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(III)
Rio de Janeiro
2019
Nota
Rio de Janeiro
Cachambi
2019
Diários do facebook
(III)
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Tenho mania de abrir velhos livros numa página qualquer e ler para
ver o que vai me surpreender. Então, no romance “A Carne”, de Júlio
Ribeiro, encontrei o seguinte texto:
“Quebrara em Santos uma casa comissária importantíssima. O
coronel perdia na quebra cerca de trinta contos”.
– Que aquela praça era uma cova de Caco, uma Calábria, disse ele ao
saber da notícia, um dia de manhã: que comiam o fazendeiro por
uma perna; que misturavam o café bom, mandado por ele, com o
café de refugo, com o café escolha comprado ao desbarato; que a
essa honestíssima manipulação chamavam bater, fazer pilha, no que
tinham carradas de razão porque era mesmo uma batida de
dinheiro, uma verdadeira pilhagem de cobres, que davam contas de
venda ao fazendeiro como e quando muito bem lhes parecia, e que o
diabo havia de se ver grego para verificar a exatidão de tais contas;
que à custa do fazendeiro comia o intermediário, comia a estrada de
ferro com as suas tarifas de chegar, comia o governo com os velhos e
novos impostos, comia a corporação dos carroceiros, comia a três
carrilhos o comissário, comia o zangão ou o corretor, comia o
exportador, comiam todos. Que afinal, para coroar a obra, para
evaporar o restinho de cobre que ficava, lá vinha a santa da quebra, a
bela da falência casual, já se deixava ver, porque onde há guarda-
livros peritos ninguém quebra fraudulentamente.”
Não é um parágrafo maravilhoso? Começa em “Que aquela praça” e
vai acabar lá embaixo, “já se deixava ver”... E no entremeio, quanta
riqueza de expressões de época:
“aquela praça era uma cova de Caco”
“uma Calábria” (por que será?)
“comia o fazendeiro por uma perna, comia a estrada de ferro com as
suas tarifas de chegar, comia o governo com os velhos e novos
impostos, comia a corporação dos carroceiros, comia a três carrilhos
o comissário, comia o zangão ou o corretor, comia o exportador,
comiam todos.”
“misturar o café bom com o café de refugo”
“o café escolha, comprado ao desbarato”
“a essa manipulação chamam bater, fazer pilha”
“uma batida de dinheiro”
“uma pilhagem de cobres”
“o diabo havia de se ver grego”
“à custa do fazendeiro comia o intermediário” (etc.)
“evaporar o restinho de cobre”
“a santa da quebra”
“a bela da falência casual”
Está em Julio Ribeiro – A carne – Livraria Francisco Alves – 1944. O
homem é bom mesmo e que pena que só ficou ‘famoso’ com esse
livro, que na minha adolescência servia pra fantasiar ‘el hacer
puñetas’, como dizem os espanhóis, pois era livro ‘proibido’...
Resulta que voltei a ler o dito cujo desde o começo. A história de
Lenita realmente marcou época. Ademais a escrita de 1944 dá
excelente aula, pode crer. É também boa prova de que TODOS os
textos, a partir de certa data (novas regras ortográficas, por
exemplo), devem ser atualizados ou se transformam em Camões.
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Via Xenia Antunes, via Danilo Gomes da Silva, via Rolando na Rede:
"Regina Casé é umas das maiores filhas da puta a que tive o
desprazer de estar perto. Assisti ela botar na rua vários profissionais
com muitos anos de casa na TV Globo ou por não frequentarem a
patota que dá suporte ao seu pretenso viés popular ou terem
alcançado a idade provecta da qual ela não poderia tirar dividendos
"artísticos" para suas presepadas. Suas patranhas não demorarão
muito vir à luz e seu mau caratismo não vai enganar o povo
eternamente. Quando descobrirem a forma perversa de que se serve
da cultura popular para esvaziá-la e amealhar seus dividendos,
quando a forma antipática e discriminatória com que trata a equipe
vier a público, aquela bunda caída de mulher esticada, gorda, com
cara de bruxa que ela não conseguiu arrancar da lata apesar de
tantas plásticas - virá baixo. É natural que esnobe ou massacre um
autêntico grupo cultural que fez das tripas coração para atender a
um convite da sua produção escrota. O mesmo não aconteceu em
"Hoje é dia de Maria", onde os foliões tiveram o respeito merecido".
Será? Quem diria... (11/11/2013)
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O Rio de Janeiro e a praia de Copacabana, por Stefan Zweig, em
1936 - “Agora percebe-se a cidade após a passagem por um
complicado labirinto de ilhas. Não se avista, porém, toda de uma
vez. Não é como em Nápoles, na Algéria ou em Marselha, cujas
cidades aparecem num panorama de casas, como uma arena
aberta com degraus de pedras, logo à primeira vista. Quadro por
quadro, parte por parte, plano por plano, desdobra-se a cidade do
Rio de Janeiro como um leque, e é por isso que a sua entrada é tão
dramática, tão inexpressivamente admirável e surpreendente.
Cada uma dessas baías povoadas, de cuja reunião resulta a sua
costa, é separada uma da outra por meio de cadeias de montanhas
– são como as varetas do leque, que isolam cada quadro, reunindo-
as ao mesmo tempo. Finalmente avistamos a praia arqueada.
Aspecto encantador! Um passeio vasto ao longo da praia,
continuamente espumada pelas ondas, com casas, praças e jardins;
distingue-se claramente o hotel de luxo e, elevando o olhar, os
outeiros com as vilas cercadas de árvores – porém, novo engano! É
somente a praia de Copacabana, uma das mais belas do mundo,
um bairro novo e chique, não a própria cidade. Ainda é preciso
passar o Pão de Açúcar, que impede a vista: somente então é que se
vê a cidade maciça e branca, olhando para o mar e deslizando nas
alturas verdes. E só agora podemos saudar as casas altas: estamos
na cidade mais maravilhosa do mundo – o Rio de Janeiro”.
Pequena viagem ao Brasil (Encontros com homens, livros e países –
Ed. Guanabara Koogan, 1939) (15/11/2013)
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O diabo passou por aqui. Volta e meia ele aparece no Rio de Janeiro,
sei, mas desta vez trouxe com ele o próprio inferno que – como
todos sabem – é quente que nem o inferno! Meus amigos, aguentar
um calor de 50°C em pleno outono é fogo. Imagine então quando o
verão chegar cheio de serpentinas – de chope – muita folia e tudo
aquilo que simboliza o império do Rei Momo. Foi tanto calor, tanto
calor, que os passarinhos – sanhaços, pipiras, cagassebos – que vêm
comer frutas na minha varanda pousavam de bico aberto. Botei
fatias de mamão e banana geladinhas, ao lado de uma terrina de
água filtrada e fresca. Foi uma festa só, um vai e vem que parecia
trânsito na Avenida Paulista com engarrafamento e tudo, porque
alguns levam comida para os filhotes no ninho e voltam correndo -
quer dizer, voando! Depois da farra agradeceram com voos,
cambalhotas e sonoros piripipi piripipi trilalá trilalá pipi pipi tiriii
tiriii piriri piriri, que em passarinhês quer dizer: – Obrigado
Salomão, obrigado por fazer nosso dia piriripapá pararapipi feliz!
(16/11/2013)
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Olha pro céu, meu amor/Vê como ele está lindo/Olha praquele balão
multicor/Como no céu vai sumindo/Foi numa noite, igual a
esta/Que tu me deste o teu coração/O céu estava, assim em
festa/Pois era noite de São João/Havia balões no ar. Todo mundo
conhece a música de Luiz Gonzaga. Aquele balão multicor, o céu
estava em festa, havia balões no ar... Sim, balões no ar, é uma
tradição que corre a maior parte do território brasileiro desde que o
tem é tempo. Agora toda uma geração é avisada, com veemência
hitlerista, que fabricar, soltar, transportar e pegar balão É CRIME!
Após a informação vem a pena, 4 ou 5 anos, sei lá. Parece futilidade,
mas não é: precisamos atentar ao motivo dessa transformação –
crítica, se vê – a ponto de tornar folclore em crime. Estamos num
tsunami de leis. Quanto mais leis mais crimes, disse um jurista
famoso. Ontem o senado ocupou o ócio pra fazer uma lei sobre o
peso da mochila dos estudantes! A fórmula, peso corporal x
capacidade física, discrimina os gordinhos. Seria mais fácil adotar a
mochila de rodinhas, não é? Agora o Tiririca já sabe o que os colegas
dele fazem. (22/11/2013)
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Horário de verão: antes das seis horas o sol se salienta por trás do
morro da Mangueira e desaba direto na cama. Hora de levantar,
todo cuidado pra não despertar Anelka. A claridade ataca o corpo
dela em cheio, destacando as partes íntimas. Se alguém duvida que
Deus exista é ver cena igual. O clit um pouco proeminente, que
ressalta o seu lado andrógino (parece o pinto de recém-nascido)
brilha sob a luz. Os pêlos ralos, fios de ouro adolescentes, as penas
esguias, os braços soltos, o corpo todo relaxa em sono. Anelka se
mexe com o rumor enquanto me arrumo. Ao calor do sol abrem-se
as pernas, expondo mais ainda ao olhar a beleza das partes íntimas
(estranho modo de chamar a vagina). Tirei uma foto com o celular,
mas não vou postar: como as biografias, tais fotos precisam de ok
prévio! O Facebook censurou um poema de Hilda Hilst! – imagina
as partes outrora intimas de Anelka – não obstante ambos serem
belos! Enquanto me arrumo, a beleza de Anelka levita, se move no
ar, pênsil. Os lábios triscam – vagina sorri? – acho que sim, tanto
que me aproximo e enjaulo o riso brejeiro com um roço apenas. À
saída, na porta, dou a última olhada – preciso mesmo ir trabalhar!
(28/11/2013)
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Crianças, outro dia eu comprei uma juçara pensando que iria matar
as saudades de minha terra, mas a disgrama veio junto. Primeiro –
não reparei que a dita era misturada com... tcham... tcham... tcham...
morango! Quando provei o desastre confirmou-se: ô diacho danado
de rúim! Combinação errada... Aí, só então, como bom brasileiro, fui
ler a fórmula, ou seja, os famosos “ingredientes”, sempre detalhados
com aquelas letras miudinhas pra cacete. Então, vamos lá:
Ingredientes. Polpa de açaí médio (que merda é açaí médio?), min.
50%; água, suco de morango concentrado, açúcar, corante carmim
de cochonilha, acidulante ácido cítrico (INS 330), estabilizante goma
xantena (INS 415), antioxidante ácido ascórbico (INS 300), extrato
de guaraná, aroma idêntico ao natural do açaí, aroma idêntico ao
natural do guaraná e aroma idêntico ao natural do morango. O nome
desse líquido estranho é Amazoo (os habitantes desse ‘zoo’ somos
nós, os consumidores), o fabricante é uma tal Globalbev Bebidas e
Refrigerantes Ltda. Mas, peeraaíí, esse final ‘bev’ não lembra alguma
coisa, tipo assim, Ambev? Empresas desse porte têm de cuidar mais
de seus produtos, não é? Ademais, alguém pode me explicar porque
nós, moradores de um país tropical, abençoado por Deus e bonito
por natureza, somos obrigados a beber tanta porcaria? Arre! Mil
vezes arre! (10/12/2013)
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Ferreira Gullar é um chato: tudo que ele diz tem estrume, polpa e
sabor – a gente gosta. No programa Impressões do Brasil, Gullar
conta algumas fábulas, entre elas porque foi comunista e como a
poesia é necessária. A primeira foi devido à leitura do livro de um
padre sobre Marx, dividido em duas partes, que revelava, com
aptidão, o que é o marxismo e provava porque padres não podem ser
comunistas. Gullar leu a 1ª parte e absteu-se da 2ª porque não ia ser
padre – logo virou comunista de carteirinha e retrato 3x4. A segunda
fábula versa sobre vizinho de mesa chato – um economista porteño
casado com uma bonita brasileira, em Buenos Aires dividia a mesa
com o poeta. Gullar só ouvia um tema: economia, economia,
economia, coisa chatíssima para poetas. Certo dia a morena largou o
porteño e quando Gullar o viu após o fim do namoro imaginou o
quão trágica seria a conversa: economia, dor-de-cotovelo, paixão.
Mas não foi o que ocorreu: o economista mostrou seu profundo
conhecimento de poesia – e eis a razão da fábula: a poesia é
necessária porque a morena bonita existe. Façamos um esforço de
imaginação: o que teria ocorrido se Gullar lesse apenas a 2ª parte do
livro do padre e a morena bonita vivesse com o porteño, felizes e
apaixonados para sempre? (19/12/2013)
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Em Curitiba no outono:
Solidão que coleciono
Provar que não me apaixono
Posição que não questiono
Fico só, mas não telefono
Ouço Mahler e desmorono
(Nem assim me emociono).
Em Curitiba no outono:
O corpo branco monótono
Nenhum tesão ocasiono
Se o esfíncter pressiono
O ponto erógeno seleciono
E o prazer proporciono
Mas logo depois atraiciono.
(28/04/2018)
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Fiquei impressionado! Conhecia-o como "bom" jogador de xadrez e
já havia lido alguns de seus trabalhos. Mas, este mais recente (que
espero seja o precursor de muitos outros), me deixou
impressionado. Baixei-o e ao ler o comentário de Ivo Korytowski
iniciei a leitura Li de uma tacada só. Uma reencarnação de Machado
de Assis contemporâneo, no estilo que flui suavemente, entretendo o
leitor desde a primeira frase, na verdadeira crônica dos tempos
imorredouros deste Rio de Janeiro. . Uma máquina do tempo
preciosa. Uma obra de Mestre. Parabéns. Guilherme Ulrich von
Calmbach (16/5/2018)
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Bichos no cio
Penumbra. (murmúrios) Janela. Quarto. Cama. Corpos. (risos)
Lençol. Calor. Travesseiros. Carne. (mordidas) Pés. Dedos. Pernas.
Coxas. (cicios) Púbis. Pentelho. Boceta. Ventre. (zunidos) Umbigo.
Seios. Mamilos. Dentes. (gemidos) Lábios. Língua. Cabelos. Pêlos.
(suspiros) Colo. Pescoço. Nuca. Espádua. (sussurros) Costas.
Covinhas. Nádegas. Cu. (silêncio).
Rio de Janeiro, Cachambi, (24/11/2018)
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Pelo roteiro, pelos atores, pelas falas, o próximo governo está se
transformando numa novela imperdível. Sendo ateu e agnóstico, o
único que peço a Deus é que me deixe viver para ir até o fim desse
governo que se anuncia. Aí sim, ao final poderei morrer... de rir, de
chorar - de qualquer merda enfim! Mas não posso perder os
próximos episódios dessa emocionante série. Por favor, Deus, atenda
o pedido deste pecador irremediável. (25/11/2018)
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Manhã erótica. Acordo antes do sol e aproveito a cadeira de balanço
na varanda para espantar a canícula. À janela do prédio vizinho uma
moça se arruma para sair. Levanta os braços para ajeitar os cabelos e
os seios jovens explodem em beleza. Fogos de artificio na minha
cabeça. Ela continua a representar todos os atos que as mulheres
executam ante ao espelho. Às vezes se vira para meu lado. O corpo
reluz juventude. Me vê? Pois sim. Antes dos últimos retoques na
maquiagem ganho um sorriso. Respondo com uma vênia. O corpo
jovem desaparece sob a roupagem, a janela se fecha após o aceno
que respondo. Mas, como tapa na cara, todo o erotismo da cena se
esvanece, porque lembro que já fui essa pessoa que se arrumava
todas as manhãs para ir ao trabalho, durante dezenas de anos. Por
toda a vida cumpri esse ritual com orgulho e prazer – mas agora sou
inútil. (21/12/2018)
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Sai da cama, lava a cara, escova os dentes, padaria, leite, pão, queijo,
mortadela, café com pão e manteiga. Vai ao PC, escreve, lê notícia,
Revista Bohemia, NY Times, Poetry, volta ao sofá. Sai do sofá, vai à
varanda, molha as plantas, limpa o chão, troca a areia do gato, volta
ao sofá. Sai do sofá, geladeira, cerveja, azeitona, cerveja, amendoim,
cerveja, almoço, volta ao sofá para a sesta. Liga a TV, muda de canal,
olha Arte1, Curta, Brasil, Cultura, Mazzaropi, desliga a TV. Sai do
sofá, banheiro, lê, obra, limpa a bunda, volta ao sofá. Sai do sofá,
notebook, Yandex, G-mail, Outlook, lê, responde, deleta, antivírus,
desliga, volta ao sofá. Sai do sofá, ração, cozinha, banana, goiaba,
juçara com farinha d’água, volta ao sofá. Liga a TV, controle remoto,
troca canal, aumenta o som, Wood Allen: Manhattan, desliga a TV.
Sai do sofá, banheiro, mija, banho, punheta, escova os dentes,
melatonina, cai na cama. Após tal maratona diária, ainda dizem que
sou sedentário.
(01/01/2019)
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#PartiuCachambi
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Hoje, 6 de janeiro de 2019. Acordo com um foguetório danado. Tá-
tá-tá. Pôu! Tá-tá-tá. Pôu! Dia de Reis? Não. Era a polícia do Gov. Cel.
Witzel trabalhando.//Voltar a viver coisas que fizeram parte da
minha infância faz parte do ritual de veneração à Ilha. // Natal. Não
podendo comprar árvore, fabricava com galhos retorcidos. Ornada
com algodão (neve), ramo de murta e bolas cintilantes que
quebravam à toa. // Dia de Reis lembra a vila que foi São Luís: folia
ao som do tambor, rezas, cantos, oferendas. É dia de desmanchar
Presépio. // Eu montava e desmontava - a estrebaria era feita com
ramos de murta. As folhas secas caíam e o incenso perfumava tudo.
// Vou à padaria tomar café com leite, pão massa grossa, com
manteiga. Bate papo com o padeiro (negro), cuja filha mora em São
Luís. Fico feliz: apresenta-me aos amigos como “meu irmão”. //
Voltar a viver coisas que fizeram parte da minha infância? Não
mais. (06/01/2019)
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Agora ela se levanta com cara de sono e vai ao banho. Ouço a água
escorrer pelo corpo. Ela cantarola pedaços de canções populares.
Agora ela joga xampu nos cabelos revolvidos por uma camada de
espuma. A água jorra caindo no piso com ruído de cachoeira. Agora
ela enche as mãos com Creme Rinse e massageia os cabelos com
vigor. Ouço a porta de vidro correr nos trilhos e o ruído de chinelos.
Agora ela enxuga os cabelos com a toalha menor, esfregando bem
para tirar o excesso de condicionador. Depois como que por magia a
toalha vira um turbante. Agora ela enrola a toalha maior no corpo e
um nó a fixa para sempre sobre os seios, sem chance de cair. Os
chinelos molhados se arrastam pelo corredor até a porta do quarto.
Agora ela passa a escova vigorosamente nos cabelos escorridos.
Sinto o cheiro de mato molhado de chuva. É o perfume do creme
hidratante que exala ao ser esfregado na pele. Agora ela se deita
relaxando o corpo reluzente. Pernas e braços se espraiam sem
sentido tomando todo o espaço da cama. Agora eu vou. (17/01/2019)
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Coisa boa aqui é a gente poder dividir dramas e alegrias pessoais.
Contei que fui atingido pela H. pylori e como essa bactéria filha-da-
puta ferrou meu estômago. Ora, estragou o estômago, danificou
também a periferia: esôfago, intestinos, cu. Tinha dia que minha
bunda parecia a ilha de Sunda, onde está o vulcão Krakatoa, isto é,
um fogaréu danado. E a cratera vocês bem sabem onde é... Pois hoje
foi um dia feliz para a região: pela primeira vez em semanas, meses,
acordei sem sentir qualquer revolta, estrondo ou ameaça de erupção.
Como sempre faço, levantei cedo, preparei e tomei o café junto com
minha filha que vai ao trabalho. Depois nos despedimos e então é
hora das abluções matinais. Entrei na sentina com o livro Armário
de palavras debaixo do braço. Reli a crônica O crepúsculo de São
Luís e – espanto! – tudo normal. Que beleza! É essa felicidade que
quero compartir. As coisas estão voltando ao normal, mas ainda não
arrisco beber: cumpro resignado o sacrifício da abstinência. Fora
isso, desfruto a felicidade absoluta. O vizinho deve ter notado ao me
ouvir cantarolando. Sim meus amigos, hoje eu caguei como um anjo.
(23/01/2019)
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Comecei o ano recebendo o blog de Ronaldo Costa Fernandes e
tomei um susto. Era o artigo: “Flores do mal, Charles Baudelaire”
(do livro A cidade na literatura e outros ensaios, 2016). “Como bem
observou Theophile Guatier, o poeta de As flores do mal realmente
admirava seus antecessores. Hugo e Gauthier, principalmente este
último, a quem Baudelaire amava como literato e ser humano,
entenderam em parte a nova proposta estética daquele poeta. Mas
Guatiher entreviu muito lucidamente dois movimentos muito
comuns na história da literatura. Gauthier percebeu que a nova
estética de Baudelaire diminuía seu poder romântico e que
apontava para um novo rumo estético”. Só neste parágrafo,
Théophile Gautier recebeu três sobrenomes: Guatier, Gauthier,
Guatiher. O meu medo é saber se saiu assim no livro... Mas acho que
não. Deve ter sido ressaca de festa de fim de ano. (02/02/2019)
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Caro Vangico. Sei que você estava preocupado com minha saúde, por
isso achou que minha bunda estava “afolosada”. Eu nunca tive
hemorroidas, isso eu descobri ao pesquisar a etimologia dessa
expressão do vocabulário maranhense, que encontrei no seguinte
fato: O Fulano sofria de hemorroidas e assim se viu na circunstância
extrema de arriar hospital pra entrar na faca. O médico que iria
operá-lo, também nosso amigo, me confidenciou: “O cu do Fulano
parece uma couve-flor”. Isto é, a hemorroida já tinha se expandido
para fora, em formato parecido com aquela hortaliça. Aí fiz a ligação:
flor – afolosado ou afulosado – pro mode de “fulô”, como diz nosso
interiorano. Faz sentido, né? Então, a expressão veio por causa da
deformação provocada pela “flor” dolorosa resultante de
hemorroidas. Assim vemos explicada mais uma etimologia. Próxima
aula: etimologia da palavra qualira. (06/02/2019)
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A DEMOCRACIA CHEGA A CUBA – “Diariamente as mais diversas
manifestações de desordem continuam denegrindo a sociedade
cubana. Lamentavelmente, não é exclusividade de um contexto
específico, nem de setores sociais carentes ou alienados das normas
essenciais da conduta moral. O dilema vai muito mais além. Talvez o
mais inquietante seja que, quase sem percebê-lo, estamos
adaptando-nos a conviver com as piores expressões individuas e os
maus exemplos de comportamento cívico, que se reproduzem
diariamente sem que recebam a adequada repulsa. Os maus
exemplos estão à vista de todos: ruídos de diversas origens que
perturbam a paz, rixas e alterações da ordem, atos de exibicionismo,
vandalismo contra a propriedade social, infrações de trânsito,
consumo de bebidas alcoólicas, violações da higiene comunitária e
condutas de mendicidade”. (Revista Bohemia - Havana, 5/2/2019 -
EDITORIAL - Para asegurar presente y futuro). (07/02/2019)
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Meu entusiasmo pelo xadrez está além da preparação técnica e
física: após jogar o Torneio de Xadrez de Poços de Caldas 2019
estava tão cansado como um maratonista. O escore de 1,5 pts. (=3 -
3) em 6 diz tudo. Ademais a garotada – de ambos os sexos – está
chegando com força e entusiasmo característicos da juventude. Mas
gostei da cidade: Poços de Caldas tem o sabor das cidades simples.
Saí do Rio em pleno verão de 40 graus, para dormir de cobertor na
serra mineira. Fui pela Viação Cometa e depois descobri que minha
bagagem foi violada por um filho-da-puta, ladrão descarado, que
roubou algumas coisas. O safado levou o sabonete Lifebuoy; o creme
dental Kolynos; a brilhantina Glostora; camisinhas Vista-se; a fralda
geriátrica Kialívio (ainda não uso, mas tenho por perto); a caneta Bic
Cristal; balas Pipper hortelã; aparelho e lâminas de barbear Gilette;
a calça Lee; o Leite de Rosas; “Tina, a maranhense”, folheto-
romance de Carlos Zéfiro – e outras bobagens. (09/02/2019)
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Preciso parar com esse negócio de ser guru da expressão idiomática
no facebook. Fernando Moura Peixoto desafia a aclarar a expressão
“fazer sabão”, de cunho maranhense – diz ele. O vocábulo remete ao
xampu que resulta da união carnal no Safismo, isto é, a fricção
boceta-a-boceta. Não creio que seja linguajar maranhense: é de uso
comum no país. Também nunca dei com exemplos nem assisti a
sessões com esse resultado. Vi muita “briga de aranha”, que deixa os
pentelhos salpicados desse creme, mas com o advento da depilação
total a prática se tornou raridade. E nada mais. Então, chega de
etimologia e didatismo. O buraco é mais embaixo: minha
especialidade é safadeza e libertinagem. Quaisquer dúvidas
etimológicas ou idiomáticas futuras, por favor consulte Manoel
Evangelista, Ceres Fernandes ou Fernando Braga, que são
especialistas. Eu tô fora. (13/02/2019)
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A menina de São Luís não nasceu em São Luís. Foi o contrário: São
Luís é que nasceu nela. A menina de São Luís tinha os olhos pretos,
pretinhos. O nariz era uma flecha apontando para o fim do mundo.
Os cabelos da menina de São Luís eram pretos: era uma família de
caracóis que morava na cabeça dela. E a boca? A boca, o sorriso, era
uma coisa só. O rosto dela era o sorriso mais enorme do mundo. E
quando ria o sorriso escorregava da boca dela como sorvete de
juçara: saía pelos cantos dos lábios e passava para todas as bocas que
estavam por perto. Sorria, a menina de São Luís sorria. Como a
menina de São Luís sorria! De quê tanto sorria a menina de São
Luís? Sorria porque a vida é bela? A menina de São Luís não nasceu
em São Luís. Foi o contrário: a cidade é que cresceu nela. A menina
de São Luís não brincava de boneca: escrevia cartas para namorados
imprevistos. A menina de São Luís jogava bola com os meninos,
soltava papagaio, descia a Montanha Russa de patins. A menina de
São Luís chegava em casa suada, suja de areia, com os joelhos
ralados em sangue e contava para os irmãos espantados que a ferida
não doía. A menina de São Luís se banhava pulando, cantando e
sorrindo. Se enxugava diante do espelho abismada com os mamilos e
os pentelhos. Depois do jantar a menina de São Luís escovava os
dentes, alvos igual pérolas e mandava sorrisos pela a janela. Sorria, a
menina de São Luís sorria. Como a menina de São Luís sorria! De
quê tanto sorria a menina de São Luís? A menina de São Luís
cresceu, foi para a cidade grande e parou de sorrir. Quer dizer, ainda
sorria um pouco, mas aquele riso enorme ficou em São Luís. Depois
de um tempo não sorria mais. O sorriso feneceu, a menina de São
Luís morreu. Tenho saudades da menina de São Luís. (28/02/2019)
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Entre três e quatro horas da manhã da terça-feira de carnaval ouviu-
se um disparo na madrugada silenciosa e calma do Cachambi.
Depois mais um, mais outros, o ruído descendente do motor levado
pelo vento e o silêncio vazio da manhã desceu de novo. A padaria
abriu as portas, o jornaleiro deixou o jornal nas grades do prédio, o
leiteiro colocou garrafas de leite nos degraus, o cheiro de café e pão
tostado tomou conta do mundo. Chegou a polícia, a ambulância
inútil, o cadáver foi coberto com manta térmica, o busto de Orlando
Silva derramou lágrimas pelo morto na terça-feira de carnaval. A
Mocidade Independente de Padre Miguel cerrava as cortinas do
desfile do Grupo Especial na Rua Marquês de Sapucaí. Enquanto
cutucava a memória dos fregueses – o que não foi?, quem foi?, o que
foi? – o jornalista tirava fotos e bebia o café da manhã: média com
pão e manteiga. Depois chegou a TV para anunciar no Bom Dia RJ o
vencedor do primeiro defunto da terça-feira de carnaval.
(05/03/2019)
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Hoje passei pelo Canal Brasil e estava sendo exibido o filme Ana e
Vitória (Matheus Souza, 2018). Fiquei vendo, mais um bocadinho e
fui até o final. É um filme que fala de amor de modo simples e
musical. Transita por fronteiras em que a turma costuma escorregar
aqui e ali. Esse é o valor da juventude, a resistência, o poder de
tropeçar e levantar. Também no amor. É um filme que todo político
deve assistir, até mesmo a família do digníssimo Presidente. Lindo!
E feito por brasileiros de sotaque. Parabéns meninas. Parabéns
Matheus Souza. (07/03/2019)
AnaVitória
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Ritinha disse de olhos grandes: estou grávida. Depois riu feliz, nos
abraçamos. Aqui é lei: engravidou, casou. Casei. Foi bom. Os amigos
vieram: Ceres, Vangico, Lima, Ivanira, Fernando, Márcia, Zé,
Gilberto, Ana, Frank, Arruda, Hilda, Francemir, Comaru, Teresa,
Arruda, Melo, Amelinha, Otto, Milton, Beatriz, Duayer, Machado –
nem cabem todos aqui. E agora? Adeus sinuca no João Paulo. Adeus
Nhozinho Santos. Adeus farra no Filipinho. Adeus putaria na 28.
Adeus jogo de bola. Adeus ostras em Araçagi. Muitos adeuses.
Assumi. Gostava ser eu e Ritinha. Andava atrás dela pra gozar o
andar de pata. Patinha! Não enche, palhaço. Gostei ser marido.
Descobri que mesmo prenha dava pra colher ostras. Fui ficando. O
tempo passou. A turma cresceu, foi embora. Agora, sós, criamos
rugas, varizes, mangas e um gato. Não dei vacilo. Nem quando
esbarrei com Manuela. A nova vizinha chegava das compras. Caiu
uma bolsa. Ajudei. Vi peças de lingerie. Gostou? Lindas, né? Gostei.
Claro. Vou experimentar agora. Quer ver? Vem. Balancei. Ela sentiu.
Vou ou não? Manuela insistiu: tem ostras. Com a pílula azul até que
dá. Mas não fui. Não comi a Manuela.
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Amigos. Amizade. Em João Pessoa jogadores de xadrez dizem “não
entender como um esquerdista possa homenagear Bobby Fischer,
sabendo-se que ele era anticomunista ferrenho”. A diatribe era
contra meu amigo Fernando Melo. Não me omiti, comentei no ato:
“Bobby Fischer não era nada disso. Ele era contra o modo como os
enxadristas eram maltratados pelo Regime Soviético. Por isso
Fischer criou tanta quizília no match com Boris Spassky. Jogadores
soviéticos respeitavam e adoravam Fischer. Foram unânimes em
reconhecer que a atuação de Fischer deu mais dignidade ao jogador
de xadrez”. Depois disso veio o silêncio convincente. Outro me
interpelou para saber qual minha “política” com o GM Darcy Lima,
Presidente da CBX, Vice-Presidente da Confederação de Xadrez para
as Américas (CCA), Árbitro/Trainer da FIDE, posições conquistadas
com capacidade, trabalho e honestidade. Conheci Darcy adolescente
no CXG. Joguei ping com o pai de Darcy, pessoa alegre no jogar, mas
duro (até demais) na educação do filho. A minha “politica” com
Darcy Lima é, pois, a amizade familiar. Amigo não tem política,
amigo é amigo. Ninguém fala mal de amigo meu. E ponto final.
(07/04/2019)
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O que está bebendo? Água de coco. Com gelo? Nunca vi. Me dá aqui.
Ah, botou vodca. Pede cerveja pra mim. Não. Você é de menor. Sou
não. É sim. Garçom? Sou de menor? É não. Traz uma Gold. A mais
cara? Só bebo cerveja boa. Aaaaaiii. Uuuuiii. Que foi? Uma dor aqui.
O que você fez? Caminhada. Acontece nos sedentários. Tu és um
deles. Tá naquele hotel ali? Sim. É turista? Não. Evento. Tu és
simpático. Sou velho. É não. Sou sim. Quem foi rei não perde a
majestade. Perde sim. Perde não. Aaaaaiii. Uuuuiii. Vou te dar
massagem. Só uma e adeus dor. Não pode. O hotel não deixa. Deixa
sim. Uuuuiii. Você é de menor. Sou não. É sim. Ademais deve ser
caro. Não vim a turismo sexual. Tenho cara de puta? Sou
fisioterapeuta. Tira a roupa. Deita. Aaaaaiii. É bem aqui? É. Relaxa...
Fecha os olhos. Vai doer mais. Aaaaaiii. Uuuuiii. Pronto. Puxa,
cansei. Estou suada. Vou banhar. E aí? Já dormindo? Chega pra lá.
Estou com frio. O ar condicionado pode gripar. Hum. Bem melhor.
Ei. Onde vai? Tomar café. São sete horas da manhã. E a dor? Sumiu.
(09/04/2019)
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Por que o milho verde é amarelo? Por que o Mar Vermelho é Azul?
Onde é o fim-do-mundo? Se gato gosta de rato por que não existe
sachê sabor rato? Quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha? Por que
os kamikazes usavam capacete? Onde é o fim-do-mundo? Pra que
seringa esterilizada em injeção letal do condenado à morte? Se toda
regra tem exceção, qual a exceção dessa regra? Por que acordar os
outros para perguntar se estavam dormindo? Onde o vento faz a
curva? Qual a cor do buraco negro? Se um terreno é meu vai até o
centro da Terra? Por que se responde pergunta sem resposta com Só
Deus sabe? A perna do Saci Pererê é a esquerda ou a direita? Onde é
a casa do caralho? Se tudo tem fim, o que virá depois? Como é o
nada? Onde o Diabo perdeu as botas? Há vida após a morte? Como o
vento aprendeu a assoviar? Onde é a puta-que-pariu? O amor existe?
Algo desmedido tem tamanho? Há vida fora da Terra? Como se
enche o cu de rola? A consciência da morte é o fim? Ainda é possível
olhar a noite? Como é zero em algarismo romano? Quem botou luz
no cu do vagalume? (26/04/2019)
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Foi-se a minha juventude, bons tempos que não voltam mais. Eu era
rapaz belo, magro e bonito, as mulheres não me deixavam em paz.
Estudava, bebia, trabalhava, fodia e fumava, jogava futebol no
Aterro, assistia a filmes na Rua Paissandu, ainda sobrava tempo para
o violão e cantoria. Praia para pegar jacaré, bar para o chopinho,
areia para as tangas invisíveis. Tempo para os furores de
Copacabana e Ipanema (menos no Posto 8 onde a qualiragem
reinava). Foice na minha juventude, PCB e PCdoB que não voltam
mais, eu era caboclo forte, destemido político, pronto para salvar o
Brasil – companheiros queriam me botar no partido. Pior: comecei a
dar uns tapas na diamba, enfrentar e correr todo fim de semana.
Milicos não me deixavam em paz: era cassetete, espada enferrujada
no lombo, todo dia levar tiro, todo dia cheirar gás. Troquei as ligas
camponesas pela guerrilha urbana, o violão pela guitarra elétrica, as
serestas silentes pelo Circo Voador. Mudei de Copacabana para
Santa Teresa, troquei Belchior por Bob Dylan, larguei Baden Powell
por Jimmy Hendrix, deixei Elza Soares por Janis Joplin, preferi
Noam Chomsky a Karl Marx. De tudo isso um pouquinho, de tudo
isso até demais. Hoje os que não foram estão velhos, são outros
tempos, são outros jovens. Não é coisa para se arrepender nem para
se vangloriar – é a vida minha gente, é a vida e nada mais... (Rio de
Janeiro, Cachambi, manhã nublada de 2 de maio de 2019).
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No salão de jogos falo com a senhora que tira muitas fotos. Pergunto
onde serão postadas, mas ela é a mãe que está com dois filhos
jogando. Comenta que acha bom eles participarem de torneios “para
ganhar experiência”. É um ponto a ponderar. Muitas crianças jogam
torneios de xadrez misturados a adultos. Não ganharão nada se o
professor não ensinar, além de tática e rasteiras, ética e
comportamento. São matérias que não constam dos cursos de xadrez
espalhados por aí. Deveria. Seria bom criar torneios com crianças do
mesmo grupo etário. Na última rodada sou emparceirado com um
garoto. Antes de iniciar a partida ele comenta com o colega: “Se eu
ganhar meu rating irá a 1600”. A partida começa. Joga rápido e na
abertura fico inferior. Ataca feroz a minha ala do Rei. Falho na
defesa, deixo Cavalo no ar, ele não vê. Recupero a posição, ganho
Peão, cravo a Dama com a Torre, dou xeque para ganhar um Bispo.
Ele abandona e me cumprimenta. Antes de sair digo que deixei o
Cavalo no ar, ele se interessa, reproduzimos a partida, mostro como
foi. Ele levará a partida para estudo e assim nós aprendemos alguma
coisa. (07/06/2019)
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Estou jogando com um rapaz forte, alto, simpático, cabelos
amarrados em rabo-de-cavalo. Jogamos de igual para igual até
entrarmos em final de Cavalo contra Bispo. Peões iguais, Reis
bloqueados. Ofereço empate, recusado e explicado. – Posso mostrar?
– ele pergunta. – Claro – respondo democraticamente. Ele faz breve
análise e aponta para um Peão meu e diz: – Você tem esse ponto
débil, que vou atacar com meu Cavalo. – Mas o ponto não é tão débil
assim, posso defender com o Bispo – replico. E mostro a ele como
pode ser defendido. – Bom, ele insiste, se eu não ganhar o peão, vou
ganhar aqui – aponta para o relógio – no tempo. Que fazer? Dá
vontade de rir, mas o cara é forte. Resisto bravamente, mas no
zeitnot falho e sou derrotado. Perco a partida sem perder o Peão que
meu adversário ameaçou ganhar. Depois descubro que um professor
de xadrez da equipe que organiza o torneio. Não sei como ele
entende e conversa com os alunos sobre esse diálogo com a partida
em pleno andamento, absolutamente proibido. Essa é a matéria que
os professores não ensinam aos alunos. E pelo visto não conhecem.
Coisas do xadrez... (10/06/2019)
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Em vez de assistir jogos da Copa América de peladas previsíveis, dei
preferência ao Campeonato Mundial Feminino. As meninas estão
jogando um bolão. Temos árbitra brasileira nas semifinais. Em
campo, algumas poucas gatinhas, muitas potrancas, muitos olhos
azuis, louraças e alguns armários também. As africanas e latino-
americanas caíram nas preliminares. Ficou só o primeiro mundo. E
o futebol é muito diferente do que os machos jogam: pouca porrada,
sem malandragem, pouca desonestidade, sem violência. Ao fim do
jogo são constantes as reclamações pela igualdade de tratamento ao
futebol de macho. Elas ganham menos, viajam em classe econômica
e são assediadas. Essa perspectiva não passa despercebida na
história das inquietações femininas. Elas dizem não à limitação da
igualdade, a arremedos, caricaturas e macaquices, que jogaram no
lixo a luta das pioneiras do movimento feminista. As mulheres
querem, desejam e lutam por igualdade sem cair nas posições
tomadas por homens. Elas não querem ser como homens, mas com a
origem do universo entre as pernas. O futebol feminino brasileiro?
Uma merda. Tem que botar mulher na direção e na parte técnica.
Senão não sai do zero. Afinal, as conquistas feministas são realidade
ou ficção? (21/06/2019)
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(II)
Porém, esse big-bang da informática que ora ocorre, que não tem
como ser evitado (efeito e causa do artigo citado), veio bem a tempo
de impedir que toda a humanidade fique impassível nas mãos desses
loucos que dirigem os países, Putins, Obamas, todos pequenos e
grandes ditadores de nós, humanos e malditos.
Para que nosso olhar não se perca, desejaria que pudessem todos
assistir, juntos e maravilhados, ao milagre prodigioso que ora se
materializa debaixo de nossos narizes. É o futuro que jamais
imaginaríamos, o repeteco do milagre de Cristo, Sócrates,
Copérnico, Galileu, Magalhães, Gagárin – número infindável de
feiticeiros que produziram o mesmo efeito com o passar do tempo
não cronológico – algo a ser vivido em carne e alma.
Pelo menos nesse ponto Lenio Steck pensa igual sobre a velhice
previsível de seus contos, romances e crônicas. Ou seja, não há como
evitar a atualização ortográfica dos escritos: por causa dessa visão
obstrutiva de falso purismo que está inteira no artigo que me
enviaste, crucificaram Camões, Monteiro Lobato, etc. lembra? Assim
entendi...
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“Não falo a néscios” (repito o sábio), por isso o que posso desejar –
palavra de primo-ermão – é que a percepção desse novo olhar se
reflita em teus escritos, nas leituras e atitudes, de tal modo
prismatizado, que tenha a envergadura de interferir na vida de teus
leitores. Não há tempo a perder. Pois hás de te lembrar do artigo em
que comentei o quebra-quebra nacional de outro dia – que irá se
repetir, como repercutem os cometas – pois somos passageiros do
mesmo trem.
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Quincas, tenha um bom dia! Desculpe o mau jeito com que respondi
ao texto que me mandaste sobre o artigo de Dr. Lenio não sei quê (e-
mail de ontem). Foi truncado, saído ao calor da refrega... Culpa tua,
que me manda essa bobalhada só pra me provocar taquicardia.
Antes de tudo, desculpa o “Não falo a néscios”, que não é frase
minha, acho que me lembrei da Bíblia – será de São Paulo, Cartas? –
mas saiu sem aspas.
Segundo, oras, o quê tenho haver se quem quer que seja não larga pé
do passado, essa natureza que nos trai a todo instante? Se for por
opção própria, então que se alimente lá de ontem, não sabe? Tu
mesmo, ora estás com o calcanhar no Líbano e o dedão em São
Bento – e eu com isso? Me tiraste uma noite de sono, tu e o tal Dr.
Lenio.
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Só agora falo sobre o poeta José Chagas, que conheci bem pouco. Eu
era ainda um moleque de 14 ou 15 anos quando o conheci via
Coaracy Jorge Fontes e Ubiratan Teixeira. Claro que fiquei mudo
apenas ouvindo e fala dos dois, as discussões e comentários sobre
poesia e até mesmo ouvi-los recitar vários poemas de autoria dos
dois. Tudo isso depois de beber umas cervas, sentados no meio-fio
em frente à Igreja do Carmo, na Praça João Lisboa. Lá pras três da
madrugada, começou uma chuvarada, cada um correu pro seu lado e
eu fiquei sozinho na Praça João Lisboa, debaixo d’água e - sem grana
pro táxi - fui a pé até o Filipinho, acreditas? É fato.
Pranto de Poeta
Guilherme de Brito - Nélson Cavaquinho
Em Mangueira
Quando morre
Um poeta
Todos choram
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O castigo, aplicado pelo feitor “com ciência, com arte, com elegância
de profissional apaixonado pela profissão”, não se assemelha, em
muito, com o lado profissional com que os torturadores de
trazontonte e contemporâneos executam os suplícios? Cuja técnica
atemporal é aplicada aqui, na América Latina, em Guantánamo, nos
USA, no Afeganistão, na Rússia, etc. – ou seja – no mundo inteiro?
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Quincas,
Bom dia! Acabei de reler o romance “A carne” de Júlio Ribeiro e vejo
que se pode tirá-lo da lista dos fesceninos. Não levanta mais o pau de
ninguém... Imagina que o romance tem 278 pgs e o Barbosa
(Manduca, para os íntimos) só foi comer a Lenita na pg 226! Mas
estamos em 1888, né mesmo? Naqueles tempos, e por muito tempo,
foi um rebu danado (falei rebu, agora vejo que é redução de rebuliço,
como forró de forrobodó, apê de apartamento, etc.).
No livro, reparei algumas curiosidades: descrições imensas
cientificistas, naturalistas, confrontos sociais e psicológicos (sexo,
divórcio, Freud); ambientações naturais, bichos e aves, plantas,
frutas, flores, detalhadíssimos (que lembram as de Hitler, teu
romance); o próprio Júlio Ribeiro, Ramalho Ortigão e outros menos
votados aparecem como personagens; por fim, naturalmente, olha
que o Manduca comeu a Lenita no mato (não fosse assim, não seria
um romance ‘naturalista’, né?).
O romance é dedicado
AO PRÍNCIPE DO NATURALISMO
EMILIO ZOLA
Aos meus amigos
Luís de Mattos, H.H.de Bittencourt, J.V.de Almeida e Joaquim
Eiras;
Ao distincto physiologo
Dr. Miranda Azevedo.
O. D. C.
JULIO RIBEIRO
“Nous nous echauffons, dit Ovide, quand le dieu que vit en nous
s’agite (1)»: eh bien! le tout petit dieu qui vit en moi s’est agité, et j’ai
écrit La Chair.
“Ce n’est pas l’Assommoir, ce n’est pas la Curée, ce n’est pas la Terre;
mais, diantre! une chandelle n’est pas le soleil, et pourtant une
chandelle éclaire.
“Quoi qu’il em soit, voici mon oeuvre.
Jules Ribeiro
E que tal citar o poeta italiano Dante, poét florentin, para que je
vous fasse mon hommage complet, a um escritor francês?
Hoje, sabe-se, essas obras são vistas como terrível equívoco de Zola:
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Quincas, bom dia! Sabe que acabo de ler um livrinho, curto como o
quê: é Gênese do Dr. Fausto, de Thomas Mann. Como o título diz,
ele aproveita as anotações feitas enquanto escrevia o romance Dr.
Fausto, para rememorar os acontecimentos da época, porque ele não
se fixa somente na nas notas sobre a feitura do texto, mas acrescenta
acontecimentos familiares, pessoais e tudo o mais que o cercava na
ocasião.
Pois Thomas Mann foi beber em muitas fontes pra construir o seu
Fausto: Freud, Bíblia, contemporâneos e amigos. Volta e meia ele
reconhece na obra alheia similaridade com o que está escrevendo.
Mário de Andrade chama isso de ‘sequestro’, isto é, um tema lido e
guardado no subconsciente reaparece transfigurado, imitação ou
semelhança, em obra nossa. Na prática o que Thomas Mann fazia
era usar argumentos, temas, buscar conhecimento pras coisas que
não sabia a fundo. Mas o livrote chama mesmo a atenção para a
grande e decisiva mãozinha dada por Theodor Adorno, confessada
como imprescindível. E agora? Como o Fausto é tema recorrente nas
artes (tu não tens o teu?), fica difícil aceitar a teoria dele, Adorno, de
que a arte representa um protesto social.
É isso aí, primo, esses são alguns dos mistérios da Arte... “Eis o
mistério da Arte” – se poderia dizer como no ritual da missa: “Eis o
mistério da Fé”. Arte e Fé são misteriosas, por isso disse lá atrás que
o artista tanto pode nascer em Alagoinha quanto em Viena, tanto
faz... Mas não sou ingênuo a ponto de duvidar se esse meu
desconhecimento, a minha dificuldade em perceber certas nuances
da Arte (como esta, talvez inútil, digressão sobre música/prosa)
ocorre devido à informalidade com que aprendi minha pequena arte.
Não disse autodidatismo porque, para mim, isso é coisa que não
existe. Se pensarmos bem a história do conhecimento, vamos ver
que tudo que se apreende, tudo que é transmitido, é de alguém para
alguém. Portanto, o autodidatismo não existe – essa é uma palavra
inútil.
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Isso me trouxe reflexão sobre as coisas que li: rapaz, pro tamanho
deste pobre cidadão foi um Himalaia de leitura. Desde moço já
estava cercado do melhor da poesia: Gonçalves Dias e Fagundes
Varela – que para mim é o maior. Claro que havia muitos outros. Era
um tempo que eu queria ser poeta, escrever só poesia. Então tinha
de estar ‘calçado’ com o melhor, né? A nossa diversão no Filipinho
era ficar até as tantas da madrugada discutindo literatura e
declamando versos na praça em frente à igreja. Li dez volumes das
memórias de Casanova; li os três Quixotes mais de uma vez; li a
Bíblia; li Balzac – quase toda a Comédia Humana; li Joyce [mas
detesto: li pedaços do Ulisses, gostei de Dublinenses e poesias]; li
Guerra e Paz, Tolstói; li O morro dos ventos uivantes; li Dostoievski;
li Gorki; li Brecht; li Proust; li Simone de Beauvoir; li Virginia Woolf;
li Sacher-Masoch; li Érico Veríssimo; li Jorge Amado e o irmão
James; li Josué Montello; li Viana Moog; li Clarice Lispector; li João
Lisboa; li os filósofos; e vou parar por aqui. Poesia li quase tudo,
daqui e de fora, pois, como disse, queria ser poeta. O chato é que
ainda preciso ler muito [estou lendo Agualusa]. E para falar a
verdade, gosto mais de ler do que escrever. E isso nem era a primeira
opção – que era a sobrevivência. Bom, chega. Para encerrar vou
rogar duas pragas pro Fernando: 1) jamais entrar na AML; 2)
escrever poesia igual Ledo Ivo. PS. Não entrou no Armário de
Palavras. Cáspite! Sei de outras crônicas tuas que também não estão
lá. Daqui a pouco vai sobrar material para mais um volume:
“Crônicas esquecidas”. Pode procurar que irás achar.
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Quincas, Espero que todos estejam bem, etc. etc. Enquanto escolhes
aí o vinho chileno para acompanhar o rango das reuniões de
domingo, eu me esbagaço aqui tentando salvar e passar da cabeça
pro papel esses contos antigos que achei entre papeis velhos e estão
grudados em mim quinem ostra na pedra. Aqueles mais antigos,
resolvi que não mexo nada – foram escritos num tempo que eu
queria escrever como escritor. Os de agora são do tempo que quero
escrever como contador de lorota. Se não boto as lorotas para fora
ficam me aporrinhando a vida toda, tipo 10 anos. Já estou
finalizando “O pianista da Rua da Carioca” e então faltará mais um:
“As velhinhas do Posto 6”. Aí vou juntar com aqueles outros, “O
catador de cocô”, etc. e faço um pacote. Quem sabe me animo a
mandar para alguma editora. De qualquer modo a internet é o
cemitério de todos os meus escritos. Dá notícia, sacana, não me
deixa aqui pensando besteira da saúde e da vida de vocês – que me
importa, sim.
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Quincas, li mais uma vez e acho que não mexo mais nesse conteco
(Farelos), a não ser que você me alerte sobre alguma coisa. Está
coerente, tem cronologia, boa sequência, deixa muitas dúvidas e
interrogações para o leitor resolver. Ah, vou tirar os números e o
título de Epílogo, que detalhei apenas para não me perder. Dou
quebra de página e pronto. Quero acabar “O Pianista”, que já tem
dois capítulos para ver se junto tudo numa antologia. PS: Aceitei
oferta do Banco para vender meu 13º salário. Pago tudo no fim do
ano com um ágio. Dureza é dureza. Além do mais o gerente disse que
se eu morrer não precisa pagar. Do jeito que as coisas andam
qualquer bife é filé. Se você se aperrear nos bolsos, vá lá – os juros
são mais baixos. E se morrer, não paga...
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Quincas, vai te distraindo aí. Por isso não queria pegar esse trabalho:
é pesquisa que não acaba mais. Passei um tempão tentando
descobrir quem era o Delegado de Polícia de Petrópolis em 1942 até
me dar conta que é informação inútil e que posso botar qualquer
nome. Merde! PS. Torrei meu tabuleiro e jogo de peças de xadrez.
Guerra é guerra!
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Quincas, este vai com objetivo certo. Ando faz tempo garroteado
com um débito de desculpas que te devo pedir. A conta pode ser
grande, mas esta é a que mais me tira o sono. Foi devido há certo dia
que trabalhávamos aí e fizeste menção a dinheiro e eu – mal
educadamente – atirei algo assim como: “Você só pensa em
dinheiro?” Foi grosseria grossa bem vi pela tua reação. Mas só
depois atentei nisso Na verdade só querias me ajudar e eu nem pus
reparo. Não é razão, mas a grosseria veio assim de modo natural
como a dizer que nada que faço para você merece retribuição em
dinheiro. É feito de vontade, por gosto, de coração. Tanto que fiquei
chateado você ter pedido àqueles meninos o trabalho dos sermões
maranhenses sem me falar nada. Fomos criados em ambientes
sociais distintos, daí eu ser uma besta quadrada como sou. Bom, o
que me tranquiliza é que amigo foi feito para perdoar amigo e como
somos amigos, me considero perdoado e dormirei mais leve, sem
esse peso na consciência. Bs abs em todos, saudades. PS. Peguei de
novo na escrita, enfim vou botar para fora: 1) Manual de instruções
para eliminar judeus; 2) O pianista da Rua da Carioca. Deste último
queria transferir a cena para a Rua Grande, mas demanda muita
pesquisa e não quero trabalhar nisso. Mas é interessante, tenho
pensado nisso. Você sabe se tinha alguma loja de instrumentos
musicais aí na Rua Grande (ou outra do centro velho)?
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Quincas primo querido. Sei que estás no Rio de Janeiro, mas desta
vez não te vejo. Muitos problemas. Estou quebrado no físico, na
alma e no bolso. Beijos em todos.
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Quincas. Escreves: “Os caras que vieram antes fizeram tudo de bom
que o gênio humano é capaz. Fizeram e deitam minados todos os
caminhos que alguém idiota é vaidoso pensa que pode trilhar sem
que a cabeça e os colhões explodam. Tá nas Escrituras: Não há nada
de novo sobre a terra”. Errou feio primo É preciso reescrever porque
os novos não terão condições nem capacidade de ler “os caras que
vieram antes”.
PS. Não esquece as castanhas de caju do Murillo. Xau!
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Quincas, ando num marasmo danado. Meu PC pifou, dei uma geral,
formatei e agora tá bom. Daqueles 40 contos achados no baú
consegui salvar uns 20, mas nem todos serão aproveitados. Deixo-os
na gaveta dormindo um pouco para depois reler, já sabendo que vai
ser uma trabalheira danada. É magnífico que algo escrito há 50 anos
tenha que ser refeito para ser melhor entendido – não é maravilhosa
nossa língua brasileira? O Vieira que o diga! Aliás, como estás
tratando os sermões? Depois daquele trabalhão movido a uísque
bem que tenho o direito de saber como anda. Fora isso, fico num
silêncio danado de suspeitoso porque sei o momento que tu vives,
muito preocupado com a saúde da tua querida esposa. Fiquei feliz de
saber que a doutora foi pros USA se aperfeiçoar – é uma menina
ligada no futuro. E sabe que em terra de cego Enfim, manda notícia
qualquer que seja. Bj. na careca do teu mano, o saudoso
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Quincas, bom dia (apesar de tudo). Julho chegou aqui com ares de
agosto, mês do desgosto.
1) O pai do Chico – avô do Calian – faleceu demente após 20 anos de
Alzheimer;
2) Missa de 30 dias do falecimento da irmã do Chico, tia do
Calian, em operação bariátrica mal sucedida;
3) As minhas gêmeas Pat e Pris finalmente estão desempregadas
juntas!
4) O condomínio assolou minhas contas com cota extra de 100
pratas até dezembro!
5) Estou sem gás por causa de um vazamento e enrolado nos custos
dos reparos e terceirização dos serviços;
6) O supermercado recusou uma nota de 2 reais porque estava
rasgada, emendada com durex;
7) Meu pau não levanta mais! Isso tudo às vésperas do aniversário
do neto. Arre! Vôte, Capiroto! Sai fora, urucubaca!
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Pelos títulos dos contos que te mandei dá para ver quais eram os
temas. Tem um grandão (Galdino) que era para ser romance. Tem
sinais autobiográficos. Tá todo cheio de notas, enredo, roteiro, etc. e
mais de 20 páginas. Pois vou deixar assim mesmo; roteirizado, com
mistura de texto corrido e tentar arrumar a cronologia. Não sei o que
fazer com os outros. Tanta coisa escrita à mão – não tenho saco de
digitar. Tem outro mais enorme que o grandão – feito tipo
reportagem. 40 pgs! Que vou fazer com isso? Trata do sarro que os
casais tiram em transporte coletivo (trem, ônibus, lotação), que
ocorria demais aqui. Fui achar referência em Casanova! Hoje tem
‘vagão de mulheres’ em horas de pico e a coisa arrefeceu. Ainda
acontece em viagem interestadual. Senti é que isso é meio de tornar
a viagem menos chata. Para mim era assim. Te abraço. PS: E o
Napo? Estará preso em Paris? Vê se socorre o teu amigo.
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Primo. Tens que publicar. Esse sobre a hora do pico, sugiro mudar o
titulo para A Hora da Pica, que tem mais apelo de marketing.
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* Cheguei bem. Fiz ótima viagem. Passei o dia sem fazer nada para
descompensar a cabeça de tudo que aconteceu de bom para mim.
Em casa reencontro o aperto $$ de sempre. Vou ao mercado e gasto
tudo o que me sobrou com um lanche cheio de coisas boas: pão,
queijo, presunto, salame, requeijão, iogurte, sucos. Fico duro, mas
feliz. Volto ao boteco para rever os bebedores de cerveja e tomar
uma geladinha. Todos sabem que estive 40 dias em São Luís
visitando parentes. Faço bazófia pelo fato de ter ficado otimamente
hospedado e de que ninguém me deixa pagar nada.
* Não nego que gosto disso: eu e Calian somos amigos desde o berço
e a primeira sílaba que ele gaguejou foi “vô” Defendo-o das agressões
da mãe, da tia, do pai e da avó. Ele também me defende: um dia
exigiu explicações da razão de eu dormir “na cozinha” (quarto de
empregada)! Gosto disso, mas não de modo egoísta a ponto de não
pensar que, por conta desse gostar, ele sofrerá muito quando eu
morrer. E fico pensando se vale a pena ser assim ou fingir ser durão,
caturro, e afastá-lo agora. Droga! Escolho ser assim: ele irá chorar
um bocado, mas ficará com boas lembranças.
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Quincas, estou me preparando para ir ao Galeão ao som da Heróica
de Beethoven. Ir em paz. Amanhã estarei aí contigo para passar
momentos prazerosos. E nada mais porque a vida só vale assim. Te
abraça o primo-ermão.
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II) Quando chegou não pôde evitar a rotina e passou pelo quarto
abandonado da finada. A cama larga, vazia vastidão de deserto, o
lençol de seda faiscando à meia luz, esfregando os olhos teve certeza
de ver Alzyra na cama desmaiada pelo cansaço. O corpo negro, os
braços entreabertos, os seios escapulindo da camisola acetinada
aberta na frente. De través dava para perceber a calcinha fio-dental
de tule, delicada rendinha adornando a parte frontal. Lusitano
delirava! E voltou a pensar que de fato tinha o dom de fazer o
pensamento se tornar realidade.
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Quincas, estou acabando de ler um velho Gorki antes de mandá-lo
ao lixo quando dou de cara com “O amor nos tempos do cólera” de
Gabriel Garcia Márquez. Para dar inveja às tapuiranas
sambentuenses, leio:
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Quincas. Sabe aquele poema Sabolin, do Fernando Braga? Ele me
mandou uma cópia “revisada pelo editor”. Lá pras tantas tinha o
verso “onde floresce” e mais depois tinha um “rescende” – aí me
acendeu a luz e disse comigo mesmo: flore[s]ce, mas não
re[s]cende. Ou seja: floresce e recende Não disse isso assim
detalhado a ele, mas alertei para consertar. No todo é um poema
bom, dos tipos que já não se escreve mais, regionalista com certa
universalidade. E passei a ele minha concordância com tua
justificativa de recusar texto para orelha, que iria disputar espaço
com o texto introdutório do Prof. José Fernandes, que está muito
bom e definitivo!
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A TABULETA
Joaquim Itapary
– Pois, então senhor doutor? Aqui lava e engoma, está errado, Dr.
Téo? atalhou o espanhol.
O certo é que três dias passados, entre papéis espalhados pelo vento,
chapéu e cachimbo ao lado, o corpo inerte e lívido do velho Mestre
Teogônio foi recolhido à porta da pensão na qual residira por mais
de vinte anos. Sobre o portal da entrada onde jazia o octogenário
mestre de tantas gerações, que ainda novo deixara os longínquos
sertões de Pastos Bons, onde nascera, nova tabuleta, bem maior que
a anterior, em grandes letras escarlates anunciava:
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Quincas, bom dia. Sei que não irei ficar naquela situação de ‘não ter
o que ler’, mas a antevéspera de limpar a minha estante trouxe a
lembrança de como é prazeroso ler. Sempre trago comigo agendado
escrever algo sobre isso: a alegria de ler. Agora que tenho lido e
relido tanto as tuas crônicas (mais que o ‘Hitler’) – imagina o tempo
que tive lendo e copiando também: dará uma soma danada de horas
– posso confirmar que atingiste aquele ponto final do escrever
correto. É claro, sabemos, que aqui e ali tem uma briga com essa e
aquela palavra, troca e inversão disso e daquilo, mas sempre
encontras a solução próxima do exato. Tenho vontade de dizer: não
há como ir além – mas não é de todo verdade. Essa admiração por
teus escritos é involuntária – já te falei – e deixa reflexos: acabo de
juntar alguns textos saídos em blog em 2014/2015 e reparo que estás
espalhado como autor e tema aqui e ali em oito (8) crônicas! 1) Onde
andará Willy Ronis?; 2) Comensais apressados; 3) Luar sobre
Panacoatyra; 4) Murillo Boabaid: 90 anos; 5) Nauro Machado; 6)
Joaquim Itapary, cronista por inteiro; 7) Valsa
para Joaquim Itapary e 8) Relato da viagem que fez o cronista
Quincas Oliveira à fermosa cidade carioca no ano de 2015.
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Pô! Quer largar do meu pé? Voltando à leitura, exijo como teu fã: vê
se acha ‘inspiração’ para escrever sobre essa ‘alegria de ler’ que falei
arriba. Sobre esse prazer, me vem à memória o Stefan Zweig (outro
‘calo’ que não sai do meu pé!). Quando rapaz, na primeira viagem
que fez fora da Áustria ele foi correndo procurar o seu ídolo, o poeta
belga Emile Verhaeren. O mais perto que conseguiu chegar foi de um
escultor que estava fazendo um busto de Verhaeren. Frustrado,
Zweig se despediu, quando a esposa do escultor o convidou para
ficar e almoçar. Era uma armadilha para saciar a sede do jovem,
porque logo depois chegaria Verhaeren que tinha hora marcada para
posar para o escultor. Zweig, que tinha devorado toda a obra de
Verhaeren, depois dedicou mais de dois anos para traduzi-la
totalmente ao alemão. Quando Verhaeren morreu, Zweig fez-lhe o
elogio fúnebre à beira do túmulo, prática usada até hoje. Amizade,
admiração, amor.
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Quincas, bom dia! Não tenho escrito para não te perturbar. Cá tive
maus achaques também. Faz dois dias acordei com uma dor danada
no ombro, vazando pelo peito (direito) e costas. Esperei arrefecer,
mas qual! Aí o pânico foi tomando conta: deve ser o tal infarto!
Deixei todo mundo dormindo, peguei o ônibus e fui ao hospital aqui
perto – que não me atendeu. Me mandou para outro lugar, também
perto e lá fui. Primeiros exames, segundos exames, a pressão tava lá
na estratosfera: 190 por alguma coisa. Nunca me deu pressão alta
assim. A dra. receitou e encaminhou para medicação. Me aplicaram
um coquetel contra dor e pressão com ordem de esperar de 30m a
1h. Fiquei na espera, deu tempo da turma toda almoçar, de uma
velhinha desmaiar e quase morrer, de minha vizinha expert em
clínica pública me contar uma porção de causos. Quando a Dra.
retornou a pressão tinha baixado para 14 x 8 e ela simplesmente me
mandou embora. Ufa! Que merda! E pensar que daqui para frente
será um bis disso tudo, igualzinho e eterno Te cuida, porque além
do mais tens de tomar conta da esposa.
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(Resposta): Maravilha, primo! Sabe que me deste material de prima
para o meu artigo da próxima quinta. Manda mais, que meu
trabalho se reduz. Beijos, alegrias. Quincas
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Quincas, Saiu a programação dos blocos de Carnaval do Rio de
Janeiro. Avisa a rapaziada! Programação:
Sábado: Espanta neném – Corte Cantagalo; Imprensa que eu gamo
– Mercadinho São José de Laranjeiras; Domingo: Calma, calma sua
piranha – Botafogo; Sábado: Xupa mas não baba – Laranjeiras;
Pinto sarado – Morro do Pinto, Santo Cristo; Simpatia é quase amor
– Pç. Gen. Osório; Deixa a língua no varal – Barão de Mesquita,
Tijuca; Domingo: Suvaco de Cristo – Jardim Botânico; Escravos da
Mauá – Largo da Prainha, Pç. Mauá; Quem num guenta bebe água –
Laranjeiras; Se não quiser dar, empresta – Vinícius de Morais com
Vieira Souto; Larga a onça, Alfredo – Laranjeiras; Quarta:
Discípulos do Oswaldo – Fiocruz, Manguinhos; Samba brilha – Bar
escadinha, Cinelândia; Quinta: Bonde do Samba – Estação do bonde
no Largo da Carioca; Loucura suburbana – Engenho de Dentro;
Sexta: Bloco das Carmelitas – Pensão das Carmelitas, Santa Teresa;
Boca que fala – Palácio da Cultura, Centro; Vem ni mim que sou
facinha – Pç. Gen. Osório, Ipanema; Eu sou eu, jacaré é bicho dágua
– Quadrilátero do álcool, Vila Isabel; Rola preguiçosa – Maria
Quitéria, Ipanema; Boêmios da Lapa – Largo da Lapa;
Embaixadores da folia – Rua São Bento com Rio Branco; Sábado:
Embaixadores da folia (Alvorada) – Rua São Bento com Rio Branco;
Céu na terra – Largo do Curvelo, Sta. Teresa; Cordão do Bola Preta –
Cinelândia; Dois prá lá dois prá cá – Botafogo; Bloco do camelo –
Paquetá; Sassaricando – Praia do Russel, Glória; Empurra que pega
– Delfim Moreira, Leblon; Barbas – Arnaldo Quintela, Botafogo;
Carioca da gema – Lapa; Cordão do Bola Preta – Coreto da Pç.
Harmonia; Azeitona sem caroço – Dias Ferreira, Leblon; Domingo:
Cordão do boitatá – Pç. XV, Centro; Laranjada samba club – Gen.
Glicério, Laranjeiras; Que merda é essa? – Garcia d’Ávila +
Nascimento Silva; Comuna que pariu – Cinelândia; É de pirarucu –
Mal. Hermes; Gargalhada – 28 de setembro, Vila Isabel; Cachorro
cansado – Pç. José de Alencar, Catete; Simpatia é quase amor –
Gosório, Ipanema
Maracangalha – Cobal do Humaitá; Segunda: Corre atrás – Dias
Ferreira, Leblon; Volta, Alice – Rua Alice, Laranjeiras; Bloco de
segunda – Cobal do Humaitá; Os infiéis – Pç. Tiradentes, Centro;
Flor do sereno – Posto 6, Copacabana; Terça: É tudo ou nada! –
Humaitá; Se me der eu como – Dr. Satamini, Tijuca; Empurra que
pega – Delfim Moreira, Leblon; Largo do machado, mas não largo
do copo – Largo do Machado; Meu bem, volto já – Barata Ribeiro,
Copacabana; Só para ver o que vai dar – Arnaldo Quintela; Cachorro
cansado – Pç. José de Alencar, Catete; Quarta: Me beija que sou
cineasta – Gávea; Planta na mente – Lapa; Quinta: Voltar para quê?
– Cinelândia; Sábado: OBA = Os Bons Amigos – Pedra do sal, Pç.
Mauá; Bafafá – Areia do posto 9, Ipanema; Berço do samba – Trav.
Mosqueira, Lapa; Domingo: Condomínio Barangal – Posto 9,
Ipanema; Concentra mas não sai – Vila Isabel; Piranhas do
Cachambi – Cachambi; Monobloco – Pç. XV, Centro.
E mais: Bis de vários blocos até o carnaval acabar. abrs bjs Saloca
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Quincas, Lembrei-me do nome do documentário sobre o “bois du
brèsil”: Chama-se “A árvore da música”. Já fotografei a pitombeira.
Falta tirar foto do telefone – depois te mando.
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Anexo:
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Salomão Rovedo (1942) teve formação cultural em São Luís (MA), desde a década de 1960
reside no Rio de Janeiro, onde participou dos movimentos culturais e artísticos dos anos
1960/1970/1980.
Textos publicados: Abertura Poética, 1975; Tributo, 1980; 12 Poetas Alternativos, 1981; Chuva
Fina, 1982; Folguedos, c/Xilogravuras de Marcelo Soares, 1983; Erótica, c/Xilogravuras de
Marcelo Soares, 1984; 7 Canções, 1987.
e-books:
Romances: A Ilha; Gardênia; Klara, Chiara, Clarinha; Geleia de rosas para Hitler (inédito).
Contos: A apaixonada de Beethoven; A estrela ambulante; Arte de criar periquitos; O breve
reinado das donzelas; O sonhador; Sonja Sonrisal; Contos remidos;
Ensaios: 3xGullar; Leituras & escrituras; O cometa e os cantadores; Orígenes Lessa,
personagem de cordel; Poesia de cordel: o poeta é sua essência; Quilombo, um auto de
sangue; Viagem em torno de Cervantes; Stefan Zweig - A vida em xeque.
Poesia: 20 Poemas pornôs; 4 Quartetos para a amada cidade de São Luís; 6 Rocks matutos e 1
romance rasgado; 7 Canções; Amaricanto; Amor a São Luís e Ódio; Anjo pornô; Bluesia;
Caderno elementar; Espelho de Vênus; Glosas Escabrosas (c/xilogravuras de Marcelo Soares);
Mel; Pobres cantares; Porca elegia; Sentimental demais; Suíte Picasso.
Crônicas: Cervantes, Quixote e outras e-crônicas do nosso tempo; Diários do facebook e
conversas com Quincas Oliveira (I) e (II); Escritos mofados; Diários do facebook (II); Diários do
facebook (III).
Antologias: Cancioneiro de Upsala (Trad. e notas); Meu caderno de Sylvia Plath (Cortes e
recortes); Os sonetos de Abgar Renault (Antologia); Stefan Zweig-Pensamentos (Seleção e
ensaios).
e-books de Sá de João Pessoa: Antologia de Cordel #1; Antologia de Cordel #2; Antologia de
Cordel #3; Antologia de Cordel #4; Antologia de Cordel #5; Macunaíma em cordel; Por onde
andou o cordel?; O Cometa de Halley e os cantadores.
Diversos: Folhetos de cordel assinados Sá de João Pessoa; Editor do Jornal de poesia Poe/r/ta;
Colaboração: Poema Convidado (USA), La Bicicleta (Chile), Poética (Uruguai), O Imparcial (MA),
Jornal do Dia (MA), Jornal do Povo (MA), Jornal Pequeno (MA), A Toca do (Meu) Poeta (PB),
Jornal de Debates (RJ), Opinião (RJ), O Galo (RN), Jornal do País (RJ), DO Leitura (SP), Diário de
Corumbá (MS) – e outras ovelhas desgarradas.
Os e-books estão disponíveis em: www.dominiopublico.gov.br, em: www.academia.edu e
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