que muitas vezes ele foi corrom­
pido e que nem sempre as traduções espelham com fidelidade o
sentido que o autor sagrado quis dar. Mas esbarramos num
problema que não podemos deixar de considerar: será que, por
centenas de anos, exegetas bem preparados, nativos no uso da
língua, não viram isto? O bom senso é também uma ferramenta
hermenêutica e exegética: na dúvida, é bom verificar o que intér­
pretes mais próximos dos eventos entenderam. Trata-se de uma
questão não mais técnica, mas de conteúdo: os feitos heróicos da
dinastia de Davi começaram de fato por Adulão, onde ele se
escondeu? O comentarista da Bíblia de Jerusalém aceitou a palavra
qabhôd para se referir exclusivamente a Deus. Isto tornou tortuoso
seu entendimento.
Parece mais acertado o comentário de Carlson: “A nobreza
fugirá para Adulão, famosa por suas cavernas; os homens que deve­
riam estar na frente da batalha ficarão escondidos”.3 Faz mais
sentido porque a aplicação do termo qabhôd não se restringe a
Deus; com as acepções de “honra, peso, importância”, também
se usa para a grandeza humana. Os homens ilustres de Israel, na
hora da crise, em vez de liderar seu povo, fugiriam.
Com uma situação tão calamitosa por vir, o povo é chamado
ao luto, no versículo 16. Raspar a cabeça (“faze-te calva”) e a barba
(“tosquia-te”) eram sinais de luto (Jr 16.6; Ez 27.31). Ele deve ser
expressado pelo povo.
Não é uma mensagem que o profeta prega com alegria.
Embora haja pregadores doentios, com prazer em agredir o audi­
tório, ele não é um sádico. O versículo 8 diz bem do seu estado
emocional. Ele lamentará, uivará, andará nu em sinal de tristeza.
Mas é uma mensagem que deve ser transmitida. Pbr certo, não
seria o que o povo estava desejoso de ouvir, mas era o que o povo
precisava ouvir. Os profetas de Deus não foram chamados para
massagear o ego do povo e tampouco para acalmar suas cons­
ciências em pecado. Foram chamados para exortar o povo à
mudança de vida, à correção de suas atitudes e ao abandono do
pecado. Em dias como os nossos, em que há pregadores especia­
listas em chamar o povo para ser rico, ter saúde e prosperidade
contínua, dias em que a palavra “pecado” saiu de moda, é bom
levantarmos a bandeira de um Deus moral que exige retidão e pede
30
o abandono do pecado. Para nós, cristãos, uma advertência muito
séria: Deus julga o pecado onde quer que este se encontre — inclu­
sive em nossas vidas. Aprendamos a viver com seriedade e retidão
diante de Deus. Ele espera isso de nós. E será muito bom para
nossas vidas.
NOTAS
1. BALANCIN, Euclides e STORNIOLO, Ivo. Como ler o livro de Miquéias,
p. 14. Os autores transliteram o nome de Deus como Javé e optam por Samaria,
em vez de Samária, que usamos aqui, seguindo a Versão Revisada.
2. Bíblia de Jerusalém, nota de rodapé, comentário in loco.
3. PFEIFFER, Charles e HARRISON, Everest (eds.). Comentário bíblico Moody,
vol. III, p. 313.
4
UM ABISMO CHAMA OUTRO ABISMO

A i daqueles que nas suas camas maquinam a iniqüidade e


planejam o mal! quando raia o dia, põem-no por obra, pois está
no poder da sua mão. E cobiçam campos, e os arrebatam, e casas,
e as tomam; assim fazem violência a um homem e à sua casa, a
uma pessoa e à sua herança. Portanto, assim diz o Senhor: Eis
que contra esta família maquino um mal, de que não retirareis
os vossos pescoços; e não andareis arrogantemente; porque o tempo
será mau. Naquele dia surgirá contra vós um motejo, e se levan­
tará pranto lastimoso, dizendo: Nós estamos inteiramente
despojados; a porção do meu povo ele a troca; como ele a remove
de mim! aos rebeldes reparte os nossos campos. Portanto, não terás
tu na congregação do Senhor quem lance o cordel pela sorte (2.1-5).
A Bíblia d& Jerusalém intitulou este trecho de “Contra os.
usurários”. Vanios entender seu contexto, transcrevendo duas
citações. Na sua leitura, poderemos compreender bem o que está
se passando.
Quando as tribos se instalaram na Terra Prometida, os territórios
foram sorteados fraternamente, para que cada família tivesse o
seu lote. Agora, os ricos e os poderosos, pouco a pouco, vão tomando
cada vez mais campos e casas. Desse modo, junto aos latifúndios,
muitas famílias ficam na miséria, impossibilitadas de ter a sua parte
na terra do povo de Deus. Mas o profeta anuncia o julgamento:
em breve o invasor tomará tudo, e não haverá mais um povo, pois
a terra pertencerá aos estrangeiros.1
A outra citação caminha junto com esta, mas nos lança mais
luzes:
33
Miquéias denuncia a violação da aliança no Sinai. A propriedade
fundiária pertence às tribos e às famílias e não podia ser alienada.
A tendência monopolista e a exploração do próximo rompiam a
comunhão fraterna do povo (cf. lRs 21.1-16). Por isso a ameaça
de perda total da terra em favor dos estrangeiros.2
A ganância superou a fraternidade e estava colocando a exis­
tência da nação em perigo. Ela semeia a injustiça e colhe a punição
divina.
Uma boa observação sobre o teor deste capitulo foi feita por
E B. Meyer: “O capítulo anterior focaliza pecados contra a primeira
tábua da lei; este fala de pecados contra a segunda”.3 Oportuna
e lúcida consideração. Costuma-se pensar nos Dez Mandamentos
em duas tábuas. A primeira contendo os quatro primeiros, alusivos
aos deveres para com Deus. São os mandamentos verticais, na
relação de Israel para com Yahweh. A segunda contendo os seis
últimos, alusivos aos deveres para com o próximo. São os man­
damentos horizontais, na relação entre as pessoas. Quando se
quebrar a primeira tábua, inevitavelmente se quebrará a segunda.
“Um abismo chama outro abismo” (SI 42.7). Quando não há
temor de Deus, não há respeito aos homens. Neemias, como gover­
nador, não oprimiu o povo, não lhe tomou pão e vinho nem
dinheiro. E deu a razão: “(...) eu assim não fiz, por causa do temor
de Deus” (Ne 5.15). Quando há temor de Deus, há retidão. Quando
não há, é pouco provável. Poderá haver, pois o homem traz dentro
de si uma centelha divina. Mas a força do pecado que domina
pessoas e corrói estruturas é muito grande e não pode ser ignorada.
Israel e Judá estavam desacertados espiritualmente. Como
conseqüência inevitável, experimentavam desacertos na estrutura
social e nos relacionamentos humanos. Hoje, tenta-se encontrar
explicações sociais e políticas para as diversas crises de relaciona-
I mento no seio de nossa sociedade. Não se pode sociologizar tudo.
Na raiz dos desajustes está uma palavra que não pode ser banida
do vocabulário humano, embora muitos tentem fazê-lo: pecado.
Ele é a desgraça das nações (Pv 14.34).
“Ai daqueles (...)”. O “ai” era uma exclamação punitiva, indi­
cando sempre um juízo sobre alguém. Ai dos exploradores! E que
exploradores! A Bíblia na linguagem de hoje verteu assim o versí-
34
culo 1: “Ai daqueles que antes de se levantarem de manhã já fazem
planos para explorar e maltratar os outros! E logo que se levantam,
fazem o que querem, pois são poderosos!” Que tipo de gente!
E que atividade! Antes de se levantarem já estão planejando o
mal. E, saídos da cama, executam-no. “Está no poder da sua mão”
(v. 1) significa que são poderosos. Mas há uma mão mais forte que
a dos poderosos na terra. Há poder acima do dos homens. É a
mão de Deus. É o poder de Deus. Não se escapa dele.
Jezabel agiu assim. Tomou a vinha de Nabote, levando-o à
morte (lRs 21.5-16). Tinha poder para fazer isto e presumiu que
ficaria impune. Com freqüência, os poderosos julgam que podem
fazer o que querem. Mas Deus agiu. “Também acerca de Jezabel
falou o Senhor, dizendo: Os cães comerão Jezabel junto ao ante-
muro de Jizreel” foi a palavra imediatamente enviada por meio
de Elias (lRs 21.23). Existe um Deus moral que pune os pecados
dos homens, ensina a Bíblia. E isto não é história da carochinha.
A História humana o comprova.
O versículo 2 descreve a ação dos cobiçosos. O texto mostra-
os tomando as casas e as terras dos pobres. Isto era feito legalmente,
usando-se as prisões por dívidas, recursos que os credores utilizavam
para se apoderar dos bens dos endividados. A justiça humana pode
ser muito cruel com os fracos e generosa com os poderosos, que
muitas vezes fazem as leis e sabem aproveitar-se das brechas nelas
deixadas para poderem agir. Muito mal costuma ser feito, não contra
a lei humana, mas com o respaldo das leis dos homens, até. Espe­
cialistas em torcê-las, alguns técnicos conseguem achar brechas
para favorecer os maus. Sabemos disso muito bem.
“Cobiçam campos” é uma violação explícita do décimo
mandamento. Diz Êxodo 20.17: “Não cobiçarás a, casa do teu
próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo,
nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa
alguma do teu próximo.” Tanto em Miquéias como em Êxodo temos
o verbo hebraico hamad, que significa uma violação deliberada
e cínica da propriedade alheia. Uma posse do alheio planejada
e bem calculada.
Esta é uma questão na qual devemos pensar seriamente.
Nossas igrejas são muito zelosas com os pecados na esfera do sexo.
E não estão erradas no seu zelo, deve-se dizer. Quantas atas de
35
igrejas registram exclusões “por quebra do sétimo mandamento”,
expressão que se tornou conhecida pelo seu uso em tais ocasiões.
Mas o que dizemos aos cobiçosos e exploradores? Por que tantas
igrejas e líderes, em tantas ocasiões, têm bajulado políticos corruptos
e sabidamente comprometidos com a opressão e com a exploração
do pobre? Quantos têm sido excluídos de nossas igrejas por quebra
do décimo mandamento? Quando vemos pastores impondo as mãos
sobre a cabeça de homens reconhecidamente ímpios, “ungindo-os
em nome do Senhor” na sua campanha política, não é lícito
perguntar se não está havendo um caso de oportunismo de ambas
as partes? É justo usar o nome de Deus para projetos políticos
pessoais? É esta a nossa função, legitimar o poder muitas vezes
conseguido e mantido pela cõrrupção? Seria isto que ocupava a
mente de Jesus ao dizer “edificarei a minha igreja”?
Yahweh estava planejando um mal contra os exploradores.
Era algo de que não conseguiriam retirar os pescoços. Eles tinham
seus planos. Deus tinha os dele. Por isso é muito bom o título que
a New International version deu a este trecho: “Os planos do homem
e os planos de Deus”. Os ímpios fazem seus planos. Deus faz os
dele— que se chocam com os dos ímpios e os aniquilam.
É curiosa a expressão “não retirareis os vossos pescoços1”.
Lembramo-nos de imediato da guilhotina, que decapita os
sentenciados. Mas evidentemente não é esta a figura. A terrível
guilhotina não era conhecida dos hebreus. É uma alusão aos pesados
jugos que os assírios punham nos pescoços dos seus vencidos, a
quem traziam como escravos. Claramente Deus está assumindo
a responsabilidade por enviar Senaqueribe para dominá-los e
escravizá-los — o que fez com Israel e com muitos de Judá, embora
não entrasse em Jerusalém. Deus estava trazendo um jugo do qual
não poderiam livrar-se.
Quando isto acontecer, serão objeto de zombaria, e eles lamen­
tarão sua situação (v. 4). “Aos rebeldes reparte os nossos campos”
é referência aos invasores estrangeiros que possuiriam suas terras.
Exploraram, tomaram-na dos outros, mas não ficarão com elas.
Outros as tomarão. Citando Crabtree:
Os assírios praticavam o costume de levar em cativeiro os ricos
das terras que conquistavam e deixar seus compatriotas no domínio
36
dos países subjugados. Deste modo, os israelitas ricos verão a sua
valiosa propriedade distribuída entre assírios e os pobres deixados
na terra, e depois sofrerão a maior degradação ao serem levados
como escravos para o estrangeiro,4
“Não terás tu na congregação do Senhor quem lance o cordel
pela sorte”, diz o versículo 5. É a figura de repartir a terra em sorteio,
o que sucedeu quando da entrada na terra de Canaã, como se lê
em Josué 14 em diante. Esses exploradores, além de sofrerem o
castigo pela invasão assíria e pelo despojamento de suas terras,
serão excluídos da herança do Senhor. De fato, isto aconteceu. As
dez tribos do Norte, apesar de tantas lendas sobre elas, desapare­
ceram. Perderam sua parte e perderam seus representantes.
A lição que fica deste texto é muito clara: os exploradores
dos pobres sofrerão o juízo divino. Pagarão seus pecados. Por mais
poderosos que sejam, não estão imunes à mão de Deus. Mesmo
reconhecendo isto, não podemos, no entanto, concordar com o
uso que se faz da visão social dos profetas em geral, e de Miquéias
em particular, para apologia da violência. Na sua obra Como ler
o livro de Miquéias, que, reconheça-se este mérito, dá uma exce­
lente visão global do livro do profeta, Balancin e Storniolo fazem
uma pergunta, para discussão em grupo, após estudarem a crítica
profética à exploração dos pobres: “O que pensar da ocupação de
terras? É roubo ou recuperação?”5 A pergunta é tendenciosa.
A resposta pode ser outra pergunta: “Ao se ocupar uma terra não
se está cometendo também a violação do décimo mandamento?”
Pobres também pecam, também cobiçam e também erram. Parti­
dários da teologia da libertação, os autores, católicos, esquecem
que sua igreja possui, conforme o jornal O Estado de S. Paulo,
178 mil hectares de terras, distribuídos em 1.268 imóveis rurais.6
Não são apenas os pagãos que são latifundiários. Igrejas também.
Talvez, melhor do que pregar invasão de terras, seja distribuir as
suas. Afinal, assim faziam os cristãos, como o exemplo de Barnabé
nos mostra, em Atos 4.36,37.
Há injustiças sociais gritantes em nosso país. Há uma iníqua
concentração de renda nas mãos de uma minoria. Mas o texto
bíblico não incita invasões. Há injustiças e corrupção em várias
esferas do país, mas a violência produz apenas mais violência. Ria
37
não é a parteira da História, mas a coveira da História. Em geral,
apenas o pobre, que é o mais fraco nos elos da corrente social.
O poderoso quase sempre escapa ileso. Como cristãos, à luz dos
princípios da Palavra de Deus, devemos lutar por melhores
condições para o povo, devemos usar e esgotar todos os recursos
humanos legais, devemos estender a mão ao pobre, orar por ele
e também pelo poderoso, em obediência a ITimóteo 2.1,2. Devemos
exercer uma ação sadia em prol dos necessitados, mas nunca retri­
buir o mal com o mal.
NOTAS
1. Bíblia Pastoral, nota de rodapé, comentário in loco.
2. Bíblia Vozes, nota de rodapé, comentário in loco.
3. MEYER, F. B. Comentário bíblico devocional, p. 431.
4. CRABTREE, A. R. Profetas menores, p. 142.
5. BALANCIN, Euclides e STORNIOLQ, Ivo. Como ler o livro de Miquéias, p. 22.
6 .0 Estado de S. Paulo, artigo publicado em 16 de maio de 1980.

38
5
A REAÇÃO CONTRA O PROFETA

Não profetizeis; assim profetizam eles — não se deve profe­


tizar tais coisas; não nos alcançará o opróbrio. Acaso dir-se-á isso,
ó casa de Jacó: tem-se restringido o Espírito do Senhor? são estas
as suas obras? e não é assim que fazem bem as minhas palavras
ao que anda retamente? Mas há pouco se levantou o meu povo
como um inimigo; de sobre a vestidura arrancais o manto aos que
passam seguros, como homens contrários à guerra. As mulheres
do meu povo, vós as lançais das suas casas agradáveis; dos seus
filhinhos tirais para sempre a minha glória. Levantai-vos, e ide-
vos, pois este não é lugar de descanso; por causa da imundícia
que traz destruição, sim, destruição enorme. Se algum homem,
andando em espírito de falsidade, mentir, dizendo: Eu te profeti­
zarei acerca do vinho e da bebida forte; será esse tal o profeta deste
povo. Certamente te ajuntarei todo, ó Jacó; certamente congre­
garei o restante de Israel; pô-los-ei todos juntos, como ovelhas no
curral, como rebanho no meio do seu pastor; farão estrondo por
causa da multidão dos homens. Subirá diante deles aquele que
abre o caminho; eles romperão, e entrarão pela porta, e sairão por
ela; e o rei irá adiante deles, e o Senhor à testa deles (2.6-13).
Com este texto entramos num dos momentos mais difíceis
para interpretação, no livro. Ao mesmo tempo, o tema abordado
é de extrema atualidade, o da injustiça social legitimada pela reli­
gião. Veremos como os pecadores se escudam em conceitos religiosos
para manter sua situação inalterável, como se valem de Deus e
de sua palavra para acalmarem suas consciências e justificarem
seus pecados. É uma classe cínica, a que Miquéias enfrenta agora,
a que crê em Deus e o usa para legitimar sua prática pecaminosa.
Gente que se apóia em Deus e nas tradições religiosas para perpe­
39
tuar a injustiça. Não é uma classe que desapareceu com o tempo.
Pelo contrário. Hoje, vê-se muita gente usando Deus e a Bíblia
para justificar posições pecaminosas. Em um programa televisivo
de entrevistas, um ex-pastor, que no passado se notabilizou por
ganhar um concurso de conhecimento bíblico pela televisão (numa
época em que os evangélicos eram inexpressivos), fez a apologia
do homossexualismo, utilizando-se da amizade de Davi e Jônatas
para provar sua tese. O apresentador do programa, Jô Soares, ficou
tão perplexo, que, embora não sendo crente, contestou as teses do
ex-pastor. A que ponto se chega, quando se perverte a Palavra de
Deus! Ser corrigido por não-crentes! E como se pode usar a Bíblia
para tentar justificar o pecado!
Miquéias fala de juízo. Os seus ouvintes, poderosos na
economia e no pecado, contestam-no. É assim que começa nosso
texto. Os líderes da nação iniciam sua fala (v. 6 e 7). Vejamos a
tradução dos versículos 6 e 7, na Bíblia na linguagem de hoje:
“O povo me diz: — Pare com essas profecias! Não diga isso!
Não é possível que Deus faça a desgraça cair sobre a gente! Será
que o povo de Israel está amaldiçoado? Será que o Deus Eterno
está irritado? É assim que ele age?”
Miquéias deve parar de profetizar como vem fazendo. Deve
falar coisas boas. Foi a proposta que fizeram a Micaías, profeta
chamado a aconselhar Acabe: “Eis que as palavras dos profetas,
a uma voz, são favoráveis ao rei; seja, pois, a tua palavra como
a de um deles, e fala o que é bom” (lRs 22.13). A resposta de
Micaías, a única que um autêntico homem de Deus poderia dar,
foi esta: “Vive o Senhor, que o que o Senhor me disser, isso falarei”
(lRs 22.14). Esta sua resposta deve ser a postura da Igreja de Cristo
aos que querem cortejá-la e atraí-la para suporte.
O mundo corteja a liderança religiosa que com ele compactua.
Tendo sido inexpressivos no passado, os evangélicos brasileiros,
hoje, são um contingente significativo da população. Muitos dos
seus líderes são bajulados pela liderança política, que vê neles possi­
bilidade de penetração nas camadas populares. Satisfeitos porque
agora não são mais “gentinha”, mas pessoas a quem o poder procura,
muitos líderes aceitam o abraço mundano e corrupto de gente sem
qualquer qualificação espiritual e moral. Sentem-se lisonjeados,
quando, ná realidade, são usados. Não devemos nos preocupar com
40
a busca de aplauso e de concordância do mundo. “Não ameis o
mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor
do Pai não está nele” (lJo 2.15).
Há líderes religiosos que buscam popularidade junto ao
mundo. Há um movimento religioso no Brasil (que tenta fazer uma
síntese do espiritismo, do esoterismo, do catolicismo e de alguns
conceitos bíblicos, para ser a religião brasileira) que publica colunas
em jornais brasileiros. A tônica é citar declarações de autoridades
elogiando o trabalho do grupo e do seu líder, que criou uma incrível
estrutura de promoção do culto à personalidade. Como o dirigente
do movimento que pretende ser a religião ecumênica do Brasil se
promove! E a busca de aplausos, de aceitação do mundo, é usada
por ele para mostrar seu valor. Isto é deplorável!
A religião é um campo fértil para o culto à personalidade
de líderes humanos. Como há pessoas emocionalmente doentes
se promovendo à custa de Deus, enaltecendo-se e projetando seu
nome! Como há desequilibrados usando a religião para promover
o seu eu opaco! Veja-se esta notícia publicada na revista Ultimato,
sob o título “Absurdo”: “Melhor seria se fosse erro de revisão, mas
não é. Para apresentar o autor de um livro sobre o Espírito Santo,
lançado recentemente em Brasília, alguém escreveu o seguinte sobre
o escritor: ‘(Fulano) é uma destas lâmpadas com maior capacidade
de receber a luz de Deus. O Senhor tem mantido com ele uma
comunhão plena, tem transmitido a ele seus segredos, e mostra
os planos e propósitos para estes dias (...)”’. A seguir, vem o comen­
tário da revista sobre a nota: “Até então era o homem quem deveria
manter plena comunhão com Deus e não o contrário”.1A obser­
vação final da revista é suficiente para pôr abaixo a ridícula
pretensão do texto, mas, que horror! Como pode haver tanto pemos-
ticismo assim no cenário evangélico? E a tão preciosa doutrina
do sacerdócio universal de todos os crentes? E a revelação plena
e cabal, nas Escrituras Sagradas, posta ao alcance do povo de Deus?
Pbr que se tenta ressuscitar o catolicismo, com a idéia de uma casta
privilegiada que tem acesso a Deus, enquanto a plebe ignorante
tem de recorrer às “lâmpadas com maior capacidade”?
É também um campo fértil para a manipulação de pessoas,
o que verificamos com abundância de provas. São poucos os que
querem levar o povo à maturidade para tomar suas decisões e agir
41
de acordo com sua consciência cristã. O que a Bíblia ensina em
Efésios 4.1-16 é bem claro: o povo de Deus deve alcançar a matu­
ridade e não ser criança sempre conduzida pela mão.
Miquéias não tinha como preocupação ganhar um concurso
de popularidade junto à classe dirigente de sua época. Não tinha
como preocupação projetar seu nome como “grande servo de Deus”.
Queria ser fiel aos padrões do seu Deus. Numa campanha de evan­
gelização numa cidade brasileira, alguns cartazes fòram colocados
nos postes: “Sua vida vai mudar. Fulano de tal (o nome do pregador)
em (...) (o nome do lugar)”. A vida da pessoa não mudaria pela
ação do Espírito de Deus ou pela conversão a Jesus Cristo, mas
pelo pregador. Um caso típico de nova versão de uma oração costu­
meira em nosso meio: “Esconde a cruz de Cristo atrás do teu servo”.
Isto é um escândalo, um abominável culto à personalidade» forma
insidiosa e abrandada de idolatria. Devemos rejeitar pessoas que
usam o evangelho como trampolim para sua projeção. O culto à
personalidade humana, no cenário evangélico, é uma perversão
do serviço cristão.
A resposta de Miquéias é exemplar. É ele quem fala a partir
do versículo 8. Eles protestaram contra as ameaças do profeta, utili­
zando o argumento da aliança entre Israel e Yahweh. A resposta
que Miquéias dá é que a aliança foi rompida pelos pecados do
povo e pela injustiça da elite dirigente.
O profeta não os vê como beneméritos do povo (como a classe
política gosta de se intitular). Ele os vê como inimigos do povo.
A Bíblia Loyola traduziu assim o versículo 8: “Vós, porém, vos
ergueis como inimigos contra o meu povo”. Não é ele, Miquéias,
o inimigo. São eles, os homens que dizem defender os direitos do
povo, mas que constroem riquezas à custa da miséria do mesmo
povo cujos interesses dizem defender (isto não nos soa tão atual?).
Miquéias se recusa a falar o que os pecadores querem. Há
um excelente livro de Francis Schaeffer, Death in the çity, em que
ele analisa o livro de Jeremias.2 Os contemporâneos de Jeremias
queriam ouvir coisas boas, queriam afagos. O profeta falava coisas
duras, que os desagradavam. O Dr. Schaeffer mostra que eles
queriam “um eco” às suas palavras. Que, em sua pregação, o grande
profeta apenas ecoasse o desejo deles. O erradamente chamado
“chorão” (na realidade, Jeremias é um gigante espiritual) se recusou
42
a ser um “eco”. Ele queria ser “palavra de Deus”. O que Schaeffer
propõe é um dilema para a igreja contemporânea: o que ela quer
ser, eco dos homens ou palavra de Deus?
A classe política arranca a roupa do povo (v. 7), expulsa
as viúvas de suas casas (v. 8) e “dos seus filhinhos tirais para
sempre a minha glória” (v. 8). Esta última expressão alude aos
filhos dos pobres vendidos como escravos. Vender alguém como
escravo era tirar-lhe a glória de Deus que nele estava. Não mudou
muito. Há homens cobiçosos e exploradores que sujeitam os
necessitados a uma situação em que a dignidade deles lhes é
alienada.
Por causa disso, vem a declaração dura no versículo 10:
“Levantai-vos, e ide-vos, pois este não é lugar de descanso”. O mau
hábito de tirar passagens do seu contexto já fez com que este versí­
culo fosse utilizado como divisa numa campanha missionária, como
se fosse uma exortação a deixar o descanso e trabalhar para Deus.
Não é disto que o texto trata. É de juízo. A Bíblia na linguagem
de hoje deixou bem claro o que está sendo dito: “Saiam daqui!
Vão embora! Pois não é este o lugar onde vocês vão descansar
em paz. Aqui há tanta gente desonesta e sem-vergonha, que a
destruição vai ser total”. “Descanso” não é a atitude de “pernas
para o ar”. A leitura de Josué 1.13-15; 21.43,44 e 22.4 nos mostra
que, assim como Deus descansou quando completou sua obra,
quando a obra divina se completasse na vída do povo de Israel,
eles entrariam em descanso. Em vez de ociosidade, entrar*em
“descanso” é entrar na totalidade das bênçãos de Deus. É este o
sentido do texto também em Hebreus 4.1-11. E é este o sentido
em Miquéias 2.10. Eles não experimentariam as bênçãos de Deus.
Iriam para o cativeiro. Isolar passagens bíblicas do seu contexto
pode produzir esta curiosa situação: fazer a Bíblia dizer eWa-
mente o oposto do que está dizendo.
O versículo 11 traz a resposta de Miquéias ao dito nos versí­
culos 6 e 7 pelos seus opositores. Eles prefeririam, por certo,
um profeta com uma mensagem boa. A Bíblia de Jerusalém
traduziu assim o versículo: “Se há um homem que corre atrás do
vento e inventa mentira: ‘Eu te vaticino vinho e bebida embria­
gadora!’ ele seria o vaticinador desse povo”. Eis uma observação
que nos ajuda a entender o sentido do texto: “O verbo traduzido
43
por ‘vaticinar’, aqui e no versículo 11, significa literalmente
‘pingar’ e é tomado, geralmente, em sentido pejorativo”.3
Outra tradução para facilitar nossa compreensão é a da
Bíblia Vozes: “Se um homem correr atrás do vento e inventar
mentiras: ‘Eu profetizo para ti por vinho e por bebida embriaga­
dora!’ ele seria o profeta desse povo”. Numa versão, o profeta
profetizaria festividade (vinho e bebida). Noutra, profetizaria em
troca de bebida. Nos dois casos, não se prega pelos motivos corretos,
ou seja, anunciar a vontade de Deus. Prega-se por interesse e para
agradar. É o espírito de mentira e de falsidade que opera no mundo
e que leva ao desvirtuamento da Palavra de Deus. Sobre esta
expressão, diz-nos Yates: “A adivinhação, a bruxaria, a superstição
e a idolatria prevaleciam em toda a terra. As práticas religiosas
da Assíria e os cultos sensuais estrangeiros haviam influenciado
muito profundamente a nação, numa conduta para o mal”.4
“Miquéias continua sua intervenção indicando o tipo de
‘profeta’ de que essa gente gosta. Aquele que fala de vaidades e
fala mentira, convidando à boa vida, a não se preocupar com
nada”.5 Sim, é este o tipo de profeta que o mundo deseja: o festivo
e promissor. O que oferece bênçãos e não chama ao arrependi­
mento. É por isso que os pregoeiros da teologia da prosperidade
têm suas igrejas cheias. Mas o impacto cristão no mundo, com
a ética de Cristo, continua escasso. Há muita gente interesseira,
mas há poucos santos.
Os versículos 12 e 13 quebram o sentido do que vinha sendo
discutido. Por isso, alguns querem ver aqui um possível acréscimo
pós-exílico. A Bíblia Pastoral, francamente pró-teologia da liber­
tação, diz ser um “acréscimo dos pobres”. Como se definiu a situação
econômica dos possíveis redatores não nos é dito. Mas, para quem
sacraliza os pobres e sacramentaliza a pobreza, a interpretação
satisfaz, mesmo não sendo plausível nem provável. É muito arris­
cado dar um texto como enxerto e até definir a situação econômica
dos prováveis enxertadores, sem que o texto deixe isso evidente.
É um exercício de adivinhação.
É certo que o profeta anunciou a destruição (v. 10). Mas
também é certo que há algum sentido na palavra dos opositores
de Miquéias (v. 6 e 7). Afinal, e as promessas de Yahwehl O profeta
fala, então, de restauração. Deus refará o povo. Lembrando que
44
Isaías é contemporâneo de Miquéias, a idéia também está presente
no chamado “príncipe dos profetas”. Uma longa série de passa­
gens poderia ser alistada aqui. Aos que desejarem vê-las também
inseridas no exílio (na segunda parte, que alguns chamam de
“Segundo Isaías”, datando as profecias do capítulo 40 em diante
como sendo do exílio), lembramos que em 1.9 já se fala de restau­
ração. Não é uma idéia pós-exílica, mas surge junto com a
condenação. Israel e Judá estavam condenados, mas Deus não
estava de mãos atadas. Seu plano seguiria. Ele faria o povo nova­
mente, a partir dos retornados. Não é preciso “reinventar” ou dar
uma nova data à Bíblia. Basta aceitar sua inspiração.
O versículo 13 fala “daquele que abre o caminho”. A Bíblia
Anotada traz nota de rodapé dizendo que alude ao Messias. Mas
o Messias não veio com os restaurados do cativeiro, liderando o
povo. A leitura dos versículos 12 e 13 se encaixa bem na descrição
de Schõkel e Diaz: “A imagem é pastoril: Javé é dono e pastor
(SI 23); o rei pode ser o seu maioral ou cabresto; as ovelhas cons­
tituem rebanho compacto e ruidoso, elas saem do aprisco em direção
a pastagens escolhidas (...) Javé chefia a marcha em direção” à
pátria.6 É o que diz o texto: “o Senhor à testa deles.” Porém, a
monarquia não continuou. O retorno do cativeiro não reconsti­
tuiu a monarquia, mas trouxe nova forma de governo, a hierocracia,
o governo dos sacerdotes. Não houve rei “adiante deles”, mas Mi­
quéias raciocina nos termos de sua época e para o entendimento dos
seus ouvintes, que só podiam pensar num povo liderado por reis.
Os que ouvem a correção anunciada, em vez de reagirem
contra a admoestação, devem arrepender-se Em vez de compac­
tuar com o pecado, a Igreja de Cristo deve proclamar o juízo divino
sobre ele. E declarar, também, que a graça e a misericórdia estão
sempre diante do homem, para que este se arrependa. Isto nos
ensina o profeta morastita. Digamos ao mundo que o juízo vem
e que a hora de arrependimento é esta.
NOTAS
1. Coluna “Informes”, revista Ultimato, n.° 232, janeiro de 1995, p. 22.
2. SCHAEFFER, Francis. Death in the city, 1976, 143 p.
3. Bíblia de Jerusalém, nota de rodapé, comentário in loco.
4. YATES, Kyle. Predicando de los libros proféticos, p. 160.
5. SICRE, José. A justiça social nos profetas, p. 178.
6. SCHÕKEL, Alonso e DIAZ, J. L., Profetas, p. 1.082. Os autores optam por
transliterar o nome de Deus por Javé.
45
6
O PREÇO DA INIQÜIDADE

E disse eu: Ouvi, peço-vos, ó chefes de Jacó, e vós, ó prín­


cipes da casa de Israel: não é a vós que pertence saber a justiça?
A vós que aborreceis o bem, e amais o mal, que arrancais a pele
de cima deles, e a carne de cima dos seus ossos, os que também
comeis a carne do meu povo e lhes arrancais a pele, e lhes esmiu­
çais os ossos, e os repartis em pedaços como para a panela e como
carne dentro do caldeirão. Então clamarão ao Senhor; ele, porém,
não lhes responderá, antes esconderá deles a sua face naquele
tempo, conforme eles fizeram mal nas suas obras. Assim diz o
Senhor a respeito dos profetas que fazem errar o meu povo, que
clamam: Paz! enquanto têm o que comer, mas preparam a
guerra contra aquele que nada lhes mete na boca. Portanto se
vos fará noite sem visão; e trevas sem adivinhação haverá para
vós. Assim se porá o sol sobre os profetas, e sobre eles, obscure­
cerá o dia. E os videntes se envergonharão, e os adivinhadores se
confundirão; sim, todos eles cobrirão os seus lábios, porque não
haverá resposta de Deus. Quanto a mim, estou cheio do poder
do Espírito do Senhor, assim como de justiça e de coragem, para
declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado. Ouvi
agora isto, vós chefes da casa de Jacó, e vós governantes de Israel,
que abominais a justiça e perverteis tudo o que é direito, edificando
a Sião com sangue, e a Jerusalém com iniqüidade. Os seus chefes
dão as sentenças por peitas, e os seus sacerdotes ensinam por inte­
resse, e os seus profetas adivinham por dinheiro; e ainda se encos­
tam ao Senhor, dizendo: Não está o Senhor no meio de nós?
nenhum mal nos sobrevirá. Portanto, por causa de vós, Sião
será lavrada como um campo, e Jerusalém se tornará em montões
de pedras, e o monte desta casa em lugares altos dum bosque
(3.1-12).
47
Todo o capítulo 3 de Miquéias é uma declaração de juízo.
Transparece uma profunda indignação do profeta e de Deus contra
os desmandos e pecados da liderança política, jurídica e religiosa
do reino do Sul. É um dos momentos mais duros da profecia. A
linguagem de Miquéias não permite dúvida alguma: as lideranças
de Israel e de Judá são corruptas, falsas, e estão empurrando o
povo para a destruição. O esquema do capítulo é facilmente percep­
tível:
v. 1 a 4 — advertência contra líderes políticos e jurídicos;
v. 5 a 7 — advertência contra os falsos profetas;
v. 9 a 12 — advertência contra líderes políticos e jurídicos.
O versículo 8 é um interlúdio. É um momento em que o
profeta se compara com os falsos profetas e se declara cheio do
Espírito. Embora a advertência seja contra classes de pessoas, o
juízo é sobre a cidade: “Sião será lavrada como um campo (...)”
(v. 12). Liderar bem é levantar o grupo. Liderar mal é arruiná-lo.
Ai da cidade ou do país cujos líderes são corruptos ou desastrosos!
“Chefes da casa de Jacó (...) príncipes da casa de Israel”
(v. 1) são a primeira classe a receber as recriminações do profeta.
A Bíblia de Jerusalém, a Vozes e a Loyola traduziram “príncipes”
por “magistrados”. Trata-se, portanto, da liderança política e da
jurídica. É a eles que pertence a administração da justiça. Deve­
riam ministrá-la, mas não o faziam. Tais classes foram duramente
atacadas por Amós. “Aborrecei o mal, e amai o bem, e estabelecei
o juízo na porta” (Am 5.15 — “porta” era, simplificando, o lugar
do tribunal). O oposto do dito por Amós se via no tempo de
Miquéias: “aborreceis o bem, e amais o mal”. Que triste declaração
para governantes e magistrados!
Os versículos 2 e 3 revelam o que os homens incumbidos de
ministrar a justiça faziam com os pobres. “Os líderes ímpios mos­
tram pelo povo a mesma consideração que um açougueiro tem
pelos animais já abatidos e prontos para o corte!”1As figuras do
poeta Miquéias são expressivas: “arrancais a pele de cima deles e a
carne de cima dos seus ossos (...) comeis a carne do meu povo e
lhes arrancais a pele (...) repartis em pedaços como para a panela
e como carne dentro do caldeirão.” Ele não mede as palavras. Diz
o que deve ser dito. É oportuna a declaração de Crabtree sobre
este texto:
48
Em linguagem vigorosa, Miquéias descreve os governadores do
seu povo como o carniceiro que mata e prepara o animal para ser
cozinhado e comido. Também descreve o povo como animal, cuja
pele é arrancada e cujos ossos são quebrados e despedaçados para
serem colocados no caldeirão. Para a classe do povo justo no tempo
de Miquéias, os homens ricos se tornaram como açougueiros
bestiais.2
Quando o povo sofrido e necessitado recorre aos juizes e às
autoridades e não encontra homens íntegros, mas carniceiros, a
situação é de desespero. Quando o poder é usado não como força
moderadora e distribuidora de justiça, mas como fonte de opressão,
ai dos pobres! E, infelizmente, os carniceiros do povo não cessaram
com o tempó. Hoje, como sempre, e de forma mais acentuada,
como há exploradores do povo! Como há gente que se proclama
defensora dos pobres e vive de forma nababesca, indiferente ao
sofrimento dos necessitados!
Mas um dia a liderança buscará a Deus, precisará dele. “Ele,
porém, não lhes responderá, antes esconderá deles a sua face.” Por
quê? A explicação é óbvia: “conforme eles fizeram mal nas suas
obras.” A prática do mal impede que as orações sejam ouvidas por
Deus. A Bíblia na linguagem de hoje traduziu o versículo 3 assim:
“Virá o dia em que vocês clamarão ao Deus Eterno, mas ele não
os atenderá; vocês fazem o que é mau, e por isso ele não ouvirá
as suas orações.” Com a vida em pecado não se pode ter comu­
nhão com Deus. A oração do iníquo é incapaz de alcançar o trono
divino. “Sabemos que Deus não ouve a pecadores; mas, se alguém
for temente a Deus, e fizer a sua vontade, a esse ele ouve” (Jo 9.31)
é uma palavra para ser pensada, neste contexto.
O versículo 5 fala da atitude dos profetas. Aos que os man­
têm, eles apregoam paz. Aos que nada lhes dão, prometem guerra.
Profetas subornados, que falavam favoravelmente aos que lhe
pagavam e eram hostis aos outros. “Enquanto têm o que comer”
são agradáveis. O Nuevo comentário bíblico traz uma excelente
observação aqui: “A palavra hebraica para ‘comer’ é, incidental-
mente, nasak, a qual é costumeiramente usada para referir-se à
mordedura de serpentes”.3 São serpentes, e não pregadores da
palavra de Deus. Ora, a serpente, desde a queda, é símbolo
49
do Maligno. Em vez de serem pregadores de Deus, são servos do
Maligno.
Mais uma vez, a Bíblia nos mostra a relação muito estreita
entre o poder político pervertido e a religião corrompida. Esta
busca legitimar aquele. Aquele sustenta esta. É triste a situação
do líder religioso que se vende para apoiar poderosos. Estes não
o estimam. Usam-no. Sabem que ele é falso e vendido, lem por
ele o mesmo respeito que os sacerdotes que usaram Judas tiveram
por este. A religião corrompida e o líder religioso que bajula auto­
ridades políticas para ter espaço na sociedade e na mídia são
desprezíveis.
E recebem seu juízo, também. No versículo 6, por quatro
vezes aparece a idéia de escuridão para eles: “noite sem visão”,
“trevas sem adivinhação”, “se porá o sol”, “obscurecerá o dia”.
Andarão no escuro, sem enxergar, sem ter o que dizer. O homem
que deve enxergar a luz para esclarecer os que andam nas trevas,
estará ele mesmo em escuridão.
Por isso, o versículo 7 fala da situação vexatória a que
seriam expostos. “Eles cobrirão os seus lábios, porque não haverá
resposta de Deus.” ABíblia Loyola traduziu “seus bigodes”. A Bíblia
Vozes e a Bíblia de Jerusalém, “a barba”. A Bíblia na linguagem
de hoje traduziu explicando o sentido do costume: “ficarão des­
moralizados”. Era o ato de cobrir o rosto, manifestando luto ou
vergonha, como se vê em Levítico 13.45 e em Ezequiel 24.17-22.
“Porque não haverá resposta de Deus” é o motivo. Que vergonha!
Os homens que dizem ser arautos de Deus nada terão para dizer
de Deus aos homens. A Igreja de Cristo precisa meditar nisto com
seriedade. Sua principal preocupação não deve ser a de massagear
o ego dos poderosos nem a de ganhar concursos de popularidade,
mas a de ser fiel à Palavra de Deus. Sua autoridade não vem do
aplauso do mundo, mas de poder dizer, com firmeza e seriedade,
“assim diz o Senhor”. Na sua experiência pastoral, este autor tem
visto que líderes políticos respeitam o púlpito que não se dobra,
que não bajula, que não lisonjeia, mas que afirma a Palavra de
Deus. O mundo não leva a sério seus bajuladores, mas se detém
diante de quem diz, com firmeza, que pecado é pecado, seja onde
se encontre. É fácil apontar pecados do povo, mas os poderosos,
ao entrarem em nossas igrejas, muitas vezes são elogiados e tor­
50
nam-se objeto de gratidão por “honrarem o nosso culto”. O profeta
de Deus e a Igreja de Jesus não agem assim. Pregam a Palavra,
sem preocupação de aplausos. Sua consciência é cativa da Palavra
de Deus, para utilizar uma expressão de Lutero, ao ser chamado
a se retratar, e recusar-se a fazê-lo.
“Quanto a mim, estou cheio do poder do Espírito do Senhor,
assim como de justiça e de coragem, para declarar a Jacó a sua
transgressão e a Israel o seu pecado.” Quem dera que cada pregador
do evangelho pudesse fazer esta declaração: “estou cheio do poder
do Espírito do Senhor!” Vê-se tanta banalidade no púlpito, tanta
auto-exaltação! Há pregadores com um conceito tão elevado a seu
próprio respeito que falam de si como se fosse outra pessoa, na
terceira pessoa. Mas vê-se tão pouco impacto no mundo, vê-se tanto
alarido e tão poucos resultados que se fica em dúvida se esse
conceito elevado é real.
Miquéias está cheio do Espírito do Senhor. Por isso não bajula,
não lisonjeia autoridades nem as corteja. O mau hábito de bajular
homens indignos e corruptos, de buscar poder e aceitação do poder
secular, compromete o testemunho. Miquéias está cheio do Espí­
rito do Senhor para denunciar os pecados. Hoje vemos gente cheia
do Espírito Santo para autoglorificação, para um insidioso culto
à personalidade. Que diferença!
Do versículo 9 ao 12 temos o anúncio da condenação. “Chefes”
e “governantes” do versículo 9 são, novamente, “magistrados” nas
versões citadas no versículo 1. Desses magistrados, que deveriam
amar o direito e a justiça, lê-se: “abominais a justiça e perverteis
tudo o que é direito”. Eles estavam “edificando a Sião com sangue,
e a Jerusalém com iniqüidade”. Podemos imaginar Miquéias'
andando pelas ruas de Jerusalém e vendo o surto do progresso
econômico, as novas construções, as edificações suntuosas, que
enchiam o povo de admiração. Como vemos em 2Reis 20.20, houve
um extraordinário crescimento nas edificações, no tempo de
Ezequias. Ele construiu a piscina e o aqueduto, fazendo a água
vir para a cidade. A riqueza era abundante (veja Isaías 39.2).
Mas por trás dos edifícios e das construções públicas, Miquéias
via o preço: o sangue dos explorados. A beleza arquitetônica
escondia a feiúra do pecado. Boa admoestação para nós, que
muitas vezes nos orgulhamos da arquitetura das cidades onde
moramos, dos nossos templos, inclusive. Deus não se ilude com
isso. A construção estava sendo feita com sangue e iniqüidade.
51
O versículo 11 é de uma dureza sem par. “Os seus chefes dão
as sentenças por peitas” fala de juizes subornados, que atendiam
não à justiça, mas ao dinheiro. “Os sacerdotes ensinam por dinheiro”
parece ter o mesmo sentido da frase anterior, referindo-se à tôrôt
(Ex 22.8 e Dt 17.8-13), que eram decisões sacerdotais, questões
que deveriam ser julgadas com base na interpretação da Torah,
a lei de Deus. “Os profetas adivinham por dinheiro” mostra a classe
dos adivinhos, que exigia pagamento para “adivinhar” o futuro
das pessoas. Corrupção e mentira, a lei divina torcida e a mentira
ensinada em nome de Deus.
Com tudo isso, essas pessoas ainda diziam: “Não está o
Senhor no meio de nós? nenhum mal nos sobrevirá”. Afinal, o que
de mau lhes poderia suceder? Nada, pois Deus morava em Jeru­
salém. Schõkel e Diaz fizeram uma observação muito válida
aqui, com um trocadilho: “Eles consideravam a presença de Javé
incompatível com o mau = desgraça, quando na realidade ela
é incompatível com o mal = injustiça”.4 A reflexão deles não
deveria ser “porque Deus está aqui nenhum mal nos acontecerá”,
mas “porque Deus está aqui, nenhum mal devemos fazer”. Eles
nutriam o conceito equivocado de que podiam fazer o que fosse
de errado que nada de ruim sucederia a eles, porque Deus estava
em Jerusalém. Absurdo? Sim, mas não menos absurdo que o
conceito de muitos crentes que pensam que Deus não tolera o
pecado no pecador perdido e que, inclusive, o enviará ao inferno
por causa disso, mas tolera-o na vida do crente. Não menos absurdo
que o conceito de muitos que presumem que Deus punirá o
mundo ímpio pelos seus pecados, mas cometem os mesmos pecados
na igreja, e em nome de Deus! Política de bastidores, baixa e ras­
teira, para se ter prestígio denominacional, a bajulação de auto­
ridades que assistem, pela metade, às nossas assembléias conven­
cionais, tramas em sessões de igrejas para derrubar pastores, salá­
rios miseráveis àqueles que gastam suas vidas pelo evangelho,
malversação de verbas que deveriam ter destinação santa, tudo
isso é encontrado no cenário evangélico. Não com abundância,
mas infelizmente com razoável assiduidade. Que diferença há entre
nós e o mundo? Cremos que Deus odeia a injustiça social, a explo­
ração dos pobres? Que salários pagamos aos missionários e aos
funcionários de nossas igrejas? Cremos que Deus detesta a
52
corrupção, mas nossas administrações são límpidas? Não há empre-
guismo e nepotismo em nosso meio?
A presença do Espírito Santo no meio da Igreja de Cristo
não é apenas sinal de poder, mas é exigência de retidão. Na década
de 80, havia um televangelista que se notabilizou por acusar as
“denominações tradicionais” de carnais e os “pastores tradicio­
nais” de frios e sem poder. Ele era poderoso, e os outros, carnais.
Por duas vezes ele se envolveu em casos gritantes de pornografia
e prostituição. Os que ele desancava continuam servindo a Deus.
Pensamos em santidade como exibição de poder, que muitos iden­
tificam com gritos e expressões estereotipadas. Santidade é retidão.
O povo em cujo seio Deus mora deve ser santo. Na realidade, tem
que ser santo. Ou Deus não habita no meio deles.
Que tristeza a expressão do versículo 12: “(...) por causa de
vós, Sião será lavrada como um campo, e Jerusalém se tornará
em montões de pedras.” Pbr causa dos homens que deveriam ensinar
o caminho do Senhor, viria o castigo. Meu irmão, líder cristão,
você é canal de bênção ou de destruição? Você é causa de bênção
ou de juízo? Por sua causa, o que acontece ao povo: coisas boas
ou coisas ruins? Você é abençoador ou destruidor de igrejas?
Mas voltemos a MiquéiaS. Este versículo é citado em Jere­
mias 26.18 em defesa de Jeremias. Em 26.19 descobrimos que a
dura pregação do morastita alcançou os ouvidos do rei e ajudou
no avivamento que livrou Jerusalém, naquela época, da destruição.
A pregação dos falsos profetas se diluiu no tempo. A de nosso
profeta fez diferença. Nossa pregação faz diferença ou é apenas
rotina? Nossas igrejas fazem diferença na comunidade onde estão
implantadas ou são ignoradas?
Este autor morou numa quadra em Brasília onde havia uma
padaria e uma construção adaptada para um templo evangélico.
Com o tempo, ambos, padaria e templo, fecharam. No dia em que
a padaria fechou, toda a vizinhança soube e sentiu sua falta.
Quando chegamos às 6 da manhã para comprar o pão e vimos
a padaria fechada, sentimos sua falta. O templo foi fechado e só
seis meses depois soubemos disto, porque ninguém mais estacio­
nava seus carros na frente de nossas garagens, impedindo nossa
circulação. A padaria fechada causou mais impacto que um templo
fechado. Este não fez falta. Aqueles crentes chegaram àquele pedaço
53
e dele saíram sem que sua presença fizesse diferença e sua ausência
fosse notada, a não ser quando se reparou que um problema havia
desaparecido. Nós fazemos diferença ou passamos despercebidos?
Nossos templos valem mais que casas comerciais?
NOTAS
1. Bíblia Anotada, nota de rodapé, comentário in loco.
2. CRABTREE, A. R. Profetas menores, p. 150.
3. GUTHRIE, D. e MOTYER, J. A. Nuevo comentário bíblico, p. 566.
4. SCHÕKEL, Alonso e DIAZ, J. L. Profetas, p. 1.084. Lembrando que os autores
transliteram o nome de Deus como Javé.

54
7
BOAS NOTÍCIAS!

Mas nos últimos dias acontecerá que o monte da casa do


Senhor será estabelecido como o mais alto dos montes, e se exal­
çará sobre os outeiros, e a ele concorrerão os povos. E irão muitas
nações, e dirão: Vinde, e subamos ao monte do Senhor, e á casa
do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, de sorte
que andemos nas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e de Jeru­
salém a palavra do Senhor. E julgará entre muitos povos, e arbitrará
entre nações poderosas e longínquas; e converterão as suas espadas
em relhas de arado, e as suas lanças em podadeiras; uma nação
não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais
a guerra. Mas assentar-se-á cada um debaixo da sua videira, e
debaixo da sua figueira, e não haverá quem os espante, porque
a boca do Senhor dos exércitos o disse. Pois todos os povos andam,
cada um em nome do seu deus; mas nós andaremos para todo
o sempre em o nome do Senhor nosso Deus. Naquele dia, diz o
Senhor, congregarei a que coxeava, e recolherei a que tinha sido
expulsa, e a que eu afligi. E da que coxeava farei um resto, e da
que tinha sido arrojada para longe, uma nação poderosa; e o Senhor
reinará sobre eles no monte Sião desde agora e para sempre. E a
ti, ó torre do rebanho, outeiro da filha de Sião, a ti virá, sim, a
ti virá o primeiro domínio, o reino da filha de Jerusalém (4.1-8).
Seguindo o esquema apresentado por Helmbold, entramos
agora na segunda divisão do livro de Miquéias. Este estudioso o
dividiu em três partes:1
1 a 3 — O julgamento de Yahweh sobre Israel e Judá.
4 e 5 — A visão de um futuro glorioso.
6 e 7 — A controvérsia de Yahweh com o seu povo e a
promessa de bênçãos futuras.
55
Andamos, até agora, por uma estrada repleta de ameaças
divinas. Não foi um caminho muito atraente. Diante de nós, uma
pausa: um momento de refrigério com a visão de um futuro de
glória para o povo de Deus. É uma necessidade na argumentação
do profeta. Afinal, se Judá e Israel serão destruídos, como fica
o conceito de povo de Deus? E o pacto com Abraão, Isaque e Jacó?
E as promessas feitas a eles? O discurso profético associa, agora,
restauração e glória futura. Não apenas restauração, mas domínio
sobre as outras nações. É preciso caminhar por aqui com bastante
cuidado para evitar interpretações apressadas que podem servir
de embasamento a um sionismo político, a um racismo teológico,
esquecido de um elemento novo que surgiu depois de Miquéias
e que assume como suas as promessas bíblicas: a Igreja de Cristo,
onde não há raças. É impossível deixar de ver aqui um sentido
messiânico e escatológico. A menos que se diga que o profeta teve
um sonho que não deu certo. O título dado por Crabtree ao texto
ora comentado é corretíssimo: “O Futuro de Sião e a Paz Perpétua”.
É disso que se está tratando. Mas os termos devem ser bem equa­
cionados.
O texto de Miquéias 4.1-4 é semelhante ao de Isaías 2.2-4.
Por isso, Pape declarou que “sendo Isaías o mais ilustre e famoso
dos dois, é provável que Miquéias tenha copiado essa profecia”.2
Parece mais razoável supor, no entanto, como Carlson, Angus e
outros, a existência de uma terceira fonte comum aos dois. Citando
Angus, “a passagem 4.1-4 e a quase idêntica de Isaías 2.2-4 são
talvez uma predição de tempos mais antigos, e não transcrição
que Miquéias fizesse de Isaías, ou que este fizesse de Miquéias,
sendo cada um destes profetas inspirados por sua vez a tomarem
aquelas palavras como tema de seus respectivos discursos”.3
Maillot e Lelièvre comentam sobre essa coincidência de pensa­
mento dos dois profetas: “Miquéias e Isaías citariam um mesmo
texto, anterior a eles, o qual pertenceria ao que se poderia chamar
‘cânticos de Sião’. Os cânticos desta coleção deviam ser cantados
depois da época de Salomão e da construção do templo, evocando
a escolha de Davi e de sua linhagem. É provável, de acordo com
a promessa feita a Davi, que se afirmasse nesses cânticos que, com
a entronização do último filho de Davi, Jerusalém corresponderia
à sua vocação e ao seu nome: ‘cidade da paz’. Ela se tornaria então
56
a capital do mundo e revelaria sua maternidade universal, e dela
se irradiariam a paz e a justiça para todas as nações”.4
Mas de que trata, então, o assunto? Afinal, deve ser impor­
tante, para estar na boca de dois profetas e em uma possível terceira
fonte! E, se fazia parte de uma coleção de cânticos, provavelmente
devia espelhar um sentimento nacional. “Este oráculo, cheio de
esperança, anuncia um futuro novo, quando Jerusalém se tornará
a capital da justiça, e quando cada um viverá feliz e tranqüilo na
sua terra, sem guerras. O mesmo Deus que castiga e permite a
destruição de uma nação injusta, também perdoa e reconstrói o
país e a vida daqueles que sofreram o castigo e se arrependeram”.5
É um olhar para a frente, para um futuro, mesmo que longínquo,
em que a vitória do reino de Deus se fará sentir. “É o tema predi­
leto dos profetas: o triunfo absoluto do Senhor ao fim da História
humana. Num rápido relance, o profeta viu o exílio em Babilônia,
e a volta para a terra prometida, como dores de parto, antes que
Israel desse à luz o Filho esperado, o Messias”.6 É como se um
pedaço da cortina que esconde o futuro se entreabrisse e permi­
tisse ao profeta um rápido olhar. Ele vê, capta, mas não detalha
com precisão. Mas essa falta de precisão não é sinônimo de incer­
teza. É certeza, mas a visão é geral.
“Nos últimos dias.” Quando? O tempo é indefinido. Para
alguns, no tempo do milênio. Com todo o respeito, esta interpre­
tação visa a pôr a idéia aqui em Miquéias. Parece que tudo que
os profetas predisseram e ainda não se cumpriu se joga para o
milênio, que, a esta altura, deve estar entulhado de profecias a
cumprir. Na mente do profeta, as condições pacíficas se confundem
com o retorno do cativeiro. Este sucedeu; aquelas, não. Parece
mais razoável supor que a questão não é de cronologia, mas de
conceito: o triunfo do reino de Deus. Este triunfo engloba o retorno
(v. 6 e 7), o cativeiro (v. 10) e a futura vinda do Messias (5.1).
Nem mesmo em ordem cronológica os eventos estão. A idéia é
esta: Yahweh, o Deus de Israel, vai triunfar. Está na história. Esta
história inclui eventos, como o cativeiro, o retorno, e desemboca
nas condições pacíficas que não podem deixar de existir, se ele
dominar sobre todos. Ajuntemos esta idéia ao versículo 1: “o monte
da casa do Senhor será estabelecido como o mais alto dos montes”.
É evidente que não se pode pensar em mudanças geológicas ou
57
geográficas. Não há nenhuma base hermenêutica para supor um
crescimento literal do monte Sião para que ultrapasse o Himalaia.
A linguagem não pode ser literal. É figurada. Valha-nos o comen­
tário de Kunstmann: “Há quem ensine, com base neste texto, um
crescimento repentino em dimensões incomensuráveis do próprio
monte Sião. São adventistas e outras seitas que imaginam o mi­
lênio: Cristo voltando antes do fim do mundo para governar os
seus por mil anos no monte Sião alargado. Mas é linguagem figu­
rativa: a Igreja de Cristo dominará o mundo, porque o Senhor dos
céus e da terra nela habita e a governa. Deus congregará todas as
nações, e à sua direita estarão aqueles que de fato lhe pertencem
pela fé. Estes aqui na terra já formaram ‘uma santa Igreja Cristã,
a comunhão dos santos”’.7
O destaque do monte Sião não será por seu tamanho. Não
porão fermento em sua base. Ele será ponto de referência, ponto
de atração, o mais visível de todos. Lembra muito a palavra de
Jesus: “E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim”
(Jo 12.32). O Senhor da Igreja se tornou o ponto de atração para
toda a humanidade. O ponto de atração para a humanidade, na
visão de Miquéias, é uma mensagem que brotou no Sião.
O versículo 2 mostra as nações buscando a casa do Deus de
Jacó. As primeiras palavras são do profeta: “E irão muitas nações,
e dirão.” As seguintes representam o sentimento dos povos pagãos
convertidos ao Senhor: “Vinde, e subamos ao monte do Senhor,
e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos,
de sorte que andemos nas suas veredas.” Daí, fala novamente o
profeta: “porque de Sião sairá a lei, e de Jerusalém a palavra do
Senhor”. Se a ordem dos eventos no capítulo 4 está desconexa,
a estrutura da argumentação do profeta faz sentido. Antes de falar
do cativeiro, futuro próximo e negativo, o futuro mais remoto,
glorioso, é mostrado. Vai haver um castigo, sim. Mas ele não é
o fim. O futuro do povo de Deus não é sombrio. É radiante. Isto
vale para nós, como Igreja, e como vale! Há lutas, há sombras no
vale, mas há glória no porvir. Bem diz o hino 331 do Cantor
Cristão:
Temos sombras neste vale,
Em que estamos a passar;
Mas das águas cristalinas
Já se vê o marulhar.
Eis que o bom Pastor segreda,
Ajudando a prosseguir:
Há, sim, sombras neste vale,
Mas há glória no porvir.
O versículo 3 é de rara beleza. Yahweh estará julgando entre
nações poderosas e vindas de longe (sobre o mundo todo), as
espadas convertidas em relhas de arado, as lanças em podadeiras
e a arte da guerra esquecida. “Nos jardins da ONU, em Nova
Iorque, uma bela estátua representa um homem forjando sua
espada em arado, onde figuram transcritas as palavras do poema
bíblico ‘De suas espadas forjarão relhas de arado’. Mas nem Isaías
nem Miquéias são citados. Apenas uma inscrição assinala que o
monumento foi oferecido pela União Soviética”.8 De fato, seria
constrangedor para um poder político que negava as Escrituras
citá-las explicitamente. A omissão era mais conveniente.
Mas quando sucederá isto? Balancin e Storniolo entendem
não como algo que acontecerá, mas como uma utopia. Seu comen­
tário é bem claro: “A esperança é que um dia a cidade viva se­
gundo o projeto de Javé. Isso significa a paz como fruto da justiça,
e portanto o fim do conflito entre cidade e campo: é o fim da luta
competitiva e o início de uma era de produção abundante, pois
as armas serão transformadas em instrumentos para a produção
da vida. O grande sonho é que, de fato, o camponês possa usufruir
tranqüilamente da sua produção”.9 Mas será apenas um sonho
do profeta?
Haverá paz entre os homens, um dia. Não será, no entanto,
pela ONU, nem pelo esforço de outras nações. Nem ainda pela
conjugação de forças dos pobres sublevados contra os seus opres­
sores. Será pela vitória final, de Deus no momento último da
História. E se os homens a desejam para agora, se querem trans­
formar a utopia em realidade, o sonho em algo concreto, o versículo
2 mostra o que devem fazer: reconhecer a Palavra do Senhor como
válida, pedir que ele a ensine e andar nos caminhos do Senhor.
Fora da obediência à Palavra e do caminhar nas veredas divinas
não há paz. É preciso ir a Sião (não em sentido literal, mas ir até
59
onde Deus está), porque é de lá que sai a “lei”. O hebraico é Torah,
e se não fosse traduzido seria melhor. Lei tem um sentido muito
jurídico. Torah significa a verdadeira religião que os homens devem
seguir, a que sai da boca de Deus.
O versículo 4 é uma cena bucólica, agradável, de extrema
tranqüilidade. Cada um assentado debaixo de sua videira e de sua
figueira, à sombra, tranqüilos, sem haver quem os espante. “Estar
debaixo da vinha e da figueira é uma expressão proverbial para
exprimir a felicidade agrícola em tempos de paz (cf. lRs 5.5;
2Rs 18.31 e Zc 3.10)”.10Este autor se lembra de cena semelhante
que viveu. Sentado debaixo de frondosas árvores, à beira de um
lago amazônico, o Curiá, conversando tranqüilamente com pessoas
que iria batizar no dia seguinte. Um mundo em que o tempo
parecia ter parado, com aves cantandoi, animais domésticos com
seus sons característicos, as pessoas calmas, absolutamente tran­
qüilas, sem pressa, sem relógio, a conversa fluindo de forma
amigável. Um bule de café sobre o fogão a lenha. Nenhuma preo­
cupação. Tudo sob controle, nada para perturbar. Uma irmã,
imperturbável, descascava laranjas suculentas e dulcíssimas que
chupávamos enquanto conversávamos. Uma paz e uma tranqüi­
lidade enormes, emolduradas pelas águas calmas do lago Curiá,
reluzente sob o sol amazônico!
O versículo 5 parece quebrar a descrição, mas é uma decla­
ração de triunfo. Os povos pagãos andam em nome do seu deus.
“Andar no nome” de alguém significa “caminhar na trilha de
alguém”. Miquéias e seus conterrâneos piedosos andavam na trilha
de Yahweh\ os pagãos, nas trilhas de seus falsos deuses. Uma decla­
ração óbvia, mas o sentido é este: não podiam ter a esperança do
futuro risonho. Mas nós, diz o profeta, nós podemos. Andamos
e andaremos para sempre no nome do Senhor nosso Deus. É nele
que confiamos para que estas coisas aconteçam!
O versículo 6 retoma a figura tão querida da literatura poética,
a do pastor. Três tipos de ovelhas desgarradas serão trazidas de
volta naquele dia, diz o Senhor, que volta a falar agora. A que
coxeava, provavelmente ferida. A que tinha sido expulsa será reco­
lhida pelo Senhor. Ele próprio é o pastor que busca a que está
longe e a traz. A terceira é “a que eu afligi”. Passou o tempo de
juízo. Ele castigará, mas trará de volta. Seu juízo sobre seu povo
60
não visa à aniquilação, é corretivo. “Eu repreendo e castigo a todos
quantos amo; sê pois zeloso, e arrepende-te” (Ap 3.19). Pensemos
se grande parte das dificuldades e problemas que enfrentamos não
são a mão amorosa de Deus nos corrigindo. “O Senhor corrige
aos que ama, e açoita a todo o que recebe por filho” (Hb 12.6).
Essa que coxeava será “um resto”. Que significa isto? A idéia
de “resto, restante, remanescente, raiz” é muito forte nos profetas,
principalmente em Isaías. Um dos filhos desse profeta deveria
chamar-se “Maer-Salal-Has-Baz” (Is 8.3), traduzido por “apressa-
-se o despojo, apressura-se a presa”, falando do inimigo predador
que vinha sobre Jerusalém. Mas o outro se chamava Sear-Jasube
(7.3), que significa “um resto voltará”. “Um resto voltará; sim, o
resto de Jacó voltará para o Deus forte” (Is 10.21). Voltando a
Miquéias: das ovelhas coxeantes, do povo restaurado, trazido de
volta, Deus faria tudo de novo.
Não é de multidões que Deus precisa para cumprir seus propó­
sitos. Basta um resto, um pequeno grupo que seja fiel, arrependido,
que o ame, que se comprometa com ele. A Igreja deve lembrar-se
disto. É qualidade, e não massa, que Deus procura.
Chegamos ao fim do nosso texto com uma rica declaração:
“E a ti, ó torre do rebanho, outeiro da filha de Sião, a ti virá, sim,
a ti virá o primeiro dominioi, o reino da filha de Jerusalém”. Assim
ficou sua transcrição na Bíblia de Jerusalém:
E tu, Torre do Rebanho,
Ofel da filha de Sião,
em ti entrará a autoridade antiga,
a realeza da filha de Jerusalém.
Em nota de rodapé, a Bíblia de Jerusalém comenta o texto:
‘“Torre do Rebanho’, em hebraico Migdal-Eder; este antigo nome
de lugar (cf. Gn 35.21) designa, aqui, Jerusalém como um lugar
de pastoreio. O Ofel é o quarteirão da residência real (Is 32.14;
2Cr 27.3)”. Jerusalém será o lugar onde Yahweh estará residindo
como rei e de onde cuidará, pessoalmente, de seu rebanho. E
será o lugar de onde ele governará o mundo. Por isso, foi muito
boa a tradução da Bíblia na linguagem de hoje: “E Jerusalém,
o lugar de onde eu, como pastor de ovelhas, olho e cuido do
61
meu povo, voltará a ser a capital do país, a cidade mais impor­
tante de Israel.”
Tudo parece caminhar para a destruição. O profeta vê e
entende o rumo em que as coisas caminham. Mas sabe que, no
fim de tudo, Yahweh, seu Deus, estará com tudo nas mãos. O cená­
rio pode parecer de borrasca, mas as nuvens passarão. A manhã
radiante virá. Quem sabe do poder do Deus da História pode crer
assim. “O justo nunca será abalado” (Pv 10.30).
NOTAS
1. TENNEY, Merril C, The Zondervan pictorial encyclopedia of the Bible,
vol. IV, p. 215.
2. PAPE, Dionísio. Justiça e esperança para hoje: a mensagem dos profetas
menores, p. 69.
3. ANGUS, Joseph. História, doutrina e interpretação da Bíblia, vol. II, p. 104.
4. MAILLOT, A. e LELIÈVRE, A. Atualidade de Miquéias: um grande “profeta
menor” p. 93.
5. Bíblia Pastoral, comentário in loco.
6 . PAPE, Dionísia Op. cit., p. 69.
7. KUNSTMANN, Walter. Os profetas menores, p. 107.
8. Bíblia Loyola, comentário in loco.
9 . BALANCIN, Euclides e STÜRNIOLO, Ivo. Como ler o livro de Miquéias,
p. 40. Os autores transliteram o nome de Deus como Javé.
10. Bíblia Vozes, comentário in loco.

62
8
MAIS VISLUMBRES DO FUTURO

E agora, por que fazes tão grande pranto? Não há em ti rei?


Pereceu o teu conselheiro, de modo que se apoderaram de ti dores,
como da que está de parto? Sofre dores e trabalha, ó filha de Sião,
como a que está de parto; porque agora sairás da cidade, e morarás
no campo, e virás até Babilônia. Ali, porém, serás livrada; ali te
remirá o Senhor da mão de teus inimigos. Agora se congregaram
muitas nações contra ti, que dizem: Seja ela profanada, e vejam
os nossos olhos o seu desejo sobre Sião. Mas não sabem os pensa­
mentos do Senhor, nem entendem o seu conselho; porque as ajuntou
como gavelas para dentro da eira. Levanta-te, e debulha, ó filha
de Sião, porque eu farei de ferro o teu chifre, e de bronze as tuas
unhas; e esmiuçarás a muitos povos; e dedicarás o seu ganho ao
Senhor, e os seus bens ao Senhor de toda a terra. Agora, ajunta-te
em tropas, ó filha de tropas; pôr-se-á cerco contra nós; ferirão com
a vara no queixo ao juiz de Israel (4.9—5.1).
No presente capítulo, comentaremos o texto que vai de 4.9
até 5.1. Na Bíblia Hebraica, o versículo 1 do capítulo 5 é o 14
do capítulo 4. O capítulo 5, no texto hebraico, começa com a
declaração “E tu, Belém Efrata”. Há uma unidade de pensamento
na estrutura do texto hebraico que é preciso observar e que acata­
remos.
É um texto muito amplo e difuso, sujeito a discussões de crítica
textual, da qual fugiremos, não por medo ou incapacidade de abor­
dagem, mas por não nos serem úteis à compreensão do conteúdo
do texto. Há obras específicas para tratar deste tipo de matéria,
e não é o nosso caso, aqui. Miquéias antevê o colapso da monar­
quia davídica (v. 9 e 10), o julgamento contra os inimigos que
exultam com a desgraça de Jerusalém (v. 11-13), e chama ao preparo
63
para a batalha (5.1). O texto de 5.1 contrasta a opulência da Jeru­
salém condenada com a pobreza de Belém Efrata (v. 2), que trará
o “que há de reinar em Israel”. Mas mesmo estas três divisões estão
longe de ser compactas, pois trazem uma ampla diversidade de
idéias. É preciso andar devagar neste texto, que é riquíssimo em
assuntos.
O conteúdo dos versículos 9 e 10, por exemplo, é, aparente­
mente, contraditório. No versículo 9 há três perguntas:
1.a) por que tão grande choro?
2.a) não há rei em Jerusalém?
3.a) não há conselheiro?
Entendamos a questão. Havia rei e conselheiro (chefes mili­
tares que aconselhavam o rei). Não havia razão para temer nem
agir como a mulher prestes a dar à luz, ou seja, ter ansiedade e
sofrer. Parece que o texto se encaixa bem na campanha de Sena-
queribe contra Judá e Jerusalém em 701 (Is 36,37). Mesmo que
o adversário estivesse acampado às portas, não haveria motivo de
choro. Havia rei e conselheiro. Não era preciso sofrer como se tivesse
dores de parto.
Mas o versículo 10 diz para ter dores de parto: “sofre dores
e trabalha, ó filha de Sião, como a que está de parto”. Como entender
a discrepância entre dois versículos imediatos? Fugindo das discus­
sões que alegam interpolação, enxerto profético posterior, uma
escola profética que se apossou do texto e o reescreveu, a questão
merece uma explicação não tão alheia ao conteúdo. O versículo
9 alude mesmo à situação sob o avanço assírio. Mas não havia
razão para temê-lo. O inimigo de Judá não seria a Assíria. O versí­
culo 10 alude à situação sob o futuro avanço babilónico. É aqui
que residia o grande problema. As dores de parto não eram para
o avanço assírio. Eram para o avanço babilónico. Miquéias está
enxergando longe. Estava vendo o que os analistas políticos não
conseguiam ver: o inimigo ainda estava por despontar. O atual
inimigo estava com os dias contados.
Jerusalém iria gerar filhos para o cativeiro. Suas dores de parto
são porque sairá da cidade e irá para o campo, para Babilônia. Mas
parto é sinal de vida e não de morte. Não são dores de luto, são
de parto, de início de nova vida. É o cativeiro de 587 a.C. que o
profeta vê e que mudará significativamente a religião hebraica.
64
O retorno acontecerá (“ali, porém, serás livrada”) em 537 a.C. e
trará conseqüências profundas: surgirá o judaísmo, com Esdras,
uma religião normatizada por um livro. A monarquia cessará e
surgirá um novo tipo de governo, a hierocracia, um governo sacer­
dotal. O Judá retornado assumirá o nome de Israel e viverá mais
como uma comunidade religiosa do que como uma entidade polí­
tica, em função do seu templo e de um Messias por vir. Não é
sem sentido que, logo após essas profecias, Miquéias apresenta a
declaração de 5.2, anunciando o rei que há de vir de Belém Efrata,
cidade de Davi, o novo Davi, Jesus Cristo. É por isso que Mateus,
o mais judeu dos evangelistas, começa seu Evangelho fazendo a
primeira declaração sobre Jesus nestes termos: “Livro da genea­
logia de Jesus Cristo, filho de Davi (...)” (Mt 1.1). Um novo Davi
será esperado pelo povo.
A declaração do versículo 10 é triste, mas termina com uma
nota gloriosa: “ali te remirá o Senhor das mãos dos teus inimigos”.
Haverá remissão.
O versículo 10 traz, também, na sua mensagem, uma nota
de ironia histórica. Quando Miquéias escreve, o inimigo é a Assíria.
Babilônia é uma inexpressiva colônia dominada pelos assírios. O
profeta a vê como regendo o mundo, no futuro. Parece que Ezequias
também compreendeu o valor de Babilônia, pois tentou agradá-
-los. Em 2Reis 20.12,13, vemos que Merodaque-Baladã (na Versão
Revisada chamado de “Berodaque-Baladã”) enviou uma embai­
xada a Ezequias, e este se pavoneou, mostrando suas riquezas aos
embaixadores do rei caldeu (caldeu e babilónico são o mesmo povo).
Irritado com a atitude simplória de Ezequias, Isaías o advertiu
com dureza: “Eis que vêm dias em que será levado para a Babi­
lônia tudo quanto houver em tua casa, bem como o que teus pais
entesouraram até o dia de hoje; não ficará coisa alguma, diz o
Senhor. E até mesmo alguns de teus filhos, que procederem de
ti, e que tu gerares, levarão; e eles serão eunucos no paço do rei
de Babilônia” (2Rs 20.17,18).
Mas se Ezequias anteviu o futuro poder caldeu (o que apenas
supomos), seu grande erro foi buscar auxílio ou pelo menos tentar
agradar os emissários do rei para mais tarde obter auxílio de pagãos.
O erro foi o de buscar defensores fora de Yahweh. Ao longo dos
séculos, a Igreja de Cristo tem agido assim também. Buscou auxílio
65
em Constantino e aceitou sua embaixada. Tornou-se uma igreja
oficial, prostituída, cheia de incrédulos e comprometida com o poder.
Os pensadores da teologia da Igreja aceitaram as embaixadas de
Platão e de Aristóteles, na formação de seus esquemas de pensa­
mento, e criaram camisas-de-força para o cristianismo. Trouxeram
esquemas mentais dos quais a Igreja não mais se livrou. Correntes
teológicas contemporâneas também aceitaram embaixadas babi­
lónicas que se revelaram inimigos formidáveis. Foi assim que a
teologia da morte de Deus, de Altizer, Hamilton, Cox, Vahanian
e outros, usou o existencialismo. Foi assim que o falecido marxismo
foi empregado como categoria filosófica por tantos teólogos que
já tiveram seus 15 minutos de fama, e assim se produziu a teologia
da libertação. Todas as vezes em que aceitamos embaixadas estran­
geiras pensando encontrar nelas anteparo para as lutas que temos
de enfrentar, na realidade criamos novos adversários com os quais
temos com que nos defrontar no futuro. São ajudas destrutivas.
É de confiança no poder de Deus a necessidade da Igreja. Muito
cuidado com os merodaques-baladãs modernos que arruinam a
Igreja. Dizia alguém, há algum tempo, que os evangélicos preci­
savam unir-se e eleger um presidente da República evangélico, para
nos defender e garantir nossos direitos. Seria bom ter um presi­
dente da República evangélico, se ele viesse dar um bom testemunho
e não se perdesse na imoralidade administrativa, como tantos polí:
ticos evangélicos fizeram. Mas não precisamos de um para nos
defender e garantir nossos direitos. Tudo o que temos e o que somos
foi conseguido sem um presidente evangélico. Não precisamos de
mais expressão política. Os primeiros cristãos não a tinham e
abalaram o mundo. Precisamos viver o evangelho, confiar since­
ramente em Deus e deixar que nossas vidas sejam instrumentos
em suas mãos. Precisamos de vida cristã autêntica e não de mais
expressão política. Esta não é má, mas nunca foi, não é e jamais
será nossa maior necessidade.
As nações exultam com a queda de Jerusalém, é o sentido
do versículo 11. Este espírito existia nas nações que não aceitavam
a existência do povo de Deus. Passagens como Ezequiel 25.3,8;
26.2; 35.10 e Obadias 12 mostram que havia um espírito de ódio
contra Judá. Não devemos pensar que é diferente com a Igreja.
Ela não é, também, a instituição que o mundo mais ama. “Se fôsseis
66
do mundo, o mundo amaria o que era seu; mas, porque não sois
do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo
vos odeia” (Jo 15.19). E isso não nos deve causar estranheza: “Se
a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós” (Jo 15.20).
As nações estariam exultando com a queda de Judá e de Jerusalém.
O mundo exulta com os tropeços da Igreja de Cristo, alardeia as
falhas dos seus líderes e busca, sempre que pode, ridicularizar o
evangelho. É óbvio, pois “o mundo inteiro jaz no Maligno” (lJo 5.19).
Os ímpios agem assim “porque não sabem os pensamentos
do Senhor, nem entendem o seu conselho”. Em vez de exultar, deve­
riam temer. Se Deus não poupa o pecado na vida do seu povo,
ai do ímpio! Se ele disciplina sua Igreja, ai do pecador impenitente!
Que ninguém zombe da disciplina divina sobre a Igreja, mas que
tenha um profundo temor por um Deus tão sério que não tolera
o pecado, onde quer que ele se encontre. As nações já foram ajun­
tadas como “gavelas para dentro da eira”. É uma figura que A Bíblia
na linguagem de hoje traduziu assim: “Não sabem que ele os reuniu
para os castigar, como se ajuntam as espigas para pisá-las e separar
o trigo da palha.” Elas são a palha ajuntada para queimar. Na sua
ignorância, tornam-se arrogantes e zombeteiras, sem saber do seu
destino.
Miquéias é mesmo um homem do campo. Suas figuras vêm
do seu cotidiano e para os seus companheiros de ambiente, que
entenderiam muito bem suas expressões. Jerusalém é mostrada
como um novilho debulhando trigo com as patas: “Levanta-te, e
debulha, ó filha de Sião”, diz ele. Comparar o povo de Deus com
um animal que debulha não é uma figura incomum na cultura
do Antigo Testamento. Pode-se vê-la em Isaías 41.15 e em Oséias
10.11, por exemplo. Miquéias dá uma boa lição a nós, pregadores:
deve-se falar dentro do universo do auditório. Há pouco tempo,
li num boletim de educação teológica a queixa de um professor
de teologia que trabalha na índia de que jovens indianos eram
levados para a Califórnia, nos Estados Unidos, e treinados para
apresentar as quatro leis espirituais ao povo das aldeias indianas.
Uma metodologia estranha à própria cultura onde o evangelho
é pregado, desprezando pontos de abordagem que a cultura indiana
poderia apresentar com muito mais proveito. Nossos livros de ilus­
trações para sermões, os famosos enlatados de púlpito, para ser­
67
mões fast food, trazem ilustrações de íeis, rainhas, neve e coisas
absolutamente alheias à nossa cultura e que nossos pregadores
contam para o homem simples do sertão brasileiro. Miquéias fala
o que seu povo entende. Fala da sua cultura. Boa lição.
A idéia da eira de debulhar é também encontradiça nas Escri­
turas. Vemo-la em 2Reis 13.7, Amós 1.3, Isaías 21.10 e Jeremias
51.33. Só que o animal a debulhar aqui, Jerusalém, está bem capaci­
tado. Tem chifres de ferro e unhas de bronze. É um debulhador que
não é escravo, mas um esmagador. Por isso, “esmiuçarás a muitos po­
vos”. O povo de Deus é vocacionado para triunfar sobre seus adver­
sários e não para ser vencido. Ele esmiúça e não é esmiuçado.
A parte final do versículo 13 mostra que a vitória do povo
de Deus, conquistada com ajuda dele, deve ser dedicada a Deus:
“dedicarás o seu ganho ao Senhor, e os seus bens (dos conquistados)
ao Senhor de toda a terra”. A vitória da Igreja nunca deve ser credi­
tada e oferecida a homens, por mais competentes e dedicados que
sejam seus líderes. É uma vitória para ser oferecida ao Senhor.
Toda glória seja ao nome de nosso Deus.
O texto se completa com o versículo 1 do capítulo 5 (ou 4.14,
na Bíblia Hebraica). A vitória anteriormente aludida é para um
futuro ainda um tanto remoto. “Agora” mostra que há medidas
a tomar de imediato. A vitória não é para agora. Para agora é o
preparo para a batalha. É hora de ajuntar as tropas. “Filha de tropas”
é um nome dado a Jerusalém, aqui. A Bíblia de Jerusalém traduziu
por “Fortaleza”. A Bíblia na linguagem de hoje ficou com esta
tradução: “Povo de Jerusalém, prepare-se para se defender, pois
as tropas inimigas estão cercando a cidade e querem matar o rei
de Israel!” Seguindo esta tradução, o texto se aplicaria ao momento
histórico vivido em 701 a.C., quando Senaqueribe quis matar a
Ezequias (Is 36,37). Se a frase final — “ferirão com a vara no queixo
ao juiz de Israel” — for entendida como algo que realmente sucedeu
e não pôde ser evitado, o texto alude à queda de Jerusalém, em
587 a.C., quando Zedequias foi capturado e cegado pelos caldeus
(2Rs 25.7). Com esta interpretação, o texto estaria aludindo à queda
da dinastia de Davi, quando o último rei de Jerusalém, Zedequias,
foi aprisionado por Babilônia. Talvez aqui esteja a aplicação mais
expressiva, mas a interpretação é questão aberta. É mais uma
questão de opção.
68
É uma estrutura bastante singular a do nosso texto ora anali­
sado. Haverá um futuro glorioso, mas antes que ele venha é
necessário enfrentar um período de dores e de lutas. Assim foi,
realmente. E assim é a vida cristã. Temos uma promessa de glórias
extraordinárias, mas antes que elas venham é mister que passemos
por lutas e por muitas dificuldades. Mas, invertendo o raciocínio,
podemos dizer que as dores do presente são passageiras, precedendo
a glória do futuro que esperamos. Com isso em mente, jamais desa­
nimemos nas lutas e saibamos que a vitória é certa. O futuro que
Deus destina ao seu povo não é de vergonha, mas de vitória e de
felicidade.

69
9
UM VISLUMBRE DO MESSIAS

Mas tu, Belém Efrata, posto que pequena para estar entre
os milhares de Judá, de ti é que me sairá aquele que há de reinar
em Israel, e cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os
dias da eternidade. Portanto os entregará até o tempo em que a
que está de parto tiver dado á luz; então o resto de seus irmãos
voltará aos filhos de Israel. E ele permanecerá, e apascentará o
povo na força do Senhor, na excelência do nome do Senhor seu
Deus; e eles permanecerão, porque agora ele será grande até os
fins da terra. E este será a nossa paz (5.2-5a).
A argumentação de Miquéias parece fracionada, agora. A
apresentação de um vislumbre do Messias num momento em que
as iniqüidades dos dois reinos são anunciadas parece quebrar o
sentido do discurso. É preciso esforço para entender a estrutura
do texto, reconhecendo que sua expressão se dá numa cultura
distante da nossa e que o próprio estilo literário não corresponde
às nossas categorias de pensamento. O que estava sendo dito?
Lembremo-nos de que Deus nunca aponta o juízo sem apre­
sentar uma oportunidade de arrependimento. Os pecadores têm
oportunidades. Deus as concede. Lembremo-nos, ainda, de que
ele nunca anuncia um juízo sobre seu povo em termos de aniqui­
lamento, mas dá um sinal de esperança. Há acusação e juízo nas
palavras de Miquéias, mas também há libertação e esperança. O
texto traz agora uma pausa sobre libertação. O profeta vê a maior
de todas, a que há de suceder um dia, com um rei que é, “desde
os dias da eternidade”, o Messias que Israel esperava.
Outrossim, o texto é uma resposta de Deus aos home<ss. A
dinastia de Davi, embora tenha manifestado homens notáveis como
Ezequias, trouxe também homens como Acaz, que preferiu buscar
socorro na Assíria a buscá-lo em Yahweh, apesar de advertido por
71
Isaías (Is 7.1-12). Depois de Ezequias viria seu filho, o lamentável
Manassés, uma tragédia, o pior rei de Judá. As dinastias humanas
falham. Na ocasião em que Miquéias escreveu, havia certo desa­
pontamento com a dinastia davídica, nos dias negros que a
população vivia, mas o profeta deixa claro que seu esplendor seria
recuperado. É de tudo isto que Miquéias fala. Uma grande restau­
ração no futuro, um grande rei, um grande descendente de Davi.
Tudo isso brotando de uma pequena e obscura aldeia. Podemos
aplicar aqui as palavras de Bright, ao se referir à expectativa
messiânica em Judá, citando particularmente este texto: “(...) falando
da vinda de um rei melhor, um filho ideal de Davi, o qual, dotado
de carisma divino, estabeleceria vitoriosamente o seu reino de justiça
e paz, realizando as promessas dinásticas”.1 É disto que nosso
profeta trata, um rei melhor, o filho ideal de Davi.
“Mas tu, Belém Efrata” é o início de uma das mais belas passa­
gens messiânicas da Bíblia. A Bíblia de Jerusalém traduziu “Belém,
Éfrata” (além da acentuação, o termo Efrata, na sua tradução,
designou um qualificativo de Belém). Ambas as interpretações
fazem sentido. Podemos recolher o que ambas expressam, sem fazê-
las colidir. Seremos esclarecidos.
Havia duas cidades com o nome de Belém. Uma delas ficava
em Zebulom (Js 19.15) e a outra é a de que tratamos agora, a Belém
de Judá (Jz 17.7-9). Foi a terra natal de Davi, como podemos depre­
ender de ISamuel 17.12, que chama seus pais de “efrateus”. Foi
dessa região que brotaram as raízes de Davi, como Rute 1.2 e 4.22
nos mostram (lembrando que o propósito do livro de Rute, mais
que fazer uma ponte entre o juizado e a monarquia, pretende
explicar a origem de Davi). Assim podemos entender a tradução
“Belém Efrata”. O rei de que Miquéias fala será o novo e ansiado
Davi. Os velhos tempos serão revividos, e numa escala maior.
Efrata é transliteração do termo Epratah, que significa “frutí­
fera” ou “prolífica”. Foi o nome dado à segunda esposa de Calebe
(lCr 2.18,19) e era o nome da região onde Raquel morreu e foi
sepultada (Gn 35.19). Uma curiosidade bíblica: Raquel, a amada
de Jacó, e que era estéril, morreu na região “frutífera” ou “prolí­
fica”. O melhor lugar onde poderia morrer, pois se tornou mãe de
muitos. Mas nesta interpretação, há contraste também no jogo
de palavras. Belém é uma cidade “pequena” ou “menor”, ou, ainda,
72
“pouco importante”, mas dará um rei que terá um povo prolífico.
A cidade era insignificante, sem expressão alguma, mas “Deus esco­
lheu as coisas loucas do mundo para confundir os sábios; e Deus
escolheu as coisas fracas do mundo para confundir as fortes; e
Deus escolheu as coisas ignóbeis do mundo, e as desprezadas, e
as que não são, para reduzir a nada as que são” (ICo 1.27-29).
Graças a Deus por isto!
Belém Efrata é uma expressão muito rica, bastante signifi­
cativa. “Efrata” significa “frutífera” ou “prolífica”. “Belém” significa
“casa de pão”. As duas palavras aludem à produtividade daquela
terra. O Messias, Jesus Cristo, viria da prolífica casa de pão. Sim,
ele é o pão da vida (Jo 6.48), e veio para nos dar vida com
abundância (Jo 10.10). É pão abundante. Não há escassez nos propó­
sitos de Deus para nós.
Este rei vem “desde os dias da eternidade”. A Versão Revi­
sada traduziu olam como “eternidade”, talvez guiada pela men­
sagem messiânica do texto. A Bíblia na linguagem de boje tra­
duziu como “ele será descendente de uma família que começou
em tempos antigos, num passado muito distante”. A este autor
parece fazer mais sentido. Está aludindo a Davi, mas ele vem de
tempos mais antigos, não necessariamente da eternidade. Parece
ser mais uma questão de associar o futuro rei ao passado histórico
de Davi.
“Portanto os entregará” carece de bom entendimento. Quem
entregará quem? Não é o rei por vir que entregará, mas Yahweh.
Ele entregará Judá. Novamente citando A Bíblia na linguagem
de hoje: “Deus vai entregar os israelitas nas mãos do inimigo”.
O Messias está por vir, mas antes de sua vinda há um processo
por acontecer. O povo de Deus irá ao cativeiro. Lá, passará por
um processo de dolorosa reflexão. Uma leitura do livro de Lamen­
tações mostra isto, como Jerusalém reconheceu seus pecados, como
se arrependeu de suas alianças políticas, como renegou a idolatria.
Um restante deveria regressar, purgado e arrependido. Desse restante
é que viria o Messias. O plano de Deus não é o de uma multidão
inconseqüente, mas de um grupo fiel. Muitas vezes, hoje, nossas
igrejas estão preocupadas em quantificar, rebaixando padrões e
alargando a entrada da salvação, que o próprio Senhor Jesus disse
que era estreita. Qualidade é bem mais importante que quanti-
73
dade, embora esta não seja desprezível. Mas, quando se conta mais
do que se pesa, há riscos.
Uma questão bem discutida no texto é a expressão “a que
está de parto tiver dado à luz”. Sem exceção, as versões católicas
vêem aqui uma alusão a Maria. Alguns intérpretes evangélicos,
desejosos de ver minúcias, detalhes sobre Cristo no Antigo Testa­
mento, seguem na mesma linha. É uma interpretação perigosa e
ousada, porque pode pôr na boca do profeta o que ele não pensou
em dizer. Será que Miquéias estaria falando de Maria? Faria
mesmo sentido esta interpretação, ou é desejo de intérpretes em
ver o evangelho no Antigo Testamento?
Outros intérpretes vêem a referência como sendo a Israel,
que em 4.9 já foi comparado a mulher com dores de parto. Tais
dores de parto eram a sua ida para o cativeiro. Parece haver
mais sentido aqui, nesta interpretação. O que significaria Maria
para Miquéias e seus contemporâneos? A este autor, parece que
a mulher que está para dar à luz é a nação. Suas dores são o
cativeiro. Assim entendemos o sentido que A Bíblia na lingua­
gem de hoje expressou: “Deus vai entregar os israelitas nas mãos
do inimigo, que os dominará até que nasça o filho da mulher que
está para dar à luz. Então os israelitas que estão no cativeiro
voltarão a se reunir com os seus patrícios na Terra Prometida”.
Miquéias associa o retorno do cativeiro com a esperança messiânica.
Na realidade, o retorno do cativeiro sucedeu antes do nascimento
do Messias, e, quando este nasceu, não havia cativeiro. Mas o moras-
tita lembra que a segurança e o bem-estar de Israel têm estreita
conexão com o Messias.
É aqui que a Igreja de Cristo precisa se ver bem. Ela é o povo
do novo Davi. É o novo povo de Deus e brotou do ministério, da
morte e da ressurreição do Messias. Sua segurança e seu bem-estar
dependem de Cristo e nunca de alianças políticas. Não de compro­
missos com homens, mas de lealdade para com Deus. Não suceda
que venha a Igreja cair no pecado de Israel e de Judá, o de confiar
nos homens, em alianças humanas, em direcionar-se para o poder,
esquecendo-se da graça e da misericórdia de Deus. Isto será o seu
fim.
O versículo usa duas vezes o verbo “permanecer”. Uma com
referência ao rei vindouro: “ele permanecerá”. Outra com refe­
74
rência ao povo: “eles permanecerão”. Os dois termos estão ligados.
O povo permanecerá porque o rei permanecerá. Ele permanecerá
como rei. Não será frágil, como os reis do Norte, que Miquéias
viu serem destruídos. Nem como Ezequias, que foi abalado por
Senaqueribe e se apavorou. Ele permanecerá ou “se erguerá” (Bíblia
de Jerusalém) ou “se manterá firme” (Revista e Atualizada). A idéia
é de ficar firme, em pé, sem ser abalado. O reino de Cristo é inaba­
lável. Ele está firme, de pé, não pode ser posto abaixo. Porque ele
é assim, seu povo permanece seguro. A Revista e Atualizada assim
traduziu o versículo: “Ele se manterá firme, e apascentará o povo
na força do SENHOR, na majestade do nome do SENHOR seu
Deus; e eles habitarão seguros, porque agora será ele engrande­
cido até aos confins da terra”.
O rei-pastor é um líder invencível. Citamos aqui as palavras
de Schõkel: “Evoca-se neste verso a figura do rei-pastor Davi,
ligando-se à imagem pastoril de 2.12 e 4.6. Ele será rei pela graça
de Deus, porque dele receberá o poder e em seu nome o exercerá;
para tanto ele devia ser pequeno e voltar às suas raízes insignifi­
cantes, a fim de que o seu orgulho fique todo depositado no
Senhor”.2 Deus manifesta sua grandeza e seu poder usando o
insignificante e tornando-o grande.
“E ele será grande até os fins da terra” (v. 4). É por isso que
toda a terra deve ouvir o evangelho de Jesus Cristo para saber do
grande rei, do rei-pastor, que salva, que recolhe, que cuida, que
faz seu povo permanecer para sempre. Havia israelitas no cativeiro,
alienados de sua terra, do templo do seu Deus, longe da terra das
promessas. Eles precisavam ouvir que haveria um rei que os congre­
garia e traria de volta para a terra, para Deus, para as promessas.
Em nosso tempo, os homens estão alienados de Deus, perdidos,
sem as promessas, distantes do Senhor. Eles são pecadores perdidos
que precisam ouvir que, em Jesus Cristo, Deus os chama de volta
para perto dele. E para nós não há tarefa mais urgente Lembramos
as palavras de Billy Graham, na sua saudação no Congresso de
Lausanne: “Meus colegas evangelistas e missionários, se os homens
de fato estão perdidos, como Jesus claramente ensinou que estão,
então não pode haver para nós prioridade maior do que a de erguer-
-lhes um Cristo Salvador, a exemplo do que fez Moisés no deserto,
ao levantar a serpente de bronze”.3 Podemos parafrasear o grande
75
evangelista: “Se os homens estão alienados, apartados de Deus
e de suas promessas, não pode haver para nós prioridade maior
do que a de dizer-lhes que o rei-pastor já veio, já chegou aquele
que ajunta os fracos e desvalidos, os prestes a morrer, e os traz
de volta para o aprisco”.
“E ele será grande.” Ele é grande. E não apenas em Israel,
mas é grande sobre toda a terra. Ele é o maior, o incomparável.
Ninguém antes, ninguém depois.
E não podemos deixar de notar, no trecho escolhido, a primeira
frase do versículo 5: “E este será a nossa paz”. Que feliz declara­
ção! Não apenas traz, mas é a paz do seu povo. Sim, afinal, ele
é o “príncipe da paz” de Isaías 9.6. Afinal, foi ele quem disse:
“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou” (Jo 14.27), um testemunho
de extremo valor em época tão tumultuada como a nossa.
Comentando o profeta Miquéias, Dionísio Pape nos brindou
com o belo trecho que transcrevemos, encerrando este pequeno
vislumbre do Messias:
‘Miquéias, humilde cidadão de uma vila inexpressiva, alegrou-se
com a revelação divina de que o Cristo nasceria numa cidadezinha
parecida com a sua, e não na imponente capital. A revelação
confirmou que o futuro nenê de Belém reinaria e, mais ainda, que
ele seria um ser que existe desde os dias da eternidade’; seria o
próprio Filho de Deus (5.2)! Ele teria o coração de pastor, para
apascentar o povo, e a força necessária para cumprir o propósito
de Deus (5.3). Não é que ele viria simplesmente para impor a paz:
Miquéias disse que ele será a paz (5.5). Uma paz universal, uma
paz implantada no coração humano, e não o resultado de uma
pressão externa. Que maravilha que Deus escolheu o humilde
campesino Miquéias para ser o porta-voz de acontecimentos que
se cumpriram sete séculos depois! Depois da longa demora, o
mundo ouviu a proclamação angélica: ‘Glória a Deus nas alturas,
e paz na terra entre os homens’ Nascia Jesus, o príncipe da paz,
que no seu ministério declarou: A minha paz vos dou’ (Jo 14.27).
Não é a paz instável da política humana, mas a paz duradoura
da reconciliação com Deus pelo sangue do Calvário. ‘Temos paz
com Deus, por meio do nosso Senhor, Jesus Cristo’ (Rm 5.1)”.4
A estas palavras, apenas dizemos: louvado seja Deus!
76
NOTAS

1. BRIGHT, John. História de Israel, p. 375.


2. SCHÕKEL, Alonso e DIAZ, J. L. Profetas, p. 1.093.
3. GRAHAM, Billy. “Pbr que Lausanne?” In A missão da Igreja no mundo de

menores,, p. 70.

77
10
VISLUMBRES DA ERA MESSIÂNICA

Quando a Assíria entrar em nossa terra, e quando pisar em


nossos palácios, então suscitaremos contra ela sete pastores e oito
príncipes dentre os homens. Esses consumirão a terra da Assíria
à espada, e a terra de Ninrode nas suas entradas. Assim ele nos
livrará da Assíria, quando entrar em nossa terra, e quando calcar
os nossos termos. E o resto de Jacó estará no meio de muitos povos,
como orvalho da parte do Senhor, como chuvisco sobre a erva,
que não espera pelo homem nem aguarda filhos de homens.
Também o resto de Jacó estará entre as nações, no meio de muitos
povos, como um leão entre os animais do bosque, como um leão
novo entre os rebanhos de ovelhas, o qual, quando passar, as pisará
e despedaçará, sem que haja quem as livre. A tua mão será exal­
tada sobre os teus adversários, e serão exterminados todos os teus
inimigos. Naquele dia, diz o Senhor, exterminarei do meio de ti
os teus cavalos, e destruirei os teus carros; destruirei as cidades
da tua terra, e derribarei todas as tuas fortalezas. Tirarei as feiti­
çarias da tua mão, e não terás adivinhadores; arrancarei do meio
de ti as tuas imagens esculpidas e as tuas colunas; e não adorarás
mais a obra das tuas mãos. Do meio de ti arrancarei os teus aserins,
e destruirei as tuas cidades. E com ira e com furor exercerei vingança
sobre as nações que não obedeceram (5.5b-15).
Mostrados alguns vislumbres do Messias no capítulo ante­
rior, mostram-se agora vislumbres da era messiânica. Primeiro, o
homem. Depois, a sua era. O capítulo 5 é um descortinar do novo
tempo de Deus, quando o seu enviado tiver estabelecido seu reino.
Há uma ruptura no pensamento de Miquéias, para alguns
comentaristas. Falava ele do Messias (5.2-5a) e de repente volta
a falar da Assíria. Outros, dentro de uma estranha visão bíblica,
79
/
anunciam o ressurgimento da Assíria, nunía época futura, para
que esta passagem se possa cumprir. Serão estas as únicas maneiras
de abordar o texto? E repetir a história é uma boa base herme­
nêutica?
O versículo 5 declara que quando a Assíria pisar em terras
de Judá encontrará uma resistência que a aniquilará. Quando o
exército assírio foi destruído, o Messias ainda não havia chegado.
E quando o Messias veio, a Assíria não constituía problema algum
para Israel. Alguns lêem aqui uma referência aos persas e declaram
ser o texto um enxerto posterior a Miquéias, quando os persas
se tornaram a potência mundial. Mas não há conexão entre os
persas e o Messias também. A pretensa solução cria mais problemas,
além de questionar a autenticidade do texto. Não é esse o caminho.
Ainda mais porque o versículo 6 deixa bem claro que se trata da
Assíria ao usar a expressão “a terra de Ninrode”. Este foi o fundador
de Nínive (Gn 10.11), capital da Assíria. É desta que se está tratando,
e não de outra.
A Assíria era o grande inimigo do momento e por isto tipi­
ficava muito bem os inimigos da obra de Deus. Em 722 a.C.,
destruíra Israel, o reino do Norte. A história está contada em 2Reis
17, e dela temos um relato arqueológico de Sargão II, rei assírio
da época da destruição israelita: “No início do meu governo, no
meu primeiro ano de reinado (...) Samerinai (o povo de Samaria)
(...) 27.290 (...) que viviam naquele lugar, eu deportei”.1Em outro
lugar, num texto chamado “Inscrição de Ostentação”, que resume
os eventos principais dos 15 anos de domínio desse rei assírio,
lê-se: “Sitiei e capturei Samaria, deportando 27.290 do povo que
habitava ali. 50 carros de guerra eu reuni de entre eles, fiz com
que outros tomassem a sua [dos habitantes deportados] porção,
estabeleci meus oficiais sobre eles e impus-lhes o tributo do rei
anterior”.2 A destruição de Israel marcou a afirmação do domí­
nio assírio sobre toda a região. Os capítulos 36 e 37 de Isaías
mostram a ousadia de outro rei assírio, Senaqueribe. Invadiu
Judá e foi um flagelo para esse reino. No Museu Britânico estão
guardadas algumas descobertas arqueológicas desse período. Numa
inscrição lê-se a arrogante declaração de Senaqueribe: “Eu varri
toda esta terra como furacão; devastei 34 cidades, queimando-as
com fogo; a fumaça das cidades queimadas, como grande nuvem,
80
obscureceu os céus”? Por meio milênio, a arrogante Assíria foi
o terror das pequenasl nações da região. Um bom tipo, portanto,
dos inimigos da obra de Deus. Tào nítida era a figura da Assíria
que Naum e Jonas são dois profetas que se ocupam dela. A
linguagem de Naum, por exemplo, é dura, quase sem palavras
positivas.
Entende-se que, para Miquéias, mais que uma nação em uma
época específica, a Assíria seja um tipo do grande adversário do
povo de Deus. Como, mais tarde, o Apocalipse verá na Roma dos
césares, cruel e impiedosa para com os cristãos, a Babilônia antiga.
Não é preciso tentar reconstruir Assíria e Babilônia para ajudar
a profecia bíblica a se cumprir. Basta entender a visão do profeta.
O passado não volta.
Miquéias associa a vinda do Messias com a destruição dos
inimigos do povo de Deus. Os hebreus sempre esperaram um
Messias libertador, guerreiro vitorioso, que expulsasse os invasores
e elevasse Israel sobre todas as nações, quando de sua vinda. Mas,
por causa dessa visão tão fechada, ele “veio para o que era seu,
e os seus não o receberam” (Jo 1.12). Cuidemos nós, Igreja de Cristo,
para não fazer um quadro de Jesus Cristo como queremos, ou de
acordo com nossas expectativas, fechando os olhos para quem ele
é realmente. Muitas denominações e igrejas identificam o cresci­
mento do reino de Deus com templos suntuosos, crescimento
material, riqueza e prestígio secular. Se as nossas juntas adminis­
trativas acumulam saldos financeiros, se alguém famoso se
converteu ou se alguma autoridade assistiu à abertura da assem­
bléia convencional, nós ficamos felizes. Estamos crescendo! Temos
mais recursos, templos imponentes e somos respeitados pelo mundo!
Não somos mais gentinha! Mas em Mateus 25.31-46, o Senhor
Jesus mostra-se presente não entre os poderosos ou em lugar de
grandeza, mas em meio à gentinha. Ele está com os famintos, com
os sedentos, com os estrangeiros peregrinos, com os nus, com os
doentes, com os enfermos, com os presos (v. 34-37). Não foi ao
glorioso Herodes, na pompa do seu castelo, que os anjos foram
anunciar o nascimento do menino Jesus, mas aos pastores que
guardavam o gado em Belém (Lc 2.8,9). Deus não mandou anúncio
ao palácio, mas ao campo. Não comunicou aos poderosos, mas
aos simples.
81
Com muita facilidade fazemos determinada imagem de Cristo
e do seu reino. Prestemos atenção às Escrituras. Muitas das coisas
que valorizamos tanto, vendo nelas evidênciás das bênçãos de Deus,
nada significam aos olhos do Senhor. Somós mundanos, pensamos
em grandeza eclesiástica e patrimonial, em respeito e admiração
do mundo. Muitos obreiros têm obsessão em fazer carreira deno-
minacional. Nossa preocupação, muitas vezes, está em prédios e
instituições, coisas absolutamente irrelevantes aos olhos de Deus
por tudo aquilo que lemos na Bíblia. Ele quer vida autêntica e
qualidade espiritual. Busca gente que sirva, e não gente que se
sirva, querendo promoção na sua obra. Deveríamos ler Mateus
23 vendo não os fariseus do tempo de Jesus, dos quais discordamos,
mas vendo nosso próprio comportamento ali condenado pelo
Senhor Jesus.
Esta concepção de que o Messias traria a vitória sobre os
adversários do povo de Deus está correta. Mas foi tão deturpada
que os próprios seguidores de Jesus, após sua ressurreição, fizeram-
-lhe a pergunta contida em Atos 1.6: “Senhor, é neste tempo que
restauras o reino a Israel?” Da mesma maneira, é lícito que a Igreja,
herdeira e sucessora de Israel, confie na vitória sobre seus adver­
sários. Isto tem acontecido. Ao longo da História, todos os
adversários da Igreja de Cristo têm sido destruídos. Mas que não
pense ela em poder e domínio sobre os outros. Sua vocação não
é esta. O poder humano e político nunca foram as metas de Jesus
para si ou para sua Igreja. Lembremo-nos de Oscar Cullmann, ao
falar da opção de Jesus em não enveredar pela trilha do poder
secular: “Devemos advertir que ele (Jesus) escolheu justamente
um jumento (conforme Zacarias 9) e não um cavalo à maneira
de um Messias guerreiro, simbolizando assim sua ação pacífica”.4
Ele era pacífico, e não um guerreiro. Seu animal era um jumento,
doméstico, e não um garboso alazão, à moda dos macabeus. Ele
recusou a espada de Pedro, mas tomou a toalha e lavou os pés
dos discípulos, num trabalho de escravo. Nem por isso sua vitória
deixa de acontecer.
A partir do versículo 7 temos uma visão extraordinária de
nosso profeta. Ele já advertiu sobre o cativeiro babilónico e seu
conseqüente retorno (4.10). O retorno se daria na forma de um
pequeno grupo que ele chama de “resto”. É do “resto” e seu
82
futuro que ele trata. A Bíblia de Jerusalém denominou o texto
“O futuro papel do Resto entre as nações”. Um título bèm acer­
tado.
Por duas vezes encontramos a expressão “o resto de Jacó”
(v. 7 e 8). Dos levados para o cativeiro, um punhado regressaria,
curado da idolatria. Esse pequeno grupo seria o guardião das
promessas divinas. É conhecido também como “remanescente”,
como já comentado em capítulo anterior. É a semente da Igreja
do Novo Testamento. Não é, portanto, uma exegese forçada ver
a Igreja de Cristo a partir de agora. É a interpretação óbvia.
O resto, o novo povo de Deus, a Igreja, “estará no meio de
muitos povos”. Irata-se aqui da universalidade do evangelho, do
cristianismo, da difusão da Igreja pelo mundo. É o grão de mos­
tarda que cresceu, fez-se árvore e abrigou as aves do céu (Lc 13.19).
A presença da Igreja no meio de muitos povos é “como orvalho
da parte do Senhor, como chuvisco sobre a erva”. É um bálsamo,
um lenitivo, para um mundo seco, árido. A contribuição do evan­
gelho para a melhora do mundo é inestimável. A Igreja tem uma
função benéfica. É uma bênção para o mundo. A declaração de
Deus a Abraão em Gênesis 12.1, “e tu, sê uma bênção”, não se
cumpriu em Israel pela miopia espiritual dos hebreus. Fecharam-
se num exclusivismo, julgando que Deus era sua propriedade
exclusiva. A Igreja mostrada por Deus será universal, sem fron­
teiras raciais. Que compreendamos que o propósito de Deus é
abençoar o mundo pelo ministério da Igreja. A pregação do evan­
gelho e a proclamação dos atos e da misericórdia de Deus são um
trabalho imperioso para nós.
Se no versículo 7 o texto mostra o resto como chuvisco sobre
a terra seca, o 8 o mostra como um leão entre os animais do campo,
que pisa e despedaça. Se parece uma contradição esta segunda
declaração, lembremos que a Igreja deve ser uma bênção para o
mundo, mas que enfrenta oposição deste mesmo mundo. Ela tem
adversários, mas é dito que triunfará sobre eles. Na bênção a Abraão
já estava contida a declaração implícita da existência de inimigos
(“os que te amaldiçoarem”). Não foi diferente com nosso Salvador,
que enfrentou oposiçãa Não será diferente conosco. Mas, se haverá
oposição, há a certeza do vigor do resto, do povo de Deus. Um
leão não é vencido por ovelhas. A Igreja de Cristo é como um
83
leão. Afinal, seu Senhor é mostrado como um leão que venceu
(Ap 6.5).
A mão que será exaltada sobre os inimigos é a de Judá, no
caso, do resto. Os inimigos da obra de Deus, no fim, serão exter­
minados. E o povo de Deus não será humilhado, mas exaltado.
“Naquele dia” tem, sempre, um sentido escatológico. Alude
a algo futuro, em termos de uma intervenção divina espetacular.
No caso, trata-se da era messiânica, do tempo em que vivemos,
a época da Igreja. Observe-se que a primeira coisa que Yahweh
destruiria seriam os cavalos e os carros de combate (v. 9). Causa
estranheza, quando se oferece vitória a alguém, anunciar a
destruição do seu exército. É que a vitória do povo de Deus não
está associada ao poder militar. Não vem pela grandeza humana,
mas pela confiança em Deus. O sucesso do povo de Deus, hoje,
a Igreja, não depende de armas nem de ídolos, mas de absoluta
confiança nele. Quando a Igreja busca o poder humano, ela se
corrompe. Ela não deve buscar triunfar sobre o mundo, mas ser
fiel a Deus, fazer seu trabalho diligentemente, e o Senhor lhe dará
a vitória. Kierkegaard, numa bela oração, expfessou bem o desejo
de que a Igreja não busque ser triunfante, tendo poder, mas
que busque ser militante, servindo e fazendo a vontade de Deus:
“O teu reino não era e não é ‘deste mundo’ (Jo 18.36), aqui no
mundo não é lugar da tua Igreja triunfante, mas somente da Igreja
militante. Mas, se esta combater, ninguém a poderá jamais expulsar
do mundo, porque tu te fazes dela fiador. Se, ao contrário, ela cisma
dever triunfar neste mundo: ai de mim, ela então é culpada se lhe
subtrais a tua assistência, se ela desaparece, pois que se confundiu
com o mundo. Estejas tu, então, com tua Igreja militante, de modo
que jamais venha a acontecer (e esta é a única maneira possível)
que ela seja cancelada da face da terra por ter-se tornado Igreja
triunfante”.5 Buscar o poder é uma tragédia para a Igreja. Servir
é sua grande glória. Seu Senhor era servo (Mc 10.45).
Os versículos 12 a 14 mostram que não haverá espaço para
a falsa religião nos tempos do Messias. A era messiânica exclui
a falsidade religiosa. A feitiçaria, a adivinhação e a idolatria são
absurdos e incompatíveis com o tempo da Igreja. Todavia, há hoje
um incrível incremento da feitiçaria e da adivinhação! Como
entender esta aparente discrepância entre o texto e a realidade?
84
O versículo 15 mostra claramente que haverá oposição ao minis­
tério abençoador do “resto”, ao falar de “nações que não
obedeceram”. Por mais que a graça e a misericórdia divinas sejam
oferecidas, há quem não as queira, quem lute contra Deus. O Salmo
2 é um exemplo inequívoco da atitude da rebelião humana contra
Deus. Sempre houve. E haverá, até a consumação da História.
Mesmo no novo tempo de Deus haverá rebeldes, gente que
não ouvirá sua voz, que não lhe obedecerá. Sempre haverá os
piedosos, que, como se viu em 4.2, buscarão a casa de Deus para
aprender a Palavra de Deus. Mas haverá rebeldes. Aqueles que
pensam em termos de uma conversão mundial, em que toda a huma­
nidade viverá numa época paradisíaca, buscando a vontade de Deus,
com base em 4.2, precisam lembrar-se de 5.15. Enquanto o reino
não se consumar e entrarmos, enfim, na eternidade, haverá rejeição
e rebeldia contra Deus. Mas os rebeldes nunca vencerão. Serão
exterminados.
Não é demais enfatizar bem a expressão “as nações que não
obedeceram”. Obedeceram a quem? Obedeceram a quê? Como se
pode notar em 4.2, que não obedeceram à Palavra do Senhor. Ela
é o padrão para julgamenta O contemporâneo de Miquéias, Isaías,
disse isto muito bem: “À Lei e ao Testemunho! se eles não falarem
segundo esta palavra, nunca lhes raiará a alva” (Is 8.20). Não há
futuro para os rebeldes à Palavra de Deus.
A era messiânica é uma era de proclamação da Palavra para
que os homens creiam e obedeçam. A responsabilidade maior da
Igreja de Cristo, o povo da era messiânica, é anunciar todo o
conselho de Deus ao mundo, chamando à conversão e à mudança
de vida. Que entendamos bem o tempo em que vivemos e sejamos
•pregoeiros entusiastas da Palavra de Deus. E que nunca aconteça
virmos a ter a miopia espiritual de Israel, que pensou em Deus
em termos de bênçãos e proteção, mas nunca pensou em si em
termos de serviço e dedicação.
NOTAS
1. UNGER, Mefril. Arqueologia do Antigo Testamento, p. 132.
2. Id. ibid., p. 132.
3. CRABTREE, A. R. Profetas menores, p. 194.
4. CULLMANN, Oscar. Jesus e os revolucionários de seu tempo, 1972, p. 41.
5. KIERKEGAARD, Sõren. Das profundezas, 1990, p. 83.
85
11
REPREENSÕES E AMEAÇAS

Ouvi agora o que diz o Senhor: Levanta-te, contende perante


os montes, e ouçam os outeiros a tua voz. Ouvi, montes, a de­
manda do Senhor, e vós, fundamentos duradouros da terra; por­
que o Senhor tem uma demanda com o seu povo, e com Israel
entrará em juízo. Ó povo meu, que é que te tenho feito? e em que
te enfadei? testifica contra mim. Pois te fiz subir da terra do Egito,
e da casa da servidão te remi; e enviei adiante de ti a Moisés,
Arão e Miriã. Povo meu, lembra-te agora da consulta de Balaque,
rei de Moabe, e do que lhe respondeu Balaão, filho de Beor, e do
que sucedeu desde Sitim até Gilgal, para que conheças as justiças
do Senhor. Com que me apresentarei diante do Senhor, e me pros­
trarei perante o Deus excelso? Apresentar-me-ei diante dele com
holocausto, com bezerros de um ano? Agradar-se-á o Senhor de
milhares de carneiros, ou de miríades de ribeiros de azeite? Darei
o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto das minhas
entranhas pelo pecado da minha alma? Ele te declarou, ó homem,
o que é bom; equeéo que o Senhor requer de ti, senão que prati­
ques a justiça, e ames a benevolência, e andes humildemente com
o teu Deus? (6.1-8).
Seguindo a estrutura do texto apresentada pela Bíblia de
Jerusalém, estaríamos entrando agora na terceira parte do livro.
Eis o esboço geral do livro, segundo esta versão:
1.a parte — O processo de Israel (1.2 a 3.12).
2.a parte — Promessas a Sião (4.1 a 5.14).
3.a parte — Novo processo de Israel (6.1 a 7.7).
4.a parte — Esperanças (7.8-20).
87
É o novo processo de Israel, portanto, nesta visão do livro,
o assunto que abordaremos. Se fosse ocidental, e estivesse redi­
gindo segundo as atuais técnicas de comunicação escrita, Miquéias
escreveria primeiro os versículos 3-5. Após eles, o 8. Depois, o 6
e o 7. E então, 1-3. Porque de 3 a 5 são alistados os benefícios
de Yahweh ao povo. No versículo 8, o que ele declarou ao povo,
o que esperava como culto e conduta. Nos versículos 6 e 7, o que
o povo queria oferecer, em contraposição ao que fora pedido. E,
em 1-3, a queixa divina. Não é que queiramos corrigir o profeta,
e sim que o leitor tenha uma compreensão bem clara do que se
passa no texto que ora analisamos. Raciocinando em seus padrões,
poderá ver o que o profeta está dizendo.
Os montes são chamados como cenário e testemunha da
contenda entre Yahweh e Israel. Por que exatamente os montes?
Porque eles foram lugares de encontros e experiências memorá­
veis entre Deus e seu povo. Em montes como Sinai, Nebo, Ebal,
Gerizim, Carmelo e outros, aconteceram eventos importantíssimos
na revelação de Deus a Israel, quer por palavras, quer por atos.
Deus apela para testemunhas oculares, pode-se assim dizer, para
provar que sua causa contra Israel é mais que justificada.
Personificar os montes é um recurso comum na literatura
poética, como Gênesis 49.26 e Salmo 68.16,17, por exemplo, nos
mostram. Exatamente pelo seu significado na experiência de Israel
com Deus, são eles chamados como cenário e testemunha das
queixas divinas. São “pessoas” que podem dizer o que viram e
ouviram.
O que Miquéias relata é impressionante, e nossa familiari­
dade com a Bíblia não pode retirar de nós o impacto que essa cena
pode trazer. Deus está processando seu próprio povo! Está abrindo
um processo, queixando-se do seu procedimento! Já pensamos nisto
como algo que pode suceder conosco? Que ele tem queixas de nossa
conduta, de nosso testemunho, de nosso relacionamento com ele?
Já pensamos que ele se desgosta com nossos pecados e com nossa
traição, quando não lhe somos fiéis? Já passou por nossa mente
que ele nos esteja processando por quebra de compromissos assu­
midos?
No versículo 3, Deus proclama sua fidelidade. Desafia o povo
a testificar algo negativo contra ele. Que fez de errado? Em que
88
aborreceu o povo? São perguntas retóricas, porque nada poderá
ser dito contra Yahweh. Lembra bem de perto a declaração divina
em Jeremias 2.5: “Que injustiça acharam em mim vossos pais, para
se afastarem de mim, indo após a vaidade, e tornando-se levianos?”
Em ambos os casos,' nada a dizer. Quando há afastamento de Deus,
a culpa é sempre nossa, tão-somente nossa. Toda tentativa de culpá-
-lo, além de escapista, é ridícula.
Como prova de seu procedimento correto, enumera Deus o
que fez pelo povo. Começa pelo mais marcante de todos os eventos,
o êxodo. Libertou o povo do Egito, da escravidão a que estava
submetido. Deu-lhe líderes como Moisés, Arão e Miriã. Não o
libertou e deixou largado pelo caminho, mas ofereceu-lhe uma
liderança segura. Durante a peregrinação, protegeu-o do mal.
Pede que se lembre de Balaque e Balaão (Nm 22-24), episódio em
que Deus velou pelo pova Historia os eventos desde Sitim até Gilgal,
momentos de peregrinação pelo deserto, o que inclui o episódio
citado de Balaque e Balaão. É um retrospecto muito favorável a
Deus, no sentido de que ele fez muitas coisas por Israel.
Termina o arrazoado com a declaração “para que conheças
as justiças do Senhor”. Tudo lembrado, não há como desconhecer
ou ignorar as justiças de Deus. Ele fez o que fez para que o povo
o conhecesse bem.
Nos versículos 6 e 7, temos o que podemos chamar de “a
réplica de Israel”. Questionado por Deus, o povo reconhece sua
bondade e se preocupa agora em apresentar-se a ele de forma
agradável. Esta atitude lembra o Salmo 116.12: “Que darei eu ao
Senhor por todos os benefícios que me tem feito?” Como agra­
decer a Deus?
Quem sabe, com holocausto, com bezerros de um ano, como
a lei pedia, e Levítico 9.3 nos mostra? Não seria uma boa forma
de agradecer?
Quem sabe, com milhares de carneiros, e não apenas um?
Afinal, são muitas manifestações de amor e proteção! Então,
milhares de carneiros para milhares de manifestações! Eis outra
boa forma de manifestar a gratidão!
Quem sabe, ainda, com rios de azeite? O azeite era proemi­
nente entre as ofertas das primícias (Ex 22.29) e parte integrante
do dízimo (Dt 12.17). Servia para manter acesas as lâmpadas do
candeeiro do templo (Ex 25.6). Tinha, portanto, grande utilidade
litúrgica.
Quem sabe, ainda, com sacrifício dos primogênitos, o que
Deus nunca pediu, mas povos pagãos assim faziam? Utilizavam
esse método pensando que, se dessem o seu primogênito em sacri­
fício à sua divindade, mais filhos teriam, e, com eles, a prosperi­
dade material. O sacrifício do primogênito estava ligado à pros­
peridade material. Se Deus cuidou tanto e fez prosperar, será que
devo ofertar meu primogênito?
Não, nada disso. O grande erro de Israel foi o de não entender
que os sacrifícios eram um símbolo, uma mensagem apenas, e não
um fim em si mesmo. A prática, que era profética, anunciando
o grande sacrifício que se faria, séculos depois, no Calvário, tor-
nou-se um formalismo vazio. A religião deixou de ser algo vivo,
expressando uma relação com o Deus pessoal, e se tornou mera
liturgia. Não é o que Deus quer. Ele não quer aparência ou rito.
Quer vida. É o que lemos no Salmo 51.17: “O sacrifício aceitável
a Deus é o espírito quebrantado; ao coração quebrantado e contrito
não desprezarás, ó Deus.” Não é forma a exigência divina. É cora­
ção, é sentimento, é vida.
O conteúdo da vida do adorador fala mais alto que os gestos
do adorador. Ê isto que o versículo 8 nos vai ensinar: “Ele te
declarou, ó homem, o que é bom”. Não há por que perguntar
como agradar a Deus. Ele já disse O que ele quer é muito simples
e pode ser exposto em três frases:
1.a) a prática da justiça;
2.a) amor à benevolência;
x 3.a) andar humildemente com Deus.
Observemos que elas seguem, à primeira vista, duas linhas,
uma social (primeira e segunda frases) e a outra espiritual (a ter­
ceira frase). Uma é horizontal, a social. A outra é vertical, a espi­
ritual. Vertical e horizontal são duas linhas que formam a cruz.
A religião (forma de se relacionar com Deus) que a Bíblia apre­
senta, tanto no Antigo como no Novo Testamento, tem a forma
de uma cruz. Foi pela cruz que Deus se relacionou conosco, de
forma mais expressiva, em Jesus Cristo. É pela cruz que nos rela­
cionamos com Deus, de forma mais expressiva, na conduta, com
ele e com o próxima A religião mostrada como a pedida por Deus,
90
no Antigo Testamento, também exalta a espiritualidade sobre o
rito. O cerimonialismo vazio e presumido de ter conteúdo em si
mesmo é uma distorção. Cometia-se nos tempos de Miquéias. Pode-
se cometer no nosso, com ênfase em fórmulas, estereótipos, visual,
mas sem conteúdo espiritual. Praticar a justiça é fundamental para
agradar a Deus. “Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque
não ouvirei a melodia das tuas liras. Corra, porém, a justiça como
as águas, e a retidão como o ribeiro perene” (Am 5.23 e 24).
Cantoria, apenas, não resolve. Pode haver muito louvor, mas, se
não houver retidão, é um culto hipócrita. Deus quer justiça e retidão
nos negócios. Profissionais crentes, membros atuantes de igrejas,
mas desonestos e exploradores do próximo, constituem-se numa
ofensa a Deus. Pensam-no tolo, incapaz de distinguir entre prática
e coração. São pessoas que oferecem culto para se justificar, para
se exibir, mas nunca para agradar a Deus. O culto que agrada a
Deus é a vida reta. É justiça nas atitudes. É ser justo no relacio­
namento com o próximo.
Amor à benevolência é a outra declaração do querer divino
para o seu povo. A palavra traduzida por benevolência é hesed,
uma das mais ricas do hebraico. Seu sentido ultrapassa em muito
o que a Versão Revisada lhe deu nesta tradução. A Bíblia de Jeru­
salém optou por “amor” na sua traduçãa A Bíblia Pastoral e a
Revista e Atualizada, por “misericórdia”. A Bíblia na linguagem
de hoje, por “amemos uns aos outros com dedicação”. A Bíblia
Vozes, por “bondade”. A Bíblia Jjoyola, por “fidelidade”. Só nestas
variações de tradução se vê a riqueza do termo. Para os hebraístas
Brown, Driver e Briggs, o sentimento radical do termo é “avidez,
vivacidade, zelo intenso”, denotando um cuidado amoroso, cons­
tante. Quando o termo é usado como um sentimento de Deus,
significa seu amor fiel e imutável, no cumprimento das promessas
feitas a Israel quando do pacto.
O desejo de Deus é que seu povo ame o amor. Estranho?
Deus deseja que seu povo ame ser misericordioso, tenha prazer
em ser zeloso para com ele e para com o próximo, que ame os
compromissos do pacto (lembrando que, nos Dez Mandamentos,
há orientação sobre como se portar com Deus e com o próximo
— as liphas vertical e horizontal estão presentes no Decálogo).
O sentiínento de hesed, de misericórdia, de interesse real e genuíno
91
por Deus e pelo próximo devem estar no coração do povo de Deus.
O povo de Deus deve viver em amor. Séculos depois de Miquéias,
o apóstolo Paulo faria a mesma declaração em outras palavras:
“Todas as vossas obras sejam feitas em amor” (ICo 16.14).
A terceira declaração é andar humildemente com Deus.
A figura de andar é muito comum na Bíblia. Enoque andou com
Deus (Gn 5.24), o homem justo não anda pelo caminho dos
ímpios (SI 1), Abraão foi chamado por Deus para andar em sua
presença (Gn 17.1). É uma figura de identificação, de partilhar
caminhos e destino. Tanto que o verbo hebraico para “andar” é
hallakah, que também significa “regra”. Por isso, os cristãos são
chamados a andar “em novidade de vida” (Rm 6.4). Ou seja,
temos novos valores de vida, uma regra nova para pautar nossos
atos e vida.
A regra de vida de Deus para seu povo é um andar de forma
humilde com ele. Um andar quebrantado, sem orgulho, sem
arrogância. Há tanta espiritualidade deformada! Tanta vaidade em
nome de Deus! Há mesmo uma espiritualidade doentia, de gente
que se orgulha, se exalta, que pensa de si mesma mais do que
convém. “Quem estende a mão contra mim morre!”, dizia um
“obreiro do Senhor”. Alguns parecem ter uma linha direta, um
telefone vermelho para contatos especiais com Deus. Andar com
Deus não produz esse sentimento vaidoso, mas uma personalidade
transformada por Deus. Tais pessoas exibem uma personalidade
doentia e, em vez de corrigi-la pelo evangelho, usam o evangelho
para desenvolvê-la. Não é assim. Andar com Deus não produz
arrogância espiritual, mas quebrantamento de vida. O homem que
anda com Deus não mostrará isso pela empáfia, mas por exibir
o caráter amoroso de Deus.
Por ter declarado ao povo a sua vontade e não ter visto o
povo cumpri-la, Deus estava abrindo um processo contra ele. Sua
acusação era a de quebra de compromisso. Havia uma aliança
entre Yahweh e Israel. Ele cuidaria do povo e este lhe obedeceria.
A sua parte, Deus a cumpriu. Israel não cumpriu a sua. A vida
cristã também é uma vida de compromissos. Deus nos oferece sua
graça na pessoa de Jesus Cristo, dá-nos salvação, direção para
esta vida e a garantia de uma vida eterna com ele. De nós, espera
amor e lealdade.
92
Com respeito a Israel, contou Deus a parábola da vinha
(Is 5.1-7), na qual mostra o cuidado que teve pelo povo e, quando
esperou frutos da vinha, vieram uvas bravas. O p'ovo não rendeu
os frutos que ele esperava.
No Novo Testamento, Jesus contou a parábola dos lavradores
maus (Mt 21.33-43). Homens a quem um senhor arrendou suas
terras não foram fiéis no compromisso com ele Na história contada
por Jesus há uma frase muito preciosa: “E quando chegou o tempo
dos frutos, enviou os seus servos aos lavradores, para receber os
seus frutos”. Não havia frutos. E houve rebelião. A história foi
encerrada com as palavras duras do Salvador aos judeus: “Pois
eu vos digo que vos será tirado o reino de Deus, e será dado a um
povo que dê os. seus frutos”. A falta de frutos próprios produziu
o juízo.
A ausência de frutos dignos para oferecer ao nosso Deus é
um pecado terrível. Eis a questão: você tem frutos? Que nosso
Deus nunca abra um processo contra nós alegando nossa infide­
lidade ao pacto com ele firmado.

93
12
O PROCESSO SE AMPLIA

A voz do Senhor clama à cidade, e o que é sábio temerá o


teu nome. Escutai a vara, e quem a ordenou. Porventura ainda
há na casa do ímpio tesouros de impiedade? e a efa desfalcada,
que é detestável? Justificarei ao que tem balanças falsas, e uma
bolsa de pesos enganosos? Pois os ricos da cidade estão cheios de
violência, e os seus habitantes falam mentiras, e a língua deles é
enganosa na sua boca. Assim eu também te enfraquecerei, ferindo-
te e assolando-te, por causa dos teus pecados. Tu comerás, mas
não te fartarás; e a tua fome estará sempre contigo; removerás os
teus bens, mas nada livrarás; e aquilo que livrares, eu o entregarei
á espada. Tu semearás, mas não segarás; pisarás a azeitona, mas
não te ungirás de azeite; e pisarás a vindima, mas não beberás o
vinho. Porque se observam os estatutos de Onri, e todas as obras
da casa de Acabe, e vós andais nos conselhos deles; para que eu
faça de ti uma desolação, e dos seus habitantes um assobio. Assim
trareis sobre vós o opróbrio do meu povo (6.9-16).
Continua o processo de Yahweh contra Judá, agora ampliando
e detalhando a queixa. Não é mais contra o povo, em geral, mas
contra Jerusalém, aqui nunca chamada pelo seu nome» mas apenas
de “cidade”. A Bíblia de Jerusalém deu como título a este trecho
a expressão “A voz de Yahweh convoca a cidade”.
Quem é sábio manifestará temor ao nome de Yahweh, pois
sabe que a questão é séria. Essa idéia é reforçada pela frase “escutai
a vara, e quem a ordenou”. Que se preste atenção à repreensão
e a quem a ordena, que é o próprio Deus.
A acusação é franca e aberta, sem rodeios. Ainda há riquezas
conseguidas de forma desonesta na casa dos ímpios da cidade.
Ainda há a “efa desfalcada”, que é dita como abominável. A efa
95
(ou o efa) era uma medida de capacidade de cerca de quarenta
litros. “Desfalcada” é, literalmente, “emagrecida”. Ou seja, diminuíra-
se a sua capacidade, roubando-se no peso. Essa prática também
foi condenada por Amós: “(...) diminuindo a medida, e aumentando
o preço, e procedendo dolosamente com balanças enganadoras”
(8.5). Era uma atitude iníqua da classe dos comerciantes, que explo­
ravam, assim, o pobre.
O versículo 11 faz uma pergunta cuja resposta é óbvia. Está
claro que Deus não justificará quem tem balanças falsas e pesos
enganosos. Mas a pergunta serve para mostrar qual é a questão,
agora. A queixa não é por questões religiosas, como idolatria ou
desvio da ortodoxia. É por causa de desonestidade comercial. Deus
se interessa por muito mais que culto. Seu raio de visão vai além
das paredes de um templo. Ele se interessa pela vida humana como
um todo e enxerga o cotidiano, a vida secular, fora do templo.
Nós nos preocupamos tanto com formas de cultos! Surgem tantos
artigos em nossos jornais denominacionais queixando-se de liturgia
diferente da tradicional! Ah, se tivéssemos tanto zelo pela vida
espiritual como por essas questiúnculas que superdimensionamos,
como não estaria melhor a saúde da Igreja!
“A balança enganosa é abominação para o Senhor (...) “(Pv
11.1).
“Pesos fraudulentos são abomináveis ao Senhor; e balanças
enganosas não são boas” (Pv 20.23). "
Estas passagens mostram que Deus é um Deus moral também
nos negócios. Pensamos muito no rigor de Deus com as questões
mínimas de culto e com as questões ligadas ao sexo. Mas lembra­
mos que ele se importa com nossa vida profissional, com nossas
atividades, com o nosso procedimento em nosso serviço? Que seus
olhos contemplam nossas contas e nossos papéis?
Os comerciantes da época de Miquéias roubavam no peso.
As balanças da época eram precárias, sem muita precisão, e muito
fáceis de fraudar. Sem muito esforço, o comerciante desonesto podia
iludir um comprador, cobrando-lhe um peso e vendendo menos
do que fora cobrado. Mas o profeta nos deixa claro que Deus rejeita
a desonestidade nos negócios. Embora a Bíblia Pastoral seja pouco
objetiva, pois sua versão segue uma linha política determinada
que direciona sua tradução, até mesmo incentivando a luta de
96
classes (vide comentário de rodapé sobre Gênesis 30.25 a 31.21),
sua tradução aqui nos ajuda a entender o que se passava: “Acaso
devo desculpar balanças viciadas, sacolas cheias de pesos adulte­
rados?” Fica bem claro o que motiva a acusação divina contra
a “cidade”:desonestidade nas relações comerciais e exploração dos
necessitados.
À luz destas observações, o comentário de Pape sobre este
texto faz bastante sentido: “Deus olha para o comércio, para ver
como o seu povo se comporta nos negócios. Ele vê a incoerência
entre a profissão de fé articulada no Dia do Senhor no seu santo
templo, e a maneira puramente mundana com que o seu povo faz
os negócios durante a semana, extorquindo um gordo lucro injus­
tificável, e mantendo dois registros de venda: o oficial para o fiscal
do governo, e o real para o comerciante tão religioso (no dia do
Senhor). Deus detesta esta duplicidade, e anunciou o seu castigo
severo que haveria de cair sobre o povo chamado pelo seu nome.
O Deus da verdade julgará o povo, e a sua prosperidade desapa­
recerá e virá a desolação final. Deus não permite uma dicotomia
entre a ética da verdadeira religião e a vida prática do dia-a-dia”.1
Os ricos estão cheios de violência. A desonestidade é uma
violência contra o espoliado. A situação moral da cidade onde Deus
escolheu estabelecer sua morada era calamitosa: “os seus habitantes
falam mentiras, e a língua deles é enganosa na sua boca”. Em nosso
tempo, Deus escolheu fazer morada na Igreja (que, no Novo Testa­
mento, nunca é um prédio, mas sempre pessoas). Qual é a situação
moral da Igreja hoje? Deus pode morar nela, ou ela está suja?
Quando a desonestidade avança até mesmo em nossos arraiais,
não apenas na vida de comerciantes crentes, mas de empresas evan­
gélicas, as queixas e acusações divinas não nos dizem respeito
muito de perto? Um líder cristão queixava-se, há algum tempo,
de ter deixado a empresa evangélica onde trabalhava por causa
dos atos desonestos. A firma pagava determinado salário aos fun­
cionários, mas registrava outro, para safar-se de impostos. Aceita
Deus a mentira e a desonestidade, a fraude» em seu nome? Pode
um trabalho dessa qualidade sér abençoado? No caso citado, não
foi. Veio a falência. Mas valer-se de fraudes para beneficiar a
obra de Deus é um absurdo. Ele não precisa disso. E não quer
isso.
97
No versículo 13 começa a declaração contra o réu conde­
nado. “Eu te enfraquecerei”, diz a Versão Revisada. A Bíblia
Vozes traduziu como “comecei a golpear-te”.A Bíblia na linguagem
de hoje, por “já comecei a castigar vocês”. Ele acusou e passou
a declarar o castigo. Não houve tempo para defesa, porque não
há desculpa para a desonestidade.
Entenda-se o que é o enfraquecimento ou golpe ou castigo.
Assim comenta Anderson: “Como resultado da infidelidade de
Israel ao pacto, as sanções legais (‘maldições do pacto’) serão
invocadas, incluindo a ausência de mantimentos, de crescimento
familiar e de fertilidade (cf. Mq 6.13-15 com Dt 28.15-19)”.2 Exa­
tamente o oposto do que buscava com a desonestidade.
O castigo é “por causa dos teus pecados” (v. 13). Pensava-se
ganhar pecando. Perdia-se, porque Deus estava contra o desonesto.
A tentação do ganho fácil também é muito forte para o cristão,
e é preciso resistir a ela. Vivemos numa sociedade materialista,
que avalia as pessoas pelo volume de bens que possuem. Lembre­
mos que nosso Deus é moral e pune o pecado, onde quer que ele
se encontre. Assim sendo, é melhor o pouco ganho, mas honesto,
que o muito ganho, mas desonesto. O primeiro é protegido e
cuidado por Deus. O segundo está sob o seu juízo e pode evaporar-
-se de um momento para outro. Mas, mesmo que assim não suceda,
uma consciência pura diante de Deus é muito mais valiosa qué
ouro e bens. A retidão nos negócios não é uma opção. É uma
exigência divina.
A maldição do pacto de que falou Anderson está nos versí­
culos 14 e 15. Comer, mas não se fartar, estar sempre com fome
(comida insuficiente). Esconder os bens, mas não conseguir pre­
servá-los. O que se conseguir preservar será tomado à força por
outros. Um quadro da maldição costumeira (Schõkel chama-a de
“clássica”): trabalhar sem conseguir desfrutar do produto do tra­
balho e ver outros levarem o produto do seu suor. Além da dor
péla perda física, a dor moral de se esforçar e ver outros levarem.
“Maldição do pacto.” Sim, maldição do pacto. Não havia
apenas bênçãos nele. Havia também um castigo pela infidelidade
que fora anunciado quando do estabelecimento do concerto entre
Yahweh e Israel. O versículo 15, por exemplo, está bem contido
em Deuteronômio 28.38-40. O sentido que nos fica não é difícil
98
de captar. Ser povo de Deus é uma bênção inestimável, mas traz
imposições inescapáveis, entre elas a da retidão e do cumprimento
dos padrões de Deus para nós. Ser povo de Deus significa, também,
viver numa dimensão moral elevada, inclusive nos negócios e nos
empreendimentos comerciais.
O versículo 16 resume a razão do castigo: “Porque se obser­
vam os estatutos de Onri, e todas as obras da casa de Acabe, e
vós andais nos conselhos deles (...)”. Onri foi o fundador de Samá-
ria, capital de Israel, o reino do Norte (lRs 16.24). Acabe foi seu
filho, uma figura deplorável, secundado por sua cruel esposa,
Jezabel. Acabe e Jezabel foram os promotores do paganismo em
Israel, com a introdução do baalismo. De Acabe, figura patética,
diz-se duas vezes que foi o pior dos reis de Israel (lRs 16.30 e 33).
Este estava sendo o modelo dos comerciantes de Jerusalém. Era
seu patrono, na realidade.
Mas, um momento! Em lugar algum se diz que as condições
eram semelhantes! Não havia nos dias de Miquéias o baalismo
desenfreado que Jezabel trouxe para o reino do Norte. Elias, que
combateu o terrível casal, não fez acusações de desonestidades
comerciais, de roubo no peso, de fraudes comerciais. Mas a asso­
ciação é bem clara: explorar o próximo é atitude de pagão, é
procedimento de idólatra, de quem não teme ao Senhor. Quem
teme a Deus é honesto. Quem bem declarou isto foi Neemias:
“Mas os primeiros governadores, que foram antes de mim, opri­
miram o povo, e tomaram-lhe pão e vinho e, além disso, quarenta
siclos de prata; e até os seus moços dominavam sobre o povo.
Porém eu assim não fiz, por causa do temor de Deus” (Ne 5.15).
Por temer a Deus, Neemias foi honesto. Quem teme a Deus é
honesto nos negócios. Não é possível ser um cristão piedoso no
domingo e um trapaceiro na segunda-feira.
Quando iniciou seu livro, Miquéias fez uma analogia entre
Judá e Israel. Comparou Judá, que foi fiel por mais um pouco
de tempo (Os 11.12), com o apóstata Israel e sua capital, Samária
(1.5). Chegando ao fim do livro, a analogia é retomada neste versí­
culo 16, ao declarar que Jerusalém está andando segundo os
estatutos de Onri e fazendo as obras de Acabe. A comparação era
péssima para Judá, uma declaração até mesmo perigosa, pois em
722 a.C. o reino do Norte foi levado em cativeiro pela Assíria.
99
Miquéias assistiu a esse evento. Seus contemporâneos, é óbvio,
também assistiram a ele. A analogia não é apenas uma denúncia.
É também uma ameaça. A advertência do início do processo devia
soar bem clara: “Escutai a vara, e quem a ordenou” (v. 9). Não
se tratava de um queixume vago e impreciso ou de um desabafo
para constar. Era uma lembrança muito séria do que podia acon­
tecer. Infelizmente, não foi levada a sério.
Não devemos ver essa história como uma curiosidade bíblica
localizada num passado remoto. São eventos recuados no tempo
mas com forte conexão com nossa vida, com a Igreja de Cristo.
“Escutai a vara, e quem a ordenou” é um conselho precioso que
deve ser agasalhado por quem for sábio (v. 9). Ao comentar o
trecho de Miquéias de 6.9 a 7.7, Leslie Allen deu-lhe o título de
“Vivendo numa sociedade decadente”.3 É assim que vivemos
também. Numa sociedade decadente, materialista e vulgar, preo­
cupada com coisas, e não com o caráter. Com uma incrível obses­
são pelo sexo, o que nos faz lembrar a frase de Billy Graham:
“a obsessão do sexo sempre foi a marca de civilizações em deca­
dência”.4 Nossa sociedade é de brutalidade, de exaltação ao imoral
(basta ver como os homossexuais e os travestis são popularizados
pela televisão) e de corrupção generalizada e institucionalizada.
Pbr incrível que pareça, por mais chocante que pareça, havia um
político brasileiro apelidado de “Quinzinho” (normalmente dimi­
nutivo de Joaquim, mas este não se chamava assim) porque
costumava cobrar uma taxa de 15% nas negociatas em que se
envolvia. E o fato era sabido e divulgado!
É neste ambiente que somos chamados a viver a nossa fé.
É fácil viver em louvorzão, encontrão, gospel rock e outros. Tal­
vez seja mesmo uma das artimanhas do adversário da Igreja o
colocar em nossa mente a idéia de que a vida cristã se processa
num prédio ou em práticas litúrgicas. Não, mil vezes não! A verda­
deira vida cristã se passà no mundo, no ambiente corrupto sobre
o qual devemos exercer nossa influência sadia. O verdadeiro serviço
a Deus começa quando saímos do prédio onde a igreja se reúne.
Ele acontece no dia-a-dia, no viver no meio do mundo. Numa
igreja em que este autor pregou, na entrada para o salão de cultos,
sobre a porta, estava escrito: “Entrai para adorar”. Do lado de
dentro, estava escrito: “Saí para servir”. O serviço começaria
100
depois que acabasse a adoração. E assim é, realmente. O serviço
é lá fora.
E para exercer esta verdadeira vida cristã, antes de tudo,
precisamos de retidão. Observamos os estatutos de Onri e fazemos
as obras da casa de Acabe ou somos um povo reto nos nossos
negócios?
“Comprometemo-nos a (...) ser corretos em nossas transações,
fiéis em nossos compromissos e exemplares em nossa conduta (...)”
(“Pacto das Igrejas Batistas” constante no verso dos certificados
de batismo). Nunca nos esqueçamos deste compromisso. “Escutai
a vara, e quem a ordenou”. Não nos esqueçamos desta admoes­
tação profética.
NOIÂS
1. PAPE, Dionisio. Justiça e esperança para hoje: a mensagem dos profetas
menores, p. 73.
2. ANDERSON, Bernhard. The eighth century prophets, p. 37.
3. ALLEN, Leslie. Hosea-Malachi, p. 77.
4. GRAHAM, Billy. O mundo em chamas, p. 38.

101
13
A CORRUPÇÃO MORAL DA NAÇÃO

A i de mim! porque estou feito como quando são colhidas


as frutas do verão, como os rabiscos da vindima; não há cacho
de uvas para comer, nem figo temporão que a minha alma deseja.
Pereceu da terra o homem piedoso; e entre os homens não há um
que seja reto; todos armam ciladas para sangue; caça cada um a
seu irmão com uma rede. As suas mãos estão,sobre o mal para
o fazerem diligentemente; o príncipe e o juiz exigem a peita, e o
grande manifesta o desejo mau da sua alma; e assim todos eles
tecem o mal. O melhor deles é como um espinho; o mais reto é
pior do que uma sebe de espinhos. Veio o dia dos seus vigias, a
saber, a sua punição; agora começará a sua confusão. Não creiais
no amigo, nem confieis no companheiro; guarda as portas da
tua bocà daquela que repousa no teu seio. Pois o fílho despreza
o pai, a filha se levanta contra a mãe, a nora contra a sogra; os
inimigos do homem são os da própria casa. Eu, porém, confiarei
no Senhor; esperarei no Deus da minha salvação. O meu Deus
me ouvirá (7.1-7).
O título dado a este capítulo é emprestado da Versão Revi­
sada. Foi assim que ela denominou o texto do profeta. Basta a
sua leitura para entender a indignação de Miquéias e o porquê
de o juízo divino estar às portas. Como bem disse Will Durant,
“nenhuma grande nação jamais foi vencida, até se haver destruído
a si própria”.1 Judá estava se autodestruindo com seu distancia­
mento de Deus e a conseqüente desordem social que este traz.
O desastre final era questão de tempo.
O capítulo 7, em cujo estudo ora entramos, nos mostra três
personagens falando. Veja na sua Bíblia como as falas estão dis­
tribuídas:
103
V. 1 a 7 — quem fala é Miquéias (é ele quem fala no texto
que ora analisamos).
V. 8 a 10 — quem fala é Jerusalém.
V. 11 a 13 — quem fala é Miquéias.
V. 14 — Jerusalém volta a falar.
V. 15 — é Deus quem fala.
V. 16 a 20 — Miquéias conclui a argumentação.
Neste esquema observamos que o profeta fala no início e no
fim. Suas palavras estão nas extremidades do capítulo. Ele começa
com desespero (“ai”, no versículo 1) mas termina com palavras
de esperança (v. 20). A razão da mudança de sua atitude está no
versículo 7: “Eu, porém, confiarei no Senhor; esperarei no Deus
da minha salvação. O meu Deus me ouvirá”. Quando olhou para
o mundo ao seu redor, foi tomado de aflição. Quando olhou para
Deus, encheu-se de esperança. Assim também sucede conosco.
Quando olhamos as injustiças do mundo em que vivemos, o mal
campeando livre, só uma sensação de profunda angústia pode nos
invadir. Mas, se colocamos os olhos em Deus, há esperança. Não
há esperança no mundo, apenas em Deus. E ter segurança não
é questão de ausência de conflitos, mas de onde se focaliza o olhar.
Se nos problemas ou se em Deus.
“Ai de mim!”, exclama o profeta. Ele sente uma profunda
angústia. Não é ele um sádico que se compraz em anunciar
desgraças. Muitos pregadores de hoje confundem “voz profética”
com mau humor. Há pregadores mal-educados, grosseiros, que
sentem prazer em desancar o povo e trazer-lhes palavras acusa­
doras. Miquéias não é assim. Lendo o versículo primeiro na Bíblia
na linguagem de hoje, entendemos bem sua aflição: “Ai de mim!
Sou como um homem faminto que depois da colheita procura figos
nas figueiras e uvas nas parreiras, mas não encontra nada porque
todas as uvas e todos os figos maduros foram colhidos.” Uma
sensação de vazio, de frustração. Não era o que ele desejava. Ele
não se sente feliz.
Miquéias não vê um justo sequer em seu país. Sua palavra
se parece muito com a de Jeremias 5.1 (que, mais uma vez, parece
inspirar-se nele): “Dai voltas às ruas de Jerusalém, e vede agora,
e informai-vos, e buscai pelas suas praças a ver se podeis achar
um homem, se há alguém que pratique a justiça, que busque a
104
verdade; e eu lhe perdoarei a ela”. Na palavra de Jeremias, Deus
perdoaria se houvesse um justo na cidade. Esta palavra se asse­
melha a Abraão intercedendo por Sodoma (Gn 18.23-33). Quando
o mal cresce a ponto de não se encontrar um justo, não há muito
que fazer.
Miquéias é um homem do campo. Seu raciocínio brota e se
desenvolve nos padrões de sua cultura. Como bem comentou Pape:
“O campesino Miquéias comparou Israel a um pomar ou a uma
videira depois da época da colheita, quando não se encontram mais
frutas.”2 Procura um homem piedoso (v. 2) e não acha. “Como
Diógenes, Miquéias também procura um homem, mas não encontra
sequer um. É assim que se poderia resumir esta passagem de beleza
rude.”3 Não há um só piedoso na terra. A sensação de nosso
profeta é a mesma de Davi: “Salva-nos, Senhor, pois não existe
mais o piedoso; os fiéis desapareceram dentre os filhos dos homens.
Cada um fala com falsidade ao seu próximo; falam com lábios
lisonjeiros e coração dobre” (SI 12.1,2). Nos dias de Miquéias,
“caça cada um a seu irmão com uma rede”, como se faz para caçar
pássaros. Há um estado de confusão nacional e de caos nas relações
pessoais. Um estado latente de guerra civil.
O governante e o juiz querem suborno (v. 3). Que tragédia!
Quando a justiça se corrompe, o homem comum perde as expectati­
vas terrenas. Uma justiça corrupta, vendida e favorecendo sempre
os poderosos que lhe pagam é a ruína de qualquer sociedade. É por
causa dessa imoralidade na justiça que “o grande manifesta o desejo
mau da sua alma” (v. 3). Os poderosos não se arreceavam de mani­
festar a sua maldade. Sentiam-se seguros, pois haviam comprado a
justiça. Citando Stephen-Hodge: “Praticar o mal não era algum
lapso ocasional ou súbita rendição à tentação da parte dos indi­
víduos, mas era uma orientação deliberada, com a qual cooperavam
homens proeminentes: ‘tecem o mal juntamente’”.4 Era um tra­
balho cuidadoso, de artesão, não algo precipitado. O mal era pla­
nejado e bem orquestrado pela liderança da nação.
O melhor homem que Miquéias via era como um espinho,
que fura e machuca. O mais reto era uma sebe (uma cerca) de espi­
nhos. Por causa disto, “veio o dia dos seus vigias, a saber, a sua
punição” (v. 4). Entenda-se tão estranha construção literária. A
Bíblia Loyola traduziu-a como “eis o dia que teu sentinela anun­
105
ciou”. Uma das funções do sentinela era anunciar a vinda de algum
inimigo. O dia do inimigo chegou. A Bíblia de Jerusalém optou
por uma tradução que não guarda semelhança com estas duas.
Fazendo uma correção que não explica como, verteu por “hoje
chega do norte o seu castigo”. E em nota de rodapé, citando Jere­
mias 1.13,14, recorda que os inimigos, costumeiramente, vinham
do norte.
O versículo 5 é amargo: “Não creiais no amigo, nem confieis
no companheiro; guarda as portas da tua boca daquela que repousa
no teu seio”. Mais uma vez parece que Jeremias veio abeberar-se
em Miquéias. Seu texto em 9.4 é bem semelhante ao de nosso
profeta menor. Mas diz-nos o morastita para não se confiar no
amigo, no companheiro nem na esposa, que se reclina ao peito.
Um sentimento de solidão. Não há amigos em quem confiar.
O versículo 6 vem explicar o momento narrado pelo profeta,
seqüenciando a argumentação. Há uma terrível confusão familiar.
“Desaparecendo a justiça e a verdade, a estrutura corrompida de
uma sociedade só produz divisão e desconfiança, atingindo até
mesmo as relações familiares mais próximas. Quando se corrompem
os fundamentos de uma sqciedade, o homem se torna o lobo para
outro homem.”5
Quando nos lembramos da palavra de Jesus, “um irmão entre­
gará à morte seu irmão, e um pai a seu filho; e filhos se levantarão
contra os pais e os matarão” (Mc 13.12), compreendemos bem uma
verdade dolorosa. A confusão familiar é um sinal do fim. Quando
a família se desintegra, chega o caos. Como estão nossas famílias?
Você ora pelos seus familiares? Apresenta-os a Deus em oração,
intercedendo por eles? Você colabora para que sua unidade fami­
liar experimente harmonia, ou é um lobo?
Todo o quadro mostrado neste texto é bem negro. Deprimente.
Se terminasse aqui, seria desalentador para o estudioso da Palavra
de Deus. Mas, consideremos o raciocínio imaginoso de Earle:
“Podemos imaginar Miquéias de regresso de suas colinas de Morasti,
observando outro pôr-do-sol. Havia entregado fielmente a
mensagem de Deus ao povo. Qual tinha sido o resultado? Ai de
mim!’, disse ele (7.1). ‘Desapareceu o misericordioso da terra’ (7.2).
Em vez de fazer o bem, o povo procura ‘completar a maldade com
suas mãos’ (7.3). O profeta se sente decididamente pessimista.
106
‘O melhor deles é como um espinho; o mais reto deles é pior que
uma sebe de espinhos’ (7.4). Não se pode confiar em ninguém,
nem sequer no melhor amigo ou no ser mais amado (7.5). É, real­
mente, um quadro trágico que se ajusta bem com a mais profunda
escuridão noturna. Para onde o profeta voltará sua vista? (...) Então
vem a declaração de fé. ‘Eu, porém, confiarei no Deus da minha
salvação (...) A presença de Deus provê consolo e segurança”’.6
Muitas vezes, nós também nos sentimos bastante desconfor­
táveis num mundo onde impera a maldade nas relações humanas.
Vemos a violência, a pornografia, o materialismo pragmático na
supervalorização dos bens, a busca desenfreada de prazer, o esque­
cimento de valores morais e espirituais que tanto prezamos. Somos
ridicularizados por nossa fé. Vemos o mal acuar a Igreja, vemos
o achincalhe do evangelho em programas de televisão e na voz
de críticos alardeados como “intelectuais”. Somos, então, consi­
derados como indigentes mentais por crer no evangelho, numa
época que se diz científica, mas que, na realidade, é supersticiosa
e desonesta em suas conclusões. Somos vítimas do ataque do
Maligno, de várias e sutis formas. Pode vir a desesperança. Mas,
como disse Emil Brunner, “o que o oxigênio é para os pulmões,
a esperança é para o sentido da vida”.7
Em ocasiões assim, é preciso nutrir esperança. E bem-
aventurado é aquele que, no meio de tantas confusões, com tantas
crises e dificuldades para viver, pode exclamar como o profeta:
“Eu, porém, confiarei no Senhor, esperarei no Deus da minha
salvação. O meu Deus me ouvirá”.
Pode-se esperar no Senhor. Ele não falha, por pior que seja
a situação. Isto veremos na continuação do estudo de nosso profeta.
NOTAS

1. Citado em GRAHAM, Billy. O inundo em chamas, p. 33.


2. PAPE, Dionisio. Justiça e esperança para hoje: a mensagem dos profetas
menores, p. 74.
3. MAILLOT, A. e LELIÈVRE, A. A atualidade de Miquéias: um grnnde “profeta
menor”, p. 165.
4. SHEDD, Russel (ed.). O novo dicionário da Bíblia, p. 885.
5. Bíblia Pastoral, nota de rodapé, comentário in loca
6. EARLE, Ralph. Conozca los profetas menores, p. 60.
7. Citado em GRAHAM, Billy. Tempestade à vista, p. 285.
107
14
LEVANTANDO-SE DOS ESCOMBROS

Não te alegres, inimiga minha, a meu respeito; quando eu


cair, levantar-me-ei; quando me sentar nas trevas, o Senhor será
a minha luz. Sofrerei a indignação do Senhor porque tenho pecado
contra ele; até que elejulgue a minha causa, e execute o meu direito.
Ele me tirará para a luz, e eu verei a sua justiça. E a minha inimiga
verá isso, e cobri-la-á a confusão, a ela que me disse: Onde está
o Senhor teu Deus? Os meus olhos a contemplarão; agora ela será
pisada como a lama das ruas. É dia de reedificar os teus muros!
Naquele dia será dilatado grandemente o teu termo. Naquele dia
virão a ti da Assíria e das cidades do Egito, e do Egito até o Rio,
e de mar a mar, e de montanha a montanha. Mas a terra será
entregue á desolação por causa dos seus moradores, por causa do
fruto das suas obras (7.8-13).
Após um quadro sombrio de julgamento e destruição, começa
agora a raiar a esperança, nas palavras do profeta. Isto é suficiente
para que um grande alarido da parte dos críticos se levante contes­
tando a autoria de Miquéias para esta porção do livro. Para alguns,
tal linguagem esperançosa não poderia estar na agenda de um
homem que anunciou o juízo com tanto rigor para o seu próprio
povo. Seria, portanto, um acréscimo de autores posteriores, feito
para contrabalançar a dureza do escrito do morastita. A este respeito,
pense-se nestas palavras: “É conhecido de todos que vários livros
de profecia têm um fim feliz. Muitas vezes mesmo a beleza das
promessas do fim chega a ser proporcional à densidade das ameaças
que as antecederam. Mas é sabido também que os críticos rejeitam
quase com unanimidade a autenticidade desses fins, que teriam
sido sistematicamente acrescentados pelos copistas, preocupados
em não deixar a palavra de Deus terminar com ameaças. Isso merece
109
um exame mais atento. Porque significa encerrar os profetas em
um personagem e não permitir que saiam dele. É o mesmo que
colar-lhes uma etiqueta e aprisioná-los em uma definição, qual seja
a de ‘profeta severo’ e não permitir que eles se liVrem dela. Se, por
infelicidade, o profeta esboça um sorriso ou transmite uma promessa,
diz-se peremptoriamente: ‘Não é possível! Isso não é dele!’ Isto
porque ele foi mumificado em um só personagem e esclerosado
em sua mensagem.”1Realmente, é muito preconceito não aceitar
que um profeta possa falar de juízo e de esperança ao mesmo tempo.
Afinal, os pregadores fazem isso! Anunciam o juízo de Deus, mas,
junto com ele, mostram a graça que perdoa, que salva e que sustêm
o juízo. Assim sendo, na falta de argumentos reais, convincentes,
que provem de forma cabal que não foi Miquéias o autor destas
palavras, conceda-se-lhe o crédito. Será possível que durante séculos
se viu erradamente a autoria, e só agora um crítico, distante no
tempo e no espaço, tenha a palavra final sobre a autoria dos versí­
culos, só porque não concorda com um estilo literário do escritor
bíblico? Sem dúvida, argumentos mais fortes precisam ser apre­
sentados para justificar a posição de que se trata de um enxerto.
São dois os oradores do texto ora analisado. Do versículo 8
ao 10, quem fala é Jerusalém. Do versículo 11 ao 13, quem fala
é Miquéias. Primeiro, o texto nos mostra uma confissão de pecado.
Depois, um anúncio de restauração.
Na fala de Jerusalém, vê-se que o tema é a zombaria de uma
inimiga. As cidades e as nações eram tipificadas por mulheres. Uma
cidade ou uma nação está zombando de Jerusalém. Para alguns
comentaristas, seria Edom. Para outros, a Assíria; e para outros,
ainda, Babilônia. Tentar especificar aqui será exercício de inutili­
dade. É um adversário. Pode ser qualquer um dos três. Ou os três.
Ou mais outros, ainda.
Eis o versículo 8, na versão da Bíblia na linguagem de hoje:
“Inimigos, não zombem de nós! De fato caímos, mas ficaremos
novamente de pé; agora estamos na escuridão, mas o Deus Eterno
será a nossa luz.” O juízo experimentado por Jerusalém não deveria
ser motivo de júbilo para seus adversários. Na realidade, deveria
ser de temor. Porque se Deus julga seu próprio povo quando este
peca, deixará de julgar o ímpio? Só mesmo a insensatez leva alguém
a se rejubilar quando vê a mão de Deus se abater sobre outrem.
110
Um Deus que julga deve ser motivo de temor, e seu juízo, uma
exortação à correção de vida.
A segunda parte do versículo 8 retrata a confiança de Jeru­
salém: “(...) quando eu cair, levantar-me-ei; quando me sentar nas
trevas, o Senhor será a minha luz.” No versículo 9, há uma profunda
consciência de pecado, que o profeta põe na boca de Jerusalém.
Ele mostra, com isso, que no cativeiro o povo reconhecerá seus
pecados e esperará na misericórdia de Deus. Na leitura do livro
de Lamentações de Jeremias, observa-se como isto sucedeu. O capí­
tulo 1, principalmente os versículos 20 e 21, mostra a compreensão
do seu pecado por parte do povo. Miquéias está anunciando que,
quando Jerusalém for cativa, em terra estranha refletirá sobre o
que fez e se arrependerá. “Israel experimentará uma queda trágica,
mas o autor crê que ela se levantará novamente. Por um momento,
a nação será forçada a sentar-se nas trevas do exílio, mas a luz
de um novo dia estará para raiar em breve”.2 A ida ao cativeiro
seria corretiva. A nação, com essa experiência trágica, deixaria
de confiar em si, em alianças políticas, em falsos deuses, e, na hora
da dor, olharia para o Senhor. Experimentaria uma conversão no
exílio.
Como isto se parece com muitos de nós, que vivemos em
pecado, de forma que desagrada a Deus, rejeitando seu chamado
à mudança de atitudes, e, quando sofremos o juízo, então nos arre­
pendemos. Parece que o juízo ou um tipo de castigo ou, ainda,
alguma espécie de provação são necessários para a mudança de
vida de muitos de nós.
Deus tem e usa a linguagem do amor. Quando ela não é
ouvida, ele tem e usa a linguagem da correção. Mas se esta não
for ouvida, aí a situação é deplorável. Por isso, aquele que estiver
sentindo o juízo divino em sua vida deve arrepender-se, olhar para
Deus com confiança e esperar em sua misericórdia. Ele levanta
o caído, embora se desgoste com o pecador impenitente. O arre­
pendimento humano leva Deus a se mover na direção do
arrependido.
Os inimigos, porque não conhecem Yahweh nem seu modo
de agir, exultam: “Onde está o Senhor teu Deus?” Não conhecem
a Yahweh. Não é ele um deus descontrolado, cheio de caprichos,
que age por impulsos. Não é, também, um mero padroeiro que
111
protege os seus de qualquer malefício. Ele tem um propósito na
História. Levará, ele mesmo, seu povo ao cativeiro. E ele mesmo
levantará um homem que tirará o povo de lá (veja o papel dado
por Yahweh ao pagão Ciro, como libertador do povo de Deus, em
Is 44.21 a 45.18). Seu propósito é purificar seu povo, separar um
resto de onde virá o Messias, o abençoador do mundo, em quem
se cumprirão as promessas feitas a Abraão (como Paulo sintetizou,
admiravelmente, em G1 3.13). Tudo obedece ao querer divino.
Embora não aceite o pecado de Israel e de Judá, ele não foi surpre­
endido nem frustrado. Tudo segue no rumo que ele apontou.
Os inimigos que exultam deveriam olhar para sua própria
vida. Serão pisados “como a lama das ruas”. Aquele que exulta
com a queda de um filho de Deus deve olhar para a sua própria
vida, temer, arrepender-se e consertar a vida. Senão, corre o risco
de também vir a ser pisado como lama. Esmagado sob os pés de
Deus.
A partir do versículo 11 até o 13, é Miquéias quem fala.
É um oráculo de restauração. Ele fala da restauração dos muros,
o que sucedeu nos tempos de Neemias, e do afluxo de pagãos a
Jerusalém, por conversão. O versículo 13 é uma ameaça aos pa­
gãos, aqui chamados de “seus moradores” (da Terra Prometida),
uma alusão provável aos vizinhos imediatos dos judeus por ocasião
do escrito profético. Alguns vêem aqui os samaritanos com os
quais Neemias se defrontou. Por isso, alguns insistem em situar
o texto como um acréscimo nos tempos de restauração, com Esdras
e Neemias. Mas, novamente, seria uma base precária, constituída
mais de inferências do que elementos mais consistentes. Outros
mais querem ver algo a se cumprir no milênio. Mas é forçoso
reconhecer que a idéia de um milênio não é clara no Antigo Testa­
mento, sendo trazida de fora, e nela se inserem passagens
veterotestamentárias fora do seu contexto. A questão fundamental
aqui é esta: o que um milênio significaria para Miquéias e seus
contemporâneos? Com isto em mente poderemos buscar uma inter­
pretação que dissesse respeito à compreensão dos destinatários
do escrito do profeta. Era a eles, primariamente, que se dirigia a
profecia. Até mesmo o anúncio do Messias se dá no contexto
imediato ao vivido pelo profeta e pelos recebedores de sua
mensagem.
112
Num ponto os críticos têm razão: a linguagem do versículo
11 tem mesmo uma aparência pós-exílica. Mas trata-se de uma
linguagem profética. Haverá destruição, sim. Mas haverá também
uma restauração, que incluirá a reconstrução dos muros que seriam
derrubados pelos inimigos invasores quando do juízo. Haverá
retorno e reconstrução, é o que ensina o versículo 12, esclarecendo
seu antecedente. O juízo divino a se abater sobre a cidade não
é o fim. A aparência pós-exílica indica o tempo do cumprimento
e não o tempo da redação.
Além do retorno, há a especificação de um papel importante
para Jerusalém: ela será o centro do mundo. Será isso literal? Deve-
se pensar num mundo rendido ao judaísmo? É óbvio que não.
O judaísmo acabou. Insistir num templo judaico com a restauração
dos sacrifícios e ver Jerusalém como regedora do mundo é tirar
de nossas Bíblias a Epístola aos Hebreus. É desconsiderar o evan­
gelho de Jesus e todo o ministério salvífico do Redentor. O tempo,
agora, é do evangelho. Não há mais “cidade santa” aqui na terra.
A Igreja, o novo Israel de Deus, é universal, espalhada por todo
o mundo. Os meios de publicidade evangélicos falam de “visita
à terra santa”. Para o cristão não existe terra santa. No cristianismo,
santos são os fiéis. Deus não habita numa terra, mas em pessoas.
Nós, os que cremos, somos os santos.
Repete-se aqui a linha de argumentação de 4.1-3. Numa nova
etapa da ação de Deus, um papel relevante será destinado a Jeru­
salém. No entanto, a este autor não parece ser algo a acontecer
num milênio apocalíptico trazido para cá. Trata-se, ainda, do povo
de Deus, mas do povo originado do resto. Os que voltarem do cati­
veiro serão o resto, o remanescente, o rebento, o broto novo da
raiz de Jessé. Não se trata de uma linhagem humana, sangüínea,
mas espiritual. O rebento, o broto novo vindo do cativeiro, desa­
brochou no novo povo de Deus, a Igreja de Cristo. Por isso, as
palavras de Kunstmann parecem muito coerentes, neste momen­
to, ao comentar ele a expressão do versículo 11: “Naquele dia
será dilatado grandemente o teu termo”. Segue ele outra tradução
(a Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil): “Nesse
dia serão os teus limites removidos para mais longe”. E comenta,
então: “Deus mesmo remove as estacas — toda a terra é dele —
e abre novos campos de trabalho para o seu povo. Ê a expansão
113
da igreja do N.T. pela obra missionária. Isto condiz com o seguinte:
viriam do oriente e do ocidente, do norte e do sul, de todos os
lados, a fim de formar uma só igreja santa debaixo do Cristo-Rei.
A velha terra do povo de Deus do A.T. ficaria, porém, desabitada,
em testemunho dos frutos das suas más obras.”3
Chegamos, por fim, ao versículo 13. Mais um problema, desta
vez de conteúdo. Se haverá restauração e um novo papel para a
terra santa, como o versículo 13 a declara como sendo “entregue
à desolação por causa dos seus moradores”? Grande parte da
resposta está contida na citação de Kunstmann, mas caminhemos
um pouco mais na observação do versículo. Diz assim a Bíblia
na linguagem de hoje: “Mas o mundo inteiro vai virar um deserto
por causa dos pecados do seus moradores”. Todavia, em nota de
rodapé, reconhece que “o mundo inteiro” pode ser “a Terra Prome­
tida”. A dificuldade reside nisto: se Jerusalém será restaurada,
como a terra prometida se tomará um deserto? Na linguagem
poética, deserto é símbolo de desgraça, de provação, de vida estéril,
improdutiva. Deserto é maldição. Como restaurada e amaldiçoada
ao mesmo tempo?
Parece corroborar-se a idéia de que não se trata da Jerusalém
política e geográfica, localizada numa região do globo, aquela que
será restaurada. Trata-se do povo de Deus, o resto, que desembo­
cará na Igreja de Cristo. O propósito de Deus não será localizado
num espaço geograficamente delimitado, mas no seu povo, que
será universal. Deus sairá dos limites da Terra Prometida para todo
o mundo, em termos de adoradores. Não há mais uma “terra santa”.
Mesmo parecendo repetitivo e sem planejamento do que foi escrito,
é bom repetir que, no cristianismo, santos não são os lugares, mas
as pessoas. Deus não está em prédios ou em regiões, mas no cora­
ção daqueles que o amam e aceitam como seu Senhor. Precisamos
definir bem quem é a terra, neste texto. E precisamos recuperar
para a Igreja o lugar que ela ocupa no plano de Deus. Ela não
é um “quebra-galho” emocional do Senhor, que, decepcionado
porque Israel rejeitou seu Filho, optou por ela. Ela não é secun­
dária nem recebeu migalhas. Ela é o projeto original de Deus.
Como Efésios 1.4 bem nos diz, fomos escolhidos antes da fundação
do mundo, e não num momento de necessidade divina em preen­
cher um lugar vago em seu plano, com a rejeição de Israel.
114
Crabtree entende que a terra, aqui, não é a Palestina, mas
alude a um adversário específico do povo de Deus: “Os estudantes
não estão unânimes na interpretação deste versículo. Alguns dizem
que o profeta está falando da Palestina, que por algum tempo ainda
ficará desolada por causa dos pecados cometidos pelos hebreus.
Outros pensam que o profeta está falando da devastação daquelas
terras que maltrataram os hebreus espalhados, depois da saída
destes para a Palestina. Parece mais provável que o profeta esteja
pensando nas nações cruéis, como a Assíria, que desprezavam a
pequena nação de Israel e perseguiam o povo do Senhor.”4 Seu
ponto de vista parece bastante razoável e é aceito por este autor.
Pode ser a Assíria. E ela é um tipo de todos os adversários do povo
de Deus. Yahweh levantará o seu povo, mas julgará os adversários
do seu rebanho. Seja a Assíria, seja quem for, será entregue à deso­
lação.
A lição que nos fica é bem clara: há juízo divino sobre todos,
inclusive seu povo..Ser povo de Deus não significa ter sinal verde
para pecar, que ele dará um jeito e fará vistas grossas aos nossos
erros. Embora Judá viesse a ser julgado, isto não significaria o fim,
mas uma etapa, um processo. Viria dele um resto que originaria
uma nação mais numerosa e poderosa, a Igreja. Quanto aos adver­
sários do povo de Deus, estes seriam eliminados para sempre. E
assim tem sido. Ao longo da História, os adversários da obra de
Deus têm ficado destruídos.
Deus lida com seu povo, corrige-o, disciplina-o e leva-o para
junto de si. Mas aos seus adversários, ele aniquila. Para nós, ser
povo de Deus é desfrutar de bênçãos extraordinárias. Mas é uma
grande responsabilidade. Para os ímpios, também uma advertência:
que se arrependam de seus pecados e busquem ao Senhor enquanto
se pode achar.
NOTAS
1. MAILLOT, A. e LELIÈVRE, A. A atualidade de Miquéias: um grande “profeta
menor”, p. 160.
2. HARMON, Nolan (ed.). The interpreter’s Bible, vol. VI, p. 945.
3. KUNSTMANN, Walter. Os profetas menores, p. 116.
4. CRABTREE, A. R. Profetas menores, p. 187.
15
ESPERANÇA, A FORÇA QUE IMPULSIONA
A VIDA

Apascenta com a tua vara o teu povo, o rebanho da tua


herança, que habita a sós no bosque, no meio do Carmelo;
apascentem-se em Basã e Gileade, como nos dias antigos. Eu lhes
mostrarei maravilhas, como nos dias da tua saída da terra do Egito.
As nações o verão, e envergonhar-se-ão, por causa de todo o seu
poder; porão a mão sobre a boca, e os seus ouvidos ficarão surdos.
Lamberão o pó como serpentes; como répteis da terra, tremendo,
sairão dos seus esconderijos; com pavor virão ao Senhor nosso
Deus, e terão medo de ti. Quem é Deus semelhante a ti, que perdoas
a iniqüidade, e que te esqueces da transgressão do resto da tua
herança? O Senhor não retém a sua ira para sempre, porque ele
se deleita na benignidade. Tornará a apiedar-se de nós; pisará aos
pés as nossas iniqüidades. Tu lançarás todos os nossos pecados
nas profundezas do mar. Mostrarás a Jacó a fidelidade, e a Abraão
a benignidade, conforme juraste a nossos pais desde os dias antigos
(7.14-20).
Chega ao fim o livro de Miquéias, com um texto com três
personagens falando. No versículo 14 é Jerusalém (ou Judá) quem
fala. O locutor do versículo 15 é Deus, embora algumas versões
atribuam a fala ainda a Jerusalém. Do versículo 16 até ao fim é
Miquéias quem fala. O assunto é esperança, a força que impul­
siona a vida.
Jerusalém pede para ser apascentada como nos tempos
antigos. Lembra-se do passado, quando o povo era guiado pelo
próprio Deus. Alguns tentam ver Miquéias usando o Salmo 23,
mas isto é desnecessário. A figura de Deus conduzindo o povo,
como pastor, é muito comum no Antigo Testamento, fora dos
117
Salmos. Na literatura dos povos antigos, a figura de um condutor
como pastor também era bastante empregada. Tal imagem estava
popularizada no cotidiano dos povos. O cuidar de rebanhos era
uma das atividades mais comuns naquelas culturas. Foi isso que,
inclusive, deu o pano de fundo ao Salmo 23. Mas não é bom forçar
situações.
Alguns querem ver aqui uma oração dos retornados, fazendo
com que o texto não seja de Miquéias e datando o escrito de depois
de 537 a.C, quando Jerusalém estaria cercada pelos adversários
na sua terra e pedindo socorro. Mas, atribuindo o texto a Miquéi­
as, ficamos com o mesmo ambiente: Judá estava cercado de inimigos.
A Assíria esteve às portas. Babilônia foi mostrada como a potência
que invadiria e destruiria a nação. Não há necessidade de passar
uma tesoura no texto, mutilando-o.
“Apascentem-se em Basã e Gileade, como nos dias antigos.”
Eram lugares de vegetação abundante, de pastos frutíferos (Ex 39.18,
Am 4.1 e SI 22.12). O povo sente saudades do tempo em que Deus
o guiava pela estrada da abundância, nos dias passados. Uma das
boas coisas para a vida do cristão é, também, lembrar-se da bondade
de Deus no passado. Recordar-se de sua misericórdia e de seu
cuidado. Esquecer as boas experiências vividas com Deus pode
ser danosa Não se pode viver no passado, mas as experiências
do passado nos reavivam na mente o que Deus fez por nós. E,
se ele fez, por certo que ainda pode fazer. Seu poder não cessou.
Se é realmente isto que o povo quer, se o pedido é feito de
coração, Deus promete mostrar maravilhas (v. 15). Ele pode mostrar
maravilhas, mas nem sempre pode fazê-lo, devido à nossa indife­
rença e à nossa vivência no pecado. Seria bom também nos
recordarmos de que, se nossa vida espiritual é opaca, por certo
não é por falta de interesse de Deus em nos conceder grandes aven­
turas com ele.
Miquéias vê o diálogo entre uma Jerusalém que pede ajuda,
lembrando do passada, e Deus, que promete fazer maravilhas, como
fizera no passado (“como nos dias da tua saída da terra do Egito”).
E traz suas palavras finais. Entenda-se a estrutura do texto para
não se perder o conteúdo. Do versículo 16 até ao fim do livro,
Miquéias fala de um futuro radiante. Traz uma palavra esperan­
çosa. Mas esse futuro e essa esperança estão diretamente ligados
118
à conversão (expressa no pedido do versículo 14) e ao retorno à
aliança (“como nos dias da tua saída da terra do Egito”). Aliás,
é com uma clara referência à aliança que o livro se encerra (v. 20).
A esperança para o povo está no reconhecimento da aliança feita
com os pais e no retorno a ela.
O profeta começa falando das nações adversárias. Não
podemos deixar de notar algo muito valioso que não é explici­
tamente declarado no livro, mas que se observa por todo o Antigo
Testamento. Deus usa os pagãos. Em Miquéias, o cativeiro em
Babilônia é mostrado como ato de Deus (2.10; 3.12; 4.10 e 5.1),
mas ai do inimigo! Em Isaías 10.5, a Assíria é a vara da ira de
Deus, mas ai dela! Yahweh é o Senhor da História e das nações.
Usa quem quer, quando quer, como quer. Mas não fica como
devedor de ninguém por isso. Ninguém tem crédito com ele.
É oportuna, aqui, a declaração de Balancin e Storniolo: “Esses
textos nos fazem pensar na maneira como Deus dirige a História.
Ele se serve de nações inimigas para castigar os crimes e a infi­
delidade do seu povo. Todavia, as nações não podem ultrapassar
o seu papel de instrumento, aproveitando-se do seu poder para
explorar e dominar. Caso contrário, elas próprias serão julgadas e
condenadas.”1
As nações adversárias verão o poder de Yahweh pelo seu povo
e se envergonharão, pelo poder divino. O gesto de pôr a mão
na boca e a surdez indicam sua estupefação. Sobre elas paira a
maldição. São comparadas à serpente que lambe o pó. O quadro
é bem negativo. Primeiro nos recorda a maldição sobre o Ten­
tador, metamorfoseado em serpente (Gn 3.14). Depois temos a
figura de “lamber o pó”, que está associada à figura do vencido
e humilhado (SI 72.9 e Is 49.23). Quando virem o poder de Yahweh
na vida de Jerusalém, se envergonharão e serão humilhados.
Uma tragédia para a Igreja é que o mundo nem sempre está
vendo o poder de Deus em sua vida. Há chacotas de incrédulos,
por causa da falta de bom senso de muitos programas evangélicos
de televisão, nos quais o ridículo parece ser o ingrediente principal.
Num programa do dia 5 de fevereiro de 1995, por exemplo, ofere­
cia-se um óleo especial para ungirji cabeça e que afastaria Satanás
com suas tentações. A superstiçãoi, a crendice em objetos e arte­
fatos mágicos, a volta ao que existe de pior no catolicismo (o culto
119
às relíquias, a existência de objetos sagrados e de objetos sacra­
mentais, como sal para acabar com as dissensões domésticas etc.)
mostram um evangelho descaracterizado, supersticioso e fonte de
comércio inescrupuloso. Há escândalos por causa da conduta de
muitos televangelistas e pelo fato de os líderes de algumas seitas
evangélicas freqüentarem, com razoável assiduidade, as páginas
policiais de jornais. Confunde-se o poder de Deus, que é real, com
estratégias de marketing para vender a imagem daquela seita como
eficiente e possuidora de uma linha de crédito especial com Deus
e que ela pode transferir aos seus adeptos. O evangelho se diminui
e o poder de Deus se torna fonte de lucro. Que tristeza confundir
o poder de Deus em transformar situações e redirecionar a história
em casos de testemunhos repetitivos e, muitos deles, suspeitos! Em
vez de crer, o mundo zomba e desconfia.
Mas, conforme Miquéias, vendo o poder de Deus, os pagãos,
tremendo, sairiam de seus lugares e até viriam ao Senhor. Muitas
vezes, os pagãos zombam e não entendem como os crentes são
ludibriados por gente que lhes promete afastar Satanás com “descar­
rego de arruda” (outro oferecimento em programa “evangélico”
de televisão), por exemplo. Não entendem pregadores que dizem
que “Deus prometeu deixar todos nós ricos”, enquanto o povo
continua pobre, mas tais pregadores, bem de vida. Quando o poder
é Deus e não de manipulação, o mundo vê e crê. O incrédulo não
é um indigente mental que aceita tudo que lhe dizem. E sabe
quando lhe mostram a verdade e a mentira.
O Deus de Miquéias intervém na História, no macrocosmo
dos homens e das nações, e não apenas no microcosmo da indi­
vidualidade. Sobre a intervenção divina na História, eis uma
excelente observação de dois comentaristas: “E ele intervém nesta
passagem precisamente por um breve inciso no qual ele promete
novos milagres que serão novas libertações (v. 15); elas serão motivo
de confusão para todas as nações, mesmo e principalmente para
as mais poderosas, as quais se tornarão, mais ou menos volunta­
riamente, surdas e mudas; de sua boca, que presentemente blas­
fema, não sairá mais uma palavra. Elas, que humilham os outros
e provavelmente os israelitas, serão reduzidas a lamber a terra
diante de Yahweh. Por isso, tomadas de medo total, abandonarão
os baluartes onde se consideravam em segurança”(v. 16 e 17).2
120
O versículo 18 é uma exaltação a Yahweh. Há um jogo de
palavras com o nome do profeta. Miquéias significa “quem é como
YahwehV. Assim começa o versículo: “Quem é Deus semelhante
(...)”. É uma pergunta retórica, várias vezes feita no Antigo Testa­
mento, exaltando Deus sobre o imaginário dos deuses da época.
Na realidade, Miquéias não crê em outros deuses. Tampouco o
Antigo Testamento os reconhece como existentes. Crabtree expôs
isto muito bem ao dizer: “Estas palavras não significam que o
profeta cria na existênda de outros deuses. Nenhum profeta hebreu
neste período da história era politeísta. O escritor está usando o
argumentum ad hominem”.3 Miquéias se vale da fraseologia dos
que criam em outros deuses para mostrar que nenhum deles, inven­
tado pelos homens, pode ser comparado com o Auto-Existente.
“Quem é Deus semelhante a ti, que perdoas a iniqüidade,
e que te esqueces da transgressão do resto da tua herança? O Se­
nhor não retém a sua ira para sempre, porque ele se deleita na
benignidade.” Que palavras! “Benignidade” é o termo hebraico
hesed, que, a esta altura, o leitor já compreendeu. Deus encon­
tra prazer não na ira, mas no amor eterno, imutável, no amor do
Pácto.
Ele voltará a ter piedade do povo, ou seja, mostrará nova­
mente a sua piedade, porque nunca deixou de tê-la. Mas a revelará
ao agir pela restauração do pova “Pisará aos pés as nossas iniqüi-
dades” é uma palavra riquíssima. Ele esmagará nossos pecados
debaixo dos seus pés, aniquilando-os, diz Miquéias. Ele acaba com
os pecados do arrependido. Quem sinceramente se arrepende tem
a certeza de que seus pecados foram esmagados por Deus.
“Tu lançarás todos os nossos pecados nas profundezas do
mar” é a declaração do profeta, pensando no Judá arrependido
(que tenha feito a declaração do versículo 14) e restaurado. “Quan­
do uma pedra afunda nas profundezas do oceano, ela não pode
ser recuperada; e quando o pecado é perdoado, Deus nunca mais
se lembra dele» nem nesta vida, nem na futura.”4 Pecado perdoado
é pecado inexistente. Deixou de existir. Esta é a mais revolucio­
nária mensagem que os ouvidos humanos podem ouvir: Deus
perdoa os pecados daquele que crê. A Igreja precisa dizer com
todas as suas forças, a um mundo perdido em seus pecados e esma­
gado pela condenação, que há perdão na cruz de Jesus Cristo. E,
121
quando estamos em Cristo, encontramos perfeito perdão. Ele
carregou os nossos pecados. A Igreja precisa/voltar a falar do pecado,
de suas conseqüências trágicas, da necessidade de arrependimento
e de fé em Jesus para receber o perdão. É isto, mais que tudo, que
os homens precisam ouvir. Há perdão de Deus para quem crê. E
ser perdoado por Deus é a mais profunda experiência que uma
pessoa pode ter. Seus pecados são cancelados, sua vida é restau­
rada, a vida eterna lhe é dada, novos horizontes lhe são postos
diante dos olhos.
O versículo 20 encerra o livro retomando o pacto, a antiga
aliança feita com os pais: “Mostrarás a Jacó a fidelidade, e a
Abraão a benignidade, conforme juraste a nossos pais desde os
dias antigos.” Observe-se que a nação é chamada Jacó e Abraão,
respectivamente, pelos ancestrais. Assim, as promessas de Deus
remontam ao passado, quando ele pactuou com os patriarcas. São
promessas que vêm de longe.
Dois atributos de Deus serão mostrados ao povo: fidelidade
e benignidade. São dois termos hebraicos riquíssimos: bmet (fide­
lidade) ehesed (benignidade). ’E met pode ser definido como “aquilo
que determina a natureza de Deus, e que é peculiar à sua divin­
dade, e que torna possível ao homem confiar nele. Emet é a
segurança que Deus outorga ao homem que busca vigorosamente
a sua proteção”.5 Pbderíamos chamá-la de confiabilidade. Deus é
confiável. Sobre hesed já tecemos comentários. Sintetizemos, então:
é o amor eterno, o amor do Pacto, o amor que o leva a se rela­
cionar com os seus. São estas as virtudes que Yahweh revela ao
seu povo: a segurança aos que o buscam, pois ele é confiável, e
o seu amor, inalterável, eterno, amor do Pacto.
Miquéias termina admiravelmente bem. Se há alguma espe­
rança, esta não reside nas virtudes religiosas do povo, nem em
possíveis alianças políticas, mas tão-somente em Deus. Ele é
confiável e amoroso. No que a esperança depende de Judá, o que
este tem a fazer é voltar ao passado, recordar a aliança feita com
Deus. A esperança está no Pacto, nas promessas feitas aos pais
e na permanência do povo dentro das exigências divinas.
E para concluir as considerações sobre o texto do profeta,
particularmente sobre o conteúdo dos versículos 18 a 20, nada
melhor que transcrever uma oração do reformador Martinho
122
Lutero: “Ó Deus, quem é Deus igual a ti, que perdoas iniqüidades,
deixas de lado as transgressões do resto do teu povo? Que não reti­
veste para sempre a tua ira, tendo prazer na misericórdia? Tu de
novo levantaste teu rosto sobre nós e tiveste compaixão de nós.
Venceste as nossas iniqüidades, atirando atrás de ti os nossos
pecados nas profundezas do mar. Oh! queiras preservar entre nós
esta tua graça para sempre, assim que possamos andar à luz da
tua santa palavra e escapar a todos os perigos com que nos ameaçam
Satanás e o mundo. Por Jesus Cristo, teu Filho e nosso Redentor.
Amém, amém e amém.”6
Vale a pena esperar em Deus e crer, de coração, em seu Filho
Jesus Cristo. Como disse Hannah Moore: “Nenhum homem, no
seu leito de morte, jamais se arrependeu de ser um cristão.” Esta
é a exortação final de Miquéias: crer e viver na esperança.
NOTAS
1. BALANCIN, Euclides e STORNIOLQ, Ivo. Como ler o livro de Miquéias, p. 39.
2. MAILLOT, A. e LELIÈVRE, A. A atualidade de Miquéias: um grande “profeta
menor” p. 177.
3. CRABTREE, A. R. Profetas menores, p. 189.
4. MEYER, F. B. Comentário bíblico devocional, p. 433.
5. KUNSTMANN, Walter. Os profetas menores, p. 118.
6. BOTTERWECK, Johannes e RINGGREN, Helmer (eds.). Theological dictio-
nary o f the Old Testament, vol. I, p. 316.

123
16
O DESAFIO DE MIQUÉIAS

O estudo de qualquer livro da Bíblia é bastante edificante,


sendo ela a Palavra que traz vida aos homens. No entanto, maior
proveito se verifica quando nos vemos no estudo. Poderemos ser
apenas “enxeridos” vendo a vida alheia, e não pessoas compro­
metidas com o progresso espiritual pessoal, se não virmos nossa
vida dentro do que estudamos.
“À luz do que li, em que minha vida deve mudar?” é sem­
pre uma boa pergunta no estudo bíblico. Embora tenhamos feito
aplicações dos ensinos do profeta ao nosso tempo, é necessário
que façamos indagações sobre nós mesmos, em nível mais ampla
Quais são os desafios que o profeta estudado tem para nós?
Muitos poderiam ser alistados, mas parece que os que abaixo
consideramos tornam-se mais agudos. É provável que o leitor,
arguto, tenha enxergado mais desafios. Pode ser que o Espírito
lhe tenha mostrado muito mais do que se pode mostrar aqui. Mas
estes que alistamos a seguir merecem nossa consideração.
O primeiro é a compreensão da moralidade de Deus. No nosso
tempo, o Ocidente está sendo culturalmente invadido pelo Oriente,
inclusive em termos de conceitos religiosos. O movimento Nova
Era, que é uma frente ampla do ocultismo e do paganismo oriental,
tem-se infiltrado em nossa cultura e, muitas vezes, no evangelho.
A impessoalidade da Divindade, algo comum no Oriente, é mos­
trada. As pessoas passam a ser dirigidas por gnomos, cristais,
cores, pelo número de letras em seu nome, astros, tecidos etc.
Filmes e desenhos animados de televisão mostram não um Deus
pessoal, mas uma força cósmica a dirigir a vida das pessoas. “Que
a Força esteja com você!”, bradam os personagens de um filme
que deu origem a alguns desenhos animados.
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Compete-nos dizer que o Criador é mais que uma força
cósmica, mais que energia. E que não está nas coisas, como cris­
tais e florais. Está nas pessoas, nos que crêem. Ele faz morada nos
que o amam e crêem nele. “Se alguém me amar, guardará a minha
palavra; e meu Pai o amará, e viremos a ele, e faremos nele mora­
da” (Jo 14.23). E não é uma presença energizante, como até mesmo
alguns pregadores parecem mostrar, em sermões de dupla inter­
pretação, mas um Deus moral, que se revelou propositalmente, nas
Escrituras, deixando padrões vivenciais para os homens. Compete
à Igreja ressaltar de novo a esquecida santidade de Deus e infor­
mar ao mundo que o pecado é uma ofensa a ele. Este é um ensino
muito forte de Miquéias: Deus declarou ao homem o que é bom,
e se indigna com o pecado.
Outro desafio é viver em retidão. O chamado de Deus não
é apenas para proteger, guardar e abençoar os chamados. É para
que estes vivam em retidão, não apenas na espera de coisas boas.
O povo de Deus deve mostrar na sua vida as características de
uma vida na qual Deus está presente. A qualidade de vida da Igreja
como comunidade, e dos cristãos como indivíduos, deve ser elevada.
Retidão nos negócios, honestidade no trato, justiça social nos rela­
cionamentos, estes são padrões vivenciais do povo de Deus. A vida
cristã verdadeira é mais que louvor, mais que um tempo vivido
dentro de um prédio chamado “igreja”. Ela consiste em retidão,
em integridade nos negócios, nas pequenas, nas médias e nas
máximas coisas.
Um terceiro desafio é de ordem teológica. Entender que
somos o remanescente desabrochado num novo povo chamado
Igreja. Algumas correntes teológicas dão um espaço desmesurado
para Israel e apenas migalhas para a Igreja. Parecem cristãos que
se sentem frustrados por não serem judeus e serem “apenas”
cristãos. As promessas feitas a Abraão, aos pais e a Israel perten­
cem à Igreja de Cristo. São nossas. Não somos mendigos que recebe­
ram sobras. Somos filhos por adoção em Jesus Cristo (Jo 1.12,13).
Não somos mais “estrangeiros, nem forasteiros, antes (...) conci­
dadãos dos santos e membros da família de Deus” (Ef 2.19).
“E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e her­
deiros conforme a promessa” (G13.29). As promessas são nossas,
diz a Bíblia.
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Ocupamos lugar especial no plano de Deus. Isto implica
bênçãos e, é óbvio, responsabilidade. Temos salvação e segurança,
mas também a responsabilidade de viver em vida santa e agradável
a Deus.
Outro desafio teológico: vivemos os tempos da era messiânica,
os tempos do Messias. Miquéias esperava que, nesta era, o mundo
procurasse o povo de Deus. Os pagãos reconheceriam na vida do
povo de Deus que valia a pena vir procurar a palavra saída da
boca do Senhor. Os incrédulos, com raras e gloriosas exceções, não
têm buscado a Palavra do Senhor. Seja pela força demoníaca que,
sabedora da brevidade do seu tempo, busca a quem possa tragar,
seja pela tibieza de nosso testemunho, o fato é que poucos têm
buscado a Deus. Compete-nos ir testemunhar de nossa fé e dizer
que há paz para o mundo na pessoa de Jesus Cristo. Anunciar
em alta voz que o tempo do perdão é este, que Deus estende agora
a sua mão, em Cristo, a todos, e a todos chama para o arrepen­
dimento.
Um último desafio vem do caráter do próprio Miquéias, que
não se intimidava para declarar o propósito divino aos homens.
Estava cheio do poder do Espírito de Deus para declarar os peca­
dos do seu povo. De que estamos cheios? De planos mundanos?
De expectativa de elogios dos perdidos? E aqueles que dizem estar
cheios do Espírito estão declarando ao mundo perdido os seus
pecados, ou “pescando em aquários”, buscando apenas arrebanhar
desavisados para seu movimento? Na concepção de Miquéias, um
homem cheio do Espírito Santo dá um testemunho ousado aos
pecadores, sem se intimidar.
Miquéias, um camponês que desafiou o poder, é para nós
uma lição. Não é preciso ser um erudito teólogo ou um orador
de primeira para impressionar o mundo. Basta ter uma vida en­
tregue nas mãos de Deus, com o desejo de fazer a sua vontade
e de glorificá-lo. Basta ter sensibilidade para compreender os
tempos em que vivemos e lucidez para saber interpretá-los de
acordo com a Palavra de Deus.
À luz de tudo o que vimos na análise do texto do profeta,
destas últimas considerações e de outras mais que o leitor, prova­
velmente, descobriu na leitura deste livro, Miquéias se constitui
num tremendo desafio para todos nós: o desafio de um evangelho
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integral, que vê os pecados e as injustiças sociais. O desafio de
um evangelho que não bajula poderosos, mas que se prende ao
“ele te declarou, ó homem”, à Palavra falada e revelada de Deus.
Saibamos ter a mesma visão de uma vida cristã integral e
a coragem de viver a vontade de Deus.

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130
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M iquéias é um dos grandes desconhecidos do A ntigo
Testam ento. Excetuando-se sua profecia de que o Messias nasceria
cm Belém, há pouco aso de suas palavras cm nossas igrejas.
Evidentemente, isso nos prejudica porque deixamos de aprender
“to d o o conselho de D eus” . Sua contcm porancidade é
extraordinária. Ele fala de mazelas sociais, de arrogância política e
militar, do desprezo a Deus e aos valores espirituais e, o que parece
j ff mais grave, o uso da religião para se conseguir vantagens
S / pessoais. Tudo isso é algo que vivenciamos em nossos
/' / ** dias.
Nossa proposta de estudar Miquéias é mais que mera
curiosidade em saber o que aconteceu séculos atrás ou
ajicnas ter informações bíblicas para dizer que estudamos a Bíblia.
E descobrir com o Deus considerou pecados daquela época que
cometem os na nossa; como anunciou juízo ao seu povo por falhas

wfà I
que também cometemos; c como ofereceu esperança, sem a qual
nós tam bém não podemos viver.
Nosso convite é para um estudo do homem cujo nom e significa
Quem c como lahwch. Não um estudo diletante e distante, mas
envolvendo-se. Não tuna leitura superficial, mas um exame, com
a Bíblia aberta. Sem dúvida que m om entos proveitosos virão desta
atitude. Ao autor, particularmente, debruçar-se sobre Miquéias foi

l■nPl
É im edificante. Pelo poder da Palavra de Deus e pela ação do Espírito
Santo de Deus, por certo será também edificante para o leitor.

ISBN 85-350-0101-8

9 788535 001013

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