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della vigilia”.

Mas, se bem que embalado nos seus sonhos de adolescente,


já pressentiu a redenção pelas forças da Natureza, em versos que respiram
a perfeição absoluta:
“Gewaltig endet so das Jahr
Mit goldnem Wein und Frucht der Gaerten…”
“Vinho de ouro e frutas dos jardins”: a paisagem de Salzburgo. Mas a
cidade de Mozart já se transfigurou, como tudo na poesia de Trakl, em
símbolo transcendental. Trakl estava perfeito antes de, no último ano da
sua curta vida, transfigurar em versos hölderlinianos os horrores da guerra.
No seu último poema, Grodek, legando a “gerações ainda não natas” a
lembrança de sofrimentos já superados, Trakl apenas sintetizou o sentido
M. Baythal: Trakl’s Lyrik. Frankfurt, 1928.
W. Riemerschmid: Georg Trakl. Wien, 1947.
E. Lachmann: Kreuz und Abend. Eine Interpretation der Dichtungen Georg Trakls.
Salzburg, 1954.
Th. Spoerri: Georg Trakl. Strukturen in Persönlichkeit und Werk. Bern, 1954.
M. Heidegger: “Georg Trakl. Eine Erörterung”. (In: Merkur, LXI, 1955.)
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de toda sua poesia. Afirmam alguns que em Trakl morreu o maior poeta
de língua alemã do século; nos últimos tempos a crítica inglesa e a francesa
começaram a ocupar-se intensamente do poeta austríaco. Mais do que
Rilke avançou até “as fronteiras do inefável”, atravessando-as sem “perder
a fala”. É, sem qualquer alusão religiosa, a poesia mais profundamente
religiosa do século.
Trakl lembra irresistivelmente a Hölderlin; e não é mera influ-
ência; mas é um caso da analogia perfeita. O poeta realizou as ambições
e angústias de uma “renascença de Hölderlin” que surgiu naqueles anos,
embora Trakl mal soubesse daquele movimento. Discípulo de George,
como Gundolf e Bertram, e místicos judeus, como Buber e Landauer,
redescobriram Hölderlin, que aos críticos do século XIX se afigurara “pobre
poeta-adolescente”; revelaram nele o grande poeta do classicismo
dionisíaco, precursor de Nietzsche. O jovem erudito Nobert von Hellingrath
dedicou os últimos anos da sua curta vida – ele também morreu na guerra
– à primeira edição crítica de Hölderlin, esse “spirito della vigilia” antes da
loucura. Dizem que com um verso de Hölderlin nos lábios – “... a alma
procura o caminho mais rápido para voltar ao Universo” – os
estudantesvoluntários alemães morreram na batalha de Langemarck;
ignorando para
que morreram. Mas acabou, no Monte Podgora e nas planícies de Flandres,
uma geração sacrificada.
Mais de um poeta profetizara a catástrofe; e esse fato não
constituiu mera curiosidade; pois entre eles não se encontra nenhum
modernista propriamente dito. Encontram-se profecias apocalípticas,
mais ou menos explícitas, já em George, Blok e Ady, até no Stundenbuch de
Rilke; todos eles, poetas simbolistas e pós-simbolistas. As mais
das vezes, essas profecias são heranças do decadentismo, expressões do
desespero em face de uma civilização mecanizada, antipoética. Mais
explícitas e muito mais interessantes são as profecias da geração nova,
de poetas que morreram imediatamente antes da guerra ou na própria
guerra. O fato da freqüência descomunal dessas “profecias” não será
bem explicável; talvez a crítica possa lembrar outro fato, semelhante:
as últimas obras de poetas e artistas que morreram jovens revelam as
mesmas características como as últimas obras de artistas que morreram
muito velhos, como se houvesse naqueles um pressentimento da mor
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te101. À luz dessa tese, é preciso insistir no sentido sinistro da palavra
“vigilia”. Heym, o baudelairiano, com as suas visões terrificantes de
demônios sangrentos que se lançam dos tetos de edifícios altos para
matar os transeuntes na rua, já morreu em 1912. Stadler, em poesia de
1913, celebra a explosão dionisíaca dos instintos de luta em batalhas
imaginárias, o que foi o sentimento de milhões de europeus no agosto
de 1914. Péguy, em versos célebres –
“Heureux ceux qui sont morts dans une juste guerre!
Heureux les épis murs et les blés moissonnés!” –
profetizou a própria morte na batalha do Marne, mas também as esperanças
humanitárias que durante a guerra se agarraram à hora da vitó-
ria. Enfim, Trakl, já estigmatizado pela morte, escreveu aquele poema
Grodek –
“... Die heisse Flamme des Geistes nährt heute
ein gewaltiger Schmerz die ungeborenen Enkel –
em cujos versos herméticos e metálicos se condensa, em 1915, o desespero
da desilusão dos vencidos e dos vencedores. Todos esses poetas, embora da
geração jovem, escreveram em metros tradicionais; nenhum deles é
propriamente modernista. Apesar das “profecias”, não é possível encará-
los como precursores; são antes os últimos de uma época que acaba.
A Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, exerceu influência
profunda sobre a literatura; mas a “lit

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