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E. Nicoll
“Morrer... dormir... dormir... sonhar talvez, quem sabe? Ah! Aqui está
a dúvida! Pois que sonhos podem sobreviver naquele sono da morte, depois
de nos termos libertado deste bulício mortal?
“Eis o que nos obriga a fazer pausa: eis a reflexão, de que procede a
calamidade de uma vida tão longa. Com efeito, quem suportaria os açoites e
os escárnios da vida, a injustiça do opressor, a contumélia do orgulhoso, os
tormentos do amor desprezado, as dilações da lei, a insolência do poder, e os
maus tratos que o mérito paciente recebe de criaturas indignas, podendo com
um simples punhal outorgar a si mesmo a tranqüilidade? Quem quereria
sopesar o fardo, gemer e suar debaixo de uma vida pesadíssima, se o temor
de alguma coisa depois da morte - o desconhecido país de cujas raias nenhum
viajante ainda voltou, - não nos dominasse a vontade, e não fizesse antes
padecer os males que sofremos, do que voar para outros que ignoramos?
Assim a consciência torna-nos covardes, assim o fulgor natural da resolução é
amortecido, pelo pálido clarão do pensamento e assim empresas enérgicas e
de grande alcance torcem o caminho e perdem o nome de ação...”
Por isso as grandes dores, os grandes sofrimentos foram feitos para as
grandes almas, porque só estas o podem compreender e suportar.
Mas, para progredir, o homem luta, emprega a sua energia e por isso
todos nós somos, a cada instante, uma fonte constante de efeitos porque
pensamos, sentimos e agimos, isto é, a cada instante desenvolvemos forças
no plano físico por nossas atividades, emitimos desejos e sentimentos no
plano astral e pensamentos no plano mental. Vivemos simultaneamente em
três planos ou mundos, que envolvem o nosso planeta minúsculo. Há, pois,
um tríplice aleito nas ações humanas. Tudo que fazemos foi antes um desejo
que gerou um pensamento, e que, por sua vez desenvolveu uma ação física.
Há dois poderes que lutam dentro de nós: a animalidade com todo o
seu passado de desejos gerados em vidas anteriores; e a espiritualidade que,
apenas nascente no homem, desperta os pensamentos de amor, de renúncia e
resignação.
Enquanto a vontade humana não tiver ação coercitiva bastante sobre
os impulsos desordenados do corpo astral que é o corpo dos desejos (kama),
o homem mais se assemelha ao animal, acostumado a seguir seus próprios
instintos. Quando atma vai esclarecendo manas, quando a vontade domina
pouco a pouco as vibrações inferiores pela indiferença e pela renúncia, o
homem-animal transforma-se no homem-espiritual.
“Mas, que é, Senhor, o que incita o homem a pecar, mesmo contra sua
vontade, como se estranha força o impelisse?” Responde Krishna: “É o
desejo, é a cólera nascida da qualidade passional que tudo corrompe e tudo
consome. Aí tendes o inimigo do homem sobre a terra”.
Dizem todos os Mestres da Teosofia, que não é fora de nós que
encontraremos a Verdade. Fora de nós só há ilusão e movimento que é uma
das formas da ilusão. Para conhecer isto o homem deve conhecer-se a si
mesmo: “Conhece-te a ti mesmo, que conhecerás o Universo e os Deuses”.
Este adágio nos recomenda simplesmente o conhecimento real de nossa
natureza espiritual. E foi com a mesma intenção que o Grande Mestre, o
Cristo, pedia aos seus discípulos que procurassem o reino de Deus neles
mesmos.
O homem, procurando a razão de ser das coisas e da vida, solta esta
exclamação: Por que o sofrimento?
Chocai um corpo: sua resistência é a reação que ele opõe ao vosso
golpe.
O bilhar é um jogo baseado nas ações e reações das bolas, com a
tabela. Se quisermos um determinado efeito, devemos chocar a bola de uma
certa maneira especial. É a lei. Mas, que é a Lei?
O karma é a lei que nos coloca aonde devemos estar para progredir,
deixando-nos o nosso livre arbítrio, a nossa liberdade de escolha.
Na matéria física há uma força que parece ser a sua verdadeira raiz: a
eletricidade. Mas ninguém sabe o que é a eletricidade, e nem o magnetismo,
que dela deriva por indução.
Por estas rápidas palavras verificamos que tudo obedece na natureza a
uma ordem que é regulada pela Lei.
Se assim não fosse não poderia haver Ciência, não poderia haver
previsão. E tão perfeita é esta regularidade na sucessão de causas e efeitos
dos fenômenos naturais, que o astrônomo prevê com antecedência de anos e
de séculos, a data exata de um eclipse, sem erro de segundos de tempo.
Dizemos mais que as Leis naturais são invioláveis porque a relação de
causa e efeito não pode ser modificada.
O homem modifica essas energias ao seu sabor criando o seu próprio
karma. Devemos pois, compreender que o karma nada mais é que a ação e a
reação agindo ativamente em todos os planos da natureza; e que a reação é
da mesma natureza que a ação.
Estudemos o caso de uma pessoa que comete uma falta, com boa
intenção. Esta ação manifesta-se em três planos: físico, astral e mental.
Portanto vão se manifestar três reações correspondentes.
A reação mental agirá sobre o seu corpo mental, sobre o seu caráter,
que progride graças à boa impulsão recebida. A reação astral despertará uma
boa emoção e sentimentos que lhe fornecerão ocasião de exercer mais tarde o
desejo de fazer o bem. A reação física será dolorosa, e despertará um
sofrimento que o corrigirá da inadvertência cometida. É assim que o karma
age, cada reação seguindo invariavelmente sua respectiva ação em cada
plano correspondente.
Não há, pois, nem castigo, nem recompensa, vindos de qualquer poder
exterior; há apenas o resultado lógico daquilo que o homem fez, disse e
pensou na vida terrena.
Considera-se o karma como uma coisa que reage sobre nós, e isto é
verdade; mas, é preciso compreender que se não trata de uma massa inerte
que vem cegamente chocar-se contra o homem, esmagando-o, paralisando-o,
aniquilando-o. Não. O homem pode modificar esta ação kármica porque o
esforço vale mais do que o destino, como disse Bhisma no Bhagavad Gita.
Diziam os Gregos que três fadas misteriosas fiavam o cordão da vida, o
cordão do destino de cada homem.
É muito comum ouvir-se falar na Parca quando nos referimos à morte.
As três fadas são as três Parcas que, inexoráveis na sua faina, não
poupavam a ninguém. As Parcas, eram, segundo a Mitologia, as divindades
dos infernos, senhoras da vida do homem do qual elas teciam sinistramente a
trama. Chamavam-se Clothos, Lachesis e Atropos. Clothos, que presidia ao
nascimento, trazia na mão uma roca, Lachesis que trazia o fuso distribuía o
destino e Atropos, a tenebrosa, que cortava, o fio da vida. Uma fiava, outra
distribuía e a última cortava o fio do destino humano.
A mais importante, a primeira das fadas, a fiandeira sutil que vai
girando a roca do nosso destino, a mente, esta criadora do mal, tecedeira das
ilusões, matriz da separatividade, a mente que, não sendo dirigida pelo
discernimento nos conduz ao precipício, eis a primeira fonte do karma. Por
isso a Teosofia nos ensina “O pensamento cria o caráter.”
Por isso se diz “no que o homem pensa, nisto se torna”. Nascemos
com o caráter que edificamos pelo pensamento em nossas vidas anteriores. É
uma limitação. Admitamos que tenhamos nascido sem gosto pela matemática,
mas com grande propensão para a música. Isto quer dizer que em vidas
anteriores, formamos o nosso gosto musical, educamos a mente no estudo
dos sons e da harmonia, mas que o raciocínio lógico, o hábito de deduzir e
calcular, que a matemática desenvolve, ainda não conseguimos despertar. Eis
o karma. Enquanto certa pessoa, com a simples leitura de um teorema de
Geometria, acha-se disposta a reproduzir a demonstração, outra só depois de
um aturado labor de muitas horas, consegue reproduzir a dedução.
Para compensar essa falta de aptidão devemos procurar fazer tudo
sempre da melhor maneira possível, vencendo as resistências criadas pelo
karma.
Alguém perguntou a Newton como foi que ele conseguiu descobrir a
grande lei da gravidade universal. “Pensando sempre”, respondeu o filósofo.
Todo pensamento que emitimos, qualquer ato nosso, altera de certo
modo e equilíbrio do Universo e esta perturbação se restabelece pelas reações
que o homem recebe conto recompensa.
Devemos pois, guardar esta profunda verdade que “toda causa tem
seu efeito; todo o efeito teve sua causa; tudo acontece de acordo com a Lei”.
O acaso não existe. Acaso é o nome com que a presunção encobre a sua
ignorância.
A LEI DO KARMA
II
Quem estuda a história greco-romana não pode deixar de estranhar
como povos de uma superior cultura em todos os domínios da inteligência se
contentassem com um amontoado de mitos inverossímeis, de legendas
grandiosas umas, outras imorais que constituam a doutrina religiosa oficial
das duas nações que mais se excederam na antiguidade clássica.
Ora, observemos que é quando Proserpina se baixa para Narciso que
ela é empolgada pelo Desejo (Plutão) o rei dos mundos inferiores. E é com
esforços e sacrifícios inauditos que sua mãe Ceres consegue finalmente
arrancá-la ao cativeiro, embora a filha seja obrigada a passar metade de sua
vida nos mundos inferiores, e a outra metade nos mundos superiores, isto é,
parte nas encarnações sucessivas e parte fora delas, pois só assim consegue
o homem libertar-se dos liames do Desejo.
Karma atual ou maduro é aquele que está prestes a ser esgotado, o
que pagamos nas nossas ações diárias, a dívida do passado que devemos
saldar no momento presente.
De todo o karma do passado, apenas uma porção pode ser esgotada no
decurso de uma existência. Os senhores do karma escolhem, de tudo que
amontoamos de bom e de mau no passado, uma pequena porção. Do karma
acumulado, eles retiram o karma atual, também chamado ativo ou maduro,
ficando em reserva certa quantidade que se esgotará em vidas posteriores.
Mas, por que os Senhores do karma escolhem apenas certa parte do
karma acumulado? Porque há certas modalidades de karma de tal forma
incompatíveis entre si, e às vezes em tão grande número que exigem vários
corpos de tipos diferentes para a mesma individualidade. E também há
dívidas contraídas para com muitas almas, e todas estas almas nem sempre
se encontram na mesma encarnação.
Vamos contar uma pequena história para mostrar que, após a vida
física, em pleno mundo astral podemos esgotar o nosso karma às vezes bem
pesadamente.
Dois amigos viviam juntos, atraídos por sincera amizade. Eram ambos
membros de uma tribo árabe, valentes, destemidos, sempre prontos às
arrancadas guerreiras e às tropelias pelo deserto, em busca de aventuras.
Não o matou imediatamente; mas por uma infame traição e por falsas
informações, conduziu o amigo a uma tribo inimiga, onde este encontrou
morte certa.
Pouco tempo depois, a moça, que jamais gostara tanto de um como do
outro, deu sua mão a um terceiro guerreiro, e o assassino, esmagado pelo
crime inutilmente praticado, dominado pelo remorso, suicida-se.
O que fora vítima morrera com os melhores sentimentos, julgando que
o seu amigo o defendera até o último instante, mas que conseguira salvar-se,
enquanto que ele fora morto pelo seu mau destino. O assassino, ao contrário,
de natureza mais grosseira, trabalhado pelo peso do crime, julgava que o
amigo morrera certo da sua infâmia.
Há, pois, uma grande variedade de karmas, mas lembremo-nos sempre
que os nossos atos cotidianos geram as nossas vidas futuras. Somos como os
prisioneiros que forjam as próprias cadeias, ou como os escultores que
talham a própria estátua. À semelhança da aranha que tece a própria teia,
assim tecemos nós o nosso destino. Cada ato contém a sua própria
conseqüência; cada pensamento ou sentimento gera uma série interminável
de efeitos dos quais nem sempre podemos conceber o fim. Já vimos que o
homem é um pensamento em ação, o caniço pensante de Pascal; mas
podemos acrescentar que “qualquer que seja o grau de nossa consciência
esse é o justo salário do nosso trabalho evolutivo”. Estas limitações à nossa
consciência são impostas pelo karma.
Vamos estudar outro exemplo onde se vê como o karma opera na vida
cotidiana: tal é o caso da criança que morre deixando os pais inconsoláveis.
Tais perguntas, diz Annie Besant, nos são feitas constantemente; e
para responder a esta, fui obrigada a ler uma vida passada dos pais, e aí
procurar como e porque o karma os feriu assim de maneira tão dolorosa. É
que, na encarnação precedente este mesmo casal possuía três ou quatro
filhos, e um irmão, suponho que do Pai vindo a falecer, deixou um pequenino
órfão que não tinha outros parentes senão seu tio e sua tia. Estes tomaram
conta da criança, embora profundamente contrariados; mas longe de se
mostrarem bons para com ela, fizeram-lhe passar por duras privações, mal
alimentando, mal tratando e finalmente transformando-a em criado da
família. Foi de tal ordem o tratamento que o pobre órfão morreu na idade de
17 anos, possuindo embora um coração afetuoso.
Ora, foi esta mesma criança que na atual encarnação lhes voltou como
filho único. Sobre sua cabeça os pais desvelados colocaram todas as suas
esperanças, cercando-o de todo o seu amor. Mas, o karma inexorável,
precisamente, matematicamente, na idade de 17 anos - a mesma da
encarnação precedente - arrebatou-o dos braços paternos; e o lar tornou-se
um deserto.
A morte das crianças constitui uma das questões mais perturbadoras
que a vida nos apresenta. O sentimento causado pela perda destes
pequeninos seres traz a desolação a muitos corações; e mais de uma voz tem
exclamado: “Para que serve uma vida assim ceifada tão cedo?”
A teoria católica, procurando consolar aos que perdem seus filhos
amados, afirma que a criança que foi batizada e que morreu antes de ter
conhecido o pecado, vai diretamente para o céu, para a eterna beatitude, e
assim por uma morte prematura pode obter grande privilégio sobre os que,
por terem vivido longos anos, arriscam-se a irem para as chamas eternas do
inferno. Mas, para nós estudantes de Teosofia esta explicação não satisfaz.
Sabendo que a Divindade tudo prevê e tudo pode - por ser onisciente e
onipotente - como admitir-se que Deus faça as almas, destinando umas ao
inferno e outras ao paraíso? Vamos estudar, com outro exemplo, interessante
caso de morte prematura.
Para o mais velho esta filosofia pitagórica que outra não era senão a
nossa atual Teosofia, constituía a sua maior preocupação, a única razão da
sua vida, O mais velho passava seu tempo no estudo destes problemas
espirituais e consagrava-se inteiramente aos mistérios onde era iniciado. Para
o mais moço esta filosofia era o ponto importante da sua vida, mas
acrescentava outra grande preocupação: a posse de uma faculdade artística,
porque, ele foi um dos principais escultores da sua época na Grécia.
Naturalmente a prática da sua arte reclamava grande parte do seu tempo,
deixando-lhe poucos vagares para os estudos espiritualistas. A vida dos dois
irmãos era das mais felizes, e assim sempre unidos viveram até avançada
idade.
Com efeito, o mais moço voltou à terra no começo do século XVI, no
período da Renascença das artes; e seu irmão tinha na sua frente três séculos
de vida celeste tal a soma de energias espirituais, por ele acumuladas, em
suas existência na Grécia.
A dificuldade foi resolvida da maneira mais simples: o mais moço foi
autorizado a reencarnar-se na Europa. Seu temperamento artístico
manifestou-se na mais tenra infância, embora desta vez em direção diferente.
Em vez de escultura foi a arte da gravura que adotou, como fizera seu pai
antes dele. Desenvolveu esta arte com grande habilidade e gênio, quando de
repente uma epidemia, muito comum na Idade Média, levou-o do plano físico
ainda não tendo completado 20 anos.
Em sua curta vida, o jovem não pôde desenvolver senão uma soma de
energias espirituais comparativamente limitada, sendo, por isso sua vida no
plano mental muito curta; e foi assim que ele veio a reencarnar-se no meado
do século passado três anos depois do nascimento daquele que foi seu irmão
mais velho na Grécia Antiga. Assim, novamente reunidos, vieram aumentar as
fileiras dos soldados pacíficos da Teosofia.
Este exemplo nos mostra que o Karma sabe o que faz, e que a morte
prematura, dolorosamente inexplicável para quem ignora a Teosofia, pode
trazer grandes benefícios para a evolução da alma. Admitamos que uma
criança meiga, cheia de afeição, de natureza profundamente amorosa, venha
a nascer no seio de uma família cujos pais dentro de pouco tempo se
encaminham pela senda do vício. Esta criança, não podendo encontrar
ambiente favorável ao desenvolvimento das suas qualidades espirituais é
como a semente valiosa perdida em terreno sáfaro e agreste e que não pode
medrar. Os Senhores do Karma cortam-lhe o fio da existência.
Assim, o mistério da morte das crianças, este karma tão pesado para
os pais, tem explicação razoável em Teosofia
Ainda há um caso interessante estudado por Leadbeater:
Mas, ao observarem com mais atenção, um fato veio mostrar que os
Senhores do karma não se haviam enganado. É que os pais da criança, antes
de terem conhecimento da Teosofia, eram livres pensadores, mas este
conhecimento aos lhes ser apresentado, eles e toda a família o adotaram
imediatamente e assim o meio tornou-se favorável para que novamente se
manifestasse o menino que veio a ser um dos grandes batalhadores da causa
teosófica.
Já disse que um grande ódio, como um grande amor, gera grandes
causas kármicas.
Vamos contar a formação de laços kármicos entre dois grandes seres
muito conhecidos na Sociedade Teosófica.
Pouco tempo depois da sua nomeação a este cargo, o novo capitão
teve ocasião de provar sua fidelidade para com aquele que nele depositava
tanta confiança. Um dia, enquanto o capitão passeava com o jovem príncipe
nos jardins do palácio, um grupo de conspiradores precipita-se sobre eles e
tenta assassinar o príncipe.
O capitão, embora só contra forças tão superiores, luta com bravura e,
mortalmente ferido, consegue salvar o príncipe que perdera os sentidos.
Ambos socorridos foram conduzidos diante do Rei que, voltando-se para o
capitão moribundo disse: “Que posso fazer por vós que destes vossa vida por
mim?”
Vamos dar outro exemplo para mostrar, que o auxílio pode vir também
dos mundos invisíveis. Todo o estudante de Teosofia sabe que o primeiro
passo que devemos dar para progredir é a dedicação ao trabalho astral como
auxiliar invisível.
O mundo invisível nos cerca. Aqui em torno de nós estão os que
sofrem, os que deixaram a vida de maneira violenta, os desesperados de
salvação, os que penetraram no mundo invisível iludidos por falsas
informações de sacerdotes ignorantes, os suicidas, as vítimas de acidentes,
tão comuns na vida moderna.
A pobre criança quebrara o braço e a perna, mas o pior era um golpe
profundo na coxa de onde o sangue jorrava fortemente.
Mas, para este trabalho era necessário um corpo físico, e ambos
estavam em corpo astral. Houve necessidade do mais velho materializar o
mais novo para poderem agir com mãos físicas a fim de apertar as ataduras e
estancar o sangue que corria.
Cyril amarrou a gravata do menino com pedaços da camisa, e o sangue
parou. O ferido tendo recobrado os sentidos, levantou os olhos e viu aquela
pequena forma luminosa curvada para ele, deixando escapar dos seus lábios
encantador sorriso. E o menino deslumbrado perguntou: “Sois um anjo?” -
"Não; sou apenas um rapaz que vem em teu socorro."
O outro auxiliar partiu em seu corpo invisível para avisar a mãe do
menino. Procurou impressionar a mente dela até que a mulher, de natureza
grosseira e pouco impressionável exclamou: “Não sei o que sinto, mas acho
que devo ir procurar meu filho”. Partiu dirigida inconscientemente pelo
auxiliar invisível, e quando se aproximava do menino, Cyril desapareceu
subitamente.
Quando não temos que passar por determinada provação, qualquer
coisa surge que nos desvia do precipício. No caso citado é provável que um
auxiliar invisível tomasse a si salvar a criança, cumprindo assim os ditames
dos Senhores do Karma.
Em caso nenhum o homem pode sofrer pelo que não praticou; e muito
menos os filhos pagarem pelo que os pais fizeram. Não nos parecemos com os
nossos pais porque somos seus filhos; mas sim, porque as necessidades
kármicas, as semelhanças de destino, as aptidões que os pais possuem em
fornecer um corpo físico ao ser reencarnante, tudo isto facilita as
aproximações entre os indivíduos. Perguntaram ao Senhor Buddha, se ele não
poderia resgatar as faltas dos seus discípulos; ao que ele respondeu: “Nunca;
nenhum. homem pode ser salvo por outro.
O homem é seu único legislador, seu próprio juiz, o único senhor do
seu destino. Ele se pune, e a si mesmo se recompensa. Exerce, no círculo de
sua própria vida, uma realeza sem limites. O que o prende à roda dos
renascimentos é o desejo; e o domínio do mental; eis o segredo da redenção
humana. Porque é tanto menos governado aquele que mais se governa.
CESSÃO DO KARMA
III
O homem cava a terra, planta, semeia colhe para transformar todo
esse esforço em metal sonante.
“Em torno de nós vemos todos trabalhar para alguma coisa, movidos
pelo interesse e pelo desejo, impelidos pela ambição”.
Mas, porque tem havido grandes seres que se destacam da multidão
ambiciosa, os santos tais como São Francisco de Assis e Santa Tereza de
Jesus? Porque estes não são movidos pelo interesse, nem desejam coisa
alguma!
Como vemos, não é o temor do inferno, nem a ambição do céu que
impelem Santa Tereza na sua ação terrestre. Ela nada deseja, nem na terra
nem nos céus. É o amor altruísta a verdadeira renúncia, o desprendimento
completo das preocupações de recompensa além da morte.
Bossuet, falando de São Luiz diz: “O amor de Deus animava todas as
suas ações e ele louvava muito o dito de uma mulher que fora achada na
Terra Santa, tendo um facho aceso em uma das mãos, e na outra um vaso
cheio d’água; a qual, sendo interrogada sobre o que ela pretendia fazer com
isso, respondeu que queria pôr fogo no paraíso e apagar o fogo do inferno, a
fim de que, dizia ela, de ora avante os homens sirvam a Deus somente pelo
amor”. Isto recorda o pensamento de uma outra santa católica - “Meu Deus,
se eu te adoro pelo temor do inferno, faze-me queimar nesse inferno: se te
adoro na esperança de ir para o céu, exclui-me deste céu; mas se te adoro só
por ti mesmo, não me ocultes tua eterna beleza”.
O desejo dos frutos das ações, a recompensa que esperamos por tudo
o que fazemos, desperta a alma a cada instante à atividade, embora forjando
novas cadeias kármicas.
Todos nós sabemos a história de Fernão Dias Paes Leme, o heróico
paulista, o destemido bandeirante que, abandonando família, conforto,
tranqüilidade, penetrou pelo interior do Brasil heroicamente em busca das
sonhadas esmeraldas. Anos, muitos anos, levou desbravando sertões incultos,
florestas virgens, lutando com o índio bravio, vadeando rios caudalosos,
dominando sedições da própria gente, vendo dia a dia seus companheiros
dizimados pelas febres, devorados pelas feras, mas sempre embalado pelo
sonho verde das esmeraldas.
Nada conseguiu depois de muitos anos; mas uma coisa ficou de sua
louca ambição: o conhecimento do nosso sertão. Foi ele o semeador de
cidades, o grande povoador dos nossos sertões. Assim, impelido por um
móvel egoísta e subalterno, ele cooperou no entanto na grande obra da
civilização brasileira.
Por isso, quando o homem aspira libertar-se dos liames do desejo, e
procura elevar seu pensamento a mais nobres ideais, sente necessidade da
renúncia aos frutos da ação, e assim muda sua atitude mental, modifica as
intenções que o conduzem à ação.
Mas, esta atitude não impede que continuemos a trabalhar,
despendendo o mesmo esforço anterior. Todo o teosofista tem o dever de
conhecer o célebre aforismo da “Luz no Caminho”:
O melhor comentário é o Bhagavad Gita que nos diz: “Para o homem
que se deleita no Ego, e está contente no seu Ego, este não tem mais nada a
fazer neste mundo”. “Nem a ação, nem a inação, o prendem, nem depende de
criatura alguma deste mundo. Portanto, cumpre a tua ação sem apego ao
resultado, pois o homem, que cumpre o seu dever sem apego, alcança o
Supremo. Procura agir lembrando-te que o teu fim é o serviço do Mundo".
KARMA
PREFÁCIO
Cada esforço é pago pela aquisição duma faculdade no ramo em que se
produz. Assim se explica que tal criança nasce com a faculdade da música,
outra com a do desenho, e que uma terceira tenha o gênio das matemáticas.
Os budistas nos diriam que tais dons não são obra do acaso, nada é devido ao
acaso; que eles são a justa recompensa de trabalhos assíduos feitos em vidas
anteriores à atual. Igualmente crêem que as más como as boas ações são
entidades vivas como o nosso pensamento; que essas ações engendram
outras, e que tudo se paga nesta ou nas outras vidas seguintes.
É esta dívida inelutável que eles qualificam com o nome de karma.
Segundo eles, nós mesmo tecemos cada uma das nossas vidas, boas
ou más.
Por que este é inteligente, belo, rico, enquanto aquele sem motivo
aparente, é ignorante, feio, pobre e fraco?... Os asiáticos, discípulos de
Buddha, nos diriam que os karmas são diferentes, porque eles os teceram
diferentemente nas precedentes encarnações. Consideram que são senhores
de suas vidas futuras, e têm, nesta a recompensa ou a punição das que
viveram anteriormente.
Foi nessa época remota que um joalheiro chamado Pandu, viajava de
carruagem na estrada de Baranasi, posteriormente chamada Benares; tinha
sido feliz nos negócios e importante era a sua fortuna, mas econômico,
viajava, acompanhado apenas de um escravo, que lhe servia de cocheiro e
tratava dos cavalos.
Pela marcha dos animais, via-se que ele tinha pressa de chegar ao seu
destino; os cavalos alargavam o passo e corriam, apesar da beleza da
paisagem aumentada pela doçura do ar, que uma tempestade tinha
refrescado.
Ele também ia a Baranasi, e, para vender seu arroz era urgente que
chegasse à cidade no dia seguinte pela manhã. Um dia ou dois de demora
causar-lhe-ia o maior prejuízo; os negociantes de arroz podiam deixar a
capital, depois de terem comprado todo o arroz de que necessitassem.
Quando o joalheiro viu que não poderia prosseguir sua viagem senão
depois que a carreta de Devala ficasse consertada, impacientou-se e ordenou
ao seu escravo Mahaduta empurrasse a carreta para o lado, para que sua
carruagem pudesse passar. O lavrador procurou convencer que esse
movimento sobre o declive do fosso, na ourela da estrada, descarregaria toda
a sua mercadoria; porém o brâmane a nada quis atender e ordenou Mahaduta
virar a carreta e empurrá-la para o lado. O escravo, notavelmente forte, era
dos que se sentem felizes com a desgraça alheia e obedeceu ao seu Senhor,
antes que o Samana pudesse intervir.
Logo que Pandu pôde continuar sua viagem, o monge saltou da
carruagem e lhe disse:
- Desculpai-me, senhor, se vos deixo aqui, fico muito obrigado pela
bondade que tivestes, conduzindo-me convosco durante uma hora no vosso
carro. Estava fatigado quando me encontrastes na estrada; agora, graças à
vossa cortesia, estou descansado e reconhecendo no lavrador a encarnação
de um dos vossos antepassados não posso melhor agradecer a vossa bondade
do que vos ajudando nesta emergência.
O trabalho ia ligeiro e Devala pensou: este Samana deve ser um santo
homem; devas invisíveis parecem ajudá-lo. Se eu lhe perguntasse porque
mereci o mau trato desse orgulhoso brâmane?
- Meu amigo, disse o Samana, você não sofre uma injustiça mas
recebe, no estado presente desta existência, o mesmo tratamento que
infringiu ao brâmane numa existência anterior; Você colhe o que semeou; sua
vida atual é o produto das suas ações de outrora. Não é mais do que o karma
das suas vidas passadas.
Eis o que somos: uma acumulação contínua de heranças, de ações que
são modificadas por novas experiências e novas ações. Deste modo somos
atualmente o que fizemos outrora. Nosso karma constitui nossa natureza
porque somos nós os próprios criadores.
- Na verdade, assim pode ser, replicou Devala; mas que fiz eu para
passar pelo dissabor que acabo de sofrer, graças a esse insuportável
brâmane.
NEGÓCIOS EM BENARES
O açambarcamento de gêneros no mercado não é uma invenção
moderna. O Velho Testamento relata a história de José, o jovem e pobre
hebreu que, tornado ministro de Estado, conseguiu por sua inteligência e
poucos escrúpulos, monopolizar todo o trigo do Egito, forçando assim o povo
esfaimado a vender ao faraó todas as suas propriedades, privilégios e até as
próprias vidas.
Enquanto Malika se lamentava pela situação aflitiva a que seu rival
queria reduzi-lo, Pandu notou que sua bolsa desaparecera.
Quando Malika soube que o lavrador viera vender arroz de primeira
qualidade com o qual ele abasteceria a mesa real, comprou toda a carga
pagando três vezes o seu valor.
Pandu, feliz por ter encontrado seu dinheiro, apressou-se em ir até ao
Vihára, para receber as explicações prometidas pelo Samana Narada
Este lhe disse: - “Eu poderia dar todas as explicações, mas tu és
incapaz de compreender uma verdade espiritual e prefiro permanecer calado.
Entretanto vou te aconselhar o seguinte: trata todos que tu encontrares como
se fossem tu mesmo: serve-os como desejas ser servido, porque assim
semearás boas ações e esta é a mais rica seara da qual podes fazer segura
colheita”.
ENTRE OS LADRÕES
Muitos anos se passaram. O mosteiro fundado por Pandu era afamado
como sendo um centro de luz onde Samanas instruídos e sábios vinham
residir.
Por este tempo, o rei de um país vizinho, tendo ouvido gabar a beleza
das jóias de Pandu, encomendou, por intermédio de seu tesoureiro, um
diadema real, cinzelado em ouro puro e rodeado das mais preciosas pedras da
Índia. Quando Pandu terminou o trabalho partiu para a residência do rei e,
esperando fazer ainda bons negócios, levou consigo grande contingente de
jóias. A caravana que conduzia suas mercadorias era protegida por forte
escolta de homens armados; mas, ao penetrar nas montanhas, foi atacada por
um bando de salteadores conduzidos por Mahaduta que a venceu e apossou-
se de toda a riqueza.
Pandu conseguiu escapar com grande dificuldade. Este desastre foi um
golpe terrível para ele.
Tendo já experimentado várias perdas importantes, sua fortuna estava
muito diminuída. Apesar deste revés suportou tudo sem se queixar dizendo
interiormente:
“Mereci tudo que me aconteceu pelas faltas das minhas existências
anteriores. Em minha mocidade fui cruel para com os outros. Estou agora
colhendo tudo que semeei por minhas más ações. Não tenho motivos para me
queixar”.
Tendo melhorado o seu trato para com seus semelhantes, seus
pesares serviam para purificar seu coração e o único desgosto que ainda
experimentava era, com a diminuição de suas riquezas, não poder auxiliar
seus amigos do mosteiro, para completa difusão das verdades eternas.
- Onde estão estes cães ingratos a quem eu tantas vezes conduzi à
vitória? Privados do seu chefe em breve perecerão como jaguares
encurralados por caçadores hábeis.
- Destrói tuas vis paixões, extirpa teus maus desejos, e satura tua
alma de bondade para tudo o que existe” tal foi a resposta cheia de doçura do
Samana.
O FIO DA ARANHA
Enquanto o caridoso Panthaka lavava as feridas do chefe dos
bandidos, este lhe falou:
- Eu fiz sempre muito mal e pouco bem. Como poderei partir este
círculo de dor que eu mesmo tracei em torno de mim pelos maus desejos, que
enchiam meu coração? Meu karma me conduzirá à região sombria do Astral, e
jamais poderei atingir o caminho da Salvação.
Ora, a própria lei do karma nos ensinou que a ação má morre por si
mesma, enquanto que as boas ações se multiplicam, gerando outras, se
propagando num desenvolvimento sem fim. O menor ato de bondade encerra
frutos que contêm novos germens de amor e bondade. E neste contínuo
aumento os atos vão alimentando a alma em suas estonteantes
transformações até que ela atinja à libertação de todo o mal, na bem-
aventurança eterna do Nirvana.
“Kandata, algum dia, no decorrer de tuas vidas passadas, fizestes uma
boa ação por mais pequena que fosse? Ela ajudar-te-ia a sair agora do estado
doloroso em que te achas. Mas nunca esperes te libertar dos sofrimentos
atuais, conseqüências fatais do teu passado, se conservares ainda
sentimentos de egoísmo, e se tua alma não estiver purificada da vaidade, da
luxúria e da inveja”.
«Toma este fio e sobe por ele. Ele te sustentará”. A aranha
desapareceu.
Kandata agarra-se ao fio tão delgado e fino, mas no entanto tão forte
que, com seu auxílio, foi subindo, foi subindo, cada vez mais e conseguiu
libertar-se do Inferno.
De súbito, sentiu que o fio estremecia e voltando-se viu que outros
companheiros de infortúnio, na ânsia da libertação, tinham-se agarrado ao fio
e subiam atrás de si. Kandata ficou aterrado.
Notou a tenacidade do fio e observou que era elástico porque, sob o
peso que aumentava sempre, esticava cada vez mais, embora parecesse
bastante forte para suportar a carga. Kandata não devia nunca ter desviado o
olhar das regiões superiores. Infelizmente, olhando para baixo, viu tocando
quase em seus calcanhares, seguros ao frágil fio, uma multidão de antigos
camaradas, procurando fugir da região sombria. “Como, pensou ele, este fio
poderá, nos suportar a todos”. E tomado de medo gritou: "Larguem todos o
fio da aranha que é meu, pois só a mim pertence!” E no mesmo instante o fio
partiu-se e Kandata foi novamente atirado ao Inferno com todo o cacho
humano que o acompanhava.
Quanto maior for o número dos que sobem pelo fio, mais fáceis serão
os esforços de cada um. Desde que no coração do homem existe uma idéia:
“Isto é meu! Que a bênção da Verdade e o reconhecimento da Sabedoria me
pertençam só a mim e ninguém os partilhe, o fio quebra-se e todos voltam à
antiga condição de egoísmo que é a verdadeira danação."
Quero informar a Pandu que eu guardei a coroa de ouro que ele
destinava ao rei assim como seus tesouros, numa caverna perto daqui.
Somente dois capitães, comandados meus, conheciam este lugar e agora
jazem mortos. Que Pandu tome homens armados, dirija-se ao lugar indicado
e tome posse do que eu lhe subtrai”.
“Este ato de justiça atenuará um certo número de meus crimes e
limpará minha alma de muitas impurezas. Isto me guiará no caminho da
salvação”.
“Meus filhos, não censurem nem culpem aos outros quando lhes faltar
o êxito, quando forem mal sucedidos em suas empresas, porque, não nos
cegando a vaidade, encontramos a causa em nós mesmos e em nós mesmos
existe o remédio. As nossas más ações somente nós poderemos resgatá-las.
Não deixem nunca os olhos do mental cobertos pelo véu de Maya, e lembrem-
se das palavras que serviram de talismã à minha vida: “Aquele que prejudica
os outros, prejudica a si mesmo. Aquele que auxilia aos outros auxilia-se a si
mesmo. Que a ilusão do eu desapareça dos nossos corações e deste modo
avançaremos na senda da verdade. Lembrem-se destas minhas últimas
palavras, obedeçam aos meus conselhos, e quando a morte vier,
continuaremos a viver um bom Karma tecido por nossas próprias mãos e na
infinita peregrinação das nossas almas viveremos eternamente de acordo
com as nossas ações”.
FIM