Você está na página 1de 84

outubro/dezembro 2019 // Trimestral // 3€ A REVISTA DO IEFP N.

º25

DIRIGIR
FORMAR

TERRITÓRIO E
DESENVOLVIMENTO
ECONÓMICO
Economia e Território

Coesão Económica e Social

Engenharia da Formação

Dinâmicas Territoriais
APOIO AO
REGRESSO
DE EMIGRANTES
A PORTUGAL

INCENTIVO À
INTEGRAÇÃO NO MERCADO
DE TRABALHO PORTUGUÊS
Apoios financeiros a emigrantes ou
familiares de emigrantes para regressar
e trabalhar em Portugal continental.

Informe-se sobre esta medida junto do IEFP, IP.


É
consensual o reconhecimento da importância de territorial e como podem disseminar-se, que estratégias
dar reposta ao desafio de promover uma maior coe- a adotar, que políticas públicas devem ser associadas
são territorial e de garantir um modelo de desenvol- a esta estratégia, quem são os atores-chave e como
vimento mais sustentável. Dar resposta a esse desafio se devem organizar, que redes de cooperação existem,
coloca novos problemas às políticas públicas, interpelan- entre outros.
do-nos a todos sobre a forma como estas poderão ser ca- Da leitura dos vários textos publicados podemos extrair
pazes de contrariar as desigualdades sociais e territoriais diversas conclusões mas uma delas é transversal quan-
ainda existentes em Portugal. Dessa estratégia farão par- do se trata da definição de políticas públicas que promo-
te os objetivos de aumentar a competitividade com base vam a coesão territorial: «...não basta definir boas medi-
numa economia mais sustentável de, para isso, assegu- das de política pública, a forma de as executar é tão ou
rar a inovação e de, com ela, projetar o desenvolvimento mais importante do que estabelecer os seus objetivos
económico e social. Este é, seguramente, um dos maiores e instrumentos...» Dito de outro modo, a afirmação de
desafios das sociedades atuais e cuja complexidade exi- uma geração de políticas públicas capazes de agir numa
ge uma mobilização ampla e um contributo empenhado perspetiva territorializada exige modelos de governance
de todos. dessas políticas e dos instrumentos que as servem que
Promover a coesão territorial assume um carácter de sejam capazes de materializar a sua visão e concretizar
urgência e, por isso, constitui uma prioridade encontrar a sua proposta de ação. A capacidade de implementar
soluções consistentes e sustentáveis aos diferentes políticas de desenvolvimento territorialmente referen-
níveis, político, social e económico, que permitam apro- ciadas ou, como são por vezes nomeadas, place-based
veitar todas as oportunidades atualmente existentes policies, confronta-nos com um caminho de grande exi-
nas diversas regiões do país e criar e dinamizar novas, gência que só uma cultura de debate e aprendizagem
promovendo um maior conhecimento, planeamento e contínuos permitirá superar.
eficiência na utilização e partilha de recursos existen- Vencer o desafio da competitividade e do desenvolvi-
tes face às diversas realidades regionais. mento económico, além da melhoria da capacidade de
Para que isso se possa cumprir, é fundamental aprofun- inovação do tecido empresarial português, exige um
dar uma atuação estratégica na definição de planos de esforço articulado no que respeita ao aumento do ní-
qualificação dos territórios, de redefinição da mobilida- vel de competências da população portuguesa. Assim,
de, de adequação das infraestruturas de conectividade, no Dossier que intitulámos «Engenharia da Formação»
do reforço e consolidação dos eixos urbanos estruturan- procuramos refletir em como potenciar e desenvolver
tes, da qualidade e proximidade de resposta no domínio a oferta formativa e como interligá-la com a territoriali-
da educação e formação, da criação de emprego através zação das políticas de formação e as dinâmicas locais.
de estratégias que potenciem a especialização da ativi- Esta tem sido, aliás, uma das responsabilidades e mis-
dade económica ligada aos territórios e, naturalmente, são do IEFP ao longo dos anos: aumentar a qualificação
uma aposta forte na digitalização da economia. dos nossos ativos, promovendo e desenvolvendo oferta
Com o objetivo de refletir sobre esta realidade e de modo formativa ajustada ao tecido empresarial local. Este é
a procurar contribuir para que se encontrem soluções, um compromisso assumido e que continuamente pro-
escolhemos como tema desta edição da revista Terri- curamos melhorar, é o nosso contributo para uma maior
tório e Desenvolvimento Económico. Nos textos edita- coesão e desenvolvimento do nosso território.
dos o leitor poderá encontrar diversas abordagens desta
problemática, como, por exemplo, quais as atividades Paulo Feliciano
económicas que podem promover e assegurar a coesão Vice-Presidente do Conselho Diretivo do IEFP, I.P.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 1
04 Território e desenvolvimento

28 Política de inovação, especialização inteligente e dinâmicas territoriais


em Portugal

42 Formação de adultos. Um fator determinante para o desenvolvimento


de competências

49 Politicas públicas, território e pessoas

73 A política de coesão da União Europeia

FICHA TÉCNICA
PROPRIETÁRIO/EDITOR/SEDE DE REDAÇÃO IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P., Rua de Xabregas, 52
– 1949-003 Lisboa NIPC 501442600 DIRETOR Paulo Feliciano RESPONSÁVEL EDITORIAL Maria Fernanda Gonçalves
COORDENADORA Lídia Spencer Branco CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA Adélia Costa, Ana Cláudia Valente, Angelina Pereira,
António José de Almeida, Conceição Matos, Fernando Moreira da Silva, João Palmeiro, Luís Alcoforado, Nuno Gama de Oliveira
Pinto, Paulo Feliciano REVISÃO Laurinda Brandão REDAÇÃO Revista Dirigir&Formar, IEFP, I.P. Tel.: 215 803 000 / Ext.: 90011 e 90014
CONDIÇÕES DE ASSINATURA Enviar carta com nome completo, data de nascimento, morada, profissão e/ou cargo da empresa
onde trabalha e respetiva área de atividade para: Rua de Xabregas, 52 – 1949-003 Lisboa, ou e-mail com os mesmos dados para:
dirigir&formar@iefp.pt ESTATUTO EDITORIAL https://www.iefp.pt/documents/10181/696230/Estatuto_Editorial_DirigirFormar.pdf
NOTADA NO ICS | DATA DE PUBLICAÇÃO Dezembro 2019 PERIODICIDADE 4 números/ano PRODUÇÃO GRÁFICA Engirisco
DESIGN Engirisco FOTOGRAFIA DE CAPA iStock FOTOGRAFIA Shutterstock; iStock IMPRESSÃO LIDERGRAF Sustainable Printing
Rua do Galhano, EN 13 – 4480-089 Vila do Conde TIRAGEM 20 000 exemplares REGISTO Anotada na Entidade Reguladora para
a Comunicação Social DEPÓSITO LEGAL 348445/12 ISSN 2182-7532

Todos os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores, não coincidindo necessariamente com as opiniões do Conselho Diretivo do IEFP, I.P. É permitida
a reprodução dos artigos publicados, para fins não comerciais, desde que indicada a fonte e informada a Revista.

ERRATA - Por lapso a revista Dirigir&Formar 23 indicava como data de publicação o trimestre julho/setembro 2019 quando
deveria ter sido abril/junho 2019.

2 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
ÍNDICE
1 TEMA DE CAPA
04 Território e desenvolvimento | José Reis
09 Competitividade, inovação e política regional | Raul Lopes
13 Desenvolvimento da indústria têxtil e vestuário (ITV) em Portugal |
José Manuel Castro
17 Território e desenvolvimento económico | Helena Freitas
20 Economia e território | Fernanda do Carmo
25 Um (novo) conceito de proteção marinha: preservar ou desqualificar? |
Maria Inês Madaíl Carapinha
28 Política de inovação, especialização inteligente
e dinâmicas territoriais em Portugal | Rui Gama
33 Transportes e desenvolvimento económico | José Pinheiro Henriques,
Carlos Correia da Fonseca, Fernando Nunes da Silva
37 Economia para o bem comum… | Leonor Pais, Susana Pereira,
Nuno Rebelo dos Santos, Salvatore Zappalà

2 DOSSIER
A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO
42 Formação de adultos. Um fator determinante
para o desenvolvimento de competências | Thierry Ardouin
49 Políticas públicas, território e pessoas | Conceição Matos
54 Antecipação, território e planeamento da oferta de qualificações | Ana Cláudia Valente
58 O futuro do Mundo Rural já chegou a Idanha-a-Nova | Armindo Jacinto
62 O Centro de Formação Avançada da Cova da Beira - exemplo de relevância na formação
profissional no desenvolvimento de um território | António Alberto Costa, Leopoldo Rodrigues

3 GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS


TEMAS DE GESTÃO
66 Quatro passos simples para a qualidade na decisão | Luís Pereira Filipe
TEMAS DE FORMAÇÃO
69 Campeonato nacional das profissões| SkilsPortugal, Setúbal 2020 |
Sandra Bernardo

4 EUROPA EM NOTÍCIAS
72 A política de coesão da União Europeia | Nuno Gama de Oliveira Pinto
77 Euroflash | Nuno Gama de Oliveira Pinto

5 DIVULGAÇÃO
79 Tome nota | Nuno Gama de Oliveira Pinto
80 Sabia que | Nuno Gama de Oliveira Pinto

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 3
TEMA DE CAPA

TERRITÓRIO E
DESENVOLVIMENTO
Dar e receber
Devia ser a nossa forma de viver
Dar e receber
(...)
Trocar o espaço
Trocar a dança
Trocar o gesto que alarga uma aliança
António Variações, Dar e Receber

JOSÉ REIS, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, ENGIRISCO


Centro de Estudos Sociais

SOBRE O TERRITÓRIO por espaços materiais humanamente construídos – os


lugares e as relações de proximidade com que se
As sociedades têm espaço e este não é apenas polvi- estabelecem modos de organização coletiva dotados
lhado por pontos. O que nelas encontramos são meios de características sociais próprias –, assim como por
de vida, urbanidades e ruralidades, centros e perife- sistemas físicos naturais, por infraestruturas de conec-
rias, hibridizações, sistemas produtivos, competências tividade e, evidentemente, pela representação institu-
técnicas, recursos e capacidades, tudo isto inscrito em cional de cada uma das suas componentes relevantes,
materialidades precisas e heterogéneas. Estas são as além da representação política do conjunto.
suas densidades e é nelas que se encontram as suas me- As aglomerações populacionais e produtivas, os bens
lhores qualidades. Um território é, portanto, composto naturais, a paisagem e os seus elementos, as relações

4 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
intraterritoriais e com outros territórios, os atores vida material – isto é, o conjunto de atividades criadoras
e as instituições são, pois, os recursos do território. de valor e de emprego e geradoras de formas de aces-
No centro de tudo estão pessoas, as pessoas que for- so ao bem-estar. É esta a espinha dorsal do território.
mam comunidades de diferentes escalas. A coerência É aqui que estão os alicerces materiais da geração de
e a capacidade dinâmica de um território dependem do bem-estar. E é tendo isto em vista que se devem pensar
modo como tais recursos se apresentam e interagem as políticas do território, quer dizer, as relações entre
no conjunto. Dentro do que constitui a morfologia de um território e desenvolvimento.
território complexo, faz sentido nomear expressamen- Assim sendo, um território não é apenas uma localiza-
te, como elementos que o constituem, as cidades e os ção, um sítio georreferenciado. É um lugar que consti-
sistemas urbanos que estas estruturam e as formas de tui em si mesmo uma forma de organização, um lugar

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 5
TEMA DE CAPA

de coordenação de processos coletivos. A proximida- As fases mais intensas de modernização social, isto
de, em diferentes escalas, é, por isso, uma caracterís- é, a industrialização e a urbanização, assentaram em
tica essencial de um território.1 A outra condição que certos lugares dominantes do território. Os restantes
o define é a lógica de articulação interterritorial em espaços foram incluídos no processo global pelas for-
que esteja inserido. É por isso que uma visão territorial ças de arrastamento e por processos de mobilidade a
distingue-se de uma mera análise das localizações de favor dos primeiros, onde se iam concentrando recur-
pessoas, lugares ou recursos, perspetiva que podemos sos, atividades e poderes. Acontece, contudo, que es-
designar puntiforme. tas tendências nunca foram «totalitárias», no sentido
em que, por si mesmas, ocupassem e determinassem
TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO integralmente a realidade material das sociedades. Não
o foram quando ainda não vigoravam plenamente, pois
Se as considerações anteriores forem pertinentes, é tinham de coexistir e de se articular extensivamente
possível encontrar com facilidade as relações entre com inscrições territoriais antigas. Não o foram quando
território e desenvolvimento, podendo falar-se de de- enfrentaram as suas próprias crises e dependeram de
senvolvimento territorial. Estaremos, então, perante «compensações» dinâmicas geradas ainda de forma
processos que assumem os recursos de um território, endógena. E não o foram também quando a intensidade
os mobilizam, qualificam e articulam localmente tendo da industrialização e da urbanização foi acompanhada
em vista a criação de valor e a sua inserção em relações por novas intensidades territoriais que partilharam um
económicas devidamente estruturadas. Um território é modo de desenvolvimento que era, ele próprio, compos-
um lugar de desenvolvimento na medida em que seja to pelas diferenciações de escala local. Em todos os ca-
uma sede de organização de vida material e um lugar sos, os territórios manifestam a sua presença e torna-
não confinado a si mesmo ou apenas relacionado com ram evidente a morfologia compósita das sociedades,
o exterior através de formas não recíprocas. Assim sen- a sua diversidade.
do, as bases de uma relação entre desenvolvimento e O problema de hoje, quando as sociedades e os próprios
território terão de ser, naturalmente, os próprios recur- sistemas produtivos estão sob o poder e a constrição
sos do território. de intensas relações verticais externas, onde imperam
Um território não é, portanto, um lugar para onde apenas a concentração financeira e metropolitana, é o de saber
se dirijam e onde se reproduzam processos exteriores, se o território ainda subsiste como sujeito ou se foi ra-
de que este não seja sujeito. Neste caso, o território será dicalmente reduzido à condição de objeto. Esta última
simplesmente objeto. Se se limitar a ser destinatário de possibilidade é bastante forte. Há uma realidade social,
políticas, então não estaremos certamente perante po- económica e política em que o território se apresenta
líticas territoriais. Podem ser políticas redistributivas ou como sujeito. E há outra em que é essencialmente re-
assistenciais – não serão políticas territoriais. conduzido à condição de objeto.
Não é porque se declara que os recursos são localizados Na União Europeia e, consequentemente, entre nós, as-
(placed based, como se tornou corrente na linguagem siste-se à transição do nível nacional e regional de ra-
europeia) que passa a existir uma relação entre proces- cionalização das políticas para uma espécie de «fede-
sos de desenvolvimento e territórios. Os recursos têm, ralismo-liberal». Por outras palavras, isso significa uma
obviamente, de ter uma localização, visto que não estão transição da deliberação democrática e das políticas
no ar. Mas é a sua inserção em materialidades concretas públicas para decisões de poderes burocráticos, que
e precisas que os qualifica e potencia. Na verdade, o que formulam princípios gerais. Em vários domínios, e mui-
devemos procurar num território são práticas «socio- to especialmente no do desenvolvimento regional, pode
técnicas» relevantes.2 encontrar-se uma grande similitude com a formação da
As sociedades não são planas nem territorialmente har- União Económica e Monetária, onde tudo começou com
moniosas, e correspondem-lhes sempre lógicas hierár- a definição de um conjunto de condições genéricas a
quicas e de comando. O que interessa saber é como se satisfazer por cada participante, que assim assumiram
constituem e qual a que prevalece. Tomando por refe- condicionalidades para a organização da sua vida mate-
rência uma distinção já canónica, a questão consiste rial. O mesmo está a passar-se com as políticas que se
em perceber se essa lógica assenta num conjunto de dirigem aos territórios. Nisso consiste, por exemplo, a
instituições de natureza inclusiva ou se, pelo contrário, convicção errada de que a inovação, tal como a moeda, é
é apenas extrativa.3 um objetivo e não um instrumento. Vai assim emergindo

6 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Território e desenvolvimento

uma nova fratura territorial na Europa, que renova a ve- regionais profundos e perante estilos de desenvolvi-
lha divisão centro/periferia. Somam-se crescentes pro- mento que levam à concentração num único lugar.
blemas territoriais nos planos nacionais que não são Portugal aparece de novo como exemplo: várias estra-
simples derivações dos problemas entre economias na- tégias regionais, mas só um espaço relevante em cres-
cionais. São cumulativos e exigiriam uma governação cimento, o da capital.
territorial para a qual parece já não haver lugar.
Perante este novo discurso modernista, será a insis- PORTUGAL: UMA CIRCUNSTÂNCIA ORIGINAL
tência no território apenas uma obstinação de alguns
que, redutoramente, veem a sua própria especialização As tendências da macro-organização territorial portu-
intelectual de um modo excessivo? Por que razão hão guesa parecem hoje claras e são muito distintas das
de os territorialistas insistir no território? Este é assim de outros períodos recentes. Do ponto de vista demo-
tão importante? Eis algumas razões para dizer que sim. gráfico, assistimos a um crescimento unipolar original,
A primeira é uma razão de prudência. Há riscos macros- nunca antes verificado, com exclusiva concentração na
sociais e macroeconómicos relacionados com a anula- proximidade da capital. Neste século, entre 2001 e 2018,
ção do território enquanto elemento-chave da coesão e a população nacional diminuiu 1,3%. A região Norte de-
com a sua transformação em simples veículo de outras cresceu 3,3% (a Área Metropolitana do Porto reduziu
políticas. Um destes riscos é o baixo nível de uso ou 0,8%), a do Centro 5,7% e o Alentejo 9,1%. O Algarve au-
mesmo o abandono de muitos recursos localizados. As mentou 9,5%. A Área Metropolitana de Lisboa cresceu
consequências podem ser o conflito e a desarticulação 6,3% e nalguns dos seus concelhos periféricos encon-
espacial.4 Em Portugal, assim como noutras socieda- tram-se crescimentos superiores a 30% ou 40%. Já entre
des, são hoje visíveis os problemas de desertificação 2011 e 2018, a população residente no país diminuiu
e de fragmentação territoriais. Não são apenas as re- 2,5%. Na região Norte a redução foi de 3,1% (sendo a da
giões sujeitas ao abandono e ao desaproveitamento de Área Metropolitana do Porto de 2,1%), no Centro foi 4,3%
recursos. É também a fraqueza cada vez maior de mui- (com idêntica tendência nas áreas de todas as suas ci-
tos lugares urbanos, exceto a capital. A demografia, a dades), no Alentejo foi 6,5% e no Algarve, foi 1,6%. Só a
que me referirei mais adiante, ilustra isso do modo mais Área Metropolitana de Lisboa cresceu neste contexto
singelo e claro. regressivo (0,7%). Nos seus concelhos periféricos en-
A segunda razão tem a ver com o âmbito de análise. contram-se de novo crescimentos muito significativos,
A concentração da estratégia num conjunto limitado de nalguns casos superiores a 7%. Mesmo a réplica que
condições definidas ex-ante e alheias aos próprios ter- era possível identificar no Algarve tende a desaparecer.
ritórios deixa espaço para que surjam, ao lado do que Tornou-se enorme a fragilidade dos mecanismos de ar-
foi formalmente estabelecido, outras dinâmicas não va- ticulação entre territórios, e o que é mais notório é o
lorizadas, sejam positivas ou negativas. Portugal serve fornecimento de população àquele «centro» por par-
de novo como exemplo. No mesmo momento em que se te do resto do país, convertido todo ele em «periferia»
elaboraram pesadas estratégias de inovação que de- muito estreita. Trata-se de uma convulsão radical do
viam orientar, aliás, condicionar, as políticas públicas, quadro territorial do continente português, que assim se
emergem ao lado modalidades imprevistas, assentes desestruturou. Além disso, esta presença dominadora
no uso intensivo de trabalho precário, mal pago, cria- de dinâmicas de concentração unipolar metropolitana
dor de externalidades negativas e para as quais a liga- em Lisboa, com regressão de outros espaços relevan-
ção com o território é apenas instrumental, visto que a tes e deslaçamento de antigas relações territoriais in-
questão do seu desenvolvimento lhe é irrelevante. Refi- ternas, deixa a região da capital sem a companhia de
ro-me, por exemplo, ao turismo low cost como atividade mecanismos compensatórios presentes em dinâmicas
em crescimento, mas não incluído em qualquer exercí- territoriais anteriores, que sempre dotaram o país de ca-
cio previsional. pacidades não desprezíveis.5 Esses mecanismos, entre
Finalmente, há uma razão de coerência concetual. Como os quais se contavam capacidades regionais de inves-
o exemplo anterior mostra, a existência de place based timento e de criação de emprego e sistemas sociais lo-
resources (uma noção quase tautológica) não signifi- cais dinâmicos, foram essenciais na transformação de
ca que não se esteja a promover a proliferação de uma problemas metropolitanos profundos em simples crises
noção de espaço descontínuo. Está, de facto. Mais ain- locais, em vez de crises generalizadas. Mas podem já
da, podemos estar perante a geração de desequilíbrios não existir quando uma nova crise estalar em Lisboa.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 7
TEMA DE CAPA

Nesse caso, esta será inexoravelmente nacional. políticas territoriais são as que assentam nos melho-
A hipótese que se deve colocar é que esta nova terri- res recursos do território. A confusão entre território
torialidade realiza-se pela concentração lisboeta das e «interior» (uma categoria não definida com rigor) é
atividades mais dinâmicas, mesmo que não sejam as apenas uma consequência menor de tudo isto. Neste
mais robustas, e pela mobilidade das pessoas, com es- contexto, a articulação territorial do país, antes assente
pecial incidência nos jovens qualificados. Ao mesmo na presença de várias capacidades regionais diferencia-
tempo, acentua-se o peso da periferia da própria me- das, mas, salvo exceções, globalmente convergentes,
trópole e a natureza precária e trabalho-intensiva de vê-se substituída por uma dinâmica absorvente ditada
muitas daquelas atividades, porventura com forte seg- a partir de um centro. A demografia e o emprego são as
mentação face às que têm maior capacidade de realiza- primeiras variáveis que ajudam a analisar este estado
ção de valor. No período em que a Área Metropolitana de de coisas. Este é um problema essencial. Talvez fosse
Lisboa é a única região do país que cresce, os concelhos boa ideia que se considerasse que dar atenção ao terri-
que crescem mais expressivamente são, como vimos, tório é ter uma noção capaz acerca do desenvolvimento
os da sua periferia. das cidades e dos sistemas que estas formam, reparar
Uma das consequências da unipolaridade territorial é o nos lugares onde se cria emprego e compreender que é
deslaçamento, com intensidades diferentes, dos territó- dessa materialidade que é importante partir, em vez de
rios urbanos de escala não metropolitana e dos de baixa lhe sobrepor condicionalidades, e notar que desperdi-
densidade, onde não se organizam dinâmicas importan- çar o território é um desproveito e será certamente um
tes, dado o efeito destrutivo das perdas populacionais, a elevado custo futuro.
que se junta a fragilização do sistema produtivo e uma
terciarização excessiva. 6 A outra consequência desta
reversão estrutural é a limitação de grande parte do
território a lugar de acontecimentos difusos. O território
não desapareceu lá porque se desestruturou.7 Tornou-se
foi menos capaz do que podia ser num quadro organiza-
do. E trata-se de uma realidade sem interlocução polí-
tica nem racionalização do ponto de vista do país. São,
repete-se, realidades difusas. Porventura o lado insub-
misso do território. Talvez, mais friamente, a sua fratura.
Resta saber se também o seu lado resistente. São estas
duas características – unipolaridade e comportamentos
difusos – que mais marcam hoje o território continental.
É isso que é necessário analisar, juntamente com o des-
laçamento que representa.
Este quadro é significativamente diferente do que exis-
tiu nas décadas de 1980 e 1990, entre 1981 e 2001.
Num contexto demográfico nacional ainda positivo, só
o Alentejo estava em situação regressiva. O Norte e o 1
Dediquei-me a esta discussão concetual em «Uma epistemologia do território»,
Centro, cuja evolução foi positiva, revelavam a presen- in José Reis, Ensaios de Economia Impura, Coimbra, Almedina, 2009.
2
Joe Painter (2010), «Rethinking Territory», Antipode, 42, 5, pp. 1090-1118.
ça de sub-regiões particularmente dinâmicas, sendo 3
Daron Acemoglu e James A. Robinson (2012), Why Nations Fail: The Origins of Power,
Prosperity and Poverty, Nova Iorque, Crown Publishers.
possível admitir que estávamos perante capacidades 4
Para um territorialista, fenómenos de conflitualidade territorial tornados enfim
populares por episódios como os dos gilets jaunes não são surpreendentes.
regionais para estabelecer a estrutura e a dinâmica dos Não os evoco aqui por serem da agenda do momento, mas por convicções antigas.
respetivos territórios, salvaguardando-lhes a coerência. Não me canso de repetir o que me parece ser uma observação incontornável. Na
5

segunda metade da década de 1970 e na primeira de 1980, Portugal conheceu uma


Ao contrário, no período mais recente esse enraizamen- crise laboral muito intensa no eixo Lisboa-Setúbal: desemprego significativo, salários
em atraso, greves, turbulência social. Porém, essa situação nunca alastrou para o
to regional perdeu-se perante a força unipolarizadora resto do país com a mesma intensidade. Não se tornou uma crise nacional. O país
registou, aliás, um dos seus ciclos de crescimento económico mais significativos,
original, centrada em Lisboa. semelhante ao da primeira fase da integração europeia (Reis, 2018). Porquê? Porque
outros territórios registavam dinamismo importante, que contrabalançavam aqueles
A sociedade portuguesa de hoje parece assim fragili- problemas. O que se passou em Lisboa/Setúbal ficou, pois, como uma crise local.
zar-se do ponto de vista demográfico e concentrar-se
6
José Reis (2018), A Economia Portuguesa: Formas de Economia Política Numa Periferia
Persistente (1960–2017), Coimbra, Edições Almedina.
do ponto de vista espacial. A incompreensão sobre o 7
José Reis (2019), «O território ainda existe? Sistemas de provisão de habitação e o
desperdício do país», in Ana Cordeiro Santos (org.), A Nova Questão da Habitação em
que significa o território é grande e descura-se que Portugal: Uma Abordagem de Economia Política, Lisboa, Actual.

8 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
COMPETITIVIDADE, INOVAÇÃO
E POLÍTICA REGIONAL
RAUL LOPES, Economista, Professor do ISCTE-IUL, ENGIRISCO
Instituto Universitário de Lisboa

A
tualmente os responsáveis políticos, a vários ní-
veis, canalizam o melhor dos seus esforços em
prol do objetivo de promover o desenvolvimento
socioeconómico. Por exemplo, na UE mais de um terço do
orçamento comunitário é afeto à política de coesão euro-
peia, norteada pela preocupação de harmonizar os níveis
de desenvolvimento dos países e das regiões. Não obs-
tante, as assimetrias regionais de desenvolvimento são
gritantes. Com a globalização que emergiu nas últimas
duas décadas do século xx, a economia mundial passou a
ser dominada por um pequeno número de cidades, espe-
cialmente pelas duas dezenas de megacidades com mais
de 10 milhões de habitantes como Tóquio, Nova Iorque ou
Londres, por exemplo (OCDE, 2014).

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 9
TEMA DE CAPA

Hoje em dia a maior parte da população do mundo vive o ultrapassar do défice de qualificações da população
em cidades e, por contraste, os espaços rurais estão cada portuguesa, pois vivemos em plena era da economia do
vez mais envelhecidos e com menor capacidade produtiva. conhecimento onde as qualificações fazem a diferença
Mas as assimetrias de desenvolvimento não se revelam e, como é sabido, Portugal apresenta, destacadamente,
apenas entre espaços urbanos e espaços rurais. Também o pior nível de qualificação da população empregada no
atravessam os sistemas urbanos. As dinâmicas territoriais contexto europeu.
recentes, nomeadamente na Europa, mostraram que as Mas é um erro pensar-se que a simples injeção de dinhei-
regiões pobres foram as mais afetadas pela grande crise ro no sistema de ensino e formação profissional resolve o
económica de 2008-2014 e que, mesmo num contexto em problema. Vencer o desafio da competitividade exige uma
que a política de coesão europeia registou algum sucesso melhoria radical do nível de competências da população
na redução das diferenças de desenvolvimento entre paí- empregada portuguesa, mas exige concomitantemente,
ses, as assimetrias entre as regiões de um mesmo país e de forma articulada, uma melhoria radical da capacida-
aumentaram (AD&C, 2019). de de inovação do tecido empresarial português (Lopes,
Enquanto isto, na última década, em Portugal, o debate 2001). Não se julgue que esta afirmação se esgota na re-
sobre as políticas públicas tem sido polarizado ora pelas tórica que a envolve. Assumir a inovação como chave da
restrições das finanças públicas e a necessidade de re- competitividade é assumir uma rutura paradigmática com
duzir o défice do orçamento de Estado e a expressão da o entendimento de que a competitividade das empresas
dívida pública, ora pelas vulnerabilidades do sistema ban- está ancorada em menores custos de produção. Este enten-
cário, que tem merecido a primazia das políticas públicas dimento tem levado a que as políticas públicas entendam
em Portugal e na UE. A ênfase dada a estas questões es- que estão a promover a competitividade quando regulam o
camoteia que o grande problema estrutural da economia mercado de trabalho de forma a diminuir os custos relativos
portuguesa é que o seu crescimento se encontra bloquea- do trabalho, quando diminuem os custos de contexto das
do: nas últimas duas décadas, o crescimento médio anual empresas (burocracia, impostos, infraestruturas logísticas,
do PIB foi inferior a 1%. Ora, é absolutamente crucial que etc.), ou quando financiam o investimento em tecnologia e
a economia cresça, seja para resolver os problemas das capital tangível.
finanças públicas, seja para permitir que o nível de de- Se este fosse o caminho não haveria espaço para este texto
senvolvimento da sociedade portuguesa se aproxime do pois, com os esforços que têm vindo a ser feitos pelas polí-
nível médio da UE, a começar pelo aumento dos salários. ticas públicas e com um custo salarial-hora a rondar meta-
Vencer o bloqueio ao crescimento da economia e da pro- de do correspondente custo médio na EU, Portugal deveria
dutividade, suporte do desejável aumento salarial, é, pois, estar no pódio da competitividade europeia. Precisamos,
o grande desafio que, a meu ver, se coloca atualmente à pois, de mudar de paradigma e assumir que o défice de
política económica em Portugal. Fazê-lo é enfrentar de- competitividade e de crescimento do país decorre da fraca
cisivamente o défice de competitividade do país, o que capacidade de inovação do tecido empresarial português,
indiscutivelmente nos levaria a assumir como prioridade seja pelo défice de capacidade de gestão estratégica das

10 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Competitividade, inovação e política regional

empresas, seja pelas reduzidas qualificações dos trabalha- recursos necessários à inovação que elas não têm con-
dores, seja pelo défice de proatividade das instituições pú- dições para dispor internamente.
blicas na dinamização das estruturas organizacionais de Não é difícil encontrar em Portugal empresas com me-
que se alimenta a inovação das empresas. nos de 10 trabalhadores mas com uma elevada qualidade
Como se disse antes, vivemos em plena sociedade do co- produtiva. Sabem produzir mas não sabem vender o que
nhecimento, o que significa que no mercado global quem produzem, pois não têm departamento comercial nem res-
ganha vantagem não é quem produz mais barato, mas quem ponsáveis de marketing. A sua dimensão não o permite.
tem capacidade para integrar conhecimento no produto/ Mas a participação numa rede orientada para a comerciali-
serviço que comercializa. Por exemplo, o custo material de zação conjunta pode potenciar a venda dos produtos deste
produção de um smartphone é uma ínfima parte do seu tipo de empresas no mercado global. Em grande medida
preço de mercado. De onde vem a diferença entre os es- este foi o «segredo» do sucesso competitivo experimen-
cassos euros que custa a sua produção e as centenas por tado pela indústria do calçado.
que se vende? Do conhecimento codificado incorporado no Em termos gerais, quanto mais frágil é a capacidade de
hardware e no software, isto é, da inovação. inovação de uma empresa mais esta precisa de beneficiar
Assumida a centralidade da inovação para a competitivi- da dinâmica das redes de inovação. Ora, os estudos aca-
dade, a questão que então se coloca é: num país semiperi- démicos comprovam que frequentemente a dinâmica das
férico como Portugal, como se pode promover a inovação? redes de inovação alimenta-se das características e das
A tarefa é complexa, mas a resposta é simples: promoven- dinâmicas dos «sistemas regionais de inovação», levando
do redes de inovação territorialmente ancoradas. Com efei- a que algumas regiões sejam designadas «meios inova-
to, os estudos académicos mostram que as empresas têm dores» ou «regiões inteligentes». O que está em causa
duas vias para inovar (por exemplo, Nunes & Lopes, 2015). aqui é o papel desempenhado pelo território no processo
Umas baseiam a sua capacidade de inovação nos recursos de inovação. Quando estamos em presença de uma espe-
internos da empresa, investindo em estruturas de investiga- cialização produtiva historicamente consolidada, existe
ção e desenvolvimento tecnológico, o que pressupõe desde um saber-fazer, tácito e codificado, disseminado no teci-
logo que a empresa já dispõe de parte das competências do social e produtivo local, é como se o território fosse o
tecnológicas e, supletivamente, que tem condições para celeiro do conhecimento de que se alimenta a inovação.
afetar recursos humanos altamente qualificados à pesqui- Por outro lado, num dado contexto territorial, as relações
sa de novas oportunidades de inovação. Outras inovam so- económicas entre atores entrecruzam-se com uma mul-
bretudo a partir da aprendizagem baseada na experiência e tiplicidade de relações sociais e institucionais.
da interação com clientes/fornecedores, assim como com No primeiro caso, a proximidade organizacional e cogni-
entidades organizacionais do sistema de conhecimento: tiva decorrente da especialização produtiva do território
universidades, laboratórios e centros de investigação, etc. reduz a incerteza inerente ao processo de inovação e, por
O modo de inovação centrado nos atributos internos da outro lado, favorece a partilha, a aprendizagem interativa
empresa só está ao alcance de algumas, poucas, empre- e a apropriação pelas empresas dos impulsos inovadores
sas, normalmente de grande dimensão, como as multi- disponíveis no seu contexto territorial. Tenha-se presente
nacionais. Sem prejuízo dos bons exemplos que existem que a absorção de conhecimento novo por uma empresa
em Portugal, a reduzida dimensão do tecido empresarial pressupõe a existência de proximidade cognitiva, já que o
português constitui um obstáculo intransponível para a entendimento do novo conhecimento requer a existência
esmagadora maioria das empresas portuguesas inovarem de um conhecimento base próximo.
seguindo este caminho. Em consequência, não surpreen- No segundo caso, a proximidade social e institucional ali-
de que, no contexto da OCDE, Portugal apresente uma das menta a confiança indispensável às relações dos atores
menores percentagens de investimento em «capital ba- envolvidos nas redes de inovação, promovendo a densi-
seado no conhecimento» (software, I&D, capital organiza- ficação de relações no âmbito destas redes. O reconheci-
cional, capital humano, marketing...), apenas cerca de 8% mento da importância do território para a inovação empre-
(OCDE, 2015). Esta evidência confronta-nos com a neces- sarial levou mesmo a que no Portugal 2020 se definissem
sidade de promover a inovação adotando como caminho o estratégias regionais de especialização inteligente (RIS3)
modo de aprendizagem interativo, isto é, promovendo a in- para cada uma das regiões portuguesas.
serção das empresas portuguesas em redes de inovação. Assumida a centralidade do território no processo de ino-
A participação nestas redes funciona para as pequenas vação que suporta a competitividade, precisamos agora de
e médias empresas como o instrumento de acesso aos compreender o papel das políticas públicas no processo,

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 11
TEMA DE CAPA

em especial da Política Regional. Desde logo compreender mas o foco das novas políticas territoriais transferiu-se
o que faz com que alguns territórios tenham capacidade para os fatores imateriais de desenvolvimento, especial-
para fixar população, criar emprego e gerar riqueza, e ou- mente para a qualificação de recursos humanos e para o
tros não. Isto é, porque são uns territórios competitivos reforço da textura organizacional dos territórios. Assim
e outros não (Lopes, 2001). sendo, o epicentro da gestão das atuais políticas territo-
A teoria económica neoclássica postula que o livre funcio- riais transferiu-se dos governos centrais para um modelo
namento do mercado é suficiente para corrigir as assime- de governança multinível que visa mobilizar e articular a
trias regionais, mas há muito que se compreendeu que, multiplicidade de atores sectoriais existentes aos vários
pelo contrário, o agravamento das assimetrias é intrínseco níveis geográficos de gestão das políticas de desenvolvi-
ao funcionamento do mercado, pelo que a promoção do de- mento territorial: o nível local, o nível nacional e, no caso
senvolvimento territorial não pode prescindir da interven- português, o nível europeu.
ção do Estado, ou seja, das políticas de desenvolvimento «Parceria» e «atuação em rede» são duas expressões
regional. Com uma indelével inspiração no pensamento indissociáveis da política regional atual, o que implica,
económico keynesiano, a política regional característi- entre outras coisas, que é necessário elevar a capacidade
ca das experiências de vários países europeus nos anos de gestão estratégica das entidades públicas. Não basta
60 e 70 era uma política assente numa visão dicotómi- definir boas medidas de política pública, a forma de as
ca do espaço regional, dividindo o país entre regiões ri- executar é tão ou mais importante do que o estabeleci-
cas e regiões pobres. A partir daqui, tendo como ambição mento dos seus objetivos e instrumentos. Isto significa
corrigir os desequilíbrios regionais de desenvolvimento, que atualmente a governança das políticas públicas en-
procurava-se promover o crescimento das regiões po- frenta dois enormes desafios: i) encontrar modalidades de
bres em detrimento das regiões ricas. Dada a sua natu- tomada de decisão adequadas à participação dos atores
reza, esta política era gerida de forma centralizada pelos (públicos, privados e associativos) e ao reforço da cida-
governos nacionais. dania nos processos de desenvolvimento territorial; ii)
O entendimento atual da política regional é bem distinto dotar os territórios de um perfil de liderança socialmente
(vd. OCDE, 2019, por exemplo). Em termos de objetivos, as legitimada com capacidade para adotar um «estilo» de in-
preocupações com a correção dos desequilíbrios regionais tervenção em linha com o requerido pelas atuais políticas
cederam lugar à promoção da competitividade territorial. de desenvolvimento territorial.
Ao mesmo tempo, a coesão social e a sustentabilidade
ambiental emergiram como objetivos recorrentes da nova
política regional, assim como a preocupação com a promo-
ção territorialmente integrada do desenvolvimento, refor-
çando as articulações não apenas entre a rede de cidades,
mas igualmente entre os espaços urbanos e os espaços
rurais. Tal significa que a visão assistencialista da primeira
geração de políticas regionais, que se focava exclusiva-
mente nas regiões mais pobres, cede lugar a uma visão
integrada do sistema territorial, tendo por objetivo a pro-
moção da competitividade, não apenas das regiões pobres
mas de todas e cada uma das regiões, muitas vezes com
uma ênfase especial nos espaços metropolitanos. Trata-se
agora de conceber estratégias de desenvolvimento que
decorrem das necessidades, potencialidades e recursos
específicos de cada território, isto é, políticas de desen-
volvimento territorialmente referenciadas ou, como são
normalmente referenciadas, place-based policies. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Claro que com a mudança de objetivos se assistiu tam- AD&C (2019), Relatório do Desenvolvimento & Coesão.
LOPES, Raul (2001), Competitividade, Inovação e Territórios, Celta Editora.
bém à alteração dos instrumentos e do modelo de gover- NUNES, Sérgio & Raul Lopes (2015), «Firm Performance, Innovation Modes and
nança das políticas territoriais. Continua a valorizar-se a Territorial Embeddedness», European Planning Studies, DOI:10.1080/09654313.2015
.1021666
construção de infraestruturas estratégicas de suporte à OCDE (2014), Regions and Cities: where policies and people meet.
OCDE (2015), Science, technology and Industry Scoreboard.
atividade económica e a prestação de serviços coletivos, OCDE (2019), Regional Outlook 2019.

12 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
DESENVOLVIMENTO DA
INDÚSTRIA TÊXTIL E VESTUÁRIO
(ITV11) EM PORTUGAL

JOSÉ MANUEL CASTRO ENGIRISCO


Diretor do Centro de Formação Profissional da Indústria Têxtil,
Vestuário, Confecção e Lanifícios – Modatex

A ÁRDUA TRADUÇÃO DE TRADIÇÃO

A palavra «tradição» tem uma história etimológica interessante, onde o traditio/tradere do Latim (entregar, passar
adiante) evoluiu para um sentido de transmissão, assegurando a permanência de uma visão do mundo, de costumes e
valores sociais; neste sentido, a tradição (e o tradicional) implicam uma ação de outorga e um compromisso de lealdade.
A mesma raiz etimológica (e histórica) de tradição é também partilhada com o termo «traição», que enfatiza o renegar
de um compromisso, a quebra de confiança e de fidelidade, iludindo um dever e adulterando uma causa.
Traduttore/traditore (tradutor/traidor), dizem os italianos para justificarem o drama dos intérpretes-embaixadores que,
adoçando as palavras alheias, evitavam fúrias nos processos negociais. Assim, tradução suporta-se num processo de
negociação no qual sempre haverá uma certa transformação – renuncia-se a uma coisa para se obter outra.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 13
TEMA DE CAPA

O desenvolvimento das indústrias têxteis, de vestuário e tecnológico e científico e modelos de ensino/formação


de lanifícios (ITV*) interlaça a história de Portugal, tanto inovadores e socialmente acreditados.
ao nível da evolução do processo de industrialização (e As indústrias têxteis portuguesas são hoje (re)conheci-
suas sucessivas «revoluções»), como do crescimento das internacionalmente pela produção sofisticada e de
económico, do estabelecimento de regimes de saúde e elevada qualidade, bem como pela rápida e eficaz capa-
segurança social, bem como na indução de sentidos de cidade de resposta, flexibilidade e customização dos tra-
modernidade e de moda nos estilos de vida quotidianos. balhos desenvolvidos. De um modo de produção baseado
Apesar disso, quando comparada com outros sectores no preço e orientado para a massificação, emerge agora
industriais portugueses, raramente foi percebida como uma indústria que aposta na diferenciação, na qualidade,
estratégica e inovadora, sendo (muitas vezes) as em- na tecnologia e no design.
presas e o tipo de emprego no sector considerados de Em 2018, as exportações portuguesas de têxtil e vestuá-
«menor» valor e prestígio. Num passado recente, marca- rio atingiram um «recorde absoluto», aumentando 3%
do por contextos altamente intensivos em mão-de-obra, face ao ano anterior e somando 5314 milhões de euros.
estas mesmas indústrias ofereceram oportunidades de O jornal Le Monde destacou esta espécie de renaissan-
emprego a milhares de mulheres e homens, combatendo ce des industries traditionnelles portugaises (1 de julho
a pobreza nos meios rurais desfavorecidos. O impacte de 2017) que, depois de terem sido dadas como mortas,
do civilizacional resultante da incorporação expressiva viram-se metamorfoseadas em campeãs de exportação,
de trabalhadoras promoveu a afirmação do seu estatuto contribuindo para a recuperação económica do país.
profissional e a emergência de novos papéis sociais. Ain- Efetivamente, hoje a ITV tem um conjunto de elemen-
da hoje, a ITV tem um impacto relevante na retenção de tos muito atrativos: garante emprego (com direitos e
populações em territórios do interior do país e no com- estabilidade), permite a evolução profissional, utiliza
bate à sua desertificação. meios tecnológicos muito sofisticados e tem níveis de
Tendo sofrido, entre 2001 e 2008, choques competitivos remuneração muito interessantes. Num tempo marca-
sucessivos e dramáticos, a indústria têxtil portugue- do por discursos de instabilidade, de precariedade e de
sa atravessou nesta última década um notável proces- dificuldade em se fazerem projetos de vida e de família,
so de renovação e mudança, vendo-se impelida a fazer importa acentuar evidências acerca das vantagens de
transformações profundas para «ter oportunidade» de uma carreira na indústria. Nela emergem novas possibi-
competir num (novo) ambiente global, reinventando-se lidades de trabalho/emprego, marcadas por ambientes
constantemente face a impulsos exigentes e desafiantes. profissionais complexos e tecnologicamente sofistica-
Conseguiu, deste modo, reter e vivificar um know-how dos, que reclamam com urgência por recursos humanos
de muitas décadas, que foi aperfeiçoado por um sistema altamente qualificados.

14 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Desenvolvimento da indústria têxtil e vestuário (ITV) em Portugal

humanos e das empresas do sector, procurando responder


às necessidades imediatas e às emergentes, antecipando
alguns sinais do futuro.
Na sua configuração institucional, o Centro alia o Insti-
tuto Público responsável pela aplicação de políticas de
emprego e formação profissional (IEFP) a três relevantes
associações empresariais (ATP, ANIVEC e ANIL), parceiros
com um papel crucial tanto na antecipação das necessi-
dades futuras e emergentes do sector ITV, como na gestão
do próprio sistema e processos de formação. Com uma
ampla e diversificada oferta de formação orientada ex-
clusivamente para o sector, distribuída em modalidades
qualificantes (escolar e profissionalmente) e de formação
contínua, destinada a jovens e adultos (ativos empregados
Estas oportunidades resultam precisamente do dinamis- e/ou desempregados), o Modatex tem uma implantação
mo socioeconómico das ITV e de aceleração dos novos nacional, com uma rede de centros de formação distri-
processos, produtos, modelos de trabalho e inovação buídos pelo Porto (onde está situada a sua sede), Lisboa,
tecnológica. O confronto de fatores «industriais» (mu- Covilhã, Barcelos, Vila das Aves/Santo Tirso e núcleos em
danças estruturais contínuas na economia) e de fatores Pinhel, Lousada e Marco de Canaveses.
«ocupacionais» (mudanças que influenciam o padrão da Numa paisagem profissional em mudança tão acelerada,
procura de competências dentro do sector) aponta para a formação constitui o reconhecimento formal do «direi-
uma «estabilização em decréscimo» do número de traba- to universal» à aprendizagem ao longo (e em todos os
lhadores da ITV no nosso país; segundo o Centro Europeu contextos) da nossa existência. O Modatex foca-se na
para o Desenvolvimento da Formação Profissional – Ce- centralidade da qualificação para a capacitação do exer-
defop (Skills forecast – trends and challenges to 2030), cício do papel de trabalhador, mas nunca descurando a
no caso concreto do sector «têxteis, vestuário e peles» ênfase nos outros papéis sociais da nossa existência –
o cenário para Portugal, entre 2016 e 2030, aponta para cidadão/ã, cônjuge, consumidor/a (inventor de técnicas
um nível de emprego que poderá variar entre -1,5% e 0%. e criador de sonhos...) –, tentando, deste modo, recons-
Depois do confronto com os desafios da reestruturação, truir novos significados para a formação profissional.
estarão Portugal e a ITV preparados para os desafios e Os percursos de formação e processos de aprendiza-
ameaças de um conjunto de megatendências, amplas e gem são desenvolvidos tanto no espaço físico (real) dos
interconectadas, exprimidas nos avanços tecnológicos,
na robótica e automatização, na digitalização, nos novos
materiais e na globalização?
A ITV já está a passar por uma espécie de revolução si-
lenciosa e que se revela no confronto exigente com a ine-
vitabilidade das mudanças climáticas e demográficas,
com foco na sustentabilidade, no Design for Recycling,
no aumento da vida útil dos produtos e na relevância da
economia circular. Face a contextos tão exigentes quanto
instáveis, a centralidade do investimento na formação e
qualificação das pessoas será crucial.
O Modatex – Centro de Formação Profissional da Indústria
Têxtil, Vestuário, Confeção e Lanifícios –, resultante da
agregação, em 2011, dos três centros existentes para o
sector (CITEX, CIVEC e CILAN), procurou afirmar-se como
parceiro privilegiado das empresas apostando numa for-
mação de elevada qualidade, orientada para a empregabi-
lidade, mantendo-se fiel aos valores que estiveram na sua
génese: a urgência nacional na qualificação dos recursos

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 15
TEMA DE CAPA

centros de formação, como em ambientes a distância e, da Indústria de Têxtil, Vestuário, Confeção e Lanifícios,
sobretudo, nos contextos reais de trabalho, onde a ne- espaço de intervenção social, profissional, de desenvol-
cessidade e urgência de estar «preparado» para apren- vimento económico e humano.
der mais se evidencia. É nesta espécie de ecossistema Portugal tem tecido empresarial composto na sua qua-
de aprendizagem ao longo da vida que mais se afirma o se totalidade por pequenas e médias empresas (dados
impulso dos/as trabalhadores/as de investirem na forma- PORDATA – em 2017, representavam 99,9 das empresas)
ção, tanto maior quanto isso estiver (também) associado e que também espelha o quadro da indústria têxtil e ves-
a segurança no emprego, evolução tecnológica e melhoria tuário – 6 mil sociedades e 5900 empresas individuais,
das suas competências. as quais empregam, no total, cerca de 138 mil trabalha-
Ainda que muitos dos ativos se situem sobretudo nas dores diretos (dados do Diretório ATP 2019). Em termos
áreas da produção (e para as quais o Centro desenvolve de densidade empresarial verifica-se a preponderância
formação à medida), o Modatex desenvolve continuamen- das sub-regiões do Ave, Cávado, Tâmega e Sousa, Beira
te novos perfis em áreas tão diversas como a modelação, e Serra da Estrela e Aveiro (ainda com relevância para a
o design de moda e design têxtil, artes têxteis, alfaiataria, área metropolitana do Porto).
marketing, merchandising, gestão da qualidade, planea- Com uma disseminação tão marcada nestes territórios, a
mento, manutenção e comércio internacional. ITV poderá constituir um poderoso motor de desenvolvi-
O complexo processo demográfico que vivemos em Portu- mento local e de sustentabilidade para as atuais e futuras
gal (e na Europa) acentua a urgência da procura/descober- gerações. Este poderá ser o imperativo ético da missão
ta de novos (e outros?) processos de atração/mobilização das indústrias têxteis e vestuário, atraindo e retendo jo-
de candidatos à formação. Neste campo, a mobilização vens qualificados que necessitam de um forte apoio na
de jovens para este sector tem sido uma fonte de investi- sua integração nos mercados de trabalho e incrementando
mento marcante do Centro, mas que terá obrigatoriamente opções para que os trabalhadores mais velhos se man-
de se assumir como um «desígnio nacional», suportado tenham economicamente ativos, preparando-os proati-
na exigência/existência de sistemas de orientação que vamente para as transições da adultez tardia e envelhe-
apoiem os jovens e as suas famílias na crença e no valor cimento ativo.
das modalidades de formação profissional realizadas em Poderá ser também este o mote para afirmar com é ali-
alternativa ao sistema de ensino regular (mas com equi- ciante, prometedora e fashion a carreira e o emprego no
valente «certificação escolar»). panorama das indústrias têxteis, vestuário, confeção e
Nesta perspetiva, o Modatex continuará a procurar gerir a lanifícios em Portugal.
tensa harmonia entre a sua natureza histórica de Escola
de Moda (e do papel fundacional desempenhado na afir-
mação da profissão de designer de Moda em Portugal) e a 1
Adota-se neste artigo a expressão indústria têxtil e vestuário (ITV) para designar
a ampla fileira de atividade que envolve a indústria e empresas do sector têxtil, do
exigência de ser o Centro Público de Formação Profissional vestuário, confeção e lanifícios.

16 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO
ECONÓMICO
HELENA FREITAS, Professora Catedrática do Departamento de ENGIRISCO
Ciências da Vida da Universidade de Coimbra. Cátedra Unesco em
Biodiversidade e Conservação para o Desenvolvimento Sustentável

R
ecupero neste texto algumas reflexões que te- na utilização e partilha dos recursos. Na senda da pros-
nho elaborado em contextos diversos, esperan- peridade, uma sociedade justa e democrática não dis-
do corresponder ao desafio do tema proposto. crimina cidadãos ou territórios, garantindo as neces-
É hoje consensual a perceção da urgência de políticas sidades básicas em saúde, alimentação e educação.
públicas para a coesão e sustentabilidade do territó- É por isso indispensável ir ao encontro das preocu-
rio, por forma a superar o centralismo dominante e pações e necessidades de todos os portugueses, em
contrariar a profunda desigualdade social e territorial especial dos mais frágeis, identificando e concebendo
de que o país enferma. Promover a coesão nacional as soluções para os seus problemas, assegurando o
tornou-se um imperativo ético e político, exigindo mais acesso aos serviços públicos essenciais, da saúde à
justiça, mais conhecimento, planeamento e eficiência educação, da justiça à cultura.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 17
TEMA DE CAPA

A assimetria resultante do abandono dos territórios rurais e tecnológico nacional e a administração, apoiado numa
intensificou-se nas últimas décadas, em grande medida ação política que se exige descentralizadora, e cumprin-
pela perda da atividade económica agrícola de baixo ren- do ainda a função privilegiada de provedoria dos territó-
dimento que aí prevalecia e que não foi substituída por rios e das comunidades mais afastadas do poder central.
atividades alternativas. A desvalorização do sector primá- Esta ação contará com a mobilização cada vez maior da
rio como veículo de crescimento económico e a falta de sociedade, com a participação da rede de instituições de
oportunidades de emprego reforçaram a tendência para o ensino superior na qualificação de recursos humanos e
abandono e perda de competitividade do mundo rural. Na com o papel fundamental da agenda digital.
falta de oportunidades, a saída tem sido particularmente As instituições de ensino superior devem contribuir para
expressiva entre as gerações mais jovens que, além da uma estratégia de desenvolvimento integrado do país,
procura de emprego qualificado, buscam os contextos ur- através do conhecimento que produzem e enquanto agen-
banos mais sedutores e dinâmicos. Perante a assimetria tes dinâmicos nos territórios em que se inserem, desig-
sociodemográfica atual, a revitalização económica não nadamente apoiando e fomentando a fixação de jovens
será possível sem um quadro estratégico de iniciativas qualificados e criativos. As redes de conhecimento que
políticas apoiadas na valorização inteligente e escrupulo- as instituições de ensino superior podem criar e apoiar,
sa dos recursos e dos contextos. Tal orientação não pode numa articulação fecunda com a atividade económica,
esquecer o apoio à atividade económica que sobrevive nos são parte da receita de que precisamos para contrariar o
territórios rurais, em particular a agricultura de base fami- rumo de abandono e de desigualdade que prevalece. Neste
liar, plurirrendimento, em sintonia com outras atividades sentido, é da maior importância a modernização e valori-
produtivas apoiadas no território, apostando na formação zação dos institutos politécnicos dispersos pelo território,
e no conhecimento como ferramentas indispensáveis à apoiando a investigação nestas instituições e as sinergias
exigente e progressiva construção das alternativas. que devem estabelecer e fortalecer com a atividade eco-
O desenvolvimento económico e social do país impõe nómica local e regional. Considero igualmente relevante
um combate persistente às assimetrias territoriais, mas a aposta numa rede de competências para o desenvolvi-
é complexo e exige uma intervenção firme e duradoura, mento social e territorial alicerçada na capacitação das
conciliando ações de qualificação dos territórios, planea- escolas profissionais, com relevo para as escolas de ma-
mento da mobilidade e infraestruturas de conectividade, triz agroflorestal e produção agrícola e animal, visando a
reforço e consolidação dos eixos urbanos estruturantes, valorização sustentável dos recursos endógenos através
garantia de oferta e qualidade de serviços públicos nas da inovação no sector produtivo e nos produtos em terri-
áreas da educação e saúde, criação de emprego e uma tórios de baixa densidade.
aposta forte na digitalização da economia. Neste quadro O desenvolvimento dos territórios deve naturalmente con-
de responsabilidade pública, o investimento na ferrovia tar com a indústria. O emprego é fundamental para a revi-
deve ser encarado como estratégico para a coesão ter- talização dos territórios de baixa densidade e a indústria
ritorial, como parece finalmente acontecer. Portugal tem tem um papel determinante, estando por norma associada
deixado degradar este serviço e optado pelo encerramen- a empregos melhor remunerados e mais estáveis. A ati-
to das linhas que garantiam um acesso capilar a sectores vidade industrial vai mantendo presença fora das áreas
importantes do território. Importa agora retomar o investi- metropolitanas, resistindo em territórios que não benefi-
mento na recuperação da ferrovia, e seria particularmente ciam de boas acessibilidades nem acesso a muitos servi-
relevante configurar a oferta de um serviço confiável e ços públicos essenciais. Faz falta uma aposta consistente
qualificado a todas as cidades portuguesas atualmente numa indústria bem integrada nos territórios, cabendo ao
servidas por via-férrea. Estado valorizar e apoiar as dinâmicas positivas e a fixa-
Mantenho a convicção de que é possível combater a as- ção racional da iniciativa privada, colaborando na moder-
simetria territorial vigente de forma programática, con- nização do aparelho produtivo, e incentivando a oferta das
sistente e progressiva, com a intervenção determinada competências que são necessárias, proporcionando mais
e cúmplice de todos os sectores do governo e na base empregos, mais serviços, mais comércio e maior riqueza à
de um amplo entendimento político. A oportunidade que escala dos territórios. Este processo só é possível com o
constitui a orgânica do atual governo, em particular a envolvimento das regiões na definição estratégica do de-
criação de um ministério para a coesão territorial, deve- senvolvimento económico, e tendo o Estado como facilita-
rá desempenhar um papel catalisador das dinâmicas de dor e suporte financeiro de ações concretas em benefício
cooperação entre o sector produtivo, o sistema científico de iniciativas que terão necessariamente que envolver as

18 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Território e desenvolvimento económico

entidades locais. A esta estratégia deve associar-se um ser um espaço fundamental para definir a agenda política
plano de desenvolvimento de formação e competências e impulsionar a mudança. As políticas públicas são neces-
para apoiar o recrutamento de que as empresas necessi- sárias para estimular os mercados, eliminar os obstáculos,
tam, preferencialmente com o envolvimento da rede de identificar as áreas estratégicas e definir objetivos e me-
instituições de ensino superior. tas claras para novas indústrias e tecnologias verdes.
A globalização tem transformado os modelos económi- Tal como se mantêm essenciais para garantir o respeito
cos, todo o sistema de aprovisionamento, o mercado de pelos direitos humanos e a defesa dos interesses dos
trabalho e os movimentos migratórios. Cada vez mais grupos mais vulneráveis da sociedade.
pessoas trabalham hoje numa economia apoiada na tec- Portugal tem uma grande diversidade de territórios e
nologia digital e nos avanços da robótica e da inteligên- cada território tem a sua especificidade e dinâmicas de
cia artificial. Ora esta conjugação constitui uma imensa desenvolvimento, necessariamente associadas à quali-
oportunidade para os territórios e para a economia nacio- ficação dos recursos humanos. Ao Estado compete as-
nal, enquadrada no objetivo global da descarbonização segurar um acesso justo a infraestruturas e serviços
da economia, tornando obrigatória uma agenda verde, em e, num mundo global, na sociedade do conhecimento,
que a energia limpa, a mobilidade não poluente, a utiliza- o acesso à educação é decisivo para as oportunida-
ção eficiente de água e de energia, a agroecologia, deter- des de desenvolvimento dos territórios. A fixação das
minam o próprio futuro das próximas indústrias globais. populações, a formação do capital humano, a inova-
Não podemos resolver os desafios globais sem os re- ção e o desenvolvimento e as cidades funcionais são
cursos, o conhecimento, a tecnologia e o envolvimen- a base sustentável para um crescimento e desenvol-
to dos empresários e da iniciativa privada, que fazem vimento territorial harmonioso, inteligente, inclusivo
parte da solução. Todavia, a esfera pública continua a e sustentável.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 19
TEMA DE CAPA

ECONOMIA E TERRITÓRIO

FERNANDA DO CARMO, Diretora-Geral do Território ENGIRISCO

E
ntre a economia e o território existem relações in- incremento do desenvolvimento, obrigam a concetualiza-
trínsecas cuja compreensão tem vindo a ser enqua- ções mais complexas que compreendam as geografias de
drada por diferentes perspetivas, acompanhando a proximidade, que reforçam as lógicas de aglomeração e as
evolução do pensamento teórico da ciência económica e geografias de articulação e que reforçam lógicas de inser-
geográfica. O desenvolvimento da geografia económica foi ção do local nas cadeias globais de produção e decisão.
importante para a concetualização das relações entre eco- A melhoria da relação entre economia e território assenta
nomia e território e trouxe novas abordagens que aproxi- na compreensão do território como um ativo múltiplo e
maram as duas ciências e incrementaram a consideração diverso, que oferece muito mais do que um conjunto de
do território nos estudos económicos e da economia nos recursos disponíveis, que se constrói continuamente a
estudos de desenvolvimento territorial, com consequên- partir da relação economia, sociedade e ambiente, com
cias positivas recíprocas. base num quadro institucional, num determinado espa-
Nesta evolução foram ultrapassadas as visões económi- ço e num determinado contexto relacional e que, na sua
cas que ignoravam o espaço ou que reduziam o território multiplicidade, diversidade e espessura institucional, é
à sua dimensão física, associada à distância a percorrer determinante do crescimento económico e da qualidade
para angariar recursos, escoar bens e produtos e aceder do contributo desse crescimento para o desenvolvimento.
a serviços. Igualmente, foram ultrapassadas visões re-
centes em que se perspetivou um mundo quase plano, ECONOMIA E TERRITÓRIO NA UNIÃO EUROPEIA:
fruto da extensão do processo de globalização do estado POLÍTICA DE COESÃO
e da economia a todos os cidadãos, da redução drástica
das distâncias e da indiferenciação das localizações nas Na Europa comunitária e, por sua vez, em Portugal, a evolu-
escolhas coletivas e individuais. ção da relação entre economia e território está fortemen-
Entre dois extremos em que a distância quase tudo con- te associada aos progressos dos enquadramentos estra-
diciona para passar a quase nada condicionar e entre um tégicos e operacionais dos fundos de financiamento da
entendimento restrito do território, centrado na dimensão política regional, posteriormente política de coesão. Esta
espacial e física, e um entendimento amplo que considera política surgiu como um instrumento de solidariedade e
as suas dimensões económicas, sociais, ambientais e cul- integração europeia, suportado pelo fundo europeu para
turais, muitas configurações foram, e ainda são, concetua- o desenvolvimento regional, depois complementado por
lizadas. Interessa, sobretudo, salientar que as exigências outros, visando a redução das assimetrias regionais atra-
atuais que se colocam à economia e ao território para o vés do desenvolvimento equitativo de todos os territórios

20 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
e da equidade da qualidade de vida dos seus habitantes, global, multissectorial e integrada, identifica objetivos e
e tem vindo a reforçar-se. opções estratégicas, define o modelo de organização ter-
A relação economia e território deu um passo decisivo com ritorial, estabelece um conjunto de medidas de política a
a explicitação da política de coesão nos tratados euro- implementar e o respetivo modelo de governação, bem
peus e, posteriormente, com a conclusão, em 2007, dos como as diretrizes para os demais programas e planos
dois pilares iniciais desta política, relativos à coesão eco- territoriais. Nos termos do estabelecido, o novo PNPOT é
nómica e à coesão social, com o terceiro pilar, relativo à o referencial estratégico territorial que enquadra a ela-
coesão territorial, bem como com a sequente consagração boração do Programa Nacional de Investimentos 2030,
da agenda territorial. Nas fases mais recentes, a relação onde são inscritos os investimentos públicos estruturan-
entre economia e território reforçou-se com o reconheci- tes da próxima década e da Agenda 2030, que enquadra
mento da importância das abordagens de base local im- a programação da política de coesão no próximo ciclo de
pulsionadas pelo relatório Barca, de 2012, e a introdução fundos comunitários.
das estratégias regionais de especialização inteligente.
Na base destas estratégias está o entendimento de que DIAGNOSTICAR NUMA BASE TERRITORIAL
em cada território existe um potencial a explorar e que
é da seleção de atividades a promover e da articulação Da leitura do diagnóstico do PNPOT pode retirar-se um con-
de atores que podem sair os maiores contributos para o junto de conclusões que constituíram o ponto de partida
desenvolvimento harmonioso e equilibrado das regiões. para a definição dos desafios estratégicos e para a defini-
O atual quadro de financiamento plurianual dos fundos ção da agenda para o território, de que se realçam, segui-
estruturais 2014-2020 condicionou a aplicação dos fun- damente, algumas conclusões importantes para a conce-
dos regionais à elaboração de estratégias regionais de ção e execução dos instrumentos da política económica
especialização inteligente, definidas como abordagens e de valorização dos recursos humanos.
estratégicas de inovação regional para uma especializa- A economia portuguesa apresenta-se em reequilíbrio após
ção inteligente e concretizadas como agendas de trans- a crise, mostrando melhorias nos indicadores de desem-
formação económica de base local. Partindo das valias penho, incremento das exportações e elevada diminuição
territoriais e das vantagens competitivas e ponderando do desemprego; todavia, como pequena economia aber-
o potencial por explorar de cada região, estas estratégias ta, apresenta grande exposição a uma conjuntura exter-
visam incrementar o envolvimento dos atores regionais, na incerta e aos múltiplos desafios da economia global,
institucionais e privados (empresas, academia, sistema carecendo de progredir mais rapidamente nos níveis de
científico e tecnológico, agências públicas) num exercício convergência externa e de alterar o padrão de evolução
de descoberta empreendedora e de inovação baseada na da coesão interna, cujo sentido positivo tem vindo a ser
tecnologia e direcionar as políticas públicas e o investi- conseguido também por via do abrandamento do cresci-
mento público e privado para as prioridades aí definidas. mento da região mais desenvolvida.
O próximo ciclo de fundos comunitários reforçará a adoção A distribuição da atividade económica e do emprego no
das abordagens territoriais, estando já estabelecido que território nacional evidencia uma forte segmentação ter-
um dos cinco objetivos principais da política de coesão é ritorial, com grande concentração nas aglomerações prin-
o apoio a estratégias de desenvolvimento local e de de- cipais, principalmente nas áreas metropolitanas e na faixa
senvolvimento urbano sustentável. urbana litoral, embora havendo um conjunto de cidades
médias que fixam atividade económica e emprego nos
ECONOMIA E TERRITÓRIO EM PORTUGAL: PROGRAMA territórios de baixa densidade onde se inserem.
NACIONAL DA POLÍTICA DE ORDENAMENTO DO O decréscimo e o envelhecimento demográfico, sendo rea-
TERRITÓRIO (PNPOT) lidades generalizadas a todo o país, trazem preocupações
acrescidas para os territórios da baixa densidade, onde as
Recentemente foi realizada uma reflexão aprofundada perdas acumuladas de pessoas e atividades são mais ex-
sobre economia e território no âmbito da revisão do Pro- pressivas e, na ausência de novas lógicas de atratividade
grama Nacional da Política de Ordenamento do Território ganhadoras, tenderão a entrar em perda acrescida, num
(PNPOT). Este Programa, cuja revisão foi aprovada pela contexto de elevada competição territorial por recursos
Lei n.º 99/2019, de 5 de setembro, da Assembleia da Re- humanos, sobretudo qualificados.
pública, é o instrumento de desenvolvimento territorial No seu diagnóstico de suporte, o PNPOT expõe a diversi-
de âmbito nacional, aborda o território numa perspetiva dade territorial da base económica nacional, tipificando e

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 21
TEMA DE CAPA

mapeando um conjunto de realidades tipo que mostram 1. «... evoluir a sua oferta ao exterior de bens, serviços,
o ponto de partida e o potencial das estruturas existen- conteúdos e conceitos, sintonizando-a com os merca-
tes, denotando em alguns territórios a existência de es- dos e os segmentos sectoriais de maior crescimento
truturas económicas diversificadas e noutros de estru- no comércio internacional, e conseguir reunir as con-
turas fortemente especializadas, e analisa, a partir dos dições para que essa oferta ao exterior possua uma
acessos ao financiamento público, o sistema colaborativo maior componente de valor acrescentado nacional;
de produção do conhecimento e inovação, espelhando as 2. a partir do seu território, gerar ativos físicos que se
relações entre o sistema produtivo e o sistema científico tornem atrativos para a aplicação de poupanças vindas
e tecnológico e ilustrando a territorialização dos ecossis- do exterior graças à combinação de valências naturais,
temas de inovação. de ofertas que assegurem qualidade de vida e de um
Das análises efetuadas resultou a seguinte conclusão: património que suporte capital simbólico que muitos
«A construção de uma economia mais competitiva, inclu- cidadãos vindos do exterior desejem compartilhar».
siva e sustentável assenta num conjunto de pilares que (Lei n.º 99/2019, de 5 de setembro, anexo pág. 43.)
evidenciam a importância de construir geografias inteli-
gentes assentes em processos mais inovadores e colabo- É, pois, no quadro destes dois grandes desafios, que con-
rativos. O desenvolvimento socioeconómico passa sobre- gregam objetivos de competitividade externa e de coe-
tudo pelo crescimento económico (PIB) e pelo emprego, são interna do país, e num quadro de desenvolvimento
que se sustentam nas dinâmicas e nas qualificações dos territorial alargado que reconhece que a globalização das
recursos humanos, na capacidade de criação de riqueza economias e sociedades não afasta o potencial das espe-
e na diversidade de atividades presentes nos diferentes cificidades locais, antes o valoriza e reposiciona, que de-
territórios, nas geografias dos processos de inovação e na vem ser entendidas as orientações e diretrizes do PNPOT e
emergência de algumas atividades ou de novos modelos aplicadas as medidas de políticas preconizadas na agenda
económicos...» (PNPOT – Diagnóstico: 2.4 Atividades eco- para o território.
nómicas e inovação, pág. 65.) Os dois desafios colocados, acima transcritos, exigem
Os trabalhos desenvolvidos, disponíveis ao público, mos- abordagens territoriais integradas, multissectoriais e mul-
tram que diagnosticar numa base territorial é crucial para tinível que conjuguem e complementem o incremento das
ponderar as mudanças críticas globais e as dinâmicas eco- valias do sistema económico mais avançado, patente nas
nómicas, explorar potencialidades e encontrar novos mo- economias de aglomeração instaladas e que deve ser in-
delos para o crescimento económico e o desenvolvimento crementado, com uma valorização económica do territó-
sustentável a partir do conhecimento dos potenciais exis- rio muito mais ampla, que obriga a um novo olhar para os
tentes, da exploração de novas possibilidades de atividade territórios da baixa densidade, em perda, onde existem re-
económica e de geração de rendimento e do fomento de cursos valiosos para o desenvolvimento e possibilidades
políticas públicas com racionalidade territorial e acres- de dinamização de economias locais com forte potencial
cido efeito na eficácia e na eficiência do investimento de articulação externa. Num contexto que impele à reva-
público e privado. lorização das atividades do sector primário, associada ao
compromisso da descarbonização, ao reconhecimento dos
DEFINIR UMA ESTRATÉGIA TERRITORIALIZADA serviços dos ecossistemas e às aspirações de qualidade
de vida e saúde dos cidadãos, que cada vez mais elegem
Na definição da estratégia para o futuro o PNPOT inscreve os produtos locais e os consumos de proximidade, estes
os desafios da economia nacional no quadro da promo- territórios devem ser integrados em modelos de compe-
ção da inclusão e valorização da diversidade territorial, e titividade e inovação territorial ajustados às suas valias
aponta para a necessidade de promoção de estratégias e potencialidades.
multiescalares que atendam, simultaneamente, «... aos Com base neste entendimento, o PNPOT preconiza dinâmi-
elementos diferenciadores do mosaico geográfico nacio- cas económicas mais equilibradas e policêntricas, valoriza
nal (capital humano, institucional, territorial, simbólico) e o sistema urbano a várias escalas, valoriza complemen-
a uma seleção estratégica dos territórios de amarração a taridades e redes e assume a diversidade territorial como
privilegiar no arquipélago global». um ativo, apontando para que os processos de inovação
No domínio da economia, assume-se que o incremento da sejam mais transversais a todas as atividades económi-
competitividade e riqueza da economia portuguesa passa cas e sociais, contribuindo para definir perfis regionais
pelos seguintes desafios: diversos, inclusivos e internacionalizados.

22 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Economia e território

Face à concentração da economia e do emprego e à ne- a vida económica e social de territórios mais vastos.
cessidade de conciliar o reforço das áreas metropolita- O sistema urbano é uma componente fundamental do de-
nas no exterior e de reduzir a sua polarização no interior, senvolvimento económico, pois estrutura o território, pro-
afirma-se a necessidade de alargar a base territorial da videncia serviços de interesse geral e de interesse para
competitividade criando novas lógicas que envolvam me- a economia. Os nós do sistema urbano devem assumir
trópoles, cidades médias, áreas de fronteira e áreas rurais funções a várias escalas, desde funções de proximidade
de baixa densidade, reestruturando a base económica, que assegurem a qualidade de vida e a equidade territo-
melhorando a sua ancoragem nas especificidades terri- rial e organizam a atratividade, a funções superiores que
toriais e nas valias dos recursos locais e explorando as promovam a inserção dos territórios que servem em redes
características distintivas que possam transformar-se em de articulação externa polarizadores da competitividade
vantagens competitivas. na economia global.
Neste enquadramento, o PNPOT preconiza a amplia- Para ilustrar este paradigma, e sem prejuízo de uma lei-
ção da base territorial da competitividade e o fomen- tura global do modelo territorial preconizado pelo PNPOT,
to da atratividade dos territórios a partir de uma eco- apresentam-se três dos mapas que desagregam o modelo
nomia diferenciada e diversificada e do reforço de um territorial e representam, respetivamente, o sistema eco-
sistema urbano policêntrico que organize e suporte nómico, o sistema natural e o sistema urbano.
Figura 1 – Sistema Económico Figura 2 – Sistema Natural

Perfis Económicos Principais Nós e Redes de VAB por NUTS III Redes e Infraestruturas
Conhecimento e Inovação
Sistema Coletivos e às Empresas, Milhões € Corredores Sistemas aquíferos Áreas Protegidas e Rede Natura
Transportes e Logística Nível 1 28 500 Rodoferroviários
Albufeiras de águas públicas Áreas de montanha com altitude superior a 700 m
Comércio, Serviços e Coletivos Nível 2 9 500 Corredores Rodoviários
e às Empresas 3 166 Corredores Ferroviários Rede hidrográfica Sistemas Agroflorestais de sobreiro e azinheira
Nível 3
Comércio, Serviços e Turismo Ligações Internacionais Solo de elevado valor pedológico e ecológico (EPIC/ISA) Vegetação arbórea com interesse para a conservação
Indústria e Serviços Redes de Conhecimento Aeroportos c/ Serviço G Geoparque mundial da UNESCO Sistema litoral (>2 Km da costa)
Sivicultura, Indústrias da e Inovação Internacional Regular
Madeira e Cortiça Infraestruturas Aeroportos s/ Serviço P Paisagens classificadas pela UNESCO

Agricultura, Agroalimentar, Económicas Internacional Regular Área de floresta a valorizar municípios com ocupação florestal > 60%
Construção, Comércio e Serviços Entidades Gestoras de Clusters Portos Principais
Agroflorestal, Agroalimentar, @ @ Incubadoras de Empresas** Portos de Cruzeiro
Comércio, Serviços e Construção Plataformas Logísticas
Agricultura, Agroalimentar, Parques/Centros Tecnológicos
Comércio e Serviços Base Espacial Redes de Fibra Ótica
Pesca e Aquicultura Submarina
Produção de Energia*
(*Fotovoltaica, Eólica, Biogás, Hídrica, Biomassa, Ondas e Marés, Geotermia e Resíduos Sólidos Urbanos) Escala de representação 1: 2 500 000 (Continente e Regiões Autónomas) e 1: 5 000 000 (Banco de Gorringe)
(** Acreditas pelo IAPMEI)

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 23
TEMA DE CAPA

Figura 3 – Sistema Urbano NOTAS FINAIS:

• O desenvolvimento constrói-se envolvendo todos terri-


tórios, explorando as suas capacidades diferenciadas e
diversas e seguindo lógicas de proximidade e aglomera-
ção e lógicas de articulação e inserção global.
• Todos os territórios podem, e devem, dar o seu contri-
buto para o desenvolvimento, prosseguindo objetivos
de coesão e competitividade e gerando atratividade ter-
ritorial.
• Os fatores de competitividade do território estão suba-
valiados fora das economias de aglomeração, havendo
potencial de alargamento da base territorial da compe-
titividade; nomeadamente, construindo valias sobre
novas atividades ligadas ao capital natural, à biodiversi-
dade e multifuncionalidade da floresta, à agricultura de
proximidade e ao turismo, recreio e lazer.
• O sistema urbano policêntrico constitui a espinha dorsal
de processo de alargamento da base territorial da com-
petitividade.
• A criatividade e a inovação e a identidade e cultura ter-
ritorial são essenciais para o pleno aproveitamento dos
recursos territoriais.
• A capacitação dos atores para abordagens colaborativas
de base territorial e o estabelecimento de mecanismos
de governança são fundamentais para a prossecução
Tipologia de Centros Urbanos Tipologia de Subsistemas Territoriais** Redes Nacionais e Internacionais
de uma nova agenda para o território.
Áreas Metropolitanas A Valorizar Corredores Rodoferroviários
Centros Urbanos Regionais A Consolidar Corredores Rodoviários
Outros Centros Urbanos* A Estruturar Corredores Ferroviários
Ligações Internacionais
Articulações Interurbanas
Rede Viária
Níveis de Relação Interurbana
Corredores de Polaridades

(* A dimensão dos círculos é proporcional à população residente por centro urbano de 2011.)
(** A delimitação é de geometria variável)

Salienta-se que as orientações do PNPOT terão de ser de-


clinadas nos territórios, à luz de ameaças e oportunidades
relacionadas com as mudanças climáticas, demográficas,
tecnológicas e socioeconómicas em curso e aceleração,
bem como no quadro dos novos paradigmas de relaciona-
mento da economia com a sociedade, guiados pela des-
carbonização, e de relacionamento da economia com o
ambiente, guiados pela circularidade da economia.
Isto significa identificar forças e fraquezas e explorar ca-
pacidades de partida, oportunidades e potencialidades
no quadro de dinâmicas inovadoras nacionais e interna-
cionais, ultrapassando constrangimentos, explorando ca-
pacidades instaladas e fomentando novas atividades, ex- REFERÊNCIAS
plorando a economia de proximidade e as economias de
Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território em:
articulação numa base territorial. http://pnpot.dgterritorio.gov.pt/docs

24 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
UM (NOVO) CONCEITO
DE PROTEÇÃO MARINHA:
PRESERVAR OU DESQUALIFICAR?

MARIA INÊS MADAÍL CARAPINHA ENGIRISCO E CEDIDAS PELA AUTORA

D
esde a segunda metade do século xx que o orde- ambientais a nível mundial, e em 1971 criou a Comissão
namento do território é considerado uma proble- Nacional para o Ambiente que visou coordenar as ativida-
mática para o desenvolvimento humano. A urgente des relacionadas com a preservação e proteção da na-
implementação dos instrumentos de gestão territorial é tureza. Nesse sentido, foram concebidas e criadas áreas
efeito do aumento demográfico mundial, do crescimento protegidas como mecanismos de conservação de áreas
das áreas urbanizadas, aumento dos fluxos de materiais e continentais, costeiras ou marinhas. Remonta aos primór-
mobilidade humana, aumento de consumo de bens e ser- dios da navegação que as cidades crescem do mar para o
viços e subsequente pressão sobre os recursos naturais. interior, e não é por acaso que a zona costeira é conside-
Em Portugal, os assuntos sobre o meio ambiente não rada uma das áreas mais congestionadas do planeta, e as
são novidade. Acompanhou desde sempre as questões atividades de recreio e lazer ligadas ao mar não fogem a

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 25
TEMA DE CAPA

esta realidade. Enquanto a conservação das áreas costei-


ras já detém, de certo modo, uma longa história ao longo
de várias regiões no mundo, a preservação e proteção de
locais de surf é um conceito recente. Foi em 2005 que a
Austrália reconheceu oficialmente as Reservas Mundiais
de Surf como uma forma de proteção destas áreas de prá-
tica de surf.
Atualmente, o surf é um motor económico global com o
aumento de popularidade desta prática desportiva, em
vogue, que se afirma em muitas comunidades através do
valor biofísico e socioeconómico. Sob esta dependência comunidade surfista. Nesse sentido, embora sem vínculo
devem-se acautelar todas as situações potencialmente legislativo, foi atribuído à Ericeira, a 14 de outubro de 2011,
geradoras de quaisquer impactos negativos provocados o galardão, pela organização internacional Save The Wa-
pela modalidade nos lugares de surf, que podem conduzir ves Coalition, de Reserva Mundial de Surf, o primeiro da
a repercussões igualmente negativas na população local. Europa e segundo do Mundo, que identifica sete picos de
E sobretudo, é neste último ponto que os decisores e in- onda de qualidade premium. É indiscutível que o fator na-
tervenientes deverão debruçar-se mais e gerir o lugar de tural das ondas é considerado um elemento crucial para o
interesse de forma sustentável. Se, por um lado, os lugares desenvolvimento económico e social local e para o país.
surfáveis aumentaram, aumentou a densidade de número São lugares extremamente dinâmicos, reflexo de um
de praticantes e de visitantes, por outro coloca em risco o desporto sobretudo de camadas jovens, que investem e
desenvolvimento das zonas costeiras, podendo até vir a abrem os seus negócios. Se surfistas e não surfistas agar-
ser destruídas. O mesmo fator que reconhece o seu valor ram a oportunidade para explorarem os seus negócios
pode estar na origem da sua falência. Aumentam os riscos associados ao turismo, por outro lado outros assistem
sociais dentro e fora de água e até insatisfação derivada à afetação do seu quotidiano pelo aumento do turismo,
de uma elevada concentração e conflitos entre os prati- grande movimento de população, sazonal e permanente,
cantes, escolas de surf e banhistas. como se pode testemunhar com o aumento das constru-
Em Portugal o surf foi aparecendo de forma descontínua e ções e do custo do solo urbanizável, aumento do tráfego,
só em meados dos anos 70 do século xx o surf nacional as- falta de estacionamento, problemas relacionados com o
sume, como é conhecido hoje, uma modalidade desportiva saneamento, afastamento da população local para áreas
de onda e deslize, palco de espetáculos a nível mundial. periféricas onde o custo do solo é mais acessível ao custo
Embora estivesse associado a um grupo elitista devido ao de vida do português. Aqui peca e muito. A Reserva Mun-
difícil acesso ao material de surf, persistia um sentimento dial de Surf da Ericeira (RMSE) nasceu como um projeto de
associado à marginalidade na época e registava-se um sensibilidade ambiental que tomou o caminho que menos
grande número de problemas com os cabos-de-mar, que se pretendia. Em prol da preservação, é vista como uma
queriam autuar e prender os indivíduos que estavam den- imagem de marketing e de atratividade. O seu mediatismo,
tro de água com a bandeira vermelha hasteada ou fora da no entanto, despertou atenção na carteira dos assuntos do
época balnear. Por esta comunidade apaixonada pelo mar Mar a nível nacional, e a reboque passou a integrar, no pla-
foi posta em causa a criação de uma legislação adequada no de preservação e na discussão do dia, um recurso tão
a uma prática inovadora e radical. A posição geomorfo- rico de valores económicos, sociais, biofísicos e paisagís-
lógica e a direção dos ventos predominantes no nosso ticos como as ondas ao longo da nossa costa de «ouro».
país potencia, feliz e naturalmente, a diversidade de ondas Pela primeira vez o surf e a RMSE são reconhecidos no
ao longo da costa, continente e ilhas, e permite que haja Modelo Territorial de Instrumento de Gestão do Territó-
sempre boas condições para a prática e para todos os ní- rio, não só na perspetiva da comunidade praticante mas
veis de surfistas, desde a nível experiente como iniciados. também no contributo para a evolução turística, que urge
Remonta a 1977 o decorrer do primeiro Campeonato Na- ser acompanhado por um plano de gestão onde devem
cional de Surf, na Ericeira, na praia de Ribeira d’Ilhas, or- ser definidas linhas de ação que garantam a sua susten-
ganizado pelo departamento da Federação Portuguesa de tabilidade, preservação e equilíbrio de usos e usufrutos.
Atividades Submarinas. Associada à sua identidade patri- Há uma relação mais próxima do que nunca entre os as-
monial e paisagística está a cultura do surf, pela qualidade suntos do espaço marítimo e zona terrestre desde que
e consistência das ondas e pela forte mobilização da se reconheceu a valorização das ondas para a economia

26 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Um (novo) conceito de proteção marinha: preservar ou desqualificar?

nacional e local, que acresce de um grande desafio de harmonioso e sustentável das áreas valorizadas pelos
gestão territorial para estes sítios. Pela primeira vez dis- seus recursos naturais. Com a gestão de forma estraté-
cutem-se em Resolução de Conselho de Ministros progra- gica, considerando os valores económicos, sociais e am-
mas com o tema das e ondas e da prática de surf como bientais no âmbito do cumprimento dos normativos e das
um elemento de projeção de Portugal para fora, como um atividades que aí se desenvolvem e compatibilizar todos
instrumento de atração turística, atenuador da sazonali- os interesses conflituantes com a prática balnear, ensino
dade, gerador de novos empregos e outras oportunidades e aprendizagem, será dado um grande passo de preserva-
daí adjacentes. Não é por acaso que na Estratégia Turismo ção nos assuntos do ordenamento do território, onde se
2027 se posiciona o turismo na economia e no mar. sobrepõem áreas de domínio marítimo e terrestre. Com
A integração dos assuntos relacionados com os desportos a criação de reservas de surf esboça-se um novo diálo-
do mar não só é um grande desafio para o ordenamento go com diferentes aspetos teóricos e práticos em zonas
do território em Portugal, como uma grande oportunidade costeiras ou de interesse de surf.
estratégica para a implementação de boas práticas até de Devemos (re)pensar que os lugares protegidos são sem-
nível europeu e de valorização do património natural. Os pre valores acrescentados com grande potencialidade
programas de sensibilização ambiental e de participação para uma região e que, todavia, necessitam de ser acaute-
pública são elementos fulcrais na integração de conheci- lados diversos aspetos, caso contrário serão esses fatores
mento dos locais para elaboração e execução de planos. de atração da área (sensível) que irão estar igualmente
O processo de regulamentação da RMSE, que até aí che- na base da sua degradação e desqualificação. Embora, no
gou pela forte participação dos agentes surfistas locais fundo, estes lugares não sejam mais do que sítios abs-
e que muito têm influenciado nas decisões das qualifica- tratos que, através deles, o ser humano sente de alguma
ções da praia afetas à RMSE, deve ser tomado como um forma que deve ter cuidado e preservar, quando deveria
bom exemplo de proatividade e cooperação de diferentes ser sempre assim. Estaremos, contudo, dispostos e pre-
atores com distintos usos e interesses, de iniciativa co- parados a mudar consciências em prol de sustentabilidade
letiva e integração nos assuntos públicos que poderá ser e de viver em harmonia no espaço que nos rodeia e que
tomado por outras comunidades. dele dependemos?
Foi a partir da Reserva Mundial de Surf da Ericeira que
passou a enquadrar no Programa da Orla Costeira Alcoba-
ça-Cabo Espichel, com enquadramento legislativo no pla-
no nacional de natureza especial. Foram regulamentados
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
níveis de onda, embora estejamos ainda muito aquém de
CARAPINHA, Inês M. (2018), «A perceção e avaliação da Reserva Mundial de Surf da
saber gerir picos de surf e compreender a sua capacida- Ericeira: contributos para o Ordenamento do Território», Dissertação de Mestrado em
Gestão do Território, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL.
de de uso. Deste modo, a Ericeira, apesar de ser pioneira FARMER B., SHORT A. D. (2007), «Australian national surfing reserves rationale and
no conceito de Reserva Mundial de Surf em Portugal e na process for recognising iconic surfing locations», Journal of Coastal Research 50,
pp. 99-103.
Europa, enfrenta hoje grandes desafios de concordância LARAZOW, N. (2007) , «The value of coastal recreational resources: a case study
approach to examine the value of recreational surfing to specific locales», J. Coast.
e de regulamentação de ondas que envolvem diferentes Res. Spec. Issue 50, pp. 12-20.
MARTIN, S. A. (2013), «A Surf Resource Sustainability Index for Surf Site Conservation
atores com diferentes vontades. Porém, esta convergên- and Tourism Management», A Thesis submitted in fulfillment of the Requirements for
the Degree of Doctor of Philosophy in Environmental Management. Prince of Songkla
cia na importância do recurso surf deve ser aproveitada University.
para impulsionar o estabelecimento de uma plataforma de ROCHA, João M. (2008), A História do Surf em Portugal, as Origens, Quimera Editores,
Lda.
entendimento que, através de medidas de ordenamento e USHER, Lindsay E., GÓMEZ, Edwin (2017), «Managing Stoke: Crowding, conflicts, and
coping among Virginia beach surfers», Journal of Park and Recreation Administration,
coesão territorial, possam promover um desenvolvimento volume 35, n.º 2, pp. 9-24.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 27
TEMA DE CAPA

POLÍTICA DE INOVAÇÃO,
ESPECIALIZAÇÃO INTELIGENTE
E DINÂMICAS TERRITORIAIS
EM PORTUGAL

RUI GAMA ENGIRISCO


Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Centro de Estudos
de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT)

1. INOVAÇÃO, ESPECIALIZAÇÃO INTELIGENTE local ou regional), em que o contexto territorial favorece


E COMPETITIVIDADE DOS TERRITÓRIOS a emergência de produtos, serviços ou processos inova-
dores com valor acrescentado e impacto positivo no de-
No contexto atual de competição à escala global, a inova- senvolvimento territorial.
ção assume-se como o elemento central de qualquer es- A estratégia de especialização inteligente decorre da na-
tratégia pensada e definida pelas empresas (Gama, 2004; tureza sistémica frágil para a difusão de conhecimento
Fernandes, 2015). e tecnologia ao sistema produtivo na União Europeia. Do
Considera-se um conceito alargado de inovação (inovação ponto de vista teórico, procede da economia do conhe-
territorial) e não apenas a inovação empresarial, que va- cimento e da mudança tecnológica e visa construir um
loriza cada contexto e os recursos, atores (dos domínios quadro lógico que permita definir prioridades em termos
económico, social, cultural e institucional), as redes in- de política de desenvolvimento dos territórios. Assenta
terativas estabelecidas (com diferentes densidades, fre- na trajetória dos territórios, num processo de pesqui-
quências e intensidades) e uma estrutura de governança sa empreendedora, num domínio (espaço tecnológico)
favorável à criação, acumulação, difusão e incorporação com uma dimensão relevante e estabelecendo relações
de conhecimento (Marques & Santos, 2016). Trata-se de (Foray, 2015; McCann, 2015; McCann & Ortega-Argilés, 2015;
um processo sistémico, ancorado num lugar (à escala Morgan, 2015; McCann et al., 2016).

28 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
As políticas públicas assumem, neste quadro, um papel e Norte litoral, e também os territórios que têm vindo a
fundamental ao promoverem contextos favoráveis à ino- afirmar-se pela relevância que a atividade industrial tem no
vação, sendo que a definição de políticas de desenvolvi- contexto regional (Figura 1). O valor acrescentado bruto –
mento dos territórios tem de integrar, como elementos VAB – para a indústria transformadora regista, de 2008 para
centrais, a inovação (empresarial e social/institucional) e 2016, um aumento de 21,4% para 23,6%. Ao mesmo tempo,
os processos de aprendizagem e de conhecimento. permite distinguir territórios (sub-regiões) onde a ativida-
de industrial é predominante (Ave e região de Aveiro, com
2. DINÂMICAS TERRITORIAIS E POLÍTICA DE INOVAÇÃO valores de VAB superiores a 50%) ou apresenta uma contri-
buição superior a um terço do valor bruto criado (Tâmega
O índice de industrialização (quociente de localização con- e Sousa, Alto Minho, região de Leiria, Cávado, região de
siderando o peso do valor acrescentado bruto e a respetiva Coimbra, Lezíria do Tejo, Viseu Dão-Lafões, Alentejo Cen-
população residente) destaca o país industrial do Centro tral, Médio Tejo e Área Metropolitana do Porto) (Figura 1).

Figura 1 – Índice de Industrialização e Valor Acrescentado Bruto, por NUT3, em 2016


ÍNDICE DE
INDUSTRIALIZAÇÃO
2016

≥2

1,1 - 2

0,76 - 1

0,50 - 0,75

≤ 0,50

VALOR
ACRESCENTADO
BRUTO (%)
(INDÚSTRIA
TRANSFORMADORA /
/ TOTAL)
2016

20 - 10

10 ≤

50 ≥

50 - 31

30 - 21

Fonte: INE, I.P., cálculos próprios

A análise da especialização sectorial mostra, globalmente, destacando-se a sub-região do Ave e, sobretudo, a região
a existência de um tecido produtivo diversificado (Quadro 1). de Aveiro. A região de Leiria e o Tâmega e Sousa são, no
Com efeito, considerando o coeficiente de especiali- contexto destas sub-regiões, as que apresentam valores
zação verificamos que as sub-regiões mais industria- de especialização produtiva mais elevados. Um outro gru-
lizadas e com maior peso da indústria no VAB nacio- po de sub-regiões, com um comportamento oposto, é re-
nal apresentam estruturas produtivas diversificadas, presentado por territórios com níveis de industrialização

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 29
TEMA DE CAPA

menos expressivos mas com graus de especialização correlação inversa entre o nível de industrialização e o
mais elevados (Tâmega e Sousa, Alto Tâmega, Baixo Alen- grau de diversificação das estruturas produtivas, tendên-
tejo, Alto Alentejo ou Alentejo Central). Verifica-se uma cia permanente desde os anos 80 (Gama, 2004).

Quadro 1 – Coeficiente de especialização, VAB e empresas da indústria transformadora


G1 de baixa tecnologia e alta e média-alta tecnologia, por NUT3, em 2008 e 2016

NUTS III COEFICIENTE DE VALOR EMPRESAS NA INDÚSTRIA


ESPECIALIZAÇÃO ACRESCENTADO TRANSFORMADORA
BRUTO POR PESSOA BAIXA ALTA E MÉDIA
EMPREGADA (€) TECNOLOGIA (%) TECNOLOGIA (%)

2008 2016 2008 2016 2008 2016 2008 2016

Alto Minho 0,250 0,225 19 927 32 295 68,3 62,6 5,1 5,6
Cávado 0,408 0,399 16172 21 237 85,6 72,4 4,3 4,6
Ave 0,427 0,384 16 777 25 083 96,7 79,0 3,3 3,5
Área Metropolitana do Porto 0,127 0,140 22 824 27 639 85,0 65,8 8,5 7,4
Alto Tâmega 0,344 0,497 19 733 25 368 58,3 55,5 3,4 3,0
Tâmega e Sousa 0,461 0,505 12 188 15 479 82,6 81,3 2,8 2,4
Douro 0,446 0,455 18 951 22 868 73,0 66,2 3,5 3,6
Terras de Trás-os-Montes 0,418 0,450 20 232 31 292 74,7 63,1 2,0 4,0
Oeste 0,323 0,335 20 137 22 969 62,7 52,0 7,3 6,6
Região de Aveiro 0,324 0,326 26 969 30 491 46,3 41,7 9,6 9,5
Região de Coimbra 0,190 0,233 30 900 36 911 63,9 57,7 6,7 6,6
Região de Leiria 0,391 0,409 24 037 29 703 47,2 36,4 6,9 6,0
Viseu Dão Lafões 0,233 0,197 25 268 26 800 65,2 53,4 6,5 6,1
Beira Baixa 0,334 0,374 17 844 33 635 71,2 63,3 7,7 7,4
Médio Tejo 0,253 0,296 21 514 26 352 73,0 58,3 7,2 5,8
Beiras e Serra da Estrela 0,326 0,312 15 054 20 003 77,3 61,6 3,5 4,0
Área Metropolitana de Lisboa 0,296 0,333 42 929 48 836 68,7 50,2 13,5 9,8
Alentejo Litoral 0,513 0,394 23 127 28 641 76,0 63,6 4,5 4,0
Baixo Alentejo 0,472 0,512 15 893 19 001 79,7 64,9 5,4 4,3
Lezíria do Tejo 0,338 0,309 25 170 25 464 66,8 54,8 8,7 7,1
Alto Alentejo 0,439 0,510 15 461 24 193 81,2 69,9 5,2 5,3
Alentejo Central 0,437 0,443 22 976 22 851 70,3 57,2 5,9 5,5
Algarve 0,436 0,184 14 498 15 808 68,7 56,9 6,3 5,0
CONTINENTE 0,051 0,000 24 474 29 517 74,6 61,2 7,6 6,5
PORTUGAL 0,048 0,000 24 377 29 359 74,9 61,3 7,5 6,4

Fonte: INE, I.P., cálculos próprios

A região de Aveiro, tendo uma estrutura produtiva diver- setor e território (NUT III), reportam-se a 31 de maio de
sificada, é constituída por um número mais expressivo 2018 (http://www.poci-compete2020.pt/Projetos).
de empresas de sectores de alta e média-alta tecnologia A indústria transformadora é a principal beneficiária/
(9,5% do total de empresas da sub-região) (Quadro 1). utilizadora dos apoios do COMPETE 2020, representan-
As empresas de sectores de alta e média-alta tecnologia do 52,5% dos projetos (1527) e 70,1% do investimento
também constituem uma parte importante das empre- (3551 milhões de euros) (Quadro 2). Considerando os ob-
sas das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto (9,8% e jetivos temáticos, verifica-se uma repartição semelhante
7,4%), tendo ocorrido desde 2008 uma diminuição des- quando se considera o investimento (48,4% e 51,6%, res-
tas empresas. As regiões de Leiria e Coimbra apresentam, petivamente para os objetivos 1 e 3), sendo que cerca
igualmente, uma estrutura produtiva caracterizada por um de dois terços dos projetos são realizados para reforçar
número importante de empresas nestes ramos de alta e a competitividade de PME (OT 3). O investimento por pro-
média-alta tecnologia. jeto, maior no objetivo temático 1, traduz a importância
e centralidade que as empresas atribuem ao domínio do
3. POLÍTICA DE INOVAÇÃO E PORTUGAL 2020 conhecimento e inovação como sendo os fatores deci-
sivos para a competitividade. O sistema de incentivos à
Para avaliar o papel da política pública de inovação na cria- inovação empresarial (SIIE) representa 38,7% do investi-
ção de condições para a qualificação do quadro produti- mento realizado no âmbito do objetivo temático 1 (I&D+I)
vo (espaço tecnológico) na perspetiva da especialização e 43,8% no 2 (competitividade PME), o que traduz a dupla
inteligente, utilizámos os dados do COMPETE 2020 – Pro- aposta na dimensão conhecimento e aplicação e na qua-
grama Operacional Competitividade e Internacionalização. lificação das PME para serem competitivas num quadro
Os dados relativos a projetos e investimento elegível, por de integração global.

30 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Política de inovação, especialização inteligente e dinâmicas territoriais em Portugal

Quadro 2 – Projetos e investimento na indústria transformadora, segundo os objetivos temáticos, prioridades de investimento
G2 e sistema de apoio/incentivos no âmbito do Compete 2020 (2014-2020)
PROJETOS INVESTIMENTO ELEGÍVEL INVESTIMENTO
OBJETIVOS TEMÁTICOS (OT) / PRIORIDADES DE INVESTIMENTO (PI) / PROJETO
Nº (%) € (%)
OT 1 Reforçar a investigação e o desenvolvimento tecnológico e a inovação 478 31,3 1 719 815 090 48,4 3 597 940
PI 1.1 Reforço da Infraestrutura de investigação e inovação (I&I) e da capacidade de desenvolvimento da excelência na I&I, 20 1,3 6 440 839 0,2 322 042
e a promoção de centros de competência
Investigação Científica 20 1,3 6 440 839 0,2 322 042
PI 1.2 Promoção do investimento das empresas em inovação e investigação ... 458 30,0 1 713 374 251 48,2 3 740 992
Sistema de Apoio a Ações Coletivas 20 1,3 9 712 939 0,3 485 647
Sistema de Incentivos à I&D Empresarial 321 21,0 328 049 191 9,2 1 021 960
Sistema de Incentivos à Inovação Empresarial 117 7,7 1 375 612 122 38,7 11 757 369

OT 3 Reforçar a competitividade das PME 1049 68,7 1 831 838 683 51,6 1 746 271

PI 3.1 Promoção do espírito empresarial facilitando nomeadamente o apoio à exploração económica de novas
ideias e incentivando a criação de novas empresas, designadamente através de viveiros de empresas 8 0,5 4 903 993 0,1 612 999
Sistema de Apoio a Ações Coletivas 8 0,5 4 903 993 0,1 612 999
PI 3.2 Desenvolvimento e aplicação de novos modelos empresariais para as PME, especialmente no que
respeita à internacionalização 446 29,2 199 106 805 5,6 446 428
Sistema de Apoio a Ações Coletivas 28 1,8 35 975 868 1,0 1 284 852
Sistema de Incentivos à Qualificação e Internacionalização de PME 27,4 163 130 937 4,6 390 265
PI 3.3 Apoio à criação e alargamento de capacidades 418
avançadas de desenvolvimento de produtos e seviços 595 39,0 1 627 827 885 45,8 2 735 845
Sistema de Apoio a Ações Coletivas 21 1,4 16 119 805 0,5 767 610
Sistema de Incentivos à Inovação Empresarial 246 16,1 1 554 431 901 43,8 6 318 829
Sistema de Incentivos à Qualificação e Internacionalização de PME 328 21,5 57 276 180 1,6 174 622

TOTAL 1 527 100 3 551 653 773 100 2 325 903

Fonte: Compete 2020, cálculos próprios

A análise territorial indica que as duas sub-regiões mais A região de Aveiro é a que investe mais por projeto. As
industrializadas (Ave e Região de Aveiro) representam sub-regiões de Leiria, Alto Minho, Cávado e Coimbra, com
um quarto (24,6%) do investimento realizado com re- menores valores de investimento e projetos, represen-
curso a apoios COMPETE 2020, sendo que a sub-região tam cerca de 1/5 (19,3%) do investimento e 18,8% dos
pertencente à região Centro é responsável por 17,1% do projetos. Neste grupo, a região de Leiria é a que realiza
investimento realizado em Portugal (Quadro 3). Este projetos de menor valor (1,7 milhões euros), registando
investimento corresponde a 9,5% dos projetos realiza- o Alto Minho o maior investimento por projeto (4,8 mi-
dos no caso do Ave e a 11,9% para a região de Aveiro. lhões de euros). Destacam-se ainda as sub-regiões da
O território que realiza o maior investimento (Área Me- Beira Baixa, Alentejo Central e Terras de Trás-os-Montes,
tropolitana do Porto) é o que também tem mais projetos pelos valores elevados de investimento por projeto (19,
(22,2%, correspondentes 19,5% do investimento total). 10,4 e 9,8 milhões, respetivamente).
G3
Quadro 3 – Projetos, investimento, coeficiente de especialização e índice global de inovação, por NUT3.
PROJETOS INVESTIMENTO INVESTIMENTO/ COEFICIENTE ÍNDICE GLOBAL
NUTS III / REGIÃO / MULTIRREGIÃO
PROJETO DE ESPECIALIZAÇÃO DE INOVAÇÃO
Nº (%) € (%)

Alto Minho 39 2,6 189 352 411 5,3 4 855 190 0,568 1,874
Cávado 121 7,9 234 790 146 6,6 1 940 414 0,619 1,385
Ave 145 9,5 265 718 292 7,5 1832 540 0,594 0,784
Área Metropolitana do Porto 339 22,2 693 965 512 19,5 2 047 096 0,309 0,885
Alto Tâmega 0 0,0 0 0,0 - - 0,000
Tâmega e Sousa 68 4,5 58 235 858 1,6 856 410 0,714 0,368
Douro 6 0,4 14 937 748 0,4 2 489 625 0,761 0,735
Terras de Trás-os-Montes 5 0,3 49 176 548 1,4 9835 310 0,871 3,153
Oeste 67 4,4 124 044 230 3,5 1 851 406 0,585 1,301
Região de Aveiro 182 11,9 607 249 142 17,1 3 336 534 0,318 2,304
Região de Coimbra 47 3,1 125 947 542 3,5 2 679 735 0,496 0,831
Região de Leiria 80 5,2 137 327 000 3,9 1 716 588 0,599 0,887
Viseu Dão Lafões 28 1,8 127 849 131 3,6 4 566 040 0,522 1,695
Beira Baixa 7 0,5 135 940 665 3,8 19 420 095 0,711 6,419
Médio Tejo 44 2,9 92 506 904 2,6 2 102 430 0,550 1,394
Beiras e Serra da Estrela 12 0,8 10 206 313 0,3 850 526 0,751 0,258
Área Metropolitana de Lisboa - - - - - - -
Alentejo Litoral 8 0,5 46 134 614 1,3 5 766 827 0,811 3,101
Baixo Alentejo 8 0,5 6 311 634 0,2 788 954 0,949 0,720
Lezíria do Tejo 30 2,0 45 181 323 1,3 1 506 044 0,741 0,687
Alto Alentejo 6 0,4 12 599 511 0,4 2 099 918 0,834 0,859
Alentejo Central 17 1,1 178 213 661 5,0 10 483 157 0,766 5,346
Algarve 0 0,0 0 0,0 - - 0,000
Norte 42 2,8 111 233 417 3,1 2 648 415 0,568 -
Centro 37 2,4 52 591 878 1,5 1 421 402 0,677 -
Alentejo 3 0,2 6 386 469 0,2 2 128 823 0,914 -
Multirregião 136 8,9 163 030 550 4,6 1 198 754 0,398 -
TOTAL 1 527 100 3 551 653 773 100 2 325 903 0,000 1,000

Fonte: Compete 2020, cálculos próprios

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 31
TEMA DE CAPA

num reduzido número de ramos de indústria quando


comparamos com a contribuição para o VAB. Estes ter-
ritórios representam apostas na consolidação de espe-
cializações existentes (por exemplo, Beira Baixa) ou o
aparecimento de novas dinâmicas (Terras de Trás-os-
-Montes) ou ainda a consolidação de dinâmicas recen-
tes (Alto Minho) ou passadas (Alentejo Litoral).

4. POLÍTICA DE INOVAÇÃO, ESPECIALIZAÇÃO


INTELIGENTE E DINÂMICAS TERRITORIAIS

Os territórios mais industrializados apresentam espe-


cialização nos mesmos sectores considerando o pes-
soal ao serviço e o investimento como variável de cál-
culo. O número de ramos de especialização é menor no
caso de o critério ser o investimento. Nos territórios
menos industrializados regista-se a consolidação de es-
pecializações existentes (por exemplo, fabrico de pasta
e de papel na Beira Baixa), aparecimento de novas dinâ-
micas sectoriais e reforço da trajetória recente (Terras
de Trás-os-Montes, com o fabrico de componentes para
veículos automóveis, e Alentejo Central com a aeronáu-
tica), ou ainda a consolidação de dinâmicas recentes
(Alto Minho – papel e componentes para veículos auto-
móveis) ou passadas (químicos e de fibras sintéticas
ou artificiais no caso do Alentejo Litoral).
A análise realizada também permite refletir sobre a
sustentabilidade dos investimentos realizados e dos
territórios. Se no caso de sectores de especialização
com uma trajetória consolidada a questão da susten-
tabilidade poderá não ser relevante (por exemplo, a
O Índice Global de Inovação, quociente de localização Beira Baixa), no caso de outros territórios, e sectores
que relaciona a importância do investimento realizado (por exemplo, Terras de Trás-os-Montes), ou mesmo no
na sub-região com o valor acrescentado bruto, permite Alentejo Central, as alterações no quadro global podem
ver a importância da utilização dos apoios da política condicionar a consolidação da trajetória seguida.
pública de inovação na qualificação e/ou modificação
da estrutura económica e do aparecimento de novas
especializações e territórios inovadores (Quadro 3).
Dos territórios identificados como mais industrializa-
dos, apenas a região de Aveiro apresenta um valor com
significado (2,304). Este resultado indica que neste
território o investimento em inovação é superior ao cor-
respondente peso considerando o valor acrescentado
bruto de Portugal. No caso do Ave, com um Índice Global
de Inovação de 0,784, o peso do investimento em ino-
vação é menor comparativamente à contribuição para Nota do autor: Este artigo tem por base o capítulo «Ino-
o valor acrescentado bruto total. As sub-regiões com vação, especialização inteligente e competitividade dos
maiores valores de Índice Global de Inovação mostram territórios em Portugal», publicado em J. Abreu (coord.)
a realização de investimentos expressivos, regra geral, (2019), Inteligência Territorial – Governança, Sustentabi-
lidade, Idioteque.

32 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
TRANSPORTES E
DESENVOLVIMENTO
ECONÓMICO

JOSÉ PINHEIRO HENRIQUES, ex-Professor convidado na Faculdade ENGIRISCO


de Arquitetura de Lisboa. CARLOS CORREIA DA FONSECA,
ex-Secretário de Estado dos Transportes.
FERNANDO NUNES DA SILVA, Professor catedrático do Instituto
Superior Técnico

D
esde que o Homo sapiens saiu de África, há cerca finalmente, os motores elétricos ou de explosão, o homem
de 100 mil anos, e foi avançando por territórios foi integrando áreas cada vez mais vastas na sua esfera de
novos e cada vez mais longínquos, a deslocação ação, de vivência e de organização da atividade produtiva.
no espaço constitui uma das bases fundamentais da sua A necessidade de movimentação resulta da diversidade da
vida. Primeiro contando apenas com os seus músculos, de- localização dos recursos usados na atividade económica,
pois inventando formas mais sofisticadas de se deslocar, a bem como dos pontos de produção, venda e de troca do
roda primeiro, a tração animal depois, a máquina a vapor e, que é produzido.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 33
TEMA DE CAPA

A transferência espacial de pessoas e de bens constitui o mercado que, de um modo geral, pode assegurar uma
a essência do transporte, o qual pode revestir diversas correta afetação de recursos, o sistema de oferta de
formas, mais ou menos complexas de se processar, em transporte público de pessoas tem elevados impactes
função dos meios e tecnologias utilizados e da respetiva na coesão territorial, social e satisfação de necessidades,
organização. onde as forças do mercado não têm conseguido fornecer
A máquina a vapor trouxe, no século xix, o comboio, e uma resposta eficiente.
este desempenhou um papel fundamental, permitindo
que as cidades crescessem de forma ordenada ao longo UM PAÍS DE GRANDE DIVERSIDADE REGIONAL
das linhas férreas que ligavam o centro urbano a zonas
periféricas, assim se iniciando a separação das áreas de Portugal continental apresenta uma diversidade geográ-
residência dos locais de produção material, de serviços e fica assinalável tendo em conta a sua reduzida dimensão
de consumo. Este progressivo afastamento só é possível espacial. A ocupação humana do território confirma essas
à medida que os custos inerentes à atividade transporta- diferenças, acentuadas desde meados do século passado.
dora se vão reduzindo, perdendo peso em relação ao valor Hoje, a esmagadora maioria da população concentra-se
final da produção. Do ponto de vista económico, este au- numa estreita faixa litoral com pouco mais de 100 km, de
mento da eficiência do sistema de transporte tem permi- Viana do Castelo a Setúbal, e ao longo da costa algarvia. Aí
tido economias de escala decorrentes de altos níveis de reside quase 87% da população dos cerca de 8,5 milhões
produção em regiões que se especializam em partes da de habitantes do continente.
cadeia produtiva. A distância média entre os pontos de Todavia, à forte urbanização do litoral corresponde uma
abastecimento, de transformação e de consumo é cada rede urbana incipiente, onde só as duas áreas metropo-
vez maior, o que constitui um fator da maior relevância litanas – reforçadas nas últimas décadas – e algumas
nas relações internacionais que impulsionam o processo cidades médias1 sobressaem num panorama dominado
de globalização ao nível mundial. por pequenos centros urbanos. Se as duas áreas metro-
O sistema de transporte pode estimular ou criar entraves politanas viram a sua população aumentar em 190 mil
ao crescimento económico. Tudo depende da sua eficiên- habitantes desde o novo século e as cidades médias mais
cia. Hoje é comummente aceite que, em termos agrega- de 175 mil habitantes, o país perdia 242 mil, as vilas até
dos, existe uma forte associação entre a evolução dos 2 mil habitantes diminuíam a sua população em 550 mil
transportes e o crescimento económico. Todavia, isto não pessoas e a totalidade dos aglomerados até 20 mil habi-
significa que cada um deles seja a causa do outro: corre- tantes perdia 140 mil. A população a residir em centros
lação estatística não é prova de causalidade. Por isso, é urbanos com mais de 20 mil habitantes representava,
perigoso investir em sistemas de transportes, nomeada- em 2011, 42,7% da população do país, mais 5% do que
mente nas suas infraestruturas, e esperar que automa- em 2001, confirmando o processo de urbanização em
ticamente o crescimento económico ocorra. A interação curso. Note-se ainda que a percentagem de lugares que
entre transporte e crescimento económico é complexa em 2011 tinham mais de 100 mil habitantes era apenas
e qualquer mecanicismo irrefletido arrisca a traduzir-se de 14,2%, enquanto a da população inferior mas com mais
em gastos monumentais de recursos sem que a atividade de 10 mil habitantes era 28,5% (mais 3,6% que em 2001),
económica floresça. e o número de lugares com menos de 5 mil habitantes
O sistema de transportes constitui também um impor- reduzia 6,3%.
tante ativo para a promoção da equidade e coesão terri- Significa isto que se verificou um apreciável despovoa-
torial e social. Se é um facto que no transporte de bens é mento do território «interior», onde o povoamento é

34 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Transportes e desenvolvimento económico

disperso ou concentrado em pequenos centros urbanos, efeito, o sector dos transportes consome 37% da energia
a que correspondeu uma migração para as duas áreas final produzida mas é o maior consumidor de petróleo –
metropolitanas e cidades médias. O facto de em apenas 75,4% do total consumido.3 Em 1990 os transportes emi-
24% das freguesias que foram classificadas como «den- tiam 17,3% do total de gases com efeito de estufa (GEE)
samente povoadas» residir 72% da população do país, e a indústria emitia 16,6%; em 2017 os transportes são
enquanto as «áreas pouco povoadas» abrangem 52% das responsáveis pela emissão de 24,3% dos GEE e a indústria
freguesias e 13% da população residente, demonstra bem viu o seu peso reduzir-se para 10,7%.4 Por outro lado, o
o grau de concentração espacial da população e as fortes número de acidentes com vítimas tem-se mantido acima
assimetrias na ocupação do território. dos 30 mil desde 2009, com leve tendência decrescente
O desequilíbrio da rede urbana é ainda patente no facto até 2016, mas voltando a subir desde então, originando
de apenas duas cidades terem mais de 200 mil habitan- um número de mortos que era de cerca de 700 em 2009,
tes (mas muito longe de 1 milhão) e só cinco terem uma com decréscimo daí até 2016 para cerca de 450 casos,
população entre os 100 e os 200 mil habitantes (uma de novo com tendência crescente a partir desse ano.5
das quais é o Funchal), quando 96 têm uma população Urbanismo, energia, ambiente, coesão, equidade social,
superior a 10 mil habitantes mas inferior aos 100 mil, e segurança e crescimento económico são, pois, os domí-
56 nem chegam aos 10 mil habitantes. nios de que temos de falar quando se trata de transpor-
Além da ocupação do território, o sistema de transportes tes. O conceito de transporte sustentável implica esta
será ainda condicionado pelo envelhecimento da popula- abordagem conjunta: o sistema de transportes deve res-
ção, que se tem acentuado a partir dos anos 90. Enquanto ponder às necessidades de mobilidade e acessibilidade
a população jovem (até aos 20 anos) viu o seu peso dimi- da população, com especial realce para os mais isolados
nuir 10%, sendo em 2018 de apenas 19%, a população com e carentes (equidade), deve promover a eficiência eco-
mais de 69 anos aumentou de 9 para 16%. Tudo indica que nómica das empresas, nomeadamente das exportadoras,
esta tendência se irá manter, atendendo a que o número mas terá de operar num quadro de segurança, de mini-
de filhos por família tem vindo a diminuir, não chegando mização dos consumos de energia e de redução da sua
para assegurar a substituição geracional. pegada ambiental.
É patente, portanto, a preponderância das duas regiões Como bem o demonstra o diagnóstico do Programa Na-
metropolitanas, entendidas num sentido amplo,2 e a sua cional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT),
conexão com os novos eixos de concentração demográ- as condições de acesso aos serviços de interesse geral
fica, assim como a consolidação dos eixos do «interior», permitem identificar três tipos de situações distintas:
que condicionam sobremaneira as propostas de trans- um litoral, dotado de uma boa acessibilidade, com valo-
portes e as alternativas a considerar, tanto em termos res máximos nos principais centros urbanos e sua envol-
modais como intermodais, para superar as desigualdades vente; o conjunto das cidades médias que estruturam a
existentes ao nível do acesso a bens e serviços e da mo- ocupação do território fora dos dois corredores litorais e
bilidade da população. Todavia, face à situação geográfica que, por vezes, definem já novos eixos de interdependên-
de Portugal no contexto europeu – extremo ocidental e cia funcional e atratividade demográfica; e todo o imenso
fachada Atlântica –, à estrutura da ocupação do território território sobrante, onde se registam graves carências
e à sua rede urbana, parece evidente que uma boa par- de acessibilidade a muitos dos bens e serviços da ur-
te dos problemas que perduram só terão uma solução banidade. Junte-se a estes níveis de análise as ligações
eficiente num prazo aceitável se esta for equacionada ibéricas e ao mundo.
considerando as relações internacionais que importa me-
lhorar ou potenciar. a. Mobilidade/acessibilidade nas
áreas fracamente povoadas
UMA PERSPETIVA ESTRATÉGICA PARA OS TRANSPORTES
Terá de ser considerado um tipo de oferta diferente do
A estratégia de desenvolvimento do sistema nacional de tradicional. A maior parte da população idosa reside nos
transportes tem forçosamente de ter em conta a realidade aglomerados do «interior» com menor população, assim
que acima se expôs. como nas freguesias mais antigas das cidades que têm
Tenha-se ainda em conta que uma mobilidade fortemente crescido, mas onde a oferta de equipamentos públicos
assente no transporte rodoviário, com especial destaque escasseia agora, pois os novos foram sendo relocalizados
para o transporte individual, tem de ser combatida. Com nas áreas de expansão urbana.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 35
TEMA DE CAPA

As soluções de mobilidade terão de ser mais inovadoras. c. Sistemas Territoriais da Península Ibérica
Não é possível manter sistemas tradicionais de oferta de
transporte (autocarros com percursos, horários e para- Se atendermos aos Sistemas Territoriais da Península Ibé-
gens predeterminados) porque são economicamente in- rica,7 os seus principais polos de concentração da ativida-
sustentáveis. A solução para estas zonas passa por tra- de económica e de comunicação com o exterior, por meios
zer os serviços aos cidadãos e pelo transporte flexível, terrestres ou marítimo, são a região metropolitana de Ma-
a pedido, adaptando-se em tempo real às necessidades drid, as áreas metropolitanas de Barcelona e de Lisboa e,
da procura. num segundo nível, com graus de concentração urbana e
populacional menores e com uma maior dispersão de cen-
b. Áreas metropolitanas e cidades intermédias tros urbanos de menor expressão demográfica, os espa-
ços urbano/metropolitanos de Valência, Porto/Gaia e Bra-
A questão é garantir uma boa cobertura espacial e tem- ga, Bilbau, Sevilha, Málaga e Gijón, a que se soma o litoral
poral de todo o espaço polarizado pelos centros urbanos, fortemente urbanizado entre Viana do Castelo e Setúbal.
a um custo acessível de utilização do sistema6 e promo- A solução dos problemas de transporte no espaço conti-
vendo a redução dos impactes ambientais associados ao nental nacional acaba por entroncar nas ligações que se
transporte, nomeadamente quanto às emissões poluentes têm de assegurar com o restante território peninsular,
e ao congestionamento de tráfego. Nos novos eixos urba- prolongando o eixo multimodal de acessibilidade do cor-
nos interiores, que procuram a modernização dos seus redor litoral para norte (em direção à Galiza) e para sul
tecidos económicos, os problemas de transportes ultra- (em direção a Sevilha), articulando-o com os dois eixos
passam o garantir a acessibilidade de proximidade quoti- transversais que o deverão conectar, num caso com Bil-
diana, antes implicam, em termos estratégicos, potenciar bau (em direção à fronteira de Irun) e no outro com Ma-
as complementaridades funcionais através da conectivida- drid e Barcelona (em direção à fronteira de La Jonquera).
de em rede desses centros urbanos de menor dimensão. A conclusão destes eixos multimodais8 permitirá ainda a
Nas áreas urbanas o planeamento do uso dos solos, evi- ligação dos nossos principais portos com o hinterland pe-
tando a especialização e promovendo o uso misto, cons- ninsular e a conexão de parte das nossas cidades médias
tituirá um instrumento fundamental para reduzir as ne- do «interior» com o eixo litoral. Para completar a rede de
cessidades de mobilidade. Contudo, continuarão a existir acessibilidades haverá apenas que assegurar a ligação en-
grandes fluxos de passageiros nas viagens pendulares, tre os dois eixos transversais, pelo interior, aumentando a
que não têm outra forma de encontrar resposta eficiente conectividade entre essas cidades médias e potenciando
fora do quadro de sistemas hierarquizados e integrados a consolidação dos eixos que estão em desenvolvimento
(articulados) de transporte de massas: comboio pesado na região das Beiras.
para eixos de maior peso de passageiros em hora de ponta,
metro subterrâneo, metro de superfície e autocarro, em
escala decrescente de volume dos fluxos de passageiros
nas horas de ponta.
Estes sistemas clássicos de transporte público tenderão
a ser complementados com uma oferta presentemente
em grande expansão, que decorre do uso das tecnologias
de tratamento e comunicação de informação, atualmente
em fase de grande progresso. A Internet das Coisas (IOT),
associada aos modos suaves, está a viabilizar uma nova
1
Em Portugal correspondem às que têm mais de 100 mil e menos de 500 mil
forma de assegurar a mobilidade urbana, em especial nas habitantes.
viagens ocasionais, mas também em algumas das pendu- O que, de acordo com o Plano Regional de Ordenamento do Território da Área
2

Metropolitana de Lisboa (PROT AML), significa considerar as relações de


lares, o que vem forçando a criação de ciclovias que ten- interdependência e as sinergias de um espaço que, além do que administrativamente
é considerada a AML, se estende até Torres Novas, Santarém, Évora e Sines, enquanto
dem a ocupar cada vez mais espaço, geralmente furtan- no Norte é polarizada em torno do triângulo Porto/Gaia, Braga e Guimarães.
3
DGEM, Balanço Energético 2018.
do-o ao do automóvel. Transporte público e modos suaves 4
APA, Relatório do Estado do Ambiente 2018.
5
ANSR, Ano de 2018, Sinistralidade Rodoviária.
são a única solução para reduzir o uso (e abuso) do au- 6
Problema em parte resolvido com o recente programa de redução e integração
tomóvel, permitindo a redução do congestionamento, das tarifária.
7
Marques et al., 2019. Citado no relatório da Comissão Independente para a
emissões de GEE, da sinistralidade, no sentido de criação Descentralização, 2019.
8
Por eixos multimodais entende-se corredores rodoferroviários. Nas curtas distâncias,
de cidades mais amigas dos seus residentes – smart city. o transporte aéreo deverá ser residual.

36 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
ECONOMIA PARA O
BEM COMUM...

LEONOR PAIS E SUSANA PEREIRA, ENGIRISCO


Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação da Universidade
de Coimbra. NUNO REBELO DOS SANTOS, Faculdade de Psicologia
e de Ciências de Educação da Universidade de Coimbra. Escola de
Ciências Sociais, Universidade de Évora, e SALVATORE ZAPPALÀ,
Departamento de Psicologia, Universidade de Bolonha, Itália

A
economia e, consequentemente, a política eco- financeira de 2008, puseram a nu as fragilidades do siste-
nómica, desempenham um papel crucial na so- ma económico e social da União Europeia e fizeram emer-
ciedade contemporânea, delas dependendo o êxi- gir uma maior preocupação da sociedade com os temas
to ou o fracasso de outras políticas fundamentais para o económicos, influenciando não só o discurso político, mas
bem-estar dos cidadãos, nomeadamente ao nível da edu- também o aparecimento de novas propostas de reestru-
cação, da saúde, dos serviços sociais, da cultura, do am- turação da estrutura social.
biente, da tecnologia e da inovação. Todos estes aspetos É neste contexto que a 6 de outubro de 2010, em Viena,
dependem, em larga medida, da situação económica, im- Áustria, se inicia um processo de mudança, designado Eco-
pactando o desenvolvimento global local, regional, nacio- nomia para o Bem Comum (EBC), transformando uma ideia
nal e internacional. num movimento. A EBC foi então proposta por um econo-
O contexto instável, o aumento substancial do desem- mista austríaco, Christian Felber, e o movimento é atual-
prego, da pobreza e da exclusão social, criados pela crise mente apoiado por mais de 2000 empresas em 40 países.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 37
TEMA DE CAPA

O maior número de empresas aderentes encontra-se na prática, promovendo uma maior participação na vida cole-
Áustria e Alemanha, seguindo-se a Suíça, Itália e Espanha, tiva. Procura-se integrar a economia na esfera social, cul-
não havendo ainda aderentes em Portugal. A recomenda- tural e ecológica, não só na Europa, mas no mundo. Este
ção de adesão a este modelo económico, alinhada com a modelo tem vindo a ser cada vez mais apoiado por empre-
Estratégia Europa 2020, emerge do Comité Económico e sas e organizações da sociedade civil e do meio académi-
Social Europeu (CESE), em setembro de 2015. co. A EBC é, assim, um modelo cooperativo que visa criar
A principal proposta deste modelo é a de que a economia um sistema social e económico resiliente, sustentável e
deve servir as pessoas, ou seja, o bem comum (Felber, inclusivo, evitando tensões sociais fraturantes e inespe-
2015). O ponto de partida para a concretização deste obje- radas crises sociais disruptivas (CESE, 2015).
tivo é a ideia de que o dinheiro e o capital são importantes O reconhecimento do bem comum requer um método claro
ferramentas de troca e de investimento, mas nunca um fim e objetivo de aferição do desempenho económico, sendo
em si mesmo (CESE, 2015). Dos pilares da EBC, podemos que, de acordo com o parecer do Comité Económico e So-
destacar três premissas: a) o bem comum é considerado cial Europeu (CESE), «o produto do bem comum, o balan-
o objetivo da economia, b) os processos de cooperação ço do bem comum e a avaliação da solvabilidade do bem
são vistos como base das relações económicas, e c) a comum complementam, respetivamente, o PIB, o balanço
democracia legitima o sistema social (Felber, 2015). O lu- financeiro e a solvabilidade financeira». Assim sendo, a
cro e a concorrência do antigo modelo social devem ser avaliação do bem comum gerado por cada organização
substituídos pelo bem comum e pela cooperação, sendo deve incidir sobre os valores acima mencionados. Para o
essa ideia reforçada pelas Constituições dos estados de- efeito, foi desenvolvida uma matriz de dupla entrada que
mocráticos, que são unânimes em afirmar que o objetivo contempla estes valores e os diversos stakeholders: a)
da atividade económica é o bem comum. fornecedores, b) proprietários, acionistas e prestadores
Este modelo que aspira ao bem comum baseia-se em va- de serviços financeiros, c) trabalhadores, d) clientes e
lores reconhecidos como universais: dignidade humana, parceiros de negócio, e e) comunidade, e cuja articulação
solidariedade e justiça social, sustentabilidade ambiental, origina indicadores mensuráveis e facilmente compreen-
transparência e codeterminação (ECG, 2017). Dignidade síveis, adaptados a cada organização (Tabela 1).
humana significa que todos os seres humanos são va-G4 Tabela 1 – Matriz da EBC
Tabela 1 – Matriz da EBC
liosos, únicos e merecedores de proteção, independen-
VALOR DIGNIDADE SOLIDARIEDADE E SUSTENTABILIDADE TRANSPARÊNCIA E
temente da sua origem, idade, género ou demais carac- Stakeholder HUMANA JUSTIÇA SOCIAL AMBIENTAL CODETERMINAÇÃO

terísticas. A solidariedade pretende assegurar que todos A: A1 A2 A3 A4


FORNECEDORES Dignidade humana Solidariedade e Sustentabilidade Transparência e
tenham a mesma igualdade básica de oportunidades, e na supply chain justiça social na ambiental na codeterminação na
manifesta-se como uma vontade mútua e altruísta de supply chain supply chain supply chain
B: B1 B2 B3 B4
cooperar voluntariamente. A justiça social visa alcançar PROPRIETÁRIOS, Dignidade humana Posição social Uso de fundos em Propriedade e
ACIONISTAS E
uma distribuição justa de bens, recursos, poder, oportuni- PRESTADORES DE
em relação aos
recursos
em relação aos
recursos
relação ao
ambiente
codeterminação
SERVIÇOS
dades, obrigações, e é cumprida através de diversos meca- FINANCEIROS financeiros financeiros

nismos sociais. A sustentabilidade ambiental preocupa-se C:


TRABALHADORES
C1
Dignidade humana
C2
Organização
C3
Comportamento
C4
Codeterminação
em satisfazer as necessidades do presente sem compro- no local de trabalho de trabalho ecológico dos e transparência
e ambiente de autodeterminado trabalhadores dentro da
meter a possibilidade de as gerações futuras poderem trabalho organização
satisfazer as suas próprias necessidades. A transparência D:
CLIENTES E
D1 D2 D3 D4
Relações éticas Cooperação e Impacto no Participação
significa a divulgação de todas as informações relevantes PARCEIROS
NEGÓCIOS
DE com os clientes solidariedade com ambiente pela do cliente e
outras empresas utilização e transparência
para o bem comum, em particular de dados críticos como eliminação de do produto
salários, contabilidade de custos internos e procedimentos produtos e
serviços
de recrutamento e demissão. A codeterminação remete E: E2 E2 E3 E4
para a necessidade de participação de cada stakeholder COMUNIDADE Finalidade dos
produtos e seus
Contribuição para
a comunidade
Redução do
impacto ambiental
Codeterminação
e transparência
no processo de tomada de decisão, especialmente se os efeitos na social
sociedade
resultados os afetam diretamente.
A EBC é um modelo holístico que combina vários modelos Fonte: ECG (2017)

económicos favoráveis à dignidade e à cooperação huma- Este modelo torna-se, assim, um guia de atuação ética e
Fonte: ECG (2017)
na, enfatiza a responsabilidade social e a ética nas e das sustentável para as organizações aderentes, adaptável
organizações, visando aproximar cidadãos. Essa aproxi- aos vários sectores económicos e dimensões. Por esta
mação é facilitada pela transposição dos valores para a razão, pode ler-se no parecer do CESE que a promoção

38 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Economia para o bem comum...

a) autonomia, participação, transparência na gestão


e empoderamento dos funcionários,
b) feedback transparente,
c) igualdade de tratamento,
d) flexibilidade das horas de trabalho e equilíbrio
trabalho/família,
e) saúde e segurança no trabalho,
f) ambiente de trabalho positivo,
g) inclusão social.

Para reportar um outro exemplo, as ações que as organi-


zações relataram em relação ao indicador C3, «compor-
tamento ecológico dos trabalhadores», distribuem-se por
oito categorias:

a) práticas ecológicas de alimentação e mobilidade,


do empreendedorismo é uma prioridade fundamental da b) práticas ecológicas de produção,
União Europeia, assim como a inovação social, e que es- c) facilitadores de comportamentos ecológicos,
tas devem ser orientadas por políticas que fomentem um d) impactos positivos do equilíbrio trabalho/família,
mercado ético europeu e promovam ações de formação e) medidas educativas de comportamentos ecológicos da
de empresários com base nos valores da EBC. sociedade e dos trabalhadores,
Uma equipa de investigação luso-italiana (Universidade de f) promoção de comportamentos de trabalho
Coimbra e Universidade de Évora, em Portugal, e Universi- ecossustentáveis,
dade de Bolonha, em Itália) desenvolveu, e tem vindo a im- g) promoção da saúde dos colaboradores,
plementar, um projeto que visa a adesão das organizações h) práticas de trabalho ecossustentáveis e eco-amigáveis.
portuguesas ao movimento da EBC e aos seus valores. Na
primeira etapa do projeto, já concluída, caracterizou-se o
processo de adesão ao movimento da EBC em organiza- A segunda etapa do referido projeto encontra-se em de-
ções italianas (a escolha de Itália prendeu-se com o fac- senvolvimento e é dedicada à partilha do conhecimento
to de agregar um número significativo de organizações adquirido na etapa anterior, através da realização de se-
aderentes e por ser um país com uma cultura próxima à minários e workshops com organizações portuguesas.
portuguesa) através da realização de entrevistas ao topo Além da partilha do conhecimento já gerado, estes even-
estratégico das organizações e da recolha e análise dos tos conduziram a que algumas organizações portuguesas
relatórios do bem comum por estas elaborados. tivessem abraçado o desafio de serem pioneiras na ade-
O relatório do bem comum é uma avaliação abrangente são a este modelo, tendo para o efeito o apoio pro bono da
da contribuição de uma organização para o bem comum equipa de investigação. No curto prazo serão realizadas
e inclui uma descrição de como as atividades da organi- intervenções participativas visando apoiar as organiza-
zação se relacionam com cada um dos 20 indicadores de ções portuguesas a aderirem à EBC. Espera-se, através
bem comum (ECG, 2017). Cada indicador descreve como destas intervenções, ajudar as empresas na adesão a es-
os valores individuais se aplicam ao grupo de stakeholders tes valores e a este movimento, tornando-se assim mais
relevantes. Enquanto a realização das entrevistas visou capazes de contribuírem conscientemente para o bem
descrever as razões e o processo de adesão ao movimento comum. O projeto culminará com a partilha e difusão do
da EBC, os relatórios do bem comum possibilitaram des- conhecimento gerado junto do tecido empresarial portu-
crever as ações desenvolvidas pelas organizações italia- guês e da comunidade científica.
nas para cada indicador. A análise dos indicadores per-
REFERÊNCIAS
mitiu agrupar as ações destas empresas em categorias.
Economy for the Common Good (2017), Workbook: Full Balance Sheet 5.0. Matrix
A título exemplificativo, do indicador C1 pode referir-se Development Team, Áustria, Europa.
que as organizações reportaram a operacionalização da Comité Económico e Social Europeu (2015), Parecer sobre A Economia do Bem Comum:
um modelo sustentável orientado para a coesão social, Comité Económico e Social
«Dignidade Humana no local de trabalho e ambiente de Europeu, 510.ª reunião plenária, Bruxelas, Europa.
FELBER, C. (2015), Change everything: Creating an economy for the common good,
trabalho» em ações agrupadas em sete categorias: Londres, RU: Zed Books.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 39
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

40 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
A
ENGENHARIA
DA
FORMAÇÃO

A
formação mantém o seu objetivo final, ser um
instrumento ao serviço do desenvolvimento das
pessoas e das organizações, mas evoluiu muito
nos últimos anos, tendo por objeto, hoje, uma realidade
social e profissional cada vez mais complexa.
Por esta razão, à formação impõe-se que esteja em per-
manente evolução e que seja capaz de reagir com cele-
ridade às necessidades do tempo que corre, ao mesmo
tempo que procura antecipar que competências e qua-
lificações serão necessárias no futuro.
A elaboração de planos de formação, bem como a de-
finição das várias fases do ciclo formativo (conceção,
gestão e coordenação e avaliação), não constituem um
exercício pré-formatado que a todos serve em qualquer
momento, devendo antes ser desenvolvidas em estreita
cooperação com aqueles a quem se dirigem (territórios,
organizações e sectores) e tendo em conta as suas rea-
lidades específicas.
Partindo do pressuposto de que para conseguir dar res-
postas a todos estes desafios o sistema de formação ne-
cessita de uma engenharia específica que se mantenha
sempre aberta e inventiva, convidamos os leitores, atra-
vés da leitura dos textos que constituem este Dossier,
a «mergulharem» neste jogo de questões – respostas
– propostas – ou seja, de construção conjunta que é,
afinal, a «Engenharia da Formação».

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 41
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

FORMAÇÃO DE ADULTOS.
UM FATOR DETERMINANTE
PARA O DESENVOLVIMENTO
DE COMPETÊNCIAS

THIERRY ARDOUIN,1 Professor de Ciências da Educação e da


Formação. Université de Rouen Normandie. Coordenador temático
«Dispositivo e Engenharia da Formação» EPALE/Eramus+ França.
thierry.ardouin@univ-rouen.fr

ENGIRISCO

A
formação de adultos é uma realidade social e Iremos desenvolver quatro pontos. Em primeiro lugar,
profissional, cada vez mais evidente no conjun- iremos contextualizar a formação de adultos enquan-
to dos países europeus. Oferece uma variedade to problematização na lógica da complexidade, seguida-
e uma diversidade de situações, de práticas, de níveis, mente iremos identificar as tendências percebidas na
de estruturas e de atores. De um ponto de vista estru- formação, para declinar o interesse da engenharia na
tural, a formação constitui um objeto-fronteira entre os formação, com as respetivas condições de realização e
níveis, os atores e os territórios, que revela mundos so- sucesso. Por fim, a conclusão convida a pensar na for-
ciais. Considerando que a formação é um instrumento mação do futuro enquanto bem público ao serviço de
ao serviço do desenvolvimento das pessoas e das or- uma oportunidade democrática.
ganizações, também lhe é solicitado que assegure, ou
mesmo que assuma, outros papéis políticos, sociais ou A FORMAÇÃO DE ADULTOS É UMA PROBLEMATIZAÇÃO
territoriais. Transporta em si mesma um determinado INSCRITA NA COMPLEXIDADE
número de tensões e de paradoxos. É, pois, objeto de de-
safios entre o nível político, organizacional e pedagógico, A ideia de formação não é nova e inscreve-se na natureza
e necessita de uma engenharia específica, mas sempre humana, em que existe uma necessidade imperiosa de
aberta e inventiva. aprender e de adaptação para viver na nossa sociedade.

42 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
COMPETÊNCIAS

Além desta exigência comportamental, e antes mesmo implementar. Neste caso, o problema não existe, a so-
do desenvolvimento da educação, enquanto sistema lução é conhecida e a questão sobre o problema não é
de formação inicial, a transmissão de conhecimentos colocada nem sequer imaginada. A este nível, os agen-
é essencial para a vida em sociedade e o exercício das tes pedagógicos apenas se podem movimentar no seio
profissões. Implementar formações é inscrever a sua de uma formação cujas dimensões políticas, estraté-
ação num ambiente complexo, por ser múltiplo e in- gicas ou, mesmo, organizacionais, não foram alvo de
certo, tendo em consideração, por um lado, as diver- reflexão além dos aspetos económicos, financeiros ou
sas dimensões do indivíduo e, por outro, os diversos de visualização em termos de comunicação.
intervenientes. Hoje em dia, a complexidade das situa- Em segundo lugar, a formação é a resolução de
ções socioprofissionais é cada vez maior e as situações um problema já conhecido e catalogado, e a forma-
de formação disponibilizam cada vez menos respostas ção é a aplicação de procedimentos e de progra-
para situações ou questões conhecidas. Na verdade, a mas identificados. Contudo, o risco é que a forma-
formação pode, de facto, ser pensada, esquematica- ção se situe numa abordagem de reprodução e de
mente, de acordo com três abordagens. aplicação sem se colocarem questões básicas so-
Primeiramente, a formação é a solução. Indepen- bre o público, as suas expectativas, as funções ou
dentemente do problema, é a formação que convém disfunções, os contextos sociais ou profissionais.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 43
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

Nesta situação, a formação torna-se apenas um procedi- Relacionada com as duas tendências anteriores, a indivi-
mento a aplicar para além das pessoas que compõem os dualização dos percursos é reforçada; onde o formando
grupos, ou mesmo sem as ter em consideração. terá, simultaneamente, mais autonomia nas suas esco-
Por último, em terceiro lugar, a formação consiste em lhas e orientações, mas também mais responsabilidade
colocar em causa um problema, no qual a questão é o na sua própria formação, com uma dimensão possível de
aspeto principal e tão importante como o que venha a autoformação.
acontecer. A solução apenas será possível após uma abor- Por último, em França, devido à nova lei sobre a formação
dagem da leitura da realidade, dos atores, das expecta- e o desenvolvimento da experimentação, e sem dúvida
tivas, dos constrangimentos ou mesmo dos contrários. noutros locais, a formação em contexto laboral está a
Neste caso, a formação vai dedicar-se a encontrar aquilo desenvolver-se e a estruturar-se. De resto, um olhar eu-
que ainda não existe. É um jogo de questões – respos- ropeu seria interessante.
tas – propostas – ou seja, de construção conjunta que é No entanto, quaisquer que sejam as futuras tendências e
implementado. Neste espírito, a formação não pode ser realidades, a realização de formações socioprofissionais
uma mera aplicação, mas, verdadeiramente, um questio- tem de ter em consideração os atores, os territórios e os
namento, uma problemática sobre a ação, ou seja, uma desafios, ou seja, uma engenharia.
problematização.
Esta complexidade convida-nos a abordarmos a questão UMA ABORDAGEM DE ENGENHARIA
da formação no âmbito de uma abordagem interdisciplinar EM QUATRO TEMPOS ITERATIVOS:
e multirreferencial. A interdisciplinaridade está ligada aos ANALISAR, CONCEBER, REALIZAR, AVALIAR (ACRE)
contributos de diversas disciplinas das ciências sociais.
A abordagem multirreferencial na investigação em edu- Realizar formações profissionalizantes é integrar-se numa
cação baseia-se em três tipos de pluralidade: a) a plura- abordagem de engenharia que definimos como «a arte e
lidade das perspetivas, em que Ardoino (1977) distingue a ciência da confiança através da tradução e transforma-
cinco perspetivas: centrada no indivíduo, na inter-relação, ção dos contrários e dos constrangimentos individuais,
no grupo, na organização e na instituição; b) a pluralidade coletivos e organizacionais para a aprendizagem de cada
dos espaços-tempos, onde a abordagem multirreferencial um dos três níveis» (Ardouin, 2011, p. 167). A integração
combina sincronia (produto) e diacronia (processo) e não desse jogo de constrangimentos e de contrários leva-nos
dissocia o tempo do espaço mas diferencia-os e tenta a declinar a abordagem da engenharia em quatro tempos:
articulá-los; e c) a pluralidade dos referenciais teóricos analisar, conceber, realizar e avaliar. Estes tempos são
através de uma pluralidade das disciplinas científicas, implementados de forma sucessiva, complementar e ite-
que seja a maior possível para permitir perceções dife- rativa ao serviço do desenvolvimento das pessoas e das
rentes sobre o objeto de investigação. organizações (Ardouin, 2010).
G5
Figura 1 – Os quatro tempos da engenharia da formação
AS TENDÊNCIAS DE EVOLUÇÃO PARA A FORMAÇÃO
DO FUTURO Uma abordagem socioprofissional da otimização da formação em 4 etapas
ANALISAR – CONCEBER – REALIZAR – AVALIAR, (ACRE)
Para o desenvolvimento dos indivíduos e das organizações
Os diversos trabalhos, as permutas com os profissionais
e as instituições, associadas a uma reflexão realizada
com profissionais em formação, permitem-nos identificar
quatro grandes tendências de evolução. ANALISAR CONCEBER

O reforço da multimodalidade na formação, quer se cha-


me e-learning, formação digital, digitalização, serious REALIZAR AVALIAR
game, blended learning ou hibridação. Os formadores e
formandos são, e serão, cada vez mais, confrontados com
esta diversidade de técnicas, de metodologias e de impac-
tos sobre as aprendizagens e os contextos pedagógicos. Analisar é partir de um problema, é implementar a interro-
O desenvolvimento da abordagem por «blocos de com- gação e as suas questões. Uma formação, ainda mais se
petências» com o reforço de uma perspetiva operacio- for profissionalizante, não é uma resposta nem um fim em
nal da formação, associada a uma dessacralização dos si mesmo. Apenas tem sentido em relação com um con-
diplomas e das certificações. texto e com uma finalidade para um determinado público.

44 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Formação de adultos. Um fator determinante para o desenvolvimento de competências

Trata-se, portanto, de partir da situação socioprofissional, ou uma validação de conhecimentos, ou, ainda, quando
de a questionar, e das expectativas dos diferentes atores. é confrontada com uma mudança de função, de emprego
O único objetivo desta primeira etapa é identificar o pro- ou com ficar no desemprego. Qual o papel que a formação
blema, ou seja, colocar a questão «qual o problema a que vai desempenhar? Qual o problema que a pessoa tem de
a formação deve dar resposta?» Neste espírito, a forma- solucionar: conhecimentos, competências, identidade, re-
ção não pode ser uma mera aplicação, nem a engenha- conhecimento, qualificação, promoção? E, nessa situação,
ria um simples procedimento, mas, verdadeiramente, um quais as práticas pedagógicas que podem, ou devem, ser
questionamento, uma problemática sobre a ação, ou seja, implementadas?
uma problematização (Fabre, 2006). Do mesmo modo, o Para uma organização, empresa ou organismo público,
problema não existe em si mesmo, é apenas porque o in- quais os problemas que devem enfrentar: técnicos, co-
divíduo, o coletivo, a entidade formadora ou o prestador merciais, sociais, saúde e segurança, de desenvolvimen-
se deparam com ele que o mesmo se torna problemático, to, éticos? E qual o lugar e o papel que a formação pode
ou seja, uma questão a solucionar. desempenhar: regulação social, aperfeiçoamento técnico,
Há uma concentração sobre o problema e as suas compo- reconhecimento institucional ou acompanhamento das
nentes para identificar informações, condições e neces- mudanças? E que dispositivo usar?
sidades, ou seja, um modelo de inteligibilidade a partir Para uma instituição ou coletividade, quais são os proble-
do qual é possível elaborar um programa, uma ação, um mas a ter em consideração: desenvolvimento nacional e
dispositivo ou um sistema de formação. Estas diferentes territorial, melhoria de competências e saberes, de reco-
dimensões são incorporadas num sistema de formação nhecimento e posicionamento internacional, paz social?
que compreende vários dispositivos, mais ou menos pró- E, nessas áreas, qual o papel para a educação e a forma-
ximos e interligados, que reúnem, eles próprios, um con- ção: aprendizagem básica, alfabetização, educação para
junto de ações por dispositivo, sendo cada uma dessas a cidadania, educação para a saúde, emprego, integração,
ações delineada em programas específicos a realizar. Nes- inserção, reforço das elites, etc.? Dito de outro modo, qual
te contexto, não há elementos mais importantes do que é o projeto de política social e/ou societal.
outros, mas cada nível corresponde a um corpus mais ou Formar não é inócuo e tem significado para os diferen-
menos consequente no tempo e no espaço. Cada um dos tes atores, nos diversos níveis, entre projeto, obstáculo
níveis deve «colocar o problema». A análise questiona e situação. Formar inscreve-se, portanto, numa lógica de
o desequilíbrio ligado ao problema, não se concentran- problematização, onde os diferentes projetos, da pessoa,
do, no entanto, unicamente no problema, mas também do organismo de formação, da empresa, da instituição,
na sua construção com os atores e as possibilidades de do território, se aproximam e se afastam, necessitando
resolução. Esta análise é uma abertura sobre o problema, de uma criatividade de conceção.
é a «ponte» (Ardouin, 2011, p. 161) entre os níveis, os Conceber é inventar, inovar, propor ou reorganizar em
atores, é «a tradução dos interesses» de que falávamos função dos elementos da análise. É «a porta» (Ardouin,
previamente. A análise é esse trabalho de questionamento 2011, p. 161) que permite que o profissional se abra aos
do «conhecido», aquilo que acreditamos ver ou conhecer, outros, mas também que se feche de modo a ter tempo
para ir em direção ao «desconhecido», aquilo que iremos para a reflexão e construção. O problema é modelado, as
descobrir e construir, através da etapa, um novo universo estratégias de ação são pensadas, as propostas são estu-
«ainda não conhecido» que será a formação. Trata-se, na dadas e dão lugar a cenários. Estes não são procedimen-
verdade, de clarificar as expectativas, de confirmar e vali- tos imutáveis, mas adaptam-se aos atores e aos aconte-
dar o «contrato» de formação, ou seja, o objeto e as moda- cimentos tendo em conta a finalidade. Vemos claramente
lidades de intervenção e de transformação. É um trabalho que a engenharia remete para o contexto e para os atores.
de descodificação das expectativas e das posturas dos di- A melhor formação apenas pode ser feita com a pessoa,
ferentes interlocutores. Esta análise permite, igualmente, enquanto objeto. O ator resiste e tem razão. A finalidade
identificar os meios acessíveis, possíveis, exequíveis ou da engenharia é a produção de conhecimentos e de com-
aceitáveis para resolver o problema. petências; por conseguinte, de autonomia e de identidade.
No campo da formação para adultos, as situações são, ob- A engenharia da formação inscreve-se na ação e numa
viamente, múltiplas e muito diferentes, mas encontramos estratégia. E, nesse sentido, como recorda Edgar Morin,
«o questionamento» em todos os níveis. «a ação é uma decisão, uma escolha, mas é, também,
Para uma pessoa, o que é que isso significa quando tem uma aposta. Ora, na noção de aposta, tem a consciência
de realizar uma avaliação de competências, uma formação do risco e da incerteza» (p. 105), E o autor prossegue, «a

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 45
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

ação é estratégia. [...] A estratégia permite, a partir de dispositivos: da informação, de acolhimento, de orien-
uma decisão inicial, considerar diversos cenários para tação, de avaliação, de validação e de formação, sob
a ação, cenários que poderão ser alterados de acordo todas as formas (presencial, individualizada, com tuto-
com as informações que irão chegar no decorrer da ação ria, em grupos de diferentes dimensões, por conferên-
e de acordo com os riscos que irão surgir e perturbar a cia, à distância, colaborativa, síncrona, assíncrona, etc.).
ação. A estratégia luta contra o acaso e procura a infor- A realização é, igualmente, constituída pela dimensão
mação. [...] A estratégia aproveita o acaso [...]. O acaso pedagógica (da relação da formação) e didática (na aqui-
não é apenas o fator negativo a reduzir no domínio da sição dos saberes). A realização é aquilo que é mais vi-
estratégia. É, igualmente, a oportunidade que deve ser sível para o formando e a entidade formadora. É a parte
aproveitada» (Morin, 2005, p. 106). visível do icebergue da formação e sobre a qual o forman-
Desta forma, longe de ser uma simples lógica progra- do se pode apoiar para adquirir os seus conhecimentos
mática, a engenharia é a declinação dos possíveis, em e a entidade formadora para dar visibilidade ao projeto.
termos de aprendizagem e utilização dos recursos em Avaliar é implementar um circuito de retorno ao longo
função dos objetivos, ou seja, de uma estratégia de ação. de todo o processo de formação, de modo a controlar
Esta estratégia de ação apenas tem sentido relativamen- a ação de formação em relação aos objetivos, ao públi-
te a um problema que, por isso, é necessário questionar co, aos conteúdos, aos métodos e aos atores. A avalia-
e estabelecer. Juntamo-nos novamente a Edgar Morin ção realiza-se, portanto, durante a formação, sobre as
quando escreve: «A palavra estratégia opõe-se à do pro- aprendizagens, mas também sobre a formação e para
grama. Para as sequências que se situam num ambiente a formação. Por último, a avaliação permite um retorno
estável, é conveniente utilizar programas. O programa da ação relativamente ao problema. Questiona de novo a
não obriga a ser vigilante. Não obriga a inovar» (2005, relação problema/resolução: a resolução efetuada permi-
p. 108). Se a engenharia tenta estruturar a formação, te controlar o problema ou reposicioná-lo, reconstruí-lo e,
da forma mais eficaz e mais eficiente, então não pode, possivelmente, fazer evoluir a estrutura ou a instituição.
nem tenta, controlar tudo. A aprendizagem pertence à Tal como apenas pode existir formação se houver rea-
pessoa ou ao grupo e, depois de o currículo estar imple- propriação pelos próprios atores, só há verdadeiramente
mentado, escapa-nos. engenharia da formação através de uma apropriação dos
Este tempo de conceção deve permitir imaginar disposi- diferentes níveis de atores e, por conseguinte, através
tivos inovadores, criar ações específicas e adaptadas ao de uma negociação iterativa permanente. Apesar de a
ambiente estudado previamente. Esta etapa e os diferen- prática e de o saber-fazer da engenharia pertencerem,
tes elementos de reflexão e de construção são negocia- em parte, a um grupo profissional, encontram-se, tam-
dos com a entidade formadora através de anteprojetos. bém, consideravelmente distribuídos por um conjun-
Trata-se de experimentar, de propor respostas adaptadas, G6
to de atores, que têm de trabalhar em conjunto para a
de formular os objetivos, de acompanhar as decisões, de implementação da formação (fig.2)
planificar e coordenar o projeto. Essas negociações, e
permutas acordadas, tornam possível o ajustamento do Figura 2 – A função formação no centro da abordagem ACRE
projeto para que fique o mais próximo possível dos obje- POLÍTICA DE FORMAÇÃO E GRH

tivos e da realidade social da organização e do território. ABORDAGEM DESCENDENTE


Esta etapa de conceção e formalização do projeto permi- ANALISAR
te, assim, alcançar o projeto final que será implementado.
Trata-se verdadeiramente de implementar uma engenha- MEIO AMBIENTE:
ria educativa no campo da formação. Mercado
Realizar é implementar tudo para a aquisição de sabe- MONITORIZAÇÃO CONCEÇÃO
Produto
Tecnologia
res, de conhecimentos e de competências por parte dos DA FUNÇÃO DA
FORMAÇÃO
Organização
Gestão
DE FORMAÇÃO
atores. A realização é a componente mais aparente da ANALISAR
RH
Clima social
engenharia da formação, com tudo o que implica de pla- Regras
Meio Sociogeográfico
nificação, organização e orçamentação, podendo criar
uma visão «empreendedora» única da engenharia, com ANALISAR
as suas dimensões técnicas (painéis de avaliação, docu-
ABORDAGEM ASCENDENTE
mentos de acompanhamento, financiamentos, etc.), mas
NECESSIDADE E PEDIDOS DE FORMAÇÃO
também a organização e a coordenação de diferentes

46 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Formação de adultos. Um fator determinante para o desenvolvimento de competências

ENGENHARIA EM FORMAÇÃO: CONDIÇÕES DE REALIZAÇÃO Isso implica o reconhecimento pelo nível político da espe-
E DE SUCESSO DO TRABALHO CONJUNTO cificidade e da mais-valia pedagógica dos institutos e dos
profissionais de formação e da sua capacidade para inovar.
A formação tem como objetivo a aprendizagem, o desen- A governação territorial inscreve-se, pois, num diálogo com
volvimento dos conhecimentos e das competências para o nível organizacional e pedagógico.
os indivíduos, para o coletivo e para o território. O dispo- O nível organizacional é dotado de estrutura(s) de gover-
sitivo de formação tem como objetivo construir as condi- nação e condução, através de instrumentos de gestão e
ções de aprendizagem e ser o garante das condições de de uma abordagem de qualidade. Deve também favorecer,
sucesso dos formandos e, tal como tentámos mostrar, implementar e incentivar o diálogo e o estabelecimento de
numa perspetiva que não se contém nos limites das insti- parcerias nos seus diferentes níveis.
tuições de formação. É então que a dimensão do trabalho Isso passa pela redação do projeto pedagógico do orga-
conjunto apresenta toda a sua importância no espírito e nismo de formação, em termos de continuidade educati-
na lógica do engenho: através dessa capacidade de in- va, no contexto da formação, e em termos de percursos
G7 ventar, com criatividade e generosidade, articulações que de profissionalização nas profissões esperadas. Importa
favorecem a articulação do nível político, organizacional igualmente poder identificar e mobilizar as redes de recur-
e pedagógico (fig.3). sos e/ou profissionais e as parcerias a nível do território.
Trata-se, portanto, de construir pontes entre programas
Figura 3 – As condições de realização e de sucesso em formação profissionais, designadamente favorecendo os lugares de
FAVORECER: LUTAR CONTRA RISCOS DE: aprendizagem, de permuta e de reconhecimento, entre
Diálogo, reconhecimento, Confusão de papéis e níveis institutos, e a nível inter-regional, com a investigação e
confiança e inovação Hiper-racionalização
Hipertecnologista
as universidades.
O nível pedagógico diz respeito à transmissão dos sabe-
ESPAÇO res, saber-fazer e saber-fazer social, adequados ao exer-
Apoio político e orientações cício de uma profissão, mas deve ser refletido em termos
P0LÍTICO Pesquisa educacional
MACRO do acompanhamento individual dos formandos (enquadra-
Monitorização
ORGANIZACIONAL mento, formadores, tutores). Esta disposição necessita
MESO Diálogo com os parceiros
Acompanhamento
de um importante trabalho em equipa pedagógica, que
MICRO Apoio a incentivos reconheça a capacidade de propor iniciativas pedagógi-
PEDAGÓGICO
TEMPO
cas, que poderão ser apoiadas pelos níveis precedentes.
CURTO MÉDIO LONGO Importa esclarecer as diferentes práticas pedagógicas,
identificando os modelos pedagógicos utilizados para os
colocar em diálogo e não em oposição, explicitar as for-
mas de análises de práticas para conceber um modelo
Cabe a cada um dos níveis desempenhar o seu papel. partilhado que favoreça, especialmente, a integração dos
O que não significa permanecer no seu lugar, numa ló- saberes pelo estudante.
gica programática e de controlo, mas antes inscrever-se
no princípio dialogal, ou seja, em diálogo entre os atores CONCLUSÃO: «FORMAR O FUTURO»
e os níveis, tendo em vista uma mudança diferenciadora É UMA OPORTUNIDADE DEMOCRÁTICA
(Sennett, 2014), na qual os parceiros tomam consciência
tanto das suas diferenças como dos recursos que favo- Ninguém pode prever o futuro e, se cada um se puder pre-
recem uma colaboração formativa. A implementação da parar para o que há de vir, cabe à política (no sentido no-
cooperação necessita da colaboração entre os diferentes bre e democrático) antecipá-lo, ou até mesmo construí-lo,
níveis da engenharia política, de formação e pedagógica. de modo a que os objetivos da formação sejam inscritos
O nível político declina as suas orientações, tem uma am- como bem público.
bição educativa forte, com uma vontade de ir mais longe, A formação de adultos, na lógica «formar o futuro», cor-
através da investigação, relativamente à situação econó- responde a uma multitude e a uma complexidade de dis-
mica e territorial. O nível político constitui um apoio para positivos e de abordagens. Nessa diversidade, remete para
os dispositivos e uma ajuda para as inovações pedagó- três grandes objetivos distintos: o objetivo operacional
gicas nos institutos de formação (alternância, validação de uma adaptação à profissão, a integração no seio do
de novas aquisições) e para o reforço das competências. desenvolvimento social e societal de uma cultura geral

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 47
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

e a ambição de servir a promoção social, favorecendo as A formação atravessa esses diversos níveis com os seus
elites operárias ou profissionais. Entre a finalidade de uma objetivos interdependentes. Esta complexidade leva-nos
mudança societal e/ou de uma adaptação do homem ao a pensar a formação enquanto objeto-fronteira, no seio
aparelho produtivo, esta dialética questiona os três níveis de um sistema aberto, em que o importante não são ape-
da formação enquanto bem público, bem privado coletivo nas os mundos sociais que a atravessam, mas o reforço
e bem privado pessoal. ideal das conexões. Quanto mais os mundos sociais da
A formação, enquanto bem público, ou bem comum, é fi- formação permanecerem compartimentados com poucas
nanciada pelos recursos públicos, nacionais e territoriais, interações, mais a formação irá desempenhar um papel
em nome do princípio da solidariedade, nomeadamente de seleção e de distinção social. Pelo contrário, quanto
para pessoas insolventes, em inserção, à procura de em- mais os mundos da formação estiverem conectados e
prego ou com baixas qualificações. Nesse sentido, a forma- disponibilizarem pontes, mais a formação irá favorecer a
ção de adultos inscreve-se, bem como a formação inicial promoção profissional, social e cultural, no âmbito de um
e inicial profissional, nesse princípio de bem público ao princípio, que muito estimamos, de educação permanente,
serviço da comunidade. A finalidade desse bem público é em que a função de acompanhamento será cada vez mais
o desenvolvimento da cultura geral e o acesso de todos à presente e necessária.
formação para facilitar uma inserção social e profissional.
A formação contribui para o aumento do nível de conheci-
mentos dos indivíduos e dos saberes acessíveis à comuni-
dade. É, igualmente, um instrumento de desenvolvimento
social e cultural.
A formação, enquanto bem privado coletivo, é financiada
pelas organizações, pelas empresas e pelos funcionários,
no âmbito da lei sobre formação profissional. Está ao ser-
viço do indivíduo para a sua profissionalização e emprega-
bilidade, e da empresa para a sua perenidade e desenvol-
vimento. A formação aparece aqui como mais operacional
e técnica se for direcionada para o posto de trabalho. Está
ao serviço do desenvolvimento económico e social das
organizações e integra-se numa lógica de gestão dos em-
pregos e das competências e procura, pois, a qualificação
dos indivíduos ou dos grupos. Dito de outro modo, a gestão
dos recursos humanos, como meio para alcançar o objetivo 1
O autor trabalha há mais de vinte anos na área da formação de adultos. Este artigo
baseia-se em vários dos seus trabalhos, sendo que algumas passagens podem ter sido
do bem privado coletivo, pode juntar-se à do bem privado adaptadas de publicações anteriores.
pessoal, nomeadamente aquando do uso de dispositivos
institucionais, como a formação pessoal, a avaliação de
REFERÊNCIAS
competências ou a validação de experiências adquiridas,
mas também contribui para o bem comum através do au- ARDOUIN T., (2010) Ingénierie de formation, Paris, Dunod (5.ª ed., 2017).
mento de competências do conjunto da população e da ARDOUIN T., Clenet », J. dir (2011), «L'ingénierie de la formation. Questions et
Transformations», TransFormations, Lille, n.º 5, junho de 2011.
abertura sociocultural que permite ou favorece. ARDOUIN T., Guillaumin C. (2018), « La continuité formative, un enjeu de l’ingénierie en
formation», in Guillaumin, C., Pesce, S., Renier, S., Rusch, E. (coord.), De
A formação, enquanto bem privado pessoal, é assegu- l’abandon à l’engagement. Enjeux singuliers des parcours de professionnalisation,
Presses Universitaires François-Rabelais, Tours, capítulo 13.
rada pelo compromisso financeiro, temporal, psíquico T. ARDOUIN (2015), «Construire des formations professionnalisantes. Une
nécessaire démarche d'ingénierie», in J-Y Bodergat, P. Buzni-Bourgeacg (2015), Des
ou intelectual, e pela utilização que cada um faz do seu professionnalités sous tension. Quelles (re) construction dans les métiers de l'humain,
percurso. Inscreve-se, pois, na teoria do capital humano, Bruxelas, De boeck, pp. 61-77.
ARDOUIN T. (2017), «La formation des adultes : un objet frontière», in Ardouin T., Briquet
onde a pessoa irá tentar aproveitar o melhor possível o in- S., Annoot E., Le champ de la formation et de la professionnalisation, des adultes:
Attentes sociales, pratiques, lexique et postures identitaires, Paris, l'Harmattan,
vestimento realizado. A formação, enquanto bem privado pp. 23-37.
ARDOINO J. (1977), Éducation et politique, propos actuel sur l'éducation, Paris,
pessoal, pode juntar-se ao interesse da organização para Gauthier-Villars.
FABRE M. (1994), Penser la formation, Paris, PUF.
reforçar as suas competências e contribuir, igualmente, JOBERT G. (2006), «Formation», in Barus-Michel, Enriquez, Lévy, Vocabulaire de la
para o bem público, através do aumento do nível de quali- psychosociologie, Ramonville : érès, 353-359.
MORIN E. (2005), Introduction à la pensée complexe, Paris, Seuil, (1.ª ed., 1990).
ficação e cultura geral, mas esse não é, claramente, o seu SENNETT, R. (2014), Ensemble pour une éthique de la coopération, Paris, Albin Michel.
SENNETT
União Europeia (1995), Livro Branco sobre a Educação e Formação, Ensinar e Aprender
objetivo principal. – Rumo à Sociedade Cognitiva.

48 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
POLÍTICAS PÚBLICAS,
TERRITÓRIO E

PESSOAS

CONCEIÇÃO MATOS,
ENGIRISCO
Diretora do Departamento de Formação Profissional do IEFP, I.P.

T
erritório é aqui entendido como «um conjunto complexo de valores e de recursos; um bem comum de ativos fi-
xos, materiais e imateriais; um recurso esgotável; um “facto” económico e político; ou uma “construção social”
decorrente da ação coletiva de grupos, interesses e instituições». (Davoudi et al., 2008).

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 49
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

Não é possível dissociar a vida das pessoas do local que • integrar territorialmente as regiões funcionais trans-
habitam. É no território que se jogam as dinâmicas eco- fronteiriças e transnacionais;
nómicas, sociais e culturais. É aí que a vida acontece e, • assegurar a competitividade global das regiões ba-
por isso, não se podem pensar os processos de desen- seada em economias locais fortes;
volvimento desligados das suas especificidades locais. • melhorar a conectividade territorial entre indivíduos,
As características que encerram, os recursos materiais e comunidades, instituições e empresas;
imateriais de que dispõem, o perfil das pessoas que os ha- • gerir de forma integrada os valores ecológicos paisa-
bitam e das organizações que neles existem, assim como gísticos e culturais das regiões (CE, 2011).
as dinâmicas de interação que estabelecem, conferem
aos territórios características únicas que determinam Nesta mesma linha, em maio de 2018, no quadro de
múltiplas trajetórias de crescimento e de desenvolvi- uma proposta de simplificação dos procedimentos
mento. As políticas públicas devem reconhecer e valori- que visam o aumento da eficácia dos investimentos
zar essa diversidade, pelo que precisam de ser pensadas da UE, a Comissão propôs a revisão dos regulamen-
à medida das necessidades de cada território. tos da Política de Coesão pós-2020 e, dos onze obje-
É com base nestes pressupostos que, nas últimas dé- tivos temáticos desta política, definiu apenas cinco
cadas, se vem assistindo à progressiva afirmação dos objetivos políticos para o FEDER, o FSE+, o Fundo de
territórios como elementos-chave para a compreensão Coesão e o FEAMP:
das dinâmicas de desenvolvimento local, assumindo-
-se a dimensão territorial como matriz incontornável • uma Europa mais inteligente que preconiza a trans-
geradora de conhecimento, inovação e competitividade, formação económica de forma inovadora e inteligen-
sendo, por isso, considerada intrínseca aos fenómenos te;
socioeconómicos e estratégica para o desenvolvimen- • uma Europa mais verde e hipocarbónica;
to sustentável. • uma Europa mais conectada através do reforço da
Exemplo disso foi a consagração, no Tratado de Lis- mobilidade e conectividade das TIC a nível regional;
boa (2008), da elevação do pilar da coesão territorial • uma Europa mais social que aplique o Pilar Europeu
ao mesmo nível dos da coesão económica e da coesão dos Direitos Sociais;
social. Este facto determinou que os territórios assumis- • uma Europa mais próxima dos cidadãos que vise o
sem um importante significado político e o estatuto de desenvolvimento sustentável e integrado das zonas
princípio transversal à ação política comunitária. Fica- urbanas, rurais e costeiras através de iniciativas lo-
ram criadas as condições para que nos programas rela- cais (Lacarte, J. e Kołodziejski, M., 2019).
tivos à Política de Coesão1 passasse a ser atribuída ên-
fase especial às questões relacionadas com o papel dos No fundo, as prioridades em torno dos pilares da
meios urbanos e rurais, das geografias funcionais, das coesão económica, social e territorial centram-se no
áreas que enfrentam problemas demográficos específi- objetivo de uma transformação económica inteligente,
cos e das estratégias de desenvolvimento integrado de ancorada em abordagens de base territorial, os prin-
base territorial. Esta importância política ficou também cípios do desenvolvimento sustentável, integrado
expressa no quinto Relatório sobre a Coesão Económica, e equilibrado, a favor das pessoas e do ambiente.
Social e Territorial, cujas conclusões recomendavam que A coesão territorial, entendida como «fator de con-
a Política de Coesão incluísse o reforço da dimensão da versão da diferença em vantagem» (UE 2008), pro-
coesão territorial. Essas conclusões foram incorporadas cura o desenvolvimento harmonioso dos territórios,
na Agenda Territorial 2020, que atribuiu especial impor- garantindo a sua sustentabilidade e facultando às po-
tância à dimensão do «local» e à necessidade de se pulações a possibilidade de poderem tirar o melhor
atender à sua especificidade, preconizando o estímulo partido das características de cada um deles através
a abordagens de carácter experimental e consagrando da implementação de processos de inovação e de
seis prioridades para os territórios: competitividade. Cada região possui um capital terri-
torial 2 próprio que, associado a determinado tipo de
• promover um desenvolvimento territorial policêntrico investimentos, pode gerar rendimentos diferencia-
e equilibrado; dos pela utilização eficaz do seu potencial e dos seus
• estimular o desenvolvimento integrado das cidades e ativos, pelo que as políticas de desenvolvimento ter-
do meio rural enquanto áreas específicas; ritorial devem, em primeiro lugar, apoiar as regiões

50 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Políticas públicas, território e pessoas

no reforço do seu capital territorial (CE, 2005: 1, citado • que as políticas de desenvolvimento regional e local
em Camagni, 2008). devem proporcionar condições para intervenções in-
Trata-se de uma visão que assenta na valorização da tegradas de base territorial;
originalidade dos lugares e da diversidade do seu pa- • que as políticas de natureza territorial terão de ser
trimónio natural e histórico-cultural, que estimula o concebidas a partir da identificação do perfil de com-
potencial inerente às dimensões do espaço e a promo- petências e necessidades do território a que se des-
ção da sua capacidade empreendedora e competitiva. tinam, e
Ligada a esta nova consciência da importância dos • que se criem condições para que as políticas secto-
territórios, foi ganhando força o sentimento coletivo riais possam ser adaptadas a essa realidade.
da necessidade de preservar aquilo que passou a ser
entendido como um bem comum. No entanto, como Estes modelos, que visam uma maior flexibilidade tanto
refere Dasi (2008), «para que a produção do espaço na conceção como na implementação de políticas com
seja uma tarefa coletiva é necessária a existência de incidência num mesmo território, impõem, desde logo,
uma cultura política, individual ou coletiva, e fórmulas a adoção de mecanismos de coordenação (horizontal
para poder traduzir estes desejos em políticas, planos, e vertical) dessas políticas e devem ser apoiados por
programas e projetos concretos», de modo a poderem processos de governança territorial multinível que en-
ser geradas respostas efetivas às solicitações dos ter- volvam os atores locais, no pressuposto de que são
ritórios, mobilizando os recursos e as competências estes que melhor são capazes de identificar as suas
mais adequadas e propondo soluções suficientemente necessidades.
abrangentes que possibilitem a consolidação dos pro- Com efeito, o modelo clássico de ação política, em que
cessos e das políticas de desenvolvimento territorial as políticas sobre sectores e áreas bem definidos eram
as quais, segundo Barca (2009), devem aliar preferên- concebidas e decididas, unilateral e verticalmente, por
cias e conhecimento local e ser adaptadas aos lugares. um Estado centralizado, está ultrapassado. Hoje, as es-
Com efeito, hoje as abordagens regionais devem basear- calas espaciais da ação política exercem-se em dife-
-se numa visão integrada, sistémica e multissectorial rentes direções (na horizontal, de forma ascendente e
do desempenho económico das regiões, de modo a que descendente) e podem incorporar dimensões diversas:
possam ser identificados e aproveitados os pontos for- internacional, nacional, regional ou local, pelo que não
tes e os ativos locais como forma de incentivar o seu é possível ignorar o papel que os vários intervenientes
desenvolvimento e estimular a sua competitividade. (políticos, cidadãos, organizações não governamentais
A excessiva dependência face aos mercados externos ou outros), a diferentes níveis, têm neste processo. No
decorrente da globalização, que impõe elevados pa- fundo, trata-se agora de saber quais os problemas pú-
drões de concorrência, obriga a que as estratégias de blicos de que as autoridades políticas se devem ocupar
incremento da competitividade territorial passem pelo e de que modo deverão ser abordados e solucionados.
reforço da autoconfiança das comunidades locais, das Esta conceção de ação pública (entenda-se coletiva)
pessoas e das organizações, valorizando as suas po- no exercício da ação política remete-nos para o conceito
tencialidades e produções específicas – incluindo a de governança, porquanto esta resulta da mobilização
cultura, o saber e a forma própria de, localmente, se de atores públicos e privados com interesses definidos
fazerem as coisas, ou seja, aquilo que Dasi (2011) de- e organizados em torno de intenções determinadas.
signa por «cultura económica» – transformando-as em O conceito de governança territorial deve ser entendido
recursos disponíveis para o desenvolvimento territorial. como o processo de organização territorial da multiplici-
Trata-se, afinal, da afirmação da competitividade territo- dade de relações que caracterizam as interações entre
rial a partir do reconhecimento do capital endógeno de diferentes atores públicos e privados e que se traduz
cada território enquanto fator de oportunidade e van- na sua capacidade para:
tagem competitiva.
Neste sentido, a promoção de modelos de desenvolvi- • alcançarem um consenso organizacional que envolva
mento territorial equilibrados pressupõe a combinação diferentes atores, a fim de definirem objetivos e tare-
articulada de políticas que adotem como matriz as ne- fas comuns;
cessidades dos territórios e atendam às suas caracte- • reconhecerem o contributo de todos os parceiros
rísticas, à sua geografia social e económica e aos fato- para atingirem os objetivos previamente definidos e
res de oportunidade que cada um encerra. Isso implica: • acordarem sobre uma visão comum para o futuro do
seu território (Davoudi et al., 2008).

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 51
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

A definição das políticas deve, pois, ser articulada a integradora e os processos de governança como elemento
diferentes níveis, domínios e sectores, de modo a pre- de ação pública que torna possível essa ligação.
venir eventuais situações de conflitualidade entre elas, É no quadro desta visão da coesão territorial, como fator
de modo a evitar-se o desgaste e os custos de inefi- de oportunidade e vantagem competitiva, que as políticas
ciência que podem comprometer a sua execução. Por públicas podem contribuir para a potenciação dos recur-
outro lado, sabendo-se que cada território é único e sos dos territórios, promovendo:
tem necessidades próprias, as políticas devem ser ter-
ritorialmente inscritas e possibilitar a implementação de • a partilha de respostas para desafios comuns;
projetos de desenvolvimento integrados, diferenciados e • o estímulo ao desenvolvimento de competências de
multiescalares. criatividade e inovação;
É neste contexto que a territorialização das políticas pú- • a facilitação da obtenção de massa crítica e de valor
blicas tem vindo a ganhar especial relevância, decorrendo acrescentado;
esse processo essencialmente do reconhecimento, por • a exploração de complementaridades e sinergias que
um lado, da ineficácia das políticas públicas que não têm contribuam para se ultrapassarem as barreiras físicas,
em consideração as especificidades territoriais e, por outro institucionais ou espaciais.
lado, da necessidade de se assegurar a mobilização dos
atores locais para a definição e implementação dessas É precisamente no âmbito da valorização dos territórios
políticas. Significa isto que se assume a territorialização enquanto espaço púbico de ação política, da promoção
das políticas públicas, bem como o envolvimento dos ato- da qualidade de vida através da preservação deste «bem
res locais e regionais, como requisito indispensável ao comum» e do reforço da sua competitividade a partir da
sucesso das dinâmicas de desenvolvimento territorial. sua especialização produtiva que se inserem as políticas
O novo modelo de governança dos territórios baseia-se na ativas de emprego e de formação profissional, as quais,
participação, na cooperação e na coordenação visando a no jogo da sua articulação inter e multissectorial, devem
coerência entre as diferentes políticas para as quais se também ser pensadas, definidas e adaptadas às neces-
requer descentralização, liderança política, compromis- sidades locais.
so institucional e uma participação cidadã informada e A sua pertinência é tanto mais evidente quanto mais reco-
responsável. O desafio é o de fazer convergir o esforço nhecermos os impactos gerados ao nível do mercado de
de territorialização das políticas públicas com as políticas trabalho, resultantes da transformação digital, da transi-
de natureza territorial, utilizando o território como matriz ção para um ambiente sustentável e do envelhecimento

52 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Políticas públicas, território e pessoas

da população3 ativa. Com efeito, a velocidade dos avanços cidadã, lúcida e responsável; capacitar organizações; re-
tecnológicos, a globalização e a internacionalização dos forçar a competitividade das empresas; criar valor; apoiar
mercados, intensificaram as necessidades de inovação e processos de modernização dos sistemas produtivos; ge-
fizeram evoluir os modelos de negócio para estratégias de rar competências e massa crítica; criar dinâmicas de ino-
atuação em rede, abrindo perspetivas e novas vias para vação social, então, as políticas de emprego e de formação
o trabalho, exigindo competências diferentes e gerando profissional constituir-se-ão como um fator incontornável
desafios como o acesso a oportunidades de aperfeiçoa- e serão tanto mais eficazes quanto melhor forem adapta-
mento profissional. Neste âmbito, os desafios colocam-se das às necessidades das pessoas, das empresas e das
tanto às pessoas, que devem ter uma maior consciência organizações a quem se destinam.
da importância dos processos de aprendizagem ao longo O ponto de partida ou de convergência poderá ser o terri-
da vida, como aos sistemas de qualificação, que devem tório, mas os processos de desenvolvimento económico
ser suficientemente preditivos, flexíveis e atrativos para e social fazem-se com e através de pessoas. Pressupõem
acompanharem as necessidades das empresas e das pes- pessoas competentes, capazes de enfrentar os desafios
soas, em prol de um efetivo ajustamento às competências de uma sociedade em profunda mudança.
requeridas pelo mercado.4 Estes desafios colocam-se tam-
bém ao nível dos territórios, concretamente no que diz
respeito à sua capacidade de projeção num mundo global
onde as fronteiras de um espaço físico são cada vez mais
diluídas, dando lugar a espaços fluidos e virtuais propor-
cionados pelas tecnologias de comunicação. Ao mesmo
tempo que se processa esta «sua desmaterialização», 1
A Política de Coesão constitui a principal política de investimento da UE, na medida em
que proporciona benefícios a todas as regiões e cidades da União e apoia o crescimento
está também em causa a capacidade de representação da económico, a criação de emprego, a competitividade das empresas, o desenvolvimento
sua identidade, transformada em vantagem competitiva, sustentável e a proteção do ambiente. No período de programação 2014-2020, a sua
dotação corresponde 32,5 % do orçamento total da UE (mais de 350 mil milhões de
bem como a capacidade de se abrirem para o «exterior» euros).
2
Por capital territorial entende-se a marca identitária de um local, que encerra o seu
através da participação em redes de relações de nível potencial endógeno e o conjunto de recursos materiais e imateriais, que vão das
características puramente físicas ou espaciais inerentes à sua localização (inserção
supralocal (do regional para o global). geográfica, dimensão, recursos naturais), às características imateriais, como a sua
história, tradições, modos de vida e especialização produtiva. Ou, como Davoudi et al.
Neste processo, as políticas de emprego desempe- (2008: 36) classificam, de forma mais genérica, como as «qualidades do meio».
nham um papel importante na medida em que, de forma 3
Estima-se que em 2050, na Europa, se registe um aumento de 24,8% do índice de
dependência total da população (UNDESA, 2017) e que, com a implementação do
seletiva, podem: Acordo de Paris sobre o Clima, se percam cerca de 6 milhões de empregos, mas, em
contrapartida, que venham a ser criados cerca de 24 milhões de novos empregos (OIT,
2018).
4
Aliás, esta matéria encontra-se no centro do debate político ao nível dos diferentes
• incentivar esta conetividade apoiando processos de in- fóruns da UE onde se discute com maior acuidade a implementação de uma verdadeira
cultura de aprendizagem ao longo da vida. Disso são exemplo o Pilar dos Direitos
vestimento à contratação ou à criação de emprego que Sociais, que consagra num dos seus objetivos a igualdade do direito a uma educação
promovam a valorização dos recursos endógenos; inclusiva e de qualidade, bem como a formação ao longo da vida; a adoção pelo
Conselho Europeu, em 2016, da Recomendação relativa às diferente vias para um
• apoiar os processos de internacionalização; Upskilling: Uma Nova Oportunidade para os Adultos; a Skills Agenda for Europe ou ainda
a criação de uma Plataforma Eletrónica para a Educação de Adultos (EPALE), que se
• estimular a captação de investimento em sectores es- constitui como uma comunidade de prática de nível europeu.
tratégicos;
• no âmbito da formação profissional, apostar, por exem- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

plo, na conceção de percursos flexíveis em estreia arti- BARCA, Fabrizio (2009), «The Union and Cohesion Policy – Thoughts for Tomorrow»,
culação com as empresas; Transcript of the Presentation at the Conference for the 5th Anniversary of Poland’s
Accession to the EU, Brussels, November 4 (on-line), disponível em:
• promover o desenvolvimento de competências rela- http://ec.europa.eu/regional_policy/archive/policy/future/pdf/2009_11_4_thoughts_
tomorrow.pdf.
cionadas com o empreendedorismo, a criatividade e a CAMAGNI, Roberto (2008), «Towards a Concept of Territorial Capital», in R. Capello, R.
Camagni, B. Chizzolini e U. Fratesi (eds.), Modelling Regional Scenarios for the Enlarged
inovação, o marketing e as TIC, como elementos-chave Europe, Berlim, primavera, pp. 29-45, (on-line), disponível em:
deste processo, bem como incluir nos referenciais de http://www.mopt.org.pt/uploads/1/8/5/5/1855409/territorial_capital_masst.pdf
DASI, J. Farinós (2008), «Gobernanza Territorial para el Desarollo Dostenible: Estado de
formação conteúdos relacionados com o capital terri- La Cuestión y Agenda», Boletín de la A. G. E., 46, pp. 11-32.
DAVOUDI, S., N. Evans, F. Governa, M. Santangelo (2008), «Territorial Governance in the
torial, garantindo o conhecimento e a preservação dos Making. Approaches, Methodologies, Practices», Boletín de la A.G.E., 46, pp. 33-52.
LACARTE, J. e Kołodziejski, M. (2019), Fichas técnicas sobre a União Europeia (on-line),
valores locais. disponível em: www.europarl.europa.eu/factsheets/pt
MATOS, Conceição (2013), «Governança e Políticas Públicas em Territórios de Baixa
Densidade», Dissertação de Mestrado, ISCTE-IUL.
Se o objetivo for reforçar, de modo articulado e equilibra- UE (2008b), Livro Verde sobre a Coesão Territorial Europeia: Tirar Partido da Diversidade
Territorial, Comissão das Comunidades Europeias, Comunicação da Comissão ao
do, a coesão social, económica e territorial como forma Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité das Regiões e ao Conselho Económico
e Social Europeu, (on-line) disponível em: http://ec.europa.eu/regional_policy/what/
de superação destes desafios; estimular a participação cohesion/index_pt.cfm

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 53
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

ANTECIPAÇÃO, TERRITÓRIO
E PLANEAMENTO DA OFERTA DE
QUALIFICAÇÕES

ANA CLÁUDIA VALENTE, vogal do Conselho Diretivo da Agência ENGIRISCO


Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, I.P. (ANQEP)

A
capacidade para antecipar que qualificações e certificação de nível não superior,2 que se tem vindo a
competências serão necessárias tem vindo a consolidar e a disseminar.
ganhar uma importância acrescida nos sistemas Atribuindo diferentes níveis de relevância às qualifica-
de educação e formação. Procura-se melhorar a resposta ções, o SANQ permite definir prioridades para o planea-
às dinâmicas do mercado de trabalho e do desenvolvi- mento da rede de oferta e articular as apostas nacionais
mento socioeconómico, mas também atender às múlti- com as necessidades específicas dos territórios, através
plas expectativas e necessidades de várias gerações. do aumento participação das Comunidades Intermuni-
Depois de diversos exercícios desta natureza,1 Portugal cipais (CIM) e das Áreas Metropolitanas (AM) no apro-
dispõe hoje de um sistema de antecipação de necessida- fundamento regional do diagnóstico e na concertação
des de qualificações (SANQ) aplicado às ofertas de dupla local da rede.

54 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
OS OBJETIVOS DO SANQ O módulo de aprofundamento regional constitui um espa-
ço de aprofundamento e especificação territorial do diag-
O SANQ tem como objetivos operacionais os seguintes:3 nóstico e do planeamento.

• A produção de um diagnóstico de base com informação O PLANEAMENTO E A CONCERTAÇÃO DA OFERTA


sobre as dinâmicas económicas e do mercado de traba-
lho que influenciam a procura de qualificações, numa O planeamento e a concertação da rede de ofertas de dupla
perspetiva de curto e médio prazo. Este diagnóstico é certificação têm vindo a assumir uma importância cada
feito a nível regional (NUT 2) e atualizado de três em três vez maior, cumprindo, aliás, em grande medida, aquele
anos. que é o contributo mais proeminente da antecipação de
• A identificação de graus de relevância para as qualifica- necessidades de qualificações para o sistema de educa-
ções de nível 2, 4 e 5 do Catálogo Nacional de Qualifica- ção e formação.
ções e a produção de orientações para rede de oferta. O processo de planeamento e concertação de rede preten-
Estas orientações são utilizadas no planeamento da de fomentar uma cada vez maior valorização das ofertas
rede em cada ano letivo. de dupla certificação, ajustar a oferta de qualificações às
• A identificação de potenciais qualificações futuras, e de necessidades da economia e do mercado de trabalho, pro-
necessidades de ajustamento nas existentes, de modo mover o sucesso educativo e a qualificação profissionali-
a promover uma atualização mais dinâmica do CNQ. zante e, naturalmente, incentivar a adesão dos jovens a
• O aprofundamento do diagnóstico a nível regional no esta oferta formativa.
quadro das CIM e AM e a apresentação de uma proposta No âmbito do planeamento e da concertação da oferta de
conjunta de rede local de oferta, articulada com a Dire- cursos profissionais definiram-se e mobilizam-se quatro
ção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). critérios: proporcionalidade, relevância, desempenho e
sustentabilidade e coesão. Os três primeiros são traba-
OS MÓDULOS DO SANQ lhados a partir de indicadores quantificados e de dados
G8 disponibilizados pela ANQEP e o último baseia-se em in-
O SANQ compreende três módulos que se articulam de formação de natureza qualitativa, estabelecida pela CIM/
forma sequencial no sentido de assegurar os seus obje- AM e pelas direções de serviços regionais da DGEstE, que
tivos (Figura 1). pode ser analisada e valorizada em sede de concertação
da proposta de rede.
Figura 1 – Módulos do Sistema de Antecipação de Necessidades As CIM/AM e a DGEstE/direções de serviços regionais uti-
de Qualificações G9 lizam como referência de priorização o grau de relevância
1 MÓDULO DE DIAGNÓSTICO DE BASE das qualificações
Tabela 1. atribuído
Distribuição (%) de cursos profissionaispelo SANQ,
a atribuir por nívelde acordono SANQ
de relevância com os
intervalos de distribuição constantes na Tabela 1.
2 MÓDULO DE PLANEAMENTO
Tabela 1 – Distribuição (%) de cursos profissionais
3 MÓDULO DE APROFUNDAMENTO REGIONAL a atribuir por nível de relevância no SANQ
Níveis de relevância no SANQ Percentagem do total de cursos a atribuir
INFORMAÇÃO DE APOIO À GESTÃO DO SISTEMA NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 6 a 10 ≥ 60%
(perfil e stock de qualificações) 3 a 05 ≤ 30%
1 a 02 ≤ 10%

A realização do módulo do diagnóstico serve de suporte No entanto, pode e deve ser acautelado que a oferta de
ao exercício de planeamento da oferta quer numa ótica cursos com níveis de relevância mais baixos possa exis-
qualitativa, relacionada com o perfil das qualificações a tir, se necessário, e de modo a garantir, por exemplo, a
promover, quer numa perspetiva mais quantitativa, rela- diversidade, disponibilidade e continuidade de ofertas for-
cionada com o volume de oferta. mativas em áreas artísticas e culturais, como também a
O módulo de planeamento traduz os resultados obtidos no preservação de aspetos identitários e a salvaguarda de
diagnóstico em orientações para a definição da rede de especificidades territoriais.
oferta de cursos de dupla certificação e promove a con- No que respeita ao critério da proporcionalidade, deve
certação local dos principais atores do sistema de edu- manter-se a mesma proporção de cursos atribuídos a es-
cação e formação. colas profissionais, estabelecimentos de ensino particular

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 55
G11 Tabela 3. Critérios aplicados à seleção de propostas de cursos profissionais

DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

Tabela 3 – Critérios aplicados à seleção de propostas


e cooperativo, agrupamentos de escolas e escolas não de cursos profissionais
agrupadas que existiu ano letivo anterior. Critérios Preponderância na proposta a realizar pela CIM
Para aferição do critério de desempenho, é produzida uma
G10grelha de seriação das escolas, com o seu nível de desem- Critério de Proporcionalidade +
Critério de Relevância +
penho, medido a partir de quatro indicadores, explicitados Critério de Desempenho
≥ 70%

na Tabela
Tabela 2. de desempenho das escolas
2. Indicadores
(aplicação de critérios fixados)

Critério de Sustentabilidade e Coesão


≤ 30%
(a estabelecer pela CIM)
Tabela 2 – Indicadores de desempenho das escolas
Indicadores de desempenho Coeficiente de Ponderação
Existência de sistema de garantia da qualidade (alinhado com O AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO DAS CIM E DAS AM
o EQAVET/não alinhado com o EQAVET mas com sistema de 30%
garantia da qualidade implementado, ou não alinhado) *

Taxa de transição com sucesso dos formandos (aplicável em


20%
A participação das CIM e das AM no aprofundamento re-
função dos cursos/turmas do 1.º ano e do 2.º ano)
gional do diagnóstico e na concertação local da rede de
Taxa de conclusão (no 3.º ano do curso) 20%
ofertas é um elemento fundamental na aplicação do SANQ
Taxa de empregabilidade/prosseguimento de estudos 30% e na estratégia de planeamento das ofertas de dupla cer-
(*) Têm sido valorizadas na mesma medida as escolas que têm sistemas de garantia tificação. É este elemento que confere ao modelo um grau
da qualidade alinhados com o EQAVET e as escolas que, embora ainda não estando
alinhadas com o EQAVET, implementam sistemas de garantia da qualidade.
de especificidade e de reatividade considerável na respos-
ta às dinâmicas regionais do mercado de trabalho e da
economia e um espaço de capacitação progressiva dos
Finalmente, no âmbito do critério de sustentabilidade e atores locais.
coesão, a proposta da CIM/AM e da direção de serviços Desde o lançamento do SANQ que o aumento da partici-
regionais da DGEstE pode ser ajustada até 30% paraG12 ga- pação das CIM e AM tem sido evidente, como se pode ve-
rantir a funcionalidade do processo, a eficácia da oferta, rificar na Tabela 4. No corrente ano letivo, quase todas as
a sustentabilidade da rede e a coesão territorial. Neste CIM/AM participaram na concertação da rede, sendo que
critério vão ser tidas em conta as seguintes variáveis: dezasseis destas realizaram também o módulo de apro-
fundamento regional do SANQ.
Tabela 4. Participação das CIM e AM no SANQ e na concertação local da oferta
1. parcerias: são valorizadas as ofertas de entidades
que tenham parcerias efetivas e comprováveis com Tabela 4 – Participação das CIM e AM no SANQ e na concertação
local da oferta
entidades que garantam formação específica, forma-
Anos letivos 2015/16 2015/17 2015/18 2015/19 2015/20
ção em contexto de trabalho e empregos de qualida- N.º de CIM e AM com
3 10 11 13 16
de; são igualmente valorizadas as ofertas formativas aprofundamento regional do SANQ

de entidades que tenham parcerias com outras insti- N.º de CIM e AM que participam
n.d. n.d. 17 16+2 22
na concertação local das ofertas como
tuições de formação; observador

2. oferta não-redundante: são de evitar ofertas redun-


dantes em entidades do mesmo território, valorizan- As CIM e AM que desenvolvem o módulo de aprofunda-
do-se as que tiverem maior experiência formativa ou mento regional podem fazer variar a relevância atribuída
melhores condições de funcionamento (instalações, às qualificações, resultantes da análise ao nível da NUTS
equipamentos e recursos humanos); 2, a partir das evidências recolhidas e sistematizadas lo-
3. inclusão: devem garantir-se respostas a alunosG13
com calmente e que sustentam a proposta de relevância re-
necessidades educativas específicas e a alunos em gional das qualificações. A Tabela 5 mostra os intervalos
Tabela 5. Ajustamento da relevância das qualificações pelas CIM e AM
risco de exclusão social. de variação que
com Aprofundamento RegionaladoANQEP
SANQ definiu para o ajustamento da
relevância das qualificações que resulte deste trabalho de
Considerando o conjunto dos quatro critérios, a proposta aprofundamento regional realizado pelas CIM e AM.
de rede a elaborar pelas CIM/AM e pela DGEstE/direções
Tabela 5 – Ajustamento da relevância das qualificações pelas CIM
de serviços regionais deve espelhar a distribuição e pon- e AM com Aprofundamento Regional do SAN
deração constante da Tabela 3. Escala de Relevância das Qualificações
Relevância das qualificações – Relevância de: Relevância de: Relevância de:

diagnóstico de base (NUTS 2) 1,2 ou 3 1,2 ou 3 1,2 ou 3

Ajustamento da relevância das Variação até Variação até Variação até


qualificações – aprofundamento +/-2 +/-3 +/-2
regional (CIM/AM)

56 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Antecipação, território e planeamento da oferta de qualificações

Procura-se garantir assim a coerência metodológica do • a relevância acrescida da resposta de qualificação às


diagnóstico ao nível das NUTS 2 e 3 mas, simultaneamen- dinâmicas regionais do mercado de trabalho e ao desen-
te, acomodar e valorizar a apropriação efetiva do SANQ volvimento dos territórios.
pelas CM e AM.
O conhecimento qualitativo e específico de necessidades Contudo, este balanço deixa também em aberto alguns
de competências locais, os planos e as prioridades edu- desafios para a evolução futura do SANQ, exigindo novos
cativas dos municípios, as dinâmicas de especialização desenvolvimentos metodológicos, mas sobretudo um me-
regional, são realidades dificilmente captadas pelos dados lhor aproveitamento do seu potencial no apoio à tomada
estatísticos e pelas análises agregadas das regiões NUTS de decisão dos vários stakeholders do Sistema Nacional
2, pelo que é precisamente ao nível desta intervenção que de Qualificações, não apenas daqueles que são responsá-
devem ser valorizados. veis pela regulação e planeamento da oferta, mas também
dos que podem influenciar a procura de qualificações.
OS CONTRIBUTOS DO SANQ

A experiência de implementação do SANQ permite-nos já


fazer um balanço dos seus resultados, como vimos, mas
também enumerar algumas das vantagens da utilização
de um sistema desta natureza.
Uma das vantagens mais evidentes é a de incentivar uma
cultura de antecipação, planeamento e concertação cada
1
Nomeadamente os realizados para a ANQ: Pedroso, P. et al (2011). Análise
vez mais participada e regionalizada. Podemos ainda sis- prospetiva da evolução sectorial em Portugal. Lisboa: ANQ e ANESPO; Pedroso,
tematizar outras, mais concretas, como: P., Elyseu, J. e Magalhães, J. (2012). Qualificações para a Reconversão Sectorial:
Défices e estrangulamentos na oferta de qualificações para a economia do futuro.
Lisboa: ANESPO e ANQ, 2.ª ed., janeiro 2012.; e outros, como: Carneiro, R. (coord.)
(2010a). Dispositivo de Antecipação de Necessidades de Competências e de Capital
• a melhoria da qualidade e da eficácia do processo de pla- Humano em Portugal. Lisboa: Gabinete de Estudos e Planeamento, MTSS.; Carneiro,
R. (coord.) (2010b). Portugal 2020: Antecipação de Necessidades de Qualificações
neamento da rede de ofertas de dupla certificação; e Competências. Lisboa: CEPCEP, UCP. Estudo financiado pelo POAT/ FSE; Quaternaire
Portugal (QP) e CEPCEP-UCP (2013). Avaliação Regional de Necessidades de
• o maior envolvimento e articulação entre atores locais Qualificações. Lisboa: Quaternaire Portugal. Estudo financiado pelo POAT/ FSE.
e entidades públicas centrais com responsabilidades Em particular, ao planeamento da rede de cursos profissionais.
2
3
As secções do artigo referentes aos objetivos e módulos do SANQ baseiam-se em:
nesta matéria; Feliciano, P. e Valente, A. C. (coord.) (2015). Sistema de Antecipação de Necessidades
de Qualificações (SANQ). Proposta de Referencial Metodológico. Lisboa: Quaternaire
Portugal e CESOP- UCP. Estudo encomendado pela ANQEP I.P.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 57
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

O FUTURO DO MUNDO RURAL


JÁ CHEGOU A
IDANHA-A-NOVA

ARMINDO JACINTO, CEDIDAS PELO MUNICIPIO DE IDANHA-A-NOVA


Presidente da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova

S
e um território é do tamanho das oportunidades e subdesenvolvimento, como tal, Idanha é um lugar onde
que cria, então Idanha-a-Nova é hoje um território coabitam pacificamente a tradição e a inovação. Ao lado
de dimensão mundial na sua capacidade de inova- do património cultural de Monsanto, do património histó-
ção, atratividade e notoriedade internacional. rico de Idanha-a-Velha ou mesmo pré-histórico de Penha
Perante os desafios que se colocam ao Planeta, a Câma- Garcia, irrompem tecnologias vanguardistas, infraestru-
ra de Idanha-a-Nova está empenhada em desbravar no- turas modernas e indústrias inovadoras e sustentáveis.
vos caminhos para o Mundo Rural: um território pleno de A sustentabilidade está no centro de toda a estratégia.
oportunidades que vai ser decisivo para o surgimento de «Semear tradição para colher inovação», slogan que tem
modelos inovadores e disruptivos de desenvolvimento sido associado à cultura empreendedora de Idanha-a-No-
sustentável. va, é representativo da visão que preconizamos para o
Em Idanha-a-Nova, sabemos que é no campo que resi- Mundo Rural. Uma visão materializada em projetos e es-
de a nossa virtude e inspiração. E convivemos bem com tratégias de eficiência coletiva que fazem da ruralidade
essa realidade! Queremos que a mesma seja promotora um trunfo do desenvolvimento sustentado.
de qualidade de vida, mas também instrumental para a O caminho de Idanha e do Mundo Rural Português estão
fixação de talento e atração de investimento. Sempre re- traçados. O futuro é auspicioso, saibamos todos – territó-
cusámos a ideia do «campo» como sinónimo de isolamento rios da ruralidade e o Poder Central – aproveitar as novas

58 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
oportunidades que surgem a cada dia. No concelho de o desenvolvimento sustentado do concelho, através da
Idanha-a-Nova convivem a agricultura mais inovadora, o criação de riqueza e emprego, da melhoria da qualidade
turismo sustentável, a preservação e valorização do pa- de vida da população Idanhense e da atração de novos re-
trimónio natural e histórico-cultural, a economia verde sidentes e investimento. Assim, o programa destina-se a
e as indústrias criativas. Idanha-a-Nova revelou o futu- quem vive em Idanha-a-Nova, aos que querem residir ou
ro da sustentabilidade dos territórios quando se tornou investir no concelho e aos que querem regressar, desig-
em 2018 a primeira Bio-Região em Portugal; anos antes nadamente a diáspora espalhada por todo o Mundo.
fizera o mesmo quando se tornou um Território UNESCO, Este programa tem sido crucial para posicionar Idanha-
enquanto Cidade Criativa da Música e concelho inserido -a-Nova como um município onde é possível conciliar o
no Geopark Naturtejo e na Reserva da Biosfera do Tejo bem-estar e a proximidade da natureza com o empreen-
Internacional. dedorismo, a inovação e o profissionalismo.
Os resultados têm sido muito positivos. Podemos indicar a
RECOMEÇAR EM IDANHA: PREMIADO A NÍVEL MUNDIAL criação ou idealização de mais de 350 projetos empresa-
riais, os quais traduzem-se já hoje em mais de 300 novos
Lançado em 2015, o Recomeçar em Idanha é uma estraté- postos de trabalho e num investimento direto de cerca 30
gia definida a médio prazo (2015-2025) que visa promover milhões de euros.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 59
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

como as alterações climáticas, os desafios da gestão da


água ou de resíduos, a Câmara de Idanha-a-Nova conce-
beu um plano de ação para construir um futuro melhor.
A inspiração desse plano reside na adesão à Rede Inter-
nacional de Bio-Regiões, um feito que em 2018 se revelou
pioneiro em Portugal e, já em 2019, levou à definição de
50 compromissos de sustentabilidade.
Em síntese, uma Bio-Região resulta de uma intervenção
territorial ampla onde agricultores, consumidores, opera-
dores turísticos, associações de diferentes áreas de atua-
ção e poder local estabelecem um acordo para a gestão
sustentável dos recursos locais, tendo por base o modelo
biológico e agroecológico de produção e consumo; assen-
ta ainda em circuitos curtos de comercialização, econo-
mia circular, valorização das produções locais e fomento
de hábitos de consumos saudáveis (incluindo cantinas
Em 2018, os méritos do Recomeçar foram, pela primeira biológicas).
vez, amplamente reconhecidos. A nível nacional Idanha-a- Os agricultores têm, por isso, um papel-chave na imple-
-Nova ganhou o Prémio de Município do Ano na categoria mentação desta estratégia, numa altura em que Idanha-
«Região Centro – Menos de 20 mil habitantes», atribuído -a-Nova almeja ser o primeiro município português 100%
pela Universidade do Minho. Já a nível mundial, Idanha biológico, ou seja, que toda a produção hortofrutícola e
surpreendeu ao vencer o 2.º Prémio de Marca Territorial pecuária seja feita em Modo de Produção Biológico.
do Ano, patrocinado pelo The New York Times e recebido No primeiro Congresso Internacional das Bio-Regiões, que
em Londres. Nesse troféu internacional – os City Nation decorreu no verão de 2019 na aldeia histórica de Monsan-
Place Awards – Idanha bateu finalistas como Barcelona, to, Idanha-a-Nova, ficou demonstrado que Idanha está no
Escócia, Estónia ou Salinas (na Califórnia), sendo apenas caminho certo na produção alimentar saudável e susten-
superada por Eindhoven (Holanda). tável. O reconhecimento surgiu dos governantes de Por-
O Recomeçar teve um papel decisivo nestes reconheci- tugal e dos PALOP presentes, mas também de instituições
mentos, pois esteve na base das candidaturas. O programa tão relevantes como a FAO – Organização das Nações Uni-
assenta em quatro pilares estratégicos, hoje potenciados das para a Alimentação e a Agricultura, que se fez repre-
em estratégicas de eficiência coletiva que os harmonizam sentar em Monsanto por Graziano da Silva, seu diretor-ge-
com as marcas Bio-Região de Idanha-a-Nova e Território ral à data da realização do evento.
UNESCO, que faz jus aos três selos que Idanha exibe desta Frutas e legumes, vinhos e licores, sementes, azeite, pro-
importante organização. dutos de beleza, padaria e pastelaria, artesanato, carne,
Os quatro pilares do Recomeçar são: queijos e enchidos, doces e compotas. Estes são alguns
dos produtos biológicos que já se encontram associa-
• Idanha Green Valley: um pilar ligado ao conhecimento e dos a Idanha-a-Nova enquanto Bio-Região, através das
inovação na ruralidade e ao posicionamento mundial do
território nesta área.
• Idanha Made In: apoia tudo o que é produzido localmente.
• Idanha Experimenta: dá aos interessados a oportunida-
de de conhecerem e experienciarem o concelho de Ida-
nha-a-Nova.
• Idanha Vive: proporciona condições de qualidade de vida
para quem vive e/ou pretende viver em Idanha-a-Nova.

BIO-REGIÃO DE IDANHA APONTA O CAMINHO

Indo ao encontro das atuais necessidades de criar siste-


mas alimentares mais sustentáveis, atendendo problemas

60 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
O futuro do Mundo Rural já chegou a Idanha-a-Nova

empresas que os produzem no território. Felizmente são


cada vez mais as empresas – não só do agroalimentar –
que se vão juntando a este caminho em prol do Planeta.

NÚMEROS MOSTRAM QUE IDANHA ESTÁ A CRESCER

Nos últimos anos, a Câmara de Idanha-a-Nova tem sido


percursora em estratégias de desenvolvimento susten-
tado dos territórios rurais. Esse arrojo é corroborado pela
criação do então inovador «Terra a Vista», projeto lançado
em 2012 e que visava a cedência de terra produtiva a pre-
ços reduzidos. O projeto viria a ter como passo seguinte
a campanha viral «Em Idanha há um lugar para ti: Não
emigres, migra!», durante os anos de crise financeira. Em
2015, o sucesso destes projetos serviu de base ao progra-
ma Recomeçar, mais estratégico e abrangente.
No plano dos resultados, podemos congratular-nos com
a atração de investimento e de novos empreendedores
que se identificam com os princípios que preconizamos,
o que rejuvenesce e cria riqueza e emprego no concelho.
Idanha está, por exemplo, a assistir a uma rápida con-
versão para a agricultura biológica. No Projeto Green Val-
ley Food Lab, que integra a nossa premiada Incubadora euros nos próximos cinco anos e a criação de mais de 20
de Base Rural e o Centro Empresarial de Idanha-a-Nova, postos de trabalho altamente qualificados, com a meta
dos 55 produtores instalados, 90% produzem já em modo de colocar Portugal na vanguarda da produção alimentar
biológico. sustentável com neutralidade carbónica ou mesmo com
potencial de sequestro de carbono. Por via do exemplo de
Idanha, queremos inspirar territórios em todo o Mundo
e demonstrar que é das comunidades rurais que sairá o
caminho para a sustentabilidade alimentar e ambiental.
Há ainda outros indicadores positivos que comprovam o
desenvolvimento sustentado do concelho de Idanha-a-No-
va. O mais animador dos indicadores advém, porventura,
da análise dos fluxos migratórios: pela primeira vez em 70
anos, Idanha-a-Nova está à beira de atingir resultados po-
sitivos, ou seja, começam a mudar-se mais pessoas para
o concelho do que aquelas que saem.
Outros indicadores auspiciosos são o crescimento anual
do número de alunos em 11% e o progresso consistente
no ranking da Bloom Consulting, que mede a atratividade
dos municípios portugueses, e no qual Idanha revela um
O desenvolvimento da indústria agroalimentar em Idanha- desempenho auspicioso nas dimensões de Negócios, Vi-
-a-Nova também redundou, já em 2019, na criação do La- sitar e Viver.
boratório Colaborativo (CoLab em inglês) FoodLab, aprova- Com a sua estratégia, Idanha torna claro que os caminhos
do pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. O CoLab tem da coesão económica, social e territorial podem, e devem,
sede em Idanha-a-Nova e agrega 14 entidades, entre as incluir o respeito pelo ecossistema, a biodiversidade e os
quais todas as instituições de ensino superior do interior recursos locais. Esse desígnio fará do Mundo Rural um
da região Centro, mas também empresas e associações espaço de oportunidade, com ganhos de competitividade
empresariais da Beira Interior e de outros pontos do país. e sustentabilidade para o território e maior qualidade de
O CoLab prevê um investimento de cerca de 8 milhões de vida para os seus habitantes.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 61
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

O CENTRO DE FORMAÇÃO
AVANÇADA DA COVA DA BEIRA
EXEMPLO DA RELEVÂNCIA DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
NO DESENVOLVIMENTO DE UM TERRITÓRIO

ANTÓNIO ALBERTO COSTA, Delegado regional do Centro, IEFP, I.P., CEDIDAS PELOS AUTORES
e LEOPOLDO RODRIGUES, Diretor do Centro de Emprego e Formação
Profissional de Castelo Branco, IEFP, I.P.

O
concelho do Fundão situa-se na região Centro, Nos últimos anos, o Fundão desenvolveu uma estratégia
mais concretamente na chamada região da Cova global para facilitar a atração de investimento, a geração de
da Beira, ocupando uma área de 700 km2, con- emprego e a fixação de pessoas, implementando novos mer-
trastando a zona urbana correspondente à cidade do cados, produtos e serviços. O chamado Plano de Inovação
Fundão, onde tradicionalmente as principais atividades do Fundão dirigiu-se não apenas aos sectores tradicionais
económicas são o comércio e os serviços, com zonas da economia local e regional, como o agroalimentar e a me-
rurais, mais vocacionadas para a exploração agrícola, talomecânica, mas também ao desenvolvimento de softwa-
pastoril e florestal, para a produção de fruta, azeite e re, robótica e instalação de serviços de base tecnológica.
vinho. Como aconteceu noutras regiões do interior, no Neste desígnio, delimitou-se claramente um duo dinâmico:
Fundão verificou-se, ao longo das últimas décadas, uma
significativa perda populacional e enfraquecimento da • os novos investimentos, condição relevante para aque-
atividade económica, fenómenos que estão naturalmen- las pessoas que chegam ao mercado de trabalho ou para
te interligados. Em termos globais, observa-se no pe- as que querem mudar as suas perspetivas profissionais;
ríodo entre 1991-2013 uma perda de 3487 habitantes, • a existência de um dispositivo de qualificação, dado que
o que corresponde a uma diminuição de 11% da população a atração de investimento e a fixação de empresas só se
residente. Atualmente, o concelho tem uma população concretiza havendo potencial humano qualificado para
de cerca de 30 mil habitantes e uma densidade popula- o exercício das diferentes profissões, nomeadamente as
cional de 42 hab./km2. mais evoluídas tecnologicamente.

62 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Neste ensejo, estava de certa maneira montado o cenário estratégico para o desenvolvimento industrial do conce-
para que o Instituto de Emprego e Formação Profissional, lho. Falamos concretamente de empresas ligadas à área
I.P. (IEFP), que há muitos anos desenvolvia a sua atividade dos polimentos, bem como da relojoaria e joalharia, as-
de promoção do emprego nestes territórios, se envolves- sociadas a grandes marcas internacionais como Cartier,
se de forma mais profunda, adequando todo o sistema de Louis Vuitton ou Hermés. Entre as empresas deste clus-
formação profissional e de reconhecimento de competên- ter que operam no Fundão e produzem para estas mar-
cias. Esta adequação, lembremo-lo, tem como eixos fortes cas podemos destacar as empresas J3LP, FPL, Sipolux,
a sua complementaridade, a resposta às necessidades das HGT e a CIMD.
empresas e dos territórios, a sustentação de mecanismos
de aconselhamento e orientação, o desenvolvimento de
percursos de educação-formação diferenciados em função
das necessidades de grupos específicos.

As empresas deste cluster, que representam centenas


de empregos diretos, apresentam necessidades de re-
crutamento muito específicas, designadamente ao nível
de técnicos altamente qualificados em domínios tecno-
O CENTRO DE FORMAÇÃO AVANÇADA DA COVA DA BEIRA lógicos como a metalomecânica, o CNC, a metrologia e as
línguas, entre outros.
Em março de 2016 o IEFP, através do Centro de Emprego O Centro, além de dar resposta a estas necessidades, visa
e de Formação Profissional de Castelo Branco e a Câmara ainda promover a formação para outras importantes apos-
Municipal do Fundão, desenvolvem o projeto de criação, tas da economia local e regional, centradas na indústria
na cidade do Fundão, de um polo de formação, da respon- agroalimentar, na biotecnologia, no têxtil, no turismo e,
sabilidade do IEFP, utilizando para o efeito uma parte de mais recentemente, nas tecnologias de informação e co-
um edifício onde funcionou uma empresa de confeção. municação. Assim, salienta-se que até ao final do mês de
Para adequação às exigências da formação foram efetua- outubro de 2019 foram desenvolvidas ações de formação
das as devidas obras de adaptação e realizado o investi- que abrangeram cerca de 800 formandos, sendo que a Vida
mento necessário em equipamentos. O espaço ficou equi- Ativa é a modalidade com maior expressão, seguindo-se os
pado com laboratórios de CAD/CAM e CNC, uma oficina de cursos de Educação e Formação de Adultos.
construção mecânica, salas de formação de polimentos, No que respeita às saídas profissionais da formação realiza-
de costura industrial e de informática. das ao longo deste percurso, merecem particular destaque
Em 14 de julho de 2017, com a assinatura do protocolo de a área da Metalomecânica, mais concretamente os cursos
colaboração entre o IEFP e a Câmara Municipal do Fun- de Técnico de Máquinas e Ferramentas e de Maquinação e
dão, nasce oficialmente o Centro de Formação Avançada Programação CNC, as Tecnologias de Informação e Comu-
da Cova da Beira. nicação e o Trabalho Social e Orientação.
O objetivo da criação deste polo de formação foi o de Ainda com vista a dar resposta às necessidades do tecido
congregar, num mesmo espaço, na cidade do Fundão, empresarial, importa realçar que decorreram nas instala-
as ações de formação necessárias para dar resposta às ções do CFACB um curso CET de Gestão de Produção da
necessidades de mão-de-obra qualificada do tecido em- Indústria Metalúrgica e Metalomecânica, promovido pela
presarial local, nomeadamente do cluster da indústria do Associação para a Formação Tecnológica e Profissional da
luxo, que há mais de 15 anos se afirma como um sector Beira Interior (AFETBI), e seis ações de costura, promovidas

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 63
DOSSIER A ENGENHARIA DA FORMAÇÃO

pelo polo da Covilhã da MODATEX, Centro de Gestão Partici-


pada que atua fundamentalmente na qualificação e recon-
versão de pessoas desempregadas na área têxtil, confeção
e lanifícios.
Estes dados da atividade formativa atestam a relevância
dada pelo CFACB à forte ligação entre as questões do em-
prego e da formação e a sua importância para o desenvolvi-
mento do território, bem como o objetivo de contribuir para
a melhoria da qualificação dos ativos empregados, numa
perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, contribuindo
assim para o aumento da competitividade, da produtividade
e da inovação. Neste sentido, quiseram e souberam juntar-
-se atores essenciais à prossecução da criação do Centro,
designadamente as empresas, o município e o IEFP.
Tanto o município do Fundão como as empresas percebem
e valorizam a importância e a pertinência de melhorar as
qualificações escolares e profissionais das pessoas em si- EM CONCLUSÃO
tuação de desemprego, promovendo assim a aproximação
das qualificações às necessidades do tecido empresarial, Em dezembro de 2015, estavam registadas 1612 pessoas
bem como a importância de aumentar a atratividade da for- como desempregadas no concelho do Fundão, enquanto
mação em áreas de forte empregabilidade e valor. em setembro de 2019 o seu número era de 764; ou seja,
Entre as entidades parceiras do Centro de Formação da Cova verificou-se uma redução de mais de 50%.
da Beira, e além do IEFP e da Câmara Municipal do Fundão, Se esta diminuição é, em si, uma fonte de satisfação, o
estão a Universidade da Beira Interior, o Instituto Politécnico seu verdadeiro significado tem que ser analisado em con-
de Castelo Branco, o Agrupamento de Escolas do Fundão, junto com outros fatores. Torna-se necessário saber se as
a Escola Profissional do Fundão e a Associação Comercial pessoas simplesmente não debandaram, se à mudança
e Industrial do Fundão, bem como entidades formadoras acresceu emprego, população, qualidade de vida.
da região. E o que se sabe é que foi concretizado um projeto global,
onde se articulou mais e melhor investimento com uma
estratégia ampla de qualificação de recursos humanos,
onde o CFACB tem desenvolvido o seu contributo.
Muitas vezes se fala do desajustamento entre as qualifi-
cações e as necessidades das empresas, colocando-se
essencialmente a tónica na tipologia e nas características
da oferta formativa. Mas o que se verifica no terreno é que
algumas ofertas formativas de elevada empregabilidade,
devidamente articuladas com o tecido empresarial, não se
desenvolvem por falta de candidatos. Resta, sem dúvida,
um trabalho para aumentar a atração para estes sectores,
particularmente junto dos jovens, que na ebulição da sua
vida têm hoje ebulições particulares no emprego, nas ex-
pectativas, nas exigências relativas ao seu modo de vida.
Esta experiência demonstra que é possível promover, no
atual quadro, um ajustamento mais adequado, contando
com a capacidade do IEFP e a flexibilidade e possibilida-
des do dispositivo de formação e de reconhecimento de
competências.
Seguramente, carece sempre de uma estratégia ampla
de atuação e do dinamismo, envolvimento e articulação
dos intervenientes.

64 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
O Centro de Formação Avançada da Cova da Beira – exemplo da relevância da formação profissional no desenvolvimento de um território

PAULO FERNANDES, PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DO FUNDÃO

FUNDÃO

O município do Fundão tem vindo a apostar, ao longo dos conseguimos abrir as portas do Centro de Formação
últimos anos, numa estratégia para atração de investi- Avançada da Cova da Beira, no Fundão, após um percur-
mento, criação de emprego e fomento da inovação com o so exigente, de muito trabalho e estreita parceria entre o
objetivo de promover a diversificação da economia local município do Fundão, o Instituto de Emprego e Formação
e um desenvolvimento socioeconómico adaptado às di- Profissional e o tecido empresarial local.
nâmicas da economia atual, marcada pela globalização e Em conjunto, foi possível imaginar, conceber e implemen-
pela digitalização. tar uma infraestrutura pioneira a nível nacional com o pro-
Trata-se de um plano de ação integrado e participado por pósito central de dar resposta às necessidades concretas
um conjunto diversificado de parceiros públicos e priva- das empresas locais e regionais em matéria de novas com-
dos, que se disponibilizaram para colaborar em arranjar petências profissionais, promovendo formação avançada
soluções e serviços dedicados ao acolhimento empresa- de qualidade e também a reconversão profissional e a en-
rial, ao desenvolvimento de novas ideias de negócio, ao trada no mercado de trabalho.
financiamento de novos projetos e à formação avançada. Volvidos dois anos, é seguramente comum o sentimento
Ao mesmo tempo que assistimos ao crescimento de sec- de orgulho quando vemos que mais de 800 pessoas já
tores tradicionais como o agroalimentar, a indústria têx- receberam formação e certificação no Centro, o qual tra-
til, a metalomecânica de precisão ou o turismo, vemos balha em estreita ligação e parceria com diversas empre-
despontar no Fundão novas áreas de negócio como as sas da nossa região.
tecnologias, o desenvolvimento de software ou a biotec- Ainda assim, sabemos que há muito por fazer porque as
nologia, estas já representativas de centenas de postos dinâmicas da economia impõem velocidades ferozes, e
de trabalho qualificados. cabe ao Centro tentar encontrar resposta para essas ne-
Face a este objetivo de diversificação da atividade econó- cessidades das nossas empresas e investidores.
mica, foi implementado o tal plano integrado que pretende Estou certo de que o espírito de colaboração e parceria
criar ofertas inovadoras ao nível das infraestruturas, dos que preside ao Centro nos permitirá encontrar as soluções
incentivos, da promoção territorial e dos produtos endó- adequadas e continuar este caminho.
genos, e muito particularmente sobre o capital humano.
A este respeito, foi com particular alegria que em 2017

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 65
GESTÃO RH TEMAS DE GESTÃO

QUATRO PASSOS SIMPLES PARA


A QUALIDADE NA DECISÃO

LUÍS PEREIRA FILIPE ENGIRISCO


(Politécnico de Leiria, psicólogo, doutorando em Psicologia
da Educação)

U
ma decisão é uma escolha de ação, optando-se por O contexto engloba as pessoas que rodeiam o/a decisor/a,
uma alternativa a partir de um julgamento sobre as políticas e ideias que sustentam a necessidade da de-
um conjunto diverso de possibilidades concorren- cisão, o local, o tempo e o momento em que se decide.
tes, baseado em crenças pessoais sobre que percursos Nos aspetos pessoais podem-se enquadrar: a atenção,
permitem chegar a que objetivos (Baron, 2008). A capa- a capacidade de aprendizagem, a memória, a regulação
cidade de tomar decisões, ou decisividade, é a base da emocional, os valores, etc. Por fim, à decisão cabe a infor-
autonomia, do sentimento de individualidade e de resolu- mação disponível, a sua urgência, a hora do dia, o motivo
ção de problemas, tanto no trabalho como na vida pessoal, da decisão, etc. A qualidade de uma decisão vai depender
sendo por isso uma das mais importantes competências da capacidade de gerir estes vários elementos, de modo
a serem desenvolvidas. Não é algo inato ou que se de- a reduzir o risco e aumentar a probabilidade de sucesso.
senvolva naturalmente, é essencial à vida e depende das Deste modo, a chave da boa decisão está no momento
aprendizagens ao longo da vida. em que se decide e não na sua avaliação a posteriori, sa-
Genericamente, a decisão é condicionada pelo seu contex- bendo que esta deve ser o melhor possível e que nunca
to, pela dimensão pessoal do decisor/a e pelas caracterís- será perfeita.
ticas específicas da decisão, e é do modo como se interli- Focando nesta necessidade de decidir o melhor possível
gam entre si que surge a imprevisibilidade que impede a sugerem-se quatro estratégias, ou ferramentas, que con-
previsão das consequências. tribuirão positivamente para a mestria da decisividade.

66 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
1. PROCEDIMENTO DE TOMADA DE DECISÃO para se verificar a necessidade de se voltar atrás no caso
de ser necessário corrigir a decisão tomada e optar-se por
Existem diversos modelos de processo de decisão, uns outra alternativa.
mais normativos outros prescritivos, no entanto nenhum
deles consegue reunir todas as etapas essenciais à deci- 2. SEGURANÇA NA DECISÃO
são. A junção dos vários modelos, integrando ainda a di-
mensão emocional e a avaliação da decisão como passo Muito frequentemente tomam-se decisões que deixam
do processo de decisão, resulta no procedimento genérico a pessoa insatisfeita, insegura com a opção que tomou,
de decisão (PGD), que se pretende útil e disponível para originando indefinições e incertezas que levam a evitar
qualquer contexto e qualquer situação que implique uma futuras decisões. De modo a reforçar a confiança e a segu-
decisão. Não pretendendo ser uma metodologia herméti- rança na decisão convém avaliar o processo no momento
ca, deve ser entendido como um exemplo de um processo em que se decide, é aí que se faz a aposta e se permite
sequencial das medidas a tomar durante um qualquer pro- chegar às consequências.
cesso decisional, começando pela simples identificação e Qualquer boa decisão dependerá de alguns princípios
definição da decisão a tomar. Aqui fica uma sugestão de essenciais, a saber (Bruin, Parker, Fischhoff, 2007):
etapas a seguir para se chegar à melhor decisão possível: resistência a vieses e heurísticas; da análise das normas
sociais; da confiança pessoal; da aplicação das regras da
1. Identificar a decisão a tomar. decisão; da análise do risco e das alternativas; da estabi-
2. Recolher informações sobre a decisão. lidade emocional individual; e da autonomia pessoal.
3. Delinear as alternativas. G14 Assim, para chegar a uma decisão de qualidade considere
4. Definir atributos. a seguinte lista de verificação (ou checklist).
5. Caracterizar as opções e pesar os vários atributos.
6. Decidir.
SIM NÃO
7. Agir.
8. Reavaliar. 01. Identifiquei adequadamente o problema
02. Consigo descrever bem o problema e porque devo tomar uma decisão
03. Identifiquei mais do que uma alternativa para a decisão
Qualquer decisão começa por ter que ser identificada cor- 04. Consegui analisar os benefícios e os malefícios de cada alternativa
retamente, num formato simples e compreensível, ao qual 05. Consegui enquadrar as alternativas nas normas e nas regras sociais
se poderá voltar sempre que for necessário. O segundo 06. Tentei prever as consequências a médio e longo prazo
passo implica a recolha de dados e de informações ne- 07. Consegui identificar a(s) emoção(ões) que este problema me está a criar

cessárias, uma das etapas mais importantes de todo o 08. Incluí o impacto emocional nas alternativas
09. Comparei as alternativas e cheguei a uma conclusão
processo de decisão, já que pouca informação impede a
10. Já escolhi a alternativa e sinto-me minimamente satisfeito(a)
identificação adequada de alternativas e demasiada infor- com a escolha, não necessariamente com as alternativas
mação complica a definição das mesmas. 11. Consegui gerir a emotividade associada à decisão
O terceiro passo do PGD é a identificação das alternativas, 12. A decisão deixa-me satisfeito(a)
13. Resisti à tentação da decisão fácil
num mínimo aconselhável de três, onde se inclui sempre
14. Não corro demasiados riscos
a opção «Não fazer nada...»
A definição de atributos constitui a quarta etapa, terceira
ferramenta aqui apresentada, que reúne também infor-
mação do quinto ponto – classificação das alternativas. Pelo menos 10, dos diversos itens, devem ser Sim, para
O sexto passo, que tipicamente constitui o último ponto de que a decisão garanta um mínimo de qualidade. Não che-
todos os procedimentos, é a decisão em si, culminar de gou a esta classificação? Pare, não decida e reveja nova-
todas as etapas anteriores. Mas, além da decisão, surge mente os passos efetuados.
a impreterível obrigação de se agir sobre a opção tomada,
que infelizmente muitas vezes fica por fazer. 3. DEFINIÇÃO DE ATRIBUTOS PARA AVALIAR ALTERNATIVAS
Por fim, o oitavo e último passo, a avaliação da decisão. En-
contramo-nos em constantes processos de aprendizagem Logo depois de definidas as alternativas possíveis para a
e daí ser vital avaliar a decisão tomada, não tanto para de- decisão, surge o momento de as caracterizar e classificar,
finir a sua qualidade, mas mais a sua pertinência e eficá- sendo por isso necessário definir os atributos sobre os
cia. Assim, as decisões devem ser revistas, reapreciadas, quais se analisará cada opção.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 67
G16
GESTÃO RH TEMAS DE GESTÃO

Uma metodologia comum para a definição de atributos NEM


NÃO
é a Teoria da Utilidade Multiatributos, que propõe a iden- SIM
NEM
NÃO
SIM
tificação dos atributos essenciais e o peso que terão na
01. Estou satisfeito(a) com a decisão que tomei
análise das alternativas (Keeney e Raiffa, 1993). Os atri- 02. O processo de decisão foi fácil para mim
butos devem ser definidos em função dos três fatores que 03. Independentemente dos resultados da decisão, tenho
a certeza de que tomei a melhor decisão possível
condicionam a decisão (contexto, pessoa e decisão em si) 04. Se tivesse que voltar a tomar esta decisão, nas mesmas
e alguns podem ser considerados comuns a praticamente condições, tenho a certeza de que escolheria a mesma opção
05. Mesmo que as consequências sejam negativas,
todas as decisões como, por exemplo: quais os benefí- não me arrependo da decisão que tomei
cios, quais os malefícios, tem impacto na própria pessoa, 06. Não sinto culpa com a decisão que tomei
07. Sinto que não podia ter tomado outra decisão
tem impacto noutras pessoas, qual é o efeito emocional,
08. Estou certo(a) de ter tomado a melhor decisão
entre outras mais genéricas. Outros atributos devem ser 09. Não me preocupo com o que acontecer com a minha decisão
definidos em função da decisão a ser tomada, e podem 10. Numa situação futura tomaria novamente esta decisão

ser: dinheiro gasto, dinheiro ganho, estragos materiais,


tempo perdido, tempo ganho, consequências imediatas,
consequências a longo prazo, nível de satisfação com a A resposta é dada numa escala de Sim (1 ponto), Nem Sim
opção, etc. Nem Não (2 pontos) e Não (3 pontos). Naturalmente, se
Após a definição dos atributos, chega o momento de se houver um maior número de Não a decisão deve ser revis-
criar uma escala para os avaliar. Pode-se optar por uma ta já que não satisfaz quem decide. Se obtiver um maior
escala de 1 a 5, sendo 1 o mais baixo e 5 o mais elevado, número de Nem Sim Nem Não, a decisão, embora não seja
outro método possível, e em função do número de alter- completamente satisfatória, pode ser adequada. Por fim,
nativas, classificar de primeira opção à última opção. se o maior número de respostas for Sim, a decisão satis-
Por fim, pesar e classificar os atributos em cada uma das faz e consegue dar respostas às necessidades iniciais,
alternativas definidas, somando as pontuações finais. não impedindo que a decisão seja revista.
G15
Caso se utilize uma escala de 1 a 5 a opção com o maior Some os valores: um resultado abaixo de 5 significa que
valor será a melhor, e recorrendo à simples classificação está claramente satisfeito/a com a decisão; entre 6 e 15
a que tiver menor valor será a melhor. demonstra que está satisfeito/a com a decisão embora
não de forma total, sendo importante rever os aspetos
sobre os quais tem mais dúvidas; entre 16 e 24, não está
CRITÉRIO A CRITÉRIO B CRITÉRIO C ... SOMA satisfeito/a com a decisão e deve por isso rever os aspe-
tos mais relevantes; acima de 25 indica a necessidade de
ALTERNATIVA A reconsiderar a decisão, já que não está nada satisfeito/a
ALTERNATIVA B com as opções tomadas.
A qualidade da tomada de decisão pode ser melhorada e
ALTERNATIVA C
desenvolvida, e para tal importa focar no que é mais im-
... portante. Dito de outro modo, qualquer decisão será tanto
melhor quanto melhor for, ou forem: a compreensão da sua
necessidade e urgência, a confiança em decidir, a capaci-
4. AVALIAR A SATISFAÇÃO COM A DECISÃO dade de reflexão, de ajustamento ao meio envolvente, os
planos e objetivos, a capacidade de identificar e gerir os
As emoções afetam a decisão, independentemente do estados emocionais associados à decisão e às suas conse-
seu nível de complexidade e da pessoa que decide, e é quências. É possível aprender a decidir melhor e a ganhar
importante reduzir o seu impacto, sabendo que estarão maiores níveis de confiança, mas para tal é necessário
sempre presentes. Por esta razão, e além da garantia de adotar novas abordagens e sair da zona de conforto.
se terem realizado todos os passos para uma decisão de
qualidade, a satisfação com a decisão assume uma im- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
portância relevante. BARON (2008), Thinking and deciding (4.ª ed.), Nova Iorque, NI, Cambridge University
Press.
O questionário seguinte, além da satisfação geral, permite BRUIN, W., PARKER, A. M. e FISCHHOFF, B. (2007), «Individual differences in adult
refletir sobre: o processo em si (itens 2 e 4), afetos nega- decision-making competence», Journal of Personality and Social Psychology, 92(5),
pp. 938-956. https://doi.org/10.1037/0022-3514.92.5.938
tivos (itens 5 e 6), satisfação (itens 1, 7 e 9) e confiança KEENEY, R. L. e RAIFFA, H. (1993), Decisions with Multiple Objectives: Preferences and
Value Trade-Offs, Cambridge University Press, retirado de https://books.google.pt/
(itens 3, 9 e 10). books?id=GPE6ZAqGrnoC

68 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
CAMPEONATO NACIONAL DAS
PROFISSÕES | SKILLSPORTUGAL,
SETÚBAL 2020
SANDRA BERNARDO, CEDIDAS PELO IEFP
Técnica Superior do departamento de Formação Profissional
do IEFP – Skills Portugal

S
etúbal contrasta entre a terra e o mar, a urbe e o natural, a tradição e a modernidade. No concelho e na capital
do distrito, concentram-se importantes polos industriais e de serviços.
Aqui neste território, faz todo o sentido pensar nas qualificações e estratégias de valorização da formação dos
nossos jovens e como contribuir para melhorar a atratividade da formação profissional, esta é a imagem de marca do
Campeonato Nacional das Profissões.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 69
GESTÃO RH TEMAS DE FORMAÇÃO

Os Campeonatos Nacionais das Profissões possuem, como


o nome indica, uma dimensão nacional que visa traduzir os
resultados das aprendizagens promovidos por uma larga va-
riedade de entidades formadoras. Mas não podemos ignorar
a dimensão de territorialidade que se regista em cada uma
das edições destes eventos. A presença de cerca de 1000
participantes, oriundos de todas as regiões do país, a que
acrescem as empresas e outras entidades empregadoras,
os participantes no ciclo de seminários e os milhares de
jovens integrados em visitas de estudo, são um ponto de
partida para que as forças vivas da região anfitriã do Cam-
peonato se empenhem na divulgação e promoção de todas
as potencialidades que esta tem para oferecer.
Em Setúbal não vai ser diferente. Prova disso são as parce-
rias que têm vindo a ser firmadas desde o anúncio da reali-
zação do 44.º Campeonato Nacional das Profissões nessa
península. Entre estes parceiros há que destacar o papel
conferido às diferentes entidades formadoras/escolas e
seus formandos/alunos, de modo a que estes participem
como atores-chave do projeto, assumindo-o como uma ini-
ciativa também sua.
Mas um evento desta natureza nunca seria possível sem o
envolvimento institucional de algumas entidades, de que
se destaca a colaboração e empenhado envolvimento, des-
de o primeiro momento, da Câmara Municipal de Setúbal,
numa parceria já existente e que está para ficar. Também
todas as outras Câmaras Municipais da Península de Setú-
bal demonstraram a sua disponibilidade para a divulgação
do evento e da região.
O envolvimento de algumas associações de cariz cultural
e artístico vai garantir a animação e o tom de festa deste
grande evento, o maior evento nacional no âmbito da for-
mação profissional a realizar em 2020.

PELOS OBJETIVOS

• associar atores relevantes para o sector da educação e da


formação profissional nacionais, com destaque para res-
ponsáveis e decisores políticos e económicos, parceiros
institucionais e gestores;
• envolver formadores e professores, formandos e jovens
profissionais, as escolas e as famílias.

PELA DIMENSÃO

• 8000 m2 de espaços oficinais, devidamente equipados;


• 7 regiões de Portugal, representadas por 400 jovens pro-
fissionais;
• 47 profissões a concurso, estruturadas por 6 clusters
profissionais;

70 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
Campeonato Nacional das Profissões| SkilsPortugal, Setúbal 2020

• 400 concorrentes; DESTACAM-SE:


• 300 jurados e peritos;
• 41 chefes de oficina; • Visitas guiadas para a escolas de todo o país, com princi-
• 200 voluntários; pal enfoque nas da região a sul do Tejo.
• 100 pessoas envolvidas na organização; • Demonstrações formativas e demonstrações tecnológi-
• 10 mil visitantes esperados. cas, acompanhadas por técnicos e formadores.
• TRY A SKILL – experimenta ser um profissional.
PELA DIVERSIDADE E AMBIÇÃO • Animação diária.
• Workshops e seminários.
A criatividade artística e profissional, a ciência e a ino-
vação tecnológica, vão ser levados a todos os visitantes
através de iniciativas quer no espaço da competição, quer
nas zonas envolventes.

TESTEMUNHO DELEGAÇÃO REGIONAL DE LISBOA E VALE DO TEJO, IEFP

JOSÉ PAULO LUÍS (Diretor) e LUÍSA OLIVEIRA (Diretora-adjunta), no sentido de que temos de dar continuamente o melhor
Serviço de Formação Profissional de Setúbal
de nós, superarmos as nossas capacidades e transformar-
ENGIRISCO mos as nossas limitações em potencialidades.
A atividade regular do Centro continua, em paralelo, com
a preparação do evento. Há obras de melhoramento e de
adaptação nas instalações, para que sejam criadas as me-
lhores condições para os concorrentes e também para
quem nos visita. Contudo, alguns espaços formativos e
áreas comuns do Centro deixaram de poder ser utilizadas,
implicando uma reorganização dos circuitos, dos horários
das ações a decorrer, da tempestividade das respostas às
A realização de um evento com esta dimensão no Serviço solicitações das pessoas que pretendem formação e das
de Formação de Setúbal contribui, naturalmente, para uma empresas, e de todos os imprevistos, que são muitos, a
maior visibilidade do nosso trabalho e uma ainda maior surgirem a cada momento.
aproximação ao tecido empresarial. Sempre nos focámos Um outro aspeto muito importante é o da preparação das
na orientação da nossa formação para áreas consideradas provas a concurso, com todo o rigor e sigilo implicado,
estratégicas para o crescimento da economia local, garan- e que é suportado pela sempre disponível e colaborante
tindo que esta se encontra em linha com as prioridades área administrativa.
do mercado de trabalho, promovendo, por essa via, a em- Tudo tem de correr bem e nunca, nunca, desanimar nem
pregabilidade da população ativa. mesmo num dia de chuva.
Considerando que a maioria das profissões a concurso A colaboração entre os serviços tem sido uma constante
está em sectores económicos representados no teci- e todos e todas temos sido pequenas peças numa gran-
do empresarial da região, será uma excelente oportuni- de construção.
dade para demonstrar a excelência da nossa formação Esperamos que nos visitem. Até dia 9 de fevereiro de 2020!
profissional.
Será, sem dúvida, uma importante mostra para empre-
sários e para os(as) jovens que procuram uma resposta Os jovens que alcançarem a medalha de ouro irão de-
formativa, uma escolha de uma profissão. pois representar Portugal na 7.ª edição do Campeonato
Cientes das mais-valias que representa acolher a realiza- Europeu das Profissões, que decorrerá em setembro
ção do Campeonato Nacional, não ignoramos a responsabi- de 2020 ano em Graz (Áustria), e na 46.ª edição do
lidade e os desafios que o evento encerra. A gestão do dia Campeonato Mundial das Profissões, que terá lugar
a dia no local onde irá decorrer o Campeonato Nacional das em Xangai (China) em setembro de 2021.
Profissões é também, ela própria, uma grande competição,

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 71
4 EUROPA EM NOTÍCIAS

A POLÍTICA DE COESÃO
DA UNIÃO EUROPEIA

NUNO GAMA DE OLIVEIRA PINTO, Investigador, ENGIRISCO


Professor Universitário (CEI/ISCTE-IUL; UAB),
Investigador Associado (IPRI-UNL)

72 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
PRIORIDADES E DESAFIOS PARA 2021-2027 do nosso mundo. No entanto, precisamos de fazer mais»,
sublinhou a nova presidente da Comissão Europeia.
A proposta apresentada pela Comissão Europeia para o «Precisamos de uma transição justa para todos. Nessa
próximo quadro financeiro plurianual 2021-2027 prevê transição, teremos de admitir e de respeitar o facto de
uma dotação orçamental para a Política de Coesão no valor que nem todos dispõem das mesmas condições à par-
de 373 mil milhões de euros. A Comissão identifica cinco tida. Todos partilhamos a mesma ambição, mas alguns
objetivos fundamentais para os investimentos a realizar poderão necessitar de um apoio mais adaptado do que
neste domínio após 2020: outros para a concretizarem. Apoiaremos as pessoas e
as regiões mais afetadas com um novo Fundo para uma
1. Uma Europa mais inteligente, graças à inovação, à di- Transição Justa. Esta é a via que a Europa escolheu: so-
gitalização, à transformação económica e ao apoio às mos ambiciosos e não deixamos que ninguém fique para
pequenas e médias empresas. trás», afirmou Ursula von der Leyen.
2. Uma Europa mais «verde», sem emissões de carbono,
aplicando o Acordo de Paris e investindo na transição A COESÃO ECONÓMICA, SOCIAL E TERRITORIAL
energética, nas energias renováveis e na luta contra
as alterações climáticas. O reforço da coesão económica e social, através da redu-
3. Uma Europa mais conectada, com redes de transpor- ção das disparidades regionais no espaço europeu, tem
tes, e digitais, estratégicas. sido um dos objetivos centrais da Política de Coesão da
4. Uma Europa mais social, concretizando o Pilar Europeu União Europeia. A sua relevância foi salientada, ainda na
dos Direitos Sociais e apoiando o emprego de qualida- década de 80, pelo Acto Único Europeu, com um título V
de, a educação, as competências, a inclusão social e a relativo à «Coesão Económica e Social», tendo, a partir do
igualdade de acesso aos cuidados de saúde. Conselho Europeu de Maastricht, realizado em dezembro
5. Uma Europa mais próxima dos cidadãos, através do de 1991, passado a fazer parte dos princípios fundamen-
apoio a estratégias de desenvolvimento a nível local tais da União Europeia. Em 2007, o Tratado de Lisboa acres-
e ao desenvolvimento urbano sustentável na União centou-lhe uma terceira dimensão: a coesão territorial.
Europeia (UE). O Livro Verde Sobre a Coesão Territorial Europeia2 dedi-
cou-lhe particular relevo, sublinhando que «a coesão ter-
ritorial tem o propósito de alcançar o desenvolvimento
socioeconómico equilibrado e equitativo de todos os ter-
ritórios, valorizar o seu capital físico, a sua diversidade,
complementaridade e endogeneidade».

EU Regional Competitiveness Index, 2019

No discurso que proferiu em setembro no Parlamento Euro-


peu, onde apresentou as principais prioridades para o seu
mandato1 à frente da Comissão Europeia, Ursula von der
Leyen reafirmou a aposta da Comissão Europeia na Política
de Coesão, salientando a importância do novo Fundo para
uma Transição Justa, que irá ficar sob a responsabilidade
de Elisa Ferreira, a comissária responsável pela pasta da
Coesão e Reformas.
«Os fundos de coesão desempenham um papel crucial no
apoio às regiões e zonas rurais europeias, de leste a oes-
te e de norte a sul, para acompanhar as transformações

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 73
4 EUROPA EM NOTÍCIAS

A coesão territorial tem vindo a assumir, assim, uma im- d) Assegurar a competitividade global das regiões baseada
portância fundamental nas prioridades definidas para em economias locais fortes.
a Política de Coesão da União Europeia, nomeadamente e) Melhorar a conectividade territorial para os indivíduos,
através: comunidades e empresas.
f) Gerir e interligar os valores ecológicos paisagísticos e
• da promoção de uma abordagem funcional do desenvol- culturais das regiões.
vimento integrado dos territórios, considerados como
espaços de vida dos cidadãos;
• do desenvolvimento de políticas «de base territorial»
através da coordenação transectorial das políticas e da
governação nos seus diferentes níveis de atuação, do
nível local ao europeu;
• da promoção da cooperação entre territórios, a fim de
reforçar a integração europeia;
• do reforço do conhecimento dos territórios, para orien-
tar o respetivo desenvolvimento.

A Agenda Territorial da União Europeia foi acordada pelos mi-


nistros responsáveis pelo Desenvolvimento Territorial du-
rante a presidência alemã do Conselho da União Europeia,
em 25 de maio de 2007, tendo mais tarde sido revista du-
rante o mandato da presidência húngara, em 19 de maio
de 2011. O documento define um quadro político orientado
para a coesão territorial na União Europeia, estabelecendo
prioridades de desenvolvimento policêntrico e integrado do
espaço europeu.
Mais tarde, a Agenda Territorial para a União Europeia 2020
promoveu o alinhamento desta perspetiva de base territo-
rial com a Estratégia Europa 2020 e com os objetivos, então
definidos, de um desenvolvimento sustentável, inteligente
e inclusivo.
Procurou-se igualmente dar resposta aos desafios colocados
pelas mudanças estruturais em resultado da crise económi-
ca e financeira, das crescentes dependências inter-regionais,
das mudanças demográficas e societais, das alterações cli- MODERNIZAR A POLÍTICA DE COESÃO
máticas, assim como nos sectores da energia, do ambiente,
da biodiversidade e do património natural e cultural. A modernização da Política de Coesão é um dos principais
Enfatizando a organização policêntrica e a dimensão fun- objetivos definidos pela Comissão Europeia na proposta
cional dos territórios, a Agenda Territorial para a União Euro- de orçamento apresentada para o período 2021-2017, no-
peia 2020 destacou ainda o potencial, tal como já sucedera meadamente através da adoção das seguintes medidas:
com o Livro Verde da Coesão Territorial, da diversidade ter-
ritorial do espaço europeu, tendo definido seis prioridades 1. Incidência nas principais prioridades em termos
fundamentais: de investimento, ocupando a UE um lugar privilegiado
para que se obtenham resultados
a) Promover um desenvolvimento territorial policêntrico
e equilibrado. Na sua maior parte, os investimentos do Fundo Europeu
b) Estimular o desenvolvimento integrado nas cidades e de Desenvolvimento Regional e do Fundo de Coesão irão
no meio rural e em áreas específicas. ser afetados à inovação, ao apoio às pequenas empresas,
c) Integrar territorialmente as regiões funcionais trans- às tecnologias digitais e à modernização industrial. Des-
fronteiriças e transnacionais. tinar-se-ão igualmente à transição para uma economia

74 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
A política de coesão da União Europeia

circular hipocarbónica e à luta contra as alterações reforçar a apropriação dos projetos financiados pela UE
climáticas, cumprindo o Acordo de Paris. nas regiões e nos municípios.

2. Uma Política de Coesão para todas as regiões e 3. Menos regras, mais claras e mais sucintas
uma abordagem mais adaptada do desenvolvimento
regional a) Simplificação do acesso ao financiamento: a Comissão
Europeia propõe tornar as regras menos complexas no
a) Investir em todas as regiões: as regiões que registam próximo quadro orçamental a longo prazo, com menor
um atraso em termos de crescimento ou de receitas – burocracia e procedimentos de controlo menos comple-
situadas, principalmente, na Europa Meridional e Orien- xos para as empresas e os empresários que beneficiam
tal – continuarão a beneficiar de um apoio significativo de apoio da EU.
da UE. A Política de Coesão irá continuar, no entanto, a b) Um conjunto único de regras: irá abranger sete fundos
investir em todas as regiões, uma vez que muitas de- da UE, implementados em parceria com os Estados-
las, incluindo nos Estados-membros mais prósperos, -membros (adotando o modelo de gestão partilhada),
defrontam-se com dificuldades para fazer face à transi- o que irá facilitar a missão dos responsáveis pela ges-
ção industrial, para lutar contra o desemprego ou para tão de fundos europeus. Irá promover igualmente si-
se manterem a passo com uma economia globalizada. nergias, nomeadamente entre os fundos da Política de
b) Uma abordagem adaptada: a Política de Coesão abrange Coesão e o Fundo para o Asilo e a Migração, quando se
três categorias de regiões: as regiões menos desen- tratar do desenvolvimento de estratégias de integra-
volvidas, em transição e mais desenvolvidas. A fim de ção local para os migrantes. O novo quadro permitirá
reduzir as disparidades e ajudar as regiões com rendi- também ligações mais eficazes com outros fundos, no
mentos e crescimento inferiores, o PIB per capita con- âmbito dos instrumentos orçamentais da UE. Por exem-
tinuará a ser o principal critério para a repartição de plo, os Estados-membros poderão optar por transferir
fundos. Por outro lado, as adoções de novos critérios uma parte dos recursos da Política de Coesão para o
visam refletir melhor a realidade concreta, nomeada- Programa InvestEU.
mente: o desemprego jovem, os baixos níveis de es- c) Adaptação às necessidades: o novo quadro orçamen-
colaridade, as alterações climáticas e o acolhimento e tal combina também a estabilidade necessária para
a integração de migrantes. o planeamento do investimento a longo prazo com o
c) Uma abordagem à escala local: a Política de Coesão para nível adequado de flexibilidade para fazer face a im-
2021-2027 aposta numa Europa que habilita, apoiando ponderáveis. Uma revisão intercalar irá determinar se
estratégias de desenvolvimento dirigidas à escala lo- serão necessárias alterações aos programas nos úl-
cal. Os órgãos de poder local, municipal e regional vão timos dois anos do período de financiamento, sendo
estar mais envolvidos na gestão de fundos europeus, viáveis transferências limitadas de recursos no âmbito
enquanto o aumento das taxas de cofinanciamento irá dos programas de fundos da UE.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 75
4 EUROPA EM NOTÍCIAS

4. Uma relação reforçada com o Semestre Europeu, a fim a características e resultados específicos, a nível local
de melhorar o ambiente de investimento na Europa e regional. Essa abordagem deverá significar, em nosso
entender, ir além das fronteiras administrativas tradi-
A Comissão Europeia propõe-se reforçar a relação entre a cionais e exigir uma maior predisposição aos diferentes
Política de Coesão e o Semestre Europeu, para fomentar níveis e órgãos de governo para colaborarem e coorde-
um ambiente favorável ao crescimento e às empresas na narem ações com vista à concretização de metas e de
Europa, de modo a que tanto os investimentos a nível da objetivos comuns.
UE, como os investimentos nacionais, possam atingir o Deste modo, a futura Política de Coesão da União Euro-
seu pleno potencial. Através do apoio da Política de Coesão peia poderá, e deverá, ir ao encontro dos objetivos de
ao programa de reformas estruturais, a Comissão Euro- coesão territorial introduzidos pelo Tratado de Lisboa, o
peia pretende assegurar a plena complementaridade e a qual reconhece de forma inequívoca que a coesão eco-
coordenação com o novo programa reforçado de apoio às nómica e social só poderá ser conseguida a nível europeu
Reformas Estruturais. se houver uma maior incidência no seu impacto territorial
e na articulação das diferentes políticas desenvolvidas
MEDIDAS DE SIMPLIFICAÇÃO neste domínio pela União Europeia.

No passado mês de outubro, na Semana Europeia das Re-


giões e dos Municípios, que decorreu em Bruxelas, a Co-
missão Europeia apresentou as medidas de simplificação
propostas para a Política de Coesão e também as orienta-
ções de investimento específicas por país, no âmbito do
Semestre Europeu.

A iniciativa, que teve como tema central «Regiões e Mu-


nicípios: Pilares do Futuro da União Europeia», foi igual-
mente aproveitada pela Comissão Europeia para apre-
sentar a edição atualizada do Índice de Competitividade
Regional,3 relativa a 2019, e as conclusões de um estu- 1
O documento com as orientações políticas e as prioridades apresentadas por
Ursula von der Leyen para o período 2019-2024, «Uma União mais ambiciosa: O
do recente, realizado pelo Eurobarómetro, sobre política meu programa para a Europa», poderá ser consultado em https://ec.europa.eu/
commission/files/political-guidelines-new-commission_pt
regional.4 2
Disponível em: https://ec.europa.eu/regional_policy/archive/consultation/terco/
No domínio da Política de Coesão, a Comissão Europeia paper_terco_pt.pdf
3
Disponível em: https://ec.europa.eu/regional_policy/en/information/maps/regional_
continuará a apostar, de acordo com a proposta apre- competitiveness/
4
Disponível em: https://ec.europa.eu/commfrontoffice/publicopinion/index.cfm/
sentada, numa abordagem multidimensional e adaptada survey/getsurveydetail/instruments/flash/surveyky/2227

76 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
EUROFLASH
NUNO GAMA DE OLIVEIRA PINTO, Investigador, Professor ENGIRISCO
Universitário (CEI/ISCTE-IUL; UAB), Investigador Associado (IPRI-UNL)

FUNDO EUROPEU PARA INVESTIMENTOS Europeia passaram de 5,42 mil toneladas para 2,3 mil
ESTRATÉGICOS toneladas, tendo Portugal registado uma diminuição
superior à média europeia de 108 mil toneladas para
Até setembro de 2019, os projetos aprovados pelo Fun- 47 mil toneladas.
do Europeu para Investimentos Estratégicos – Plano
Juncker – ascendiam, no conjunto da União Europeia, REDE ENERGÉTICA EUROPEIA COM NOVOS
a 79,7 mil milhões de euros. A previsão aponta para PROJETOS EM PORTUGAL
que possa proporcionar a cerca de 972 mil empresas
em fase de arranque, e pequenas e médias empresas, A Comissão Europeia aprovou recentemente um conjun-
um acesso mais facilitado a fontes de financiamento. to de novos projetos de interesse comum para uma rede
Portugal é o terceiro país da União Europeia com um energética europeia interligada. Dois projetos irão decor-
maior volume investimentos, no âmbito do Plano Junc- rer em Portugal. Um diz respeito a agregados de linhas
ker, em relação ao PIB (a seguir à Grécia e à Estónia), internas entre Pedralva e Sobrado, e entre Vieira do Minho,
com 2,6 mil milhões de euros, que poderão mobilizar Ribeira de Pena e Feira.
9,5 mil milhões em investimentos adicionais. O outro projeto agora aprovado irá desenvolver-se na fron-
teira entre Portugal e Espanha, com a interligação Beariz,
Ponte de Lima e Vila Nova de Famalicão.

NOVO PROGRAMA PARA OS SECTORES


DA CULTURA E DO AUDIOVISUAL

O i-Portunus é um programa experimental de curta dura-


EMISSÕES DE GASES POLUENTES ção destinado a apoiar os sectores da cultura e do audio-
visual da União Europeia. O novo programa pretende apoiar
Entre 1990 e 2017 as emissões de gases poluentes a mobilidade de quem exerce atividade nestes sectores,
baixaram na União Europeia (UE) e em Portugal, com permitindo-lhes trabalhar noutro Estado-membro, ou em
destaque para o óxido de enxofre (SOx), que registou países parceiros do programa, por períodos entre 15 a 85
uma redução para cerca de metade. dias. Após a fase experimental, o i-Portanus irá ser enqua-
Segundo dados recentes divulgados pelo Eurostat, drado no próximo programa Europa Criativa, no âmbito do
durante aquele período as emissões de SOx na União novo quadro financeiro plurianual para 2021-2027.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 77
5 DIVULGAÇÃO

HORIZONTE 2020 E ERASMUS + COM


ORÇAMENTOS REFORÇADOS

O Parlamento Europeu aprovou um orçamento retificativo


para 2019 que concede mais 100 milhões de euros aos
Programas Horizonte 2020 e ao Erasmus+. O programa
de investigação e inovação, Horizonte 2020, foi reforçado
com um montante adicional de 80 milhões de euros e o
programa para a mobilidade dos estudantes, Erasmus+,
com 20 milhões de euros.

INOVAÇÃO SOCIAL

O Projeto SpraySafe, promovido pelo Centro de Investiga-


ção de Montanha do Instituto Politécnico de Bragança,
foi um dos três vencedores do Concurso Europeu de Ino-
vação Social, entre 543 candidatos. Cada um irá receber
uma subvenção de 50 mil euros pela criação de soluções
inovadoras para promover a reutilização e a reciclagem
de plásticos e as mudanças de comportamento.

NOVAS REGRAS PARA


OS ELETRODOMÉSTICOS

A Comissão Europeia aprovou recentemente um conjunto


de alterações que visam tornar os eletrodomésticos mais
fáceis de reparar, de reciclar, e com menor consumo de
SEGURANÇA RODOVIÁRIA energia, de modo a prolongar a sua vida útil.
Frigoríficos, máquinas de lavar louça e roupa, televisões
Os prémios de excelência no domínio da segurança rodo- e monitores, fontes de alimentação, motores elétricos,
viária distinguiram em 2019 seis concorrentes. transformadores e máquinas de soldar são alguns dos
Um dos projetos premiado pela Comissão Europeia foi produtos que, a partir de 2021, terão de cumprir a legis-
apresentado por uma empresa portuguesa, a InOutCister, lação agora aprovada.
que desenvolveu uma campanha de prevenção da condu-
ção sob o efeito do álcool dirigida aos jovens.

78 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
TOME NOTA
NUNO GAMA DE OLIVEIRA PINTO, Investigador, Professor ENGIRISCO
Universitário (CEI/ISCTE-IUL; UAB), Investigador Associado (IPRI-UNL)

1400 MILHÕES PARA APOIAR REDES europeias, foi recentemente apresentada. Foram analisadas,
DE TRANSPORTES SUSTENTÁVEIS na edição de 2019, 190 cidades de 30 países diferentes.
Depois do lançamento da primeira edição do observatório,
A Comissão Europeia acaba de lançar um convite à apresen- em 2017, a Comissão Europeia procurou oferecer, este ano,
tação de propostas no âmbito do Programa-Quadro Mecanis- um retrato atualizado da riqueza cultural e criativa da Europa.
mo Interligar a Europa. A abertura do novo concurso, que terá Várias cidades portuguesas (Braga, Coimbra, Faro, Guima-
uma dotação orçamental no valor de 1400 milhões de euros, rães, Lisboa, Porto e Sintra) estão presentes nesta nova
destina-se a apoiar a construção de redes de transportes edição do observatório.
sustentáveis na União Europeia. O Observatório das Cidades Culturais e Criativas foi criado
O Mecanismo Interligar a Europa é o instrumento central pelo Centro Comum de Investigação. A edição de 2019 in-
de financiamento europeu para investimentos estratégi- clui uma nova ferramenta em linha que permite às cidades
cos nos sectores das infraestruturas de transportes, de acrescentarem os seus próprios dados para aprofundar a
energia e digitais. Criado em 2014, já apoiou até agora 763 cobertura e a avaliação comparativa realizadas.
projetos, tendo disponibilizado cerca de 22 mil milhões de A informação quantitativa recolhida pelo observatório teve
euros em financiamentos. por base 29 indicadores, correspondentes a nove dimen-
sões políticas, que refletem, segundo a Comissão, três as-
petos principais da vitalidade cultural e socioeconómica das
cidades analisadas:

• o «dinamismo cultural», que mede o pulso cultural de


uma cidade em termos de infraestruturas na área da cul-
tura e de participação na vida cultural;
• a «economia criativa», que mostra em que medida os
sectores culturais e criativos contribuem para a economia
da cidade em termos de criação de emprego e de inovação;
Os apoios concedidos ao abrigo deste programa destinam- • o «ambiente propício», que identifica os ativos, tangíveis
-se a financiar projetos de interesse comum, no âmbito das ou intangíveis, que ajudam as cidades a atraírem mais ta-
redes transeuropeias nos sectores dos transportes, teleco- lentos criativos e a promoverem o envolvimento cultural.
municações e energia. Visam apoiar a construção e o desen-
volvimento de novas infraestruturas e de novos serviços ou A segunda edição do Observatório das Cidades Culturais e
modernizar os já existentes nestes sectores. Criativas incluiu mais 22 cidades europeias de 14 Estados-
O prazo para a apresentação de candidaturas termina no dia -membros da União Europeia. Foram utilizadas este ano no-
26 de fevereiro de 2020. vas fontes de dados web (como o OpenStreetMap) para pro-
curar dar a conhecer, de forma mais dinâmica, o dinamismo
OBSERVATÓRIO DAS CIDADES CULTURAIS cultural na Europa.
E CRIATIVAS As conclusões resultantes da análise espacial das infraes-
truturas culturais em diferentes países europeus ajuda-
A segunda edição do Observatório das Cidades Culturais e ram também a colocar a perspetiva da inclusão social no
Criativas, uma iniciativa da Comissão Europeia que pretende centro da investigação realizada, paralelamente com a
avaliar e reforçar o potencial criativo e cultural das cidades riqueza económica.

DIRIGIR&FORMAR N.º 25 79
5 DIVULGAÇÃO

SABIA QUE
NUNO GAMA DE OLIVEIRA PINTO, Investigador, Professor ENGIRISCO
Universitário (CEI/ISCTE-IUL; UAB), Investigador Associado (IPRI-UNL)

CONSELHO EUROPEU DE INOVAÇÃO APOIA projetos, envolvendo 56 parceiros em 19 países. Cada um


EMPRESAS PORTUGUESAS irá receber cerca de 2 milhões de euros e beneficiar tam-
bém de serviços gratuitos de aconselhamento e aceleração
O Conselho Europeu de Inovação (CEI) irá financiar 210 no- empresarial.
vos projetos empresariais. O orçamento do concurso é de Três dos projetos apoiados pelo Conselho Europeu de Inova-
210,2 milhões de euros, divididos em duas categorias: «Ace- ção incluem parceiros portugueses:
lerador do CEI» e «Processo Acelerado para a Inovação».
Cada projeto irá receber entre 500 mil e 3 milhões de euros. MappingAir: uma plataforma de monitorização da qua-
Na categoria «Acelerador do CEI» serão disponibilizados 177 lidade do ar e do nível de ruído nas grandes cidades,
milhões de euros para apoiar 96 pequenas e médias empre- destacando-se pelo baixo custo dos sensores de gás
sas (PME) de 20 países da União Europeia. instalados em iluminação pública, ou outros elemen-
tos de mobiliário urbano, e pela precisão e rigor dos
resultados obtidos. Este projeto internacional irá re-
ceber cerca de 2 milhões de euros, dos quais 160 mil
euros para a empresa portuguesa Omniflow, parceira
do projeto.
Um dos projetos selecionados pelo CEI foi apresentado por
uma empresa portuguesa, a C2C-NewCap, que concebeu um VEMoS: um sistema de diagnóstico revolucionário de
supercondensador de base aquosa com elevada capacidade modelo ocular virtual para um tratamento cirúrgico
de armazenamento de energia que contribuirá para uma utili- oftalmológico personalizado. Permitirá decisões clí-
zação eficiente da energia com baixos custos ambientais, no- nicas ajustadas às necessidades de cada paciente no
meadamente para baterias de veículos. O Conselho Europeu quadro das operações de correção da miopia. O projeto
de Inovação irá financiar o projeto com 1,4 milhões de euros. irá receber cerca de 3 milhões de euros, dos quais 400
Os financiamentos concedidos pelo CEI nesta categoria vi- mil euros para o Centro Hospitalar e Universitário de
sam apoiar as empresas em diferentes áreas da inovação, Coimbra, parceiro do projeto.
como a demonstração, o ensaio, a pilotagem e a expansão,
proporcionado igualmente 12 dias de serviços gratuitos de VIMS: uma plataforma digitalizada integrada para am-
aconselhamento e aceleração empresarial. bientes industriais e fabris. Possibilitará a monitori-
Além das subvenções, o «Acelerador do CEI» (antigo «Ins- zação e o controlo remoto de linhas de produção por
trumento para as PME Fase 2») poderá igualmente incluir parte de operadores, engenheiros e gestores. O pro-
um investimento opcional em capital próprio. jeto irá receber cerca de 2,3 milhões de euros, dos
As empresas poderão candidatar-se unicamente a uma sub- quais 280 mil euros para a empresa portuguesa Se-
venção, ou a uma subvenção combinada com um financia- renitycloud, parceira do projeto.
mento de capital próprio, até um máximo de 17,5 milhões
de euros, para apoiar uma expansão mais rápida e eficiente.
Os montantes para as subvenções serão de 500 mil a 2,5 O «Acelerador do CEI» e o «Processo Acelerado para a Ino-
milhões de euros e os investimentos em capital próprio po- vação» são uma componente central do projeto-piloto do
derão ascender a 15 milhões de euros. Conselho Europeu de Inovação. Destinam-se a apoiar pro-
dutos, serviços, processos ou modelos empresariais ino-
PROCESSO ACELERADO PARA A INOVAÇÃO vadores que permitam abrir novos mercados.
Entre 2018 e 2020 o Conselho Europeu de Inovação irá
Na categoria «Processo Acelerado para a Inovação», com disponibilizar, no âmbito deste projeto, 2,7 mil milhões
um orçamento de 33 milhões de euros, vão ser apoiados 14 de euros financiados pelo programa Horizonte 2020.

80 DIRIGIR&FORMAR N.º 25
anos

A CAMINHO DO FUTURO

Você também pode gostar