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OS IMPASSES DO REGIME AUTORITARIO: O CASO BRASILEIRO

F. H. Cardoso

Introdução

Muito se escreveu nos Gltimos tempos sobre o autori

tarismo moderno. Desde o livro ideologicamente'comprometido de

Car1 Friedrich e Brz8zinski sobre Totalitarian Dictatorship and

Totalitarianism (1) at~ ~ caracterização de Linz sobre a Espa-

nha(2), uma ava1anche bibliográfica foi despejada a respeito do

"novo -eutoritarismo", do "autoritarismo burocrático", do corpor~

tivismo autoritário, e assim por diante. Aos casos "clássicos"

-(fã áutoritarismo europeu (alguns n Ft Ld'ernen t e fascistizantes. se


. .

não abertamente fasriistas na sua origem), somaram-se mais recen-

temente os emergentes estados "autoritárlo-modernizantes" da

América Latina, que passaram a ser analisados pela ciência polí-

tica com empenho crescente.


·,'..1

Não obstante, o que marca a bibliografia e a confu-

sao conceitual e a distribuição de adjetivos que mais impressio-

nam do que esclarecem. Houve. apesar disso um avanço nacaracte

(1) FRIEDERICH. Carl J. e BRZEZINSKI. Z.K .• Totalitarian Oictator


ship and Totalitarism. Cambridge. Mass., Harvard University
Press. 2a. ed .• 1965.
(2) ·LINZ. .Jue n , "The Case os Spain", in OAHL. R .• organizador.Re
gimes and Oppositions.Yale University Press, New Haven.1974.
(.

2.

rizaç~o das transformaç6es pelas qua1s p~5S0U o estado em alguns

dos principais ~6fses da Am~rica latina. Eu diria Que este avan

ço foi significativo em duas direç6es principais: houve 6 carac-

terização de mecanismos de relacionamento corporativista entre

as classes e o estado e mesmo das classes entre si (3) e houve

um debate frutífero sobre o estaJo "burocrático-autoritário"(4).

Não ~ esta a oportunidade para· um balanço crítico

da bi~liografia sobre o tema. Quero referir-me apenas às prin-

(3) A discussão sobre o corporativismo na política latinoamerica'


na tornou-se momentosa. Ver especialmente o número especial
da Review of Politics de janeiro de 1974 (36, n9 1) e nele
o artigo de Phillippe C. Schm~tter, "Sti11 a century of cor-
poratism?" e a colet~nea editada por MAllOY, James M., Autho
ritarianism and Corporatismin Latin America, Pittsburgh, U-
niversity of Pittsburgh Press. 1977. Para um estudo de caso
i f i c a t i v o • ver S T E P A N. A lf r e d , T h e S t a t e a n d S o c i e t y. p e
------'-si-g-n
---~ru in comparative p e r s p e ct v e , 8rinceton.
ã Princeton Uri Lv e r-aL"
ty Press, 1978.
-- - ---.l.A 1 A co D t r'ib u i ç ã o m a i s s i g n i f i c a t i V1L..p ar...a. -ca r a c t e r i z a r o e s t a d o
burocrático-autoritário foi de Guillermo 0'00nne11. Na já
referida colet~nea de Ma1loy se publica de 0'00nne11 um capí
tulo sobre "Corporatism and the Question of the State"., Ver
especialmente. "Ref1exiones sobre Ias t~ndencias generales de
cambio en el Estado burocrático-autoritário". apresentado à
conferência sobre História e Ciências Sociais. Universidade
de Campinas. são Paulo. junho de 1975. CEDES, BueDos Aires.
1975. e especialmente, "Notas para el estudio de procesos de _
democratizaciõn a p~rtir deI Estado Burocrático-Autoritário".
mimeo. 1979.
Stepan, no livro citado na nota anteri~r desenvolve outro mo
delo analftico - o do "estatismo org~nico" - para analisar
o funcionamento de certas variantes de regimes autoritários
nas Quais se salienta a noção de que o estado representa o
"todo" e tem uma funç~o interventora abrangente p~ra inte-
grar as partes (que. entretanto. são reconhecidas como tais).
No estatismo org~nico os interesses são representados corpo-
rativamente, mas o conceito é-mais limitado historicamente;
enquanto podem existir formas corporativas (em oposição - às
pluralistas e agrega~ivas) de representação tanto no fascis
mo como no estatismo orgãnico e até mesmo em regimes mais
democráticos, ~ noção de,estatismo org~nico funciona como uma
espécie de "modelo abstrato de governança". coerente e inte-
grado.
---- .- .-_.~-~-~--._._.
--_ .•._---._-

I.
<

3.

pais conclus~es do debate para colocar, em seguida, as quest~es

que. ora me interessom sobre os imp~s5es dos regimes autoritários

e '0s pro c e s s o 5 que os de sa r t i c u 1am •

No que diz respeito ao estado atual da discussão 50

bre o estado autoritário, parece-me que - com muita liberdade na

seleção do que veja como mais importante - os temas que foram

razoavelmente esclarecidos e os limites que se imp~em ao paradi~

ma proposto foram os seguintes:

19 - Embora o fenômeno do corporativlsmo (5) seja antigo na

ptilítica Iatinoamericana e alguns autores pensem mesmo

derivá-Io de características da cultura "hispano-cató-

lica", ele se redefine quando é pensado não como traço

1s01ado que caracteriza o relacionamento entre segme.!:!,

tos da sociedade (6) mas quando é visto como mecanismo


----~-------------
regulador de relações básicas do próprio estado (7).

(5) Schmitter, no artigo já citado. explora as várias definições


do corporativismo. Malloy, em sua coletânea, no artigo sobre
"Authoritarianism and Corporatism in LatinAmerica". caract~
riza-o da seguinte maneira: "strong and relatively autonomous
governmental structures that seek to impose on the society
a system of interest representation based on enforced limited
pluralism. These regimes try to eliminate spontaneuos 1nte-
rest articulation and establish a limited number of authori-
tatively recognized groups that interact with the governmen-
tal apparatus in defined and regularized ways. Moreover.
the recognized groups in this type of regime are organized
in vertical functional categories rather than horizontal class
categories and are obliged to interact with the state though
the designated leaders of authoritatively sanctioned interest
associations" (p. 4).
(6 ). Ver S C H M I T T E R , 'Ph i 1 ip p e • I n t e r e st C o n f 1 i c t a n d P o 1i t i c a 1
I

Change in Brazil, Stanford. Stanford University Press. 1971.


(7) Ver O'OONNELL. op.cit., in MALLOY.ed., op.cit.
, ,
(

'(

4.

29 - Parece consensual que o que tem sido chamado de estado

"burocrático-autoritário" reforça liames de tipo corp~

rativo, embora naose resuma 00 corporativismo como

característica do estado.

39 - Na caracterização específica dos estados' burocrático-

autoritários, a ênfase foi posta nas tarefas de trans-

formação econômico-social que eles deveriam cumprir,

assegurando a "profundizaci6n" da economia, na lingua-

gem de O'Donnell (ou seja, a continuidade do processo

de integração interna da economia pelo avanço dos seto

res de produção de bens de produção e a contin~idade da

internacionalização da economia local em novas bases).

49 - De igual modo, a emergência dessa forma de estado foi

vista como uma resposta aos desafios da crise social e

econômica que o avanço da sociedade industrial-urbana.


--- -----------
de base capitalista. colocara à dominação populista ou

as formas mais tradicionais de organização liberal-bur

guesa do estado.

59 - Em consequência do que esta forma estatal e, por um Ia

do, repressiva (social e politicamente) e por outro di

nâmica economicamente.

69 - O dinamismo econômico deriva da articulação que, por

interm~dio da ação do estado se consegue, entre o gra~

de capital internacional e a economia local e deriva da

pr6pria expansão da ativirlade econômica estatal.

79 - A máquina estatal se expande e se enlaça ainda mais na

economia. dando preeminência às formas burocráticas de


,
.'

5.

controle social, político e econômico.

89 _. Mais ainda, as funções '"modernizadoras" na sociedade

em geral e produtoras na economia exig~ aplicação de

crit~rios formais de racionalidade _que requeram compe-

tência técnica crescente por parte dos agentes esta-

tais.

Na caracterização das formas recentes de dominação

autorit~ria alguns autores distinguem o carãter integrador de

alguns destes regimes, como Stepan mostra na anãlise do Peru e.

sem usar esta terminologia, também o faz Lowenthal (8), enquanto

outros, especialmente os que se referem ao Brasil e ao Cone Sul.

insistem no carãter excludente das formas burocrãtico-autoritã-

--rios, limitando mesmo este conceito a tais regimes.

As críticas principais à noçao de estados burocrã-

tico-autoritãrios tamb~m podem ser resumidos brevemente:

19) existem os que, como Florestan Fernandes (9) se insurgem

contra a própria noção de autoritarismo por considerã-

Ia ide610gicamente comprometida na medida em que aceit~

ria, ipso facto, o continuum democracia-autoritarismo-

totalitarismo, que é formal e'não distingue os diferen-

tes sistemas sócio-econômicos (capitalismo-socialismo-

(8) Ver LOWENTHAL, A.F" ed., The Peruvian Experiment, Continuity


and Change under Military Rule, Princeton, Princeton Univer
sity Press, 1975, capo 1: "Peru's Ambiguous Revolution". -
(9) Ver FERNANOES, F., Apontamentos sobre a "teoria do autorita-
rismo", são Paulo, Editora HUCITEC, 1979.
6.

comunismo) nem relacionam os regimes políticos com as

classes socia-is;

29) existem outros autores que questionam o possível "econo

.micismo" do esquema "profundización - estado burocrá-

tico-autoritário", como notadamente José Serra (10),

e existem os que chamam a atenção para a necessidade de

por mais énfase nas relações entre a dominação de clas-

se e as formas do regime, distinguindo-se teoricamente

estado de regime político (11);

49) bem como há os que, sem rejeitar o avanço analítico da

da. noç~o ·deautorit~rismo-burocráttco, e aceitando as

·precauçõ~s anti-economicistas nem q~erem deixar de dar


. ~
énfase ao caráter milftar dos regimes burocrático-auto-

ritários nem de insistir em que apesar da rigidez des-

t~s regimes e de sua capacidade repressora e limitante

-,---------;::;sobre
a sociedade civil, existe uma dinâmica de classe

que.perpassa o regime (12).

Nas reformulações sucessivas pelas quais vem passa~

do a caracterização dos regimes instalados na Argentina. Brasil.

Chile e Uruguay. estas e o u t re s críticas (algumas vezes auto-crí

ticas) veem sendo incorporadas. Desta· forma, mais do que uma de

(10) SERRA. J., ver capítulo inédito do livro editado por oavid
Collier, para o Social Seienee Research Couneil.
(l1) HIRSHMAN. A .• idem. ibidem.

(12) CARDOSO. F.H .• idem. ibidem.


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,
",

7.

f1niç~0. '0 que tem sido importante ~ ~ caracter1zaç~0 do proces-

so pelo qual alguns pa!ses latinoamericanos. de varióvel trad1 -

ção democrática e em fases diversas de sua evolução econômica. 8

partir de 1964 e até hoje. acabaram submetidos a regimes políti-

cos ditatoriai3 e de base militar. Estes, em qualquer dos ca-

sos acima referidos, a p~r de terem aumentado a intervenção esta

tal em todas as esferas da vida social e especialmente na econô-

mica. e de terem reprimido os trabalhadores e ps grupos oposici~

nistas buscaram formas de 1ntegração à economia capitalista 1n-

ternac10nal. Neste processo marginalizaram os assalariados das

decis6es políticas ~ buscaram base de sustentaç~o no empresadia-

do e nos setores de classa m~dia alta._

Entretanto, creio eu. param aí as analogias subs-

tantivas.Nem as instituições políticas dos regimes militares

são semelhantes nos casos acima mencionados, nem as políticas e-

é-o'iioínicassao as mesmas.

Com efeito. e sem que se detalhe_maiormente aqui a

.. questão, enquanto no Brasil manteve-se um jogo partidário funci~

nando sob controle e o Parlamento só foi fechado temporariamente.

nos outros tr~s países os militares expulsaram "a política" at~

simbolicamente. fechando os parlamentos e os partidos. Enquan-

to no Chil~ houve a "desestatização da economia". no Brail o se-

tor estatal expandiu-se. Enquanto a estratégia econômica chile-

na e ur.uguaia se orientou para uma inserção primário-exportad~

~a. no Brasil houve um esforço industrializador importante e a

estrat~gia exportadora não se deu com prejuízo da expansao acen-

tuada do mercado interno; ao mesmo tempo. .na: Argehtina os.


'.

,
I

8.

desequilíbrios sociais e políticos nao parecem ter permitido a-

vanços mais consistentes no sentido de uma integraçãoa econo -

mia mundial pela via da industrialização monopolista.

Ditn isto, justifico porque cuidarei neste artigo

apenas do caso brasileiro, sem pretender generalizar conclusões.

Tratarei apenas de indicar a dinâmica do regime militar depois

do auge do modelo industrializador integracionista e os dilemas

que a presente situação oferece.

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\,

9.

o AUTORITARISMO ESPLENOOROSO

Não e necessário. para o público desta reunião. re-

petir os passos percorridos pelo regime brasileiro. Basta alu-

- dir ao fundamental para que possamos situar-nos adequadamente.

Em primeiro lugar cabe .ressaltar que o golpe de

1964 e as políticas inicialmente propostas (tanto social-econômi

cas quanto no planoinstituciona1) não visaram a alcançar, deli-

beradamente, uma forma de estado e um regime de tipo burocrátic~

autoritário. Ao contrário, explicitamente a mobilização anti-

Gou1art foi feita para restabelecer o primado de uma ordem cons-

titucional que se acreditava ameaçada pela política então chama-

~da de "pelego-comunista". Assim. tanto pela base social que ap~

-4~0 golpe (os setores proprietários na sua integralidade, esp~

cialmente a rural, e a classe média urbana em sua maioria) quan-

to pelas instituiç6es que se mobilizaram contra Goulart (a Igr~

ja-majoritariamente, os partidos tradicionais. com exceçao- do P.

T.B., a maioria das Forças Armadas e a grande imprensa) os vito-

riosos de 1964 estiveram, desde o inicio, comprcmetidos com a ide

ologia liberal-conservadora e com os interesses do setor privado

da economia.

A visão do Estado e as politicas econômico-sociais

que davam coerência aos novos donos-do poder poderia ser descri-
..
ta da seguinte maneira:

- a ordem política democrática burguesa há de ser preserva-

da; porém deve ser atualizada. Ela sofreria de dois ti...,


10.

p6s de ri~co: o externo (por causo da Guerra Fria e do d~

safio do comunismo internacional que tinha uma expressao

interna através de uma possível guerra de subversão) e o

interno devido ao fraco desenvolvimento econômico. numa

·fase de modernização das aspirações. Esta situação deixa

ria o bastião estatal da dominação burguesa sujeito as

pressões incontroladas ~os "novos b~rbaros". a plebe ign~

ra. os camponeBes reivindicantes e o proletariado "mani-

pulado" pelos sindicatos e pelos partidos de esquerda.

- a ordem econômica. baseada na propriedade privada e na

competição (inclusive internacionall h~ de ser revigora-

da. Para isso, a ação corretora do Estado deve restabele

cer as condições para a acumulaç~o. disciplinando os salã

rios (destruindo, quando necessãrio. os sindicatos e os

partidos opositores), corrigindo as distorções anteriores


-----------------
(p.ex.: modificando a política de preços subsidiados). a-

traindo o capital estrangeiro. controlando a inflação. ex

pandindo as exportações etc.

Em nenhum momento, no setor majorit~rio e vitorioso

em 1964, congitou-se de eliminar o sistema de partidos, ampliar

o setor pGblico da economia. criar mecanismos de permanência das

Forças Arm~das na vida pGblica. organizai a repressao permanen-

te, disseminar uma ideologia fascistizante. Ao·contrãrio. a

retórica permaneceu liberal-conservadora. E as instituições b~-

siéas seriam as mesmas da Constituição de 1946, expurgadas dos

~amos ~od~es" e revificados pelas necessãrias "salvaguardas" mo-

derhizadoras.
~.

.~
,

11.

Es.te "prf?j,eto" ruiu fragorosamente. Ruiu tanto ao

golpe dos segmentos "duios" do movimentotolguns de~express~o.mais

do que autoritária, fascista) quanto graças à resistência do

"ancien regime". Os partidos tradicionais persistiam, as lide-

ranças mais fortes como a de Kubitschek ameaçavam o retorno pe-

Ia via eleitoral, o apetite dos políticos n~o S8 saciava (Lacer-

da, por exemplo) e eles queriam participar do botim do estado,

antes mesmo dos efeitos cirGrgic05 de 64 podarem os r8ferid~s ra

~os podres, e assim por diante. Apesar das cassações, até mesmo

de Kubitschek, Castello Branco foi derrotado nas eleições de ou

tubro de 1965 no Rio e em Minas. Tudo isso levo~ ao AI2, ~ dis-

solução dos partidos, às eleições indiretas e à criação do bipar

·tidarismo.

Na economia, de igual modo. a "intervençã6 correto-

ra" de Campos levou ao arro.cho salarial,~s insatisfações do se-

tor privado carente de créditos e. contraditoriamente, ao resta-

belecimento do vigor do setor estatal. em parte por causa de sua

"privatização". ~osto que o setor pGblico deixou de ser pensado

em sua dimensão social (tanto de sustentação de preços subsidia-

dos e de mecanismos empreguísticosquanto de fundamento para a

expansao- de setores privados dele dependentes) para ser encarado-

como empresa capitalista pertencente ao estado.

Bem ou mal. quando o clima de insatisfação e as di-

ficuldades econômicas cresceram [depois do golpe incruento de

Costa B Silva sobre o castelismo) o projeto da "modernização 11-

beral-conservadora" expresso pela Constitu1çãb de 1967, tornou-

se 1nviável. Começou-se a ver que uma nova força política. com


"1,

,
I.,

12.

outros ideais e outra base social fora constituindo-se no país.

o AI V. de dezembro de 1968, marca o batismo dessa nova força.

a escolha de M~dicii, ~_mBrca.·: sua crisma e seu governo leva o

regi~e autorit~rio ao explendor.

~oi neste período que se estabeleceram as institui-

çoes do estado burocr~tico-autorit~rio. Este, mesmo depois do

AIV, aparecia "envergorhado". Costa e Silva - j~ então enfren

tando focos de oposiç~o armada ainda ·tentourestabelecer um

pacto constitucional autori~ariamente promulgado, em setembro de

1969, mas n~o teve forças. diante do "novo".

Que "novo" e estel

As Forças Armadas. imbuídas de sua miss~o represso-

ra. a ideologia do Brasil-Potência (de inequívoca similitude fas

cista) e o fortalecimento do modelo de desenvolvimento dependen-

te-associado. Esta foi a argamassa do regime. Sua base sócio-

econômica foi a grande empresa local. estatal e principalmente

multinacional. suas "classes de apqio" foram a burocracia mili-

tar e a tecnocracia civil. e sua ideologia a da grandeza nacio-


~.
nal-estatal.

Como, entretanto. nada disso foi proposto 8xplicit~

mente desde 1964. se não que. ao contr~rio, como vimos o .golpe

de ehtão era "corretor" e liberal-conservador.·o "novo" nem se-

quer foi compreendido, a seu tempo, pelas oposiçôes ou pelos se-

tores de sustentação do regime que não aceitavàm o curso emer-

gente da ordem burocr~tico-autoritária. Esta foi-se implantando


" ..

13.

lentamente e marcada por compromisios.

A pr6pria "eleiç~o" de M~dlci expressou uma aliança

contradit6ria: grupos castelistas (os dois Gelsel. um no Min1s-

t~r10 da Guerra. outro na Petrobr~s) uniram-se aos novos donos

do poder. aceitando as novas metas estatal-desenvolvimentistas.

calando, contrafeito~. com respeito ~ exacerbaç~o das funções


b

policiais das Forças Armadas e embarcando ardorosamente no de-

senvolvimentismo das grandes corporaçoes econEmicas, estatais e

privadas".

Bem ou mal. entretanto. o regime nao eliminou as

instis~~ções propostas pelo anterior modelo "liberal conservador"

do autoritarismo (o Congresso. os Partidos criados em 1966, o ri

·tual--t:l-a-s
eleições). não teve força para propor uma ideologia a-

bertamente anti-democrática (apesar da prática: tortura, viola-

ções de direitos etc:). nem eliminou totalmente o princípio da

competição política, apesar do AIV~

Neste último aspecto, a perversao do proprio autori

tarismo foi particularmente


- -
marcante~ --
Ele se apresentou
-.
coeren- -

te e í~tegro para eliminar do jogo institucional "as massas popu-

lares pré-1964 e as oposições que começavam a se enraizar na soc í

edade civil. Mas criou mecanismos internos (extra-partidos e ex

tra sociedade civil) para dar curso ao conflito entre os grupos

de poder. Não s6 se articularam os "anéis burocráticos", como

nas pr6prias Forças Armadas e nos grandes conselhos (ligados a

segurança nacional e as decisões de desenvolvimento) o conflito

manteve-se aceso. o presidente (Médici. no caso) dispunha de


·.

14.

pod8~8s ditatoriais graças· ao AIV. Mas, de fato, esta regra era

aplicãvel "hacia abajo", n~o entre os que burocr~tico-oligarqui-

camente fr~iam o poder. A "guerra de posições" foi intensa, der

ri~re l'Etat. Nunca houve concordância total dos grupos princi-

pais quanto ~ ordem institucional que deveria ~igir como norma

futura. Havia acordo eufórico sobre o modelo associado-depende~

te de. desenvolvimento, acordo quanto ao papel exponencial do

setor estatal da economia, ades~o pr~tica ~s prãticas represso-

ras e ~s prãticas espoliadoras da massa dos assalariados. Mas

havia dGvidas e conflitos quanto ao "modelopolftico", isto e,

quanto ao regime.

Na epoca das "vacai gordas", ou seja, quando o e~

forço de integraç~o da economia brasileira ao sistema interna-

cional d~ prodJção coincidiu com uma forte expans~o do com~r~o

internacional (at~ 1973) e com a exist~ncia de excedentes finan-

-C-e~TDS lnfernacionais ãvidos por oportunidade de investimento, a

orientação "privatista" do setor pGblico, o controle salarial e

as políticas de subsídio às exportações, funcionaram "milagrosa-

mente". Neste período, o conflito inter-forças dominantes fica-

va obscurecido pelos ~xitos da via autoritãria de integração ao

desenvolvimento capitalista internacionalizado.

Graças a isso. os aspectos repressivos.socialmen-

te espoliadores e politicamente marginalizadores do regime.dura~

te o governo Médici. ficavam obscurecidos. do ângulo das classes

dominantes. A euforia dava a tônica ~ adesão das classes m~dias

altas e do empresariado. E a "apatia"(ou seja, a falta de infor-

maçao
- graças a censura da TV. do rãdio e da imprensa somada ~ re
.
','
'

15.

pressao. pelo desmantelamento de quaisquer organizaç5es que vizas

Bem as~egurar a part1cipaç~0 popular) dava a tônica nas relaç5es

das massas c~m o Estado.

. .
Entretanto. logo que se desfez o nexo objetivo do

crescimento econômico, as dúvidas sobre o modelo instituciónal

fizeram-se sentir com força, como já veremos.

Cabe salientar, a guisa de contribuição ao estudo

comparativo das formas autoritárias recentes de governo na Améri

ca Latina que, diferentemente do caso chileno ou do caso argent!

no, 01 regime brasileiro levou um certo tempo ~ara instaurar-se.O

pfimeiro impacto, o do golpe de 64, foi desfechado contra o ris-

co da perda de controle da "dominação burguesa". Nem por isso,

_ap~ do grau da "ameaça",'o regime de Castello Branco assumiu

plenamente as características de um regime burocrático-autoritá-

ri o (o 'B.A., n a c a r a c t e ri z a c ã o fel i z d e O' O o n n e 11)• Qua.ndo os

aspectos repressivos e burocrátic6s se'acentuam, depois de 1968,

a ameaça não é mais generalizada, nem o "inimigo" está encaste-

lado no aparelho de estado, como estivera até 1964. E a econo-

mia já estava re-aquecida.

Talvez por isso porque a implantação do regim~ se

desdobrou no tempo, porque o "inimigo" era circunscrito e porque

havia ~xito no crescimento econômico - houve certa margem de

~conciliação" com valores da ideologia liberal-conservadora. Con

ciliação com "valores" -


e nao com práticas. Conciliação a nível

da tolerãncia de certo nível de dissid~ncia'mas no' ãmb1to ultra

restrito dos círculos de poder, a condição de que a dissidência


. .. ,

16.

nao se aprofundasse "h~cia abajo", ou seja, englob~ndo setores

sociais e gruposue opinião da classe médi~ ou das classes popu-

lares. Por 1sso, ·ou pof outros m~t1v05, o fato é que o regime

militar brasileiro foi híbrido. Quando, logo no início do pro-

cesso, o presidente Castello Branco perdeu o controle da suces

sao e ~ grupo castrense assumiu o mando com Costa e Silva, a ma-

nobra foi feita contra a pol!tica de contenção monet~ria de Ro-

berto Campcs e com tinturas de. nacionalismo. Quando, malgré Cos

ta e Silva, novamente o grupo dos duros - o Sistema - começa a


desenhar seu perfil autorit~rio e começa a dar ~s Forças Armadas

como corporação burocr~tica - maior controle sobre o apare-

lho do ~stado, o setor castellista (com os Geisel ~ frente) bus-

ca forças na inspiração "liberal" para criticar osdesmandos. M~

dic~ sobe como resultante de uma acomodaç~o, escanteando o gen!:

ia-r Al buq u e rq ue Lima. ti do na ~poca como d uiro e na cio na 1 is ta, e

___
~0I!lE.Çlndo-secom o castellismo, a par:.ti.Tda ·própria indicação de

Orlando Geisel para o Minist~rio da Guerra.

Essa política de acomodação entre elites diverge~

tes -
nao impediu a repressão. a censura e toda a coorte de atenta

dos aos direitos humanos e ao estado de direito. Mas introduziu

um elemento de instabilidade na c~pula. que s6 não foi explosivo -

porque entre as peculiaridades do regime contou a instituição do

rodízio de mando. Os mandatos (a todos os níveis) foram dados

por prazo determinado. Se a renovação não era democrática (pois

as "eleiç6es" eram indiretas e controladas), permitia a circula

ção da elite. A política burocrática, os conchavos, o aliciamen

to de grupos deram a t6ni~a. Mais ainda, as manobras de c~pula

costumavam corresponder. para "autenticarem-se", a rituais pseud~


17.

democráticos. como a validação das escolhas pelo Congresso e pe-

Ias Assembl~ias ~ocais. Vale dizer. pelos partidos.

Dessa forma o regime, embora militar e "burocráti-

co-autoritário", convivia com partidos, nao derrogava no plano

ideológico o ideal de um Estado de Direito, e portanto, auto-con

cebia-se como provisório. As prevaricaç6es, continuas, do ide-

aI encontravam justificativa nos dois paIos que' deram origem ao

regime: a repress~o dos "subversivos" e o crescimento econ6mico.


,
,;

16.
GEISEL E A "OISTENÇAO"

A dinãmica política do governo Geisel desenrolou-se


a p a r t ir de. f o r ç as' si tua da s em do i s· pIa nos bá 5 ico s e d i s t i nt os,
que nem sempre se acoplaram: o jogo da política burocrática
própr~a do regime e a pressao de forças movidas pela situação
econ6mica que sofreu uma transformação drástica-no período.

No p r im e i r o as p e c to, do j og o p o I í t i c o - b u r o c r á t i c o, o
governo Geisel precipitou a crise, que existiu de forma latente
noutros governos, entre os que adotavam uma postura favorável a I
democratização
opunham at~ mesmo
restrita
a esta
tipicamente
via para a
conservadora
institucionalização
e os que
do
se
reg! I
me, preferindo prolongar o "estado de excessão". Foi neste
contexto que nasceu a "política de distenção". Seus percalços
são conhecidos. O primeiro e principal obstáculo foi ~ eleição
de novembro de 1974 da qual o partido do governo, a Arena, saiu
derrotado pelo da oposição, o MOB. Nos 22 estados houve elei-
çoes para o Senado e a oposição ganhou em 16. A partir daí tor-
nou-se claro que a via autoritária para a democratização conser
vadora teria que saltar o obstáculo das eleiç6es diretas. O go-
verno Geisel nao desistiu do projeto. de liberalização controlada,
mas teve que contcrnar esta dificuldade básica e, al~m disso te-
ve. que enfrentara "linha dura". Ao reconhecimento da derrota
eleitoral pelo governo segiu-se um período repressivo interno e
externo, em 1975, com a reminisc~ncia do "inimigo objetivo". Foi
resuscitado o fantasma do perigo comunista, houve mais prisões,
torturas e cassações. Esta crise interna só começou a ser resol
vida em 1976 quando o general Geisel dep6s um general de Ex~rci-
to pelos excessos praticados sob seu comando C2·mortes sob tortu
ra em um rn e s J .•

Não obstante, Geisel enfrentou ao mesmo tempo a qu~


tão maior para seu projeto: como liberalizar a imprensa, contra
lar o sistema repressivo sem desmantelá-Ia e criar um sistema
institucional que barrasse as oposições. A virada de rumo deci-
siva foi dada em abril de 1977 quando, sob pretexto de não haver
contado com a compreensao da oposição para a reforma juridiária
· ...•
19.

que o governo propusera, Geise1 usou as atribuições ditatoriais


J(
que o ÀIV lhe conferia, fechou o Congresso temporariamentevmodi-

ficou a Constituição. Tornou indiretas as eleições para 1/3 do

Senado e para os governos estaduais e restringiu a liberdade de

propaganda partidária durante as eleições. Logo depois, já com

o Congresso restabelecido em seus direitos lim~tados, cassou im-


..
portantes líderes oposicionistas e •.• preparou-se para as elei-

ç õ e s de -1978.

Sob esta cena tormentosa, borrascas maiores se suce

diam no plano econômico e social. A crise do çomércio mundial,

somada à do petróleo, e ainda mais a própria tensão de um cresci

mento dos anos anteriores que exigia vultosas e contínuas impor

tações (13) para manter o ritmo da expansão interna, e provocava

uma inteira utilização dos fatores econômicos locais produzindo

pressões inflacionárias, diminuia o raio de opçoes econômicas-do

governo Geisel.

Foi sob este clima, de uma conjuntura econômica _de

declínio relativo (pois no início do governo o PNB continuava

-crescendo a níveis elevados e, até hoje, o setor industrial con-

-(13) No modelo dependente-associado, a debilidade relativa da


expansão do setor de produção de bens de capital obriga as
importações crescentes de equipamentos. No caso brasileiro,
a escassez de petróleo e a adoção de um modelo civilizató-
rio altamente consumidor de energia, aumenta ainda mais a
depend~ncia externa. Enquanto o mercado internacional este
ve em expansão, as exportações deram para cobrir os custos
das importações. Contraído ~ mercado mundial e deprimidos
os preços dos -produtos exportáveis com relação ao do petró-
leo e dos equipamentos, a balança comercial se desequilibou.
E as importações não podem ser comprimidas, sob pena de li-
mitar o crescimento do produto (90% das importações são má-
quinas e petróleo). Somando-se a isso os custos financeiros
dos contratos de "assistência técnica" do exterioI;',' ao paga
mento de juros, royalties, etc., entende-se porque a dívida
externa alcançou o nível de 45 bilhões de dólares.
20.

tinua em expansão) que o governo Geisel teve de manobrar. A im-

possibilidade objetiva de atender as altas expectativas dos se-

tores empresariais, que se haviam formado no período do "mila-

gre", somada à maior liberdade de expressao, tornou menos coesa

a base social de sustentação do regime. Como o governo, sendo


. l
militar e presidido por um autocrata, tinha força para seguir
V
sey( rumo sem ouvir os reclamos da sociedade civil, o acúmulo de

tens6es dirigia-se diretamente ao regime. A burguesia local re

descobriu o "estatismo", como alvo predileto. Geisel nao fora

respons~vel pela expansão do setor pú~lico da economia, proces-

so que vinha, malgré os personagens, do início da retomada do

crescimento~ j~ sob regime militar. Mas fora presidente da Pe-

trobrás e era tido. por nacionalista, embora "moderno", isto - e,

favor~vel a joint ventures entre empresas estatais e multinacio

nais-.~ critica ao regime por parte dos setores liberais fez

se mais abertamente depois de 1975. tendo como alvos a estati-

-----z'ã-çãO-créscente, a bu rocratiza ç â o daí deco rrente e os abu 50 s co

nexos, com a corrdupção a frente.


'---

Se já em 1974 as eieiç6es mostravam o descontenta~

mento, em 1978 este se generalizou nos estados economicamente

mais avançados. Em são Paulo os candidatos de oposição a pos-

tos majoritários receberam cerca de 80% dos sufrágios contra

20% dados ao partido do governo. E a distribuição dos votos por

classe de renda e de instrução mostra que a oposição abrangeu

toda a escala sócio-econ6mica.

Até chegar-se a estes resultados. as crises políti-

cas sucederam-se. Crise interna ao establishment armado._ no mo-


.,,

21.

mento da demissão do ministro da Guerra, que seria eventual can

didato alternativo ~ presid~ncia e no momento da demissão do che

fe da casa militar, que não se conformou com a escolha de Figuei-

redo. Crise política, inicialmente branda. quando da demissão

do ministro do Comªrcio e IndGstria, em 1977, _que se tornara par

tidário de uma linha econômica mais voltada para o desenvolvimen

to interno e mais nacionalistaJ crise política militar quando um


" general de quatro estrelas. recªm-retirado do Alto Comando, acei

tou ser candidato anti-Figueiredona disputa ~residencial em 197&

E, principalmente, crise social difusa quando o re-

gime passou a ser acossado não só por empresários descontentes,

militares rebeldes contra a "distensão" e militares que se ali~

vam à oposição. mas pela classe mªdia e, depois, pelos trabalha-

dores. A Igreja, os advogados, os intelectuais, os estudantes.

os jornalistas. passaram a se manifestar depois de 1977. E os

trabalhadores metalúrgicos fizeram uma importante greve em 1978,

a primeira depois do AIV, de 1968.

Apesar disso, o governo Geisel prosseguiu com a

"distensão"~ impondo a democratização conservadora pela via auto

ritária. Ganhou militarmente contra os ultra.e conseguiu impor.

nao so o "Pacote de Abril", como ficou conhecido o conjunto de

reformas anti-d~mocráticas de abril de 1977, como as bases para

um diálogo no seio da elite dirigente.

Derrotado o candidato militar da oposição, pela in-

capacidade de formar uma "frente nacional" com sustentação poli-

tico-militar (pois as eleições eram indiretas e os congressistas


,"

22.

não votavam aoertamente contra Geisel a .nao ser numa conjuntura

de pressões generalizadas e de crise militar), o governo nao re-

cuou no plano do distensão. Ao contrário, negociou e impôs va-

rias reformas:

absorveu uma primeira leva de politicos "cassados" com o

fim do AIV em 1978

- formalizou este epis6d10 terminal, liquidando em dezembro

de 1978 os poderes ditatoriais do Presidente para fechar

o Congresso, legislar. cassar deputados. intervir na Jus

tiça, etc.

- restabeleceu o habeas corpus

propôs-se a uma reforma polftico-partídária

Tudo isso contrabalançado por medidas de"salvaguar-

das constitucionais" que dotam o Executivo de forte capacidade

de intervenç~o "corretora".

Foi neste clima de "novo CUDSO" que Geisel entre-

gou o governo a Figueiredo (14) e este se comprometeu a prosse-

guir o processo de democratização.

Que conclusões pertinentes para a análise compara-

(14) A escolha de Figueiredo obedeceu ao desdobramento típico das


jogadas burocrático-palacian~s. Ela preservou o controle
do Estado nas mãos de um grupo reduzido de pessoas e teve
a chancela militar ex-p~st. Diferentemente da escolha de
n
M~dici, desta vez os "grandes eleitores não f~ram os gene-
rais, mas o "grupo do Palácio". O desgaste militar, dado a
pressão da sociedade civil, somado ao curso da distensão con
servadora. permitiu que a seleção do presidente se fizesse
num círculo ainda mais restrito, com o aval do presidente
Geisel.
23.

tiva pode-se tirar da experiência da "distens~0"7

Em primeiro lugar ela só se deixa entender' quando

se recorda que o regime autorit~rio brasileiro, como escrevi aci

ma, f o ih í b r i d o (1 5) . Não só conviveram as formas ditatoriais

com os ritos democr~ticos, como a ideologia democr~tico-conserva

.• dora sempre. teve porta-vozes internos ao regime. Estes, articu-

lados por Golberi do Couto e Silva, ganha~am dimensão maior no

governo geisel por v~rias razoes:

a} foi em nome de ideais "abertüristas" que o grupo-Gurocr~

tico que se instalou no governo Geisel criticou o gover-

n6 M&dici e encontrou b~se para sua coesao - -


e expansaol

.--b ) a p o 1í t i c a am e r i c a n a d e sal v a gu a r d a dos d i r e i tos h uma nos

beneficiou o setorhdistencionista" do regime (e nao as

oposições democr~ticas diretamente).


-------'--

c) a insatisfação social (e a pressao política) atingira a

classe média-alta e o empresariado, por força mesmo das

condições econõmicasj~ menc funadas.

Em segundo lugar, a pressao da sociedade civil re-

nascente colocava como uma alternat.iva a política de "entreg~r

os anéis pata salvar os dedos". E esta pressao foi decorrência

tanto do hibridismo do regime que deixava frestas para o "pro -

testo interno", quanto da própria dinãmica de uma sociedade qüe

se transformava sob o impulso de um processo de desenvolviment·o

(15) Convém dizer que também em alguns outros países existe cer
to grau 'de h Lb r I d smo , como na própria
í Argentina. Mas a ca
pacidade de pressão do grupo "liberal"-conservador. no ca-
so brasileiro, parece ter 'sido notavelmente maior.'
·.
,

24.

dependente-associado de vastas proporçoes.

Este último fator gera necessidades contraditórias:

a expansao econ&mica requer t~cnicos. competªncia e certa sofis-

ticação cultural. Quando isso se dá no contexto de uma economia

dependente, a sociedade e, deste ãngulo. necessariamente aberta:

o fluxo de informações. de pessoas e de atitudes acompanha o fl~

xo das mercadorias. E difícil "fechar" culturalmente uma soei e-

dade deste tipo. Há pressoes que nao sao controláveis a partir'

deste fato. Assim. por exemplo. o crescimento da Universidade

cria uma base de classe m~dia com altas expectativas. crítica e

dinâmica politicamente. apesar do "terror cultural" que nao che

gou a ser generalizado. Por~m, o obstáculo maior que o cresci-

mento econômico acelerado cria ~ a formaçâo. rápida de uma cama-

da ·de trabalhadores urbanos e de novas classes m~dias com expe~

____ tativas definidas. As contra-marchas da economia, quando som~

das ~ "liberalização controlada" põem em movimento pressoes vir

tualmente desestabilizadoras do regime.

Noutras palavras: nao foi a dinâmica da expansao e-

conôm~ca em si que gerou pressoes;foi a combinação dela. com a

."liberalização controlada" e com o sGbito desencantamento com os

êxitos do milagre. N~o obstante. essas características já mar-

cam diferenças frente ao processo argentino, uruguaio e chileno.

r Em terceiro lugar. no caso brasileiro nao se está

diante de uma ruptura da ordem autoritária, mas de uma transfor

maçao dela. Uma transformação que tem seus percalços. que serao
•.

· "
{

, "
..;
I

25.

discutidos adiante. que levou a mudanças no regime. mas que. até

agora. apontam mais na direç~o de uma nova ordem baseada nos

principias· (e pr~tica) de uma "democracia restrita". de bases p~

lIticas ultra-conservadoras do que de uma democracia de massas.

o caso espanhol começou também com um processo-gradual de disten

são sob controle. Porém. a capacidade de pressão da sociedade

civil. espanhola foi incomparavelmente maior do que no caso brasi

leiro. A organização sindical. a reorgahização partid~ria. os

movimentos regionalistas. a ação da Igreja. enfim. o conjunto or

ganizado da sociedade civil atuou mais energicamente na Espanha

para romper o autoritarismo no sentido da democratização politi-

ca.
26.

FIGUEIREDO E A FRONDA CONSERVADORA

Seria um engano pensar que a pol!tica de distensão

significou apenas uma mudança nominal do regime. Bem ou mal a

liberalização controlada deu ensejo a greves smm repressão imedi~

ta, dificultou a violação dos direitos humanos e devolveu ao Par-


.. .

lamentri gaiantias e mesmo funç6es de areno lateral de decis6es

(ou melhor: tornou-o um campo de negociaç6es para a preparação das

decis6es palacianas e. neste limite, ampliou seu espaço politico).

Para impor o padrão de liberalização controlada. na

transição do governo Geisel para o governo Figueiredo a questão

central j~ não foi a de debelar os duros do "Sistema" (que haviam


. . .
sido derrotados por Geisel); mas a de impedir que houvesse um elo

eficaz~.:a...I)tre
setores descontentes de dentro do regime (nas p ro>

prias Forças Arm~d~s)· com a oposição institucional (representada

pelo-~·B.) e com e oposição extra-institucional (Igreja. organ2:.

zaç6es da classe média. sindicatos etc.). Essa etapa de luta de-

senrolou-se em 1978, desde o lançamento das candidaturas dos "an-

jos rebeldes" (Magalhães Pinto e Severo Gomes) até ã consolidação

da candidatura do general Euler Bentes Monteiro como alternativa

para o MOB. A resistência do grupo liberal do MOS ã aliança com

os militares oposicionistas (oposição ao "governo". diziam os cri

ticos e não ao "regime"). seu endosso entusiãstico pelo setor mais

radical do partido (os autênticos) e aS dificuldades de comunica~

ção entre o general-candidato e a sociedade civil (be~ como a ~e~

fecção de Magalhães Pinto), .limitaram muito o impeto da alternati

va. Isolado este risco e recomposto o esquema Geisel-Figueiredo

frente ~s Forças Armadas (pois o risco de um general ter-se deixa


•.•• '

27.

do envolver pela oposiç~o mais agressiva voltava a cimentar a a-

liança· liberal-conservadora dentro do reglmS)a tra~siç~o restri-

tiva e conservadora foi mais fácil.

Praticamente depois das "eleições" presidenciais de

outubro e das eleições legislativas de novembro (sob a ~gide do

"Pacote de Abril") o governo recomp5s suas forças e tomou a dian

teira no. encaminhamento da agenda política. Ao invés de abrir-

se aos setores mais absorvívei~ da oposição, o governo Figueire-

do recomp6s umafronda conservadora: ex-ministros de Castello r

Costa e Silva, Médi.ci e Geisel reencontraram-se n6 gabinete Fi-

gueiredo. Este "mudou a imagem". Do sizudo general chefe do

Serviço Na6ional de Informações, passou a ser o afável "Preside~

te João", conforme a melhor prática do "marketing político".

Com base nos governadores indicados Em 1978, dos se

nadares indiretos (ditos biõnicos) e de uma escassa maioria na

cãmara assegurada pelas representações do Nordeste especialmen-

te, o governo Figueiredo lançou-se à tripla tarefa de:

-desconcertar as opo~fções oferecendo novos passos democrá

ticos (Anistia, reforma p~rtidária, eventualmente elei-

ções diretas)

- garantir um control~ s6lido de sua base política

!
- enfrentar os mesmos problemas econômicos de antes, que se

apresentam de forma mais aguda, e com pressoes sociais

crescentes.

Não é difícil perceber o desencontro desta.s metas


I
e os impasses que elas acarretam. A situação tornou-se delicada

I
r
28.

na area social: greves '(embora sem que o direito de greve esteja

assegurado) e protestos s~o a consequ~ncia imediata de uma polít!

ca de lib~ralizaç~o sem rBdistribuiç~o de rendas e sem correçao

dos baixos níveis salariais. Restriç6es dos setores empres~riais

sao a consequ~ncia de uma política de controle inflacionário que

requer contenç~o de créditos. Disso resultou a queda do ministro

do Plan~jamento (Simonsen) e a volta de Delfim Neto, que reacen-

deu expectativas de novo "milagre", embora num contexto econ6mico

maldosamente "agnóstico". Disso resultou também. logo no início

do governo Figueiredo, o enfrentamento com os trabalhadores. que

foi absorvido pelo .regime de forma relativamente suave.

Dado que as margens de manobra no campo sócio-econ6

mico -
sao apertados. o governo parece concentrar esforços no campo

político. Prop6s e aprovou uma anistia parcialJ descartou a pos-

sibilidade de aceitar a convocaç~o de uma Assemblé~a Constituin-

te (que só teria sentido se o regime marchasse efetivamente para

a democratizaç~o); passou a acenar com uma reforma partidária.

Aparentemente esta seria a questão central para que

se aquilatasse a profundidade da "distensão". A oposição protes--

ta contra a reforma partidária. alegando que ela visa aperias 11-

quidar o MDB. fragmentando o bloco político que poderia propor

uma alternativa. Mas parece certo que, apesar deste ser um prop~

sito inegável do regime, a verdade é que o grau de abertura atual

mente existente dificulta que as q~est6es políticas possam ser en

caminhadas no apertado sistema bi-partidário.

A partir da candidatura Eule~. especialmente, quando

os setores politicamente liberais e socialmente conservado.-


;. l

29.

res do MOB, tragaram uma candidatura imposta pelos "autênticos",

houve umaparalizia no metabolismo interno da oposição. O MOB, em

bloco, assumiu" posições mais contestatórias e simultaneamente cer

tas grandes lideranças ficaram marginalizadas no interior do par-

tido.

Com isso criou-se uma situação. na fase inicial do

processo de distensão controlada, que radicalizou as posições do

Moa. posto que, pela lei, todos os deputados são obrigados a vo-

tar com a liderança nos casos nos quais a direção fecha a qu~s-

tão, sob pena de serem expulsos. Se no passado o bi-partidarismo

podia funcionar mesmo com o r~sco do confronto entre MOB e o go-

verno, pois a oposição era numericamente débil e as grandesque?-

tões eram resolvidas através do AI~ e não do Congresso, a pártir

da valorização da arena legislativa, os riscos de uma oposição:d~

ra (~ncentivada, ainda mais nesta direção pelos movimentos exti~-

partidários de oposição que se tornaram mais frequentes e influe~


. ""

tes) passaram a dificultar o controle do governo. Como, por ou-

tro lado, o setor moderado do MOa preferiria um comportamento mais

acomodatício e de apoio discreto às medidas distencionistas do g~

verno, tanto este quanto aqueles passaram a mover-se pela expect~

tiva de uma reformulação partidária.

- A volta d~ importantes lideranças que "estavam exila

dos e a presença"de novas lideranças, especialmente os " operários

que propõem um Partido dos Trabalhadores (eventualmente em fusão

com os "aut~nticos" do MOB depois da reforma partidária) sao no-

vos ingredientes que vão na direção d~ reformulaçã6 partidária.

Isto nao obstante (e portanto o caráter de passo


30.

nece~sário que a reforma assume para a democratização) os per-

ca~~~s são muitos. Em primeiro lugar. o governo pretende. acima

de tudo, não perder os controles políticos herdados do esplendor

do autoritarismo. Neste sentido a reforma em discussão parece

ser o~osta ~ que ocorreu na Espanha. Não se t~ata de compatibil!

zar o Estado (com o pacto de classes dominantes assegurado pelas

'Forças Armadas) co~ o regime. distinguin~0-5e o Rei dos partidos.


,~
como garante do Estado, ordenado~ aqueles a partir de sua nitidez

politico-ideo16gica e da aliança centro-direitista: mas sim tra-

ta-se de transformar o Presidente em chefe de um novo partido.

Este ponto e crucial. No passado o "Sistema". che-

fiado real ou nominalmente pelo general-presidente. garantia o

Estado (o pacto de dominação) e o regime. Neste. os partidos e-

ram ornamento e por definição o conflito verdadeiro se desenrola-

.ria no interior dos 6rgãos burocr~ticos do E.stado. Era este. sob

esta forma. quem dava "legitimidade" aos partidos. Agora, prete~

de:se devolver aos partidos e ao Congresso a função de componentes

essenciais do regime. Mas teme-se a democratização. A solução pr~

posta enlaça o Estado no jogo partid~rio através da transformação

do chefe do Estado em chefe de partido. Ocorre. entretanto. que

o chefe do Estado' foi selecionado burocraticamente e chancelado pe

Ia corporação militar. Teria. portanto. em teoria.-a opção de se

transformar em "rei". em árbitro. deixando que o jogo dos parti-

dos se movesse no terreno da competição polftica. sempre e quando

pudesse surgir um partido ou uma coligação ti~o "centro-direita"

que compatibilizasse os anseios moderadamente liberalizadores com

os interesses mais profundos do estado: ordem e crescimento econo


.' .
• <

..,
31.

.mic o , Não parece ser este o curso escolhido: busca-se a integra-


I

ção da nova ordem·.atrav5s de um sistema de partidos criado no ãm-

bito do Parlamento (a partir de blocos de deputados e senadores).

assegurando-se a maioria de antemão pela criação de um "partido do

Presidente" . Dai a necessidade de popularizar essa figura. para

.ver se este partido, com a m~quina do estado na mão e certa publ!

cidade de corte personalista Csemi-populachescaJ assegura êxito

nas eleiç~es futu~as (16).

Eita opçao obriga a postergar as eleiç~es munici-

pais previstas para 1980 afim de evitar riscos de derrotas antes

mesmo. da reafirmação do novo sistema. E leva a uma agenda de

distensão ainda mais paulatina: só depo~s de testado o novo siste

ma (para ver se ocorre a fragmentação das oposiç~es e a aglutina-

ç ã o do o f i c i a 1 i smo. em nova s b a s e s ) s e r ~ p o s s í v e 1 c o n s i d e r a r a p r~

posta de eleições diretas para os governadores e eventualmente a de

suprimir o sistema indireto de eleiç~es de s~nadores.

Esta Bstrat~gia-dificulta. por outro lado. a autono

.. mização dos setores moderados do MDD. Talvez eles se arriscassem

a criar um novo partido. j~nta 'com os setores "liberais" da Are-

na. ~ condição que ~ste partido pudesse competir e t~r acesso ao

Poder. E transforma. na pr~tica. o sistema político em um siste-

ma cartorial: dá-se legendas a grupos capazes de se articular no


II
Congresso; mas nao se permite a criação de partidos a partir da
l-

(16) Medidas complem8~tares poderão ser encaminha~as para garantir


II
r
a estabilidade da nova ordem política.Al~m da fragmentaçao
da oposição institucional. o govarno pode tentar estabelecer
o voto distrital e manipular a composição dos distritos elei-
torais. por exemplo.
32.

base. o próprio partido dos trabalhadores, 'ora proposto autonom~

mente doPTB de Brizola, dificilmente ser~ sancionada pela Le ã ,

salvo se ele se acoplar aos setores "autênticos" do MOB, formando

no futuro uma nova sigla.

Entretanto, as dificuldades, da transiç~o nao deri-

vam só do horror tradicional dos sistemas elitistas(autorit~rios


••
ou n~o) a participaç~o popular ampliada. Existem outros fatores,

no interior das oposições. que dificultam o processo~

00 ~ngul0 do MDB os grupos dirigentes '("autênticos"

ou moderados) preferem manter a m~quina e dificultam tanto a dis-

cuss~o da reforma ~artid~ria quanto a integraç~o org~nica de no-

vas corr~ntes.' tanto as sindicalistas-populares que, como vimos, ,

renasceram na sociedade civil, como as das antigas lideranças re-

integ~adas à vida política. Defendem-se no interior d.e uma lege,!::

da partid~ria que se tornou capaz de recolher votos populares a-

bundantemente, embora nao se tenha enraizado, como partido, na

nova sociedade.

00 ~ngulo da sociedade civil, a desconfiança genera


-
lizada ,quanto ao sistema de paitidos-legenda e aos políticos sur-

gidos num regime fechado,leva ,muitas lideranças a um "basismo" a-

centuado e a uma desconekão dos movimentos sociais com o estado,e

portanto com os canais de ligação com ele,os partidos. Esta atitu

de ~ generalizada nos setores ligados aos movimentos sociais in -

centivados pela Igreja e bastante ampla no setor sindical.A pref~

-rência nítida pela mobilização em torno de movimentos sociais(lu-

ta pela anistia, lutas salariais, lutas pela terra etc.)e sua relati
33.

va desconexão com os partidos, tanto se deve ao desenraizamento

do MOS, dado o desinteresse dos políticos por tal tipo de movime~

to sob o autoritarismo, quanto a uma hostilidade latente das dire

ções intermediárias da sociedade civil aos partidos atuais e futu

ros.

Mais ainda, no debate sobre a reformulação partidá-

ria, enquanto o governo pretende estabelecer um sistema de parti-

dos-legenda de bas~ congressual e apoiadas na m~quina administra-

tiva (tudo isso escondido sob ô máscara de um espectro ideológico

formal, atribuindo-se a cada um dos 4 ou 5 partidos (17lcogitados

valores que vao da "esquerda" ~ "direita"), os grupos de esquerda

que desejam dar um conteúdo de participação popular e uma orienta

çao ideológica aos partidos concebem estes últimos ~ maneira dos

partidos europeus, cuja história data do século XIX. ~ duvidoso

que a sociedade urbano-industrial brasileira que se expandiu a

partir de uma economia internacionalizada de base oligopó1ica,cri

ando rapidamente uma sociedade de massas. se expresse politicame~

te dessa forma. Mais provavelmente os novos partidos (mesmo que

livres e democráticos) tenderiam a se organizar heterogeneamente •

.com núcleos de tipo "partido europeu de classe" e setores de tipo

partido de agregação de interesses. a moda do partido democrático

americano.

(17) Pela lei atual (que eventualmente será abrandada) a criação


de novos partidos depende do apoio de 10% dos deputados e
dos senadores .. Ora, o senado comp~e-se de 66 membros. dos
quais 22 "bi~nicos". ~ extremamente difícil obter a adesão
de 7 senadores e 42 deputados para formar um partido. Assim
se limita o número de partidos possiveis.
,
.' .· '

34.

Assim, enquanto a elite no poder quer persistir na

linha de uma "democracia ultr~ restrita", 05 setores oposicionis-

tas mais consequentes e ideologizados sonham com um sistema que

permita reproduzir o jogo partid~rio cl~ssico e a mªdia dos poli-

ticos profissionais, sem o saber, sonham com partidos burocrátí-

cos que recolham o voto das massas, sem dar-Ihes espaço real de

participação na vida interna dos partidos.


.' .
<-, -
o


35.

CONCLUSOES'

A apertada sintese do curso da "distens~o" do regi-

me autoritário brasileiro mostra que seria mais' apropriado dizer

que se tTata da transiç~o de uma "situaç~o autoritária". conforme

a caracterizaç~o de Linz para um regime de "democracia de elites"


~
.•.'": ./,"\ - -
J ou restringida. Mesmo ~ qualificaçao e duvidosa. Por um la-

do. permaneceu o processo de expansao da burocracia estatal (ine-

rente ~ especificidade da expans~o 01igop61ica-capitalista em so-

ciedades dependentes) e a necessária limitaç~o das funç6es do Par

lamento decorrentes daí. Se o sistema de partidos' que está em ge~

taç~o limitar-se a atuar na esfera do legislativo (como é a tradi

ção). os elementos de autoritarismo (com todas as conexoes corpo-

rativas e a fus~o entre os núcleoB de decis~o econômica do estado

com os grupos empresariais locais e multinacionaisJ constituirão

uma argamassa muito s61ida pEra impedir que a reanimaç~o da socie

dade civil incida sob~e o que e fundamental para a dominaç~o de

classe. Ter-se~ia, neste caso um simulacro de democracia restri-

ta (como sistema de partidos nascidos no Congresso e. talvez e-

leiç6es indiretas somadas ao siitema de voto distritalJ operando

para controlar áreas de decis~o que não s~o fundamentais.

E verdade que, mesmo neste caso os direitos humanos

poderiam estar mais salvaguardados e a liberdade civil, inclusive


-
a de expressao, assegurados.

N~o obstante, como regulamentar as -


pressoes sociais.

dos assalariados, que tenderão a crescer com as consequências tan

todas dificuldades ecnnômicas quanto da maior liberdade 'de ex-


< '.

36.

pressao e mesmo de organização?

Não creio por conseguinte que a engenharia política

dos estrategistas oficiais possa de fato conter, por "deliberação"

o processo da luta social .. Nem creio que haja capacidade de defi

nir os limites da "abertura". E provável que, apesar das debili-

dades das oposições (institucionais e extra partidárias), algumas

das quais assinalada& neste trabalho, depois da ruptura do autori

tarismo "puro" processo que ocorreu seja difícil conter as

forças transformadoras nos estreitos limites de um sistema de par

titipação ultra-restrita.

Ono górdio estb no sistema de partidos e na artic~

lação ent~e a sociédade civil e o·estado. o regime autoritário

brasil~iro (pela característica inerente a forma burocrático-mili

tar do autoritarismo em causa) não foi mobilizador e nao - repousou

na articulação de um partido que desse a sustentação ao regime.

Aberto o sistema à critica e à mobilização, mesmo .que parciais,

o hiato entre estado e nação nao se preencheu. Busca-se cooptar

a "classe política" e popularizar o Presidente para restabelecer

as pontes. Creio que ambos processos são frágeis para instituci~


-
nalizar a vida política de uma 'sociedade extremamente dinãmica.

'Nessas condições, é provável que a crise da situa-

ção autoritária (assim como ocorreu com sua emergência) desdobre-

sé no tempo. Talvez sem que seja necessário um recrudescimento

do poder militar e sem que haja, por outro lado, o dia O da revo-

lução democrática gloriosa, mas numa longa guerra de posições,

os trabalhadores, as classes médias assalariadas e os setores não

reacionários das classes dominates moldem um sistema mais aberto


'-s

37.

no futuro.

Acho, entretanto, que este processo vai depender de

uma presença mais ativa das lideranças operárias e populares, ba-

~seadas em organizaç~es sindicai.s, populares e .partidárias ma~s

consistentes. Dependerá t~mb~mda atualizaç~o da vis~o política

tanto destes setores como do setor radicalmente democrático das

oposiç6es para entenderem que a ~uestâo da democracian~o se esg~

ta no sistema de partidos~ Se a isso. se somar o fortalecimento do

"centro-direita" na ala conservadora em prejuízo da direita que

at~ hoje prepondera~ será possi~el avançar na direç~b da democra

tizaçâo do próprio estado.

Tudo isso condicionado ao desdobramento das lutas

sociais e a interrogação sobre se a própria forma democrática do

estado. para imp6r-se, n~o terá-de passar por uma tr~nsformação

social de base que, por enquanto, está longe de ser uma probabil!

dade mas continua presente no leque das possibilidades e dos dese

jos de muitos.

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