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Psicanálise e Política: Vizinhas que

compartilham um mesmo quintal

MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO

Nome Completo: Arthur Leandro Santos de Lima

E-mail: arthurleandrosantos@gmail.com

Conclusão: 2º SEMESTRE/ 2019.

Curso: Formação em Psicanálise Clínica

Unidade: Campinas (SP)

Professores: André Figueira e Paulo Vieira

Jaboatão dos Guararapes, 28/10/2019


“São poucos os políticos que sabem fazer política. Mas, quando um
intelectual tenta entrar nesse meio, então é o fim do mundo”

— Jorge Luis Borges

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Introdução

Neste trabalho, desenvolveremos o conceito do político buscando


encontrar balizas comuns ao topos da psicanálise. Embora etimologicamente se
entenda política como a organização dos grupos que integram a Pólis, o que
poderia ser uma definição de governar, que para Freud, então, seria um dos três
ofícios impossíveis, é possível ir além na definição e especificação do político,
sem discordar de Freud, todavia aclarando uma possibilidade, a partir de um
víeis analítico, de enxergar o político como um ofício possível enquanto apenas
tendente ao fracasso.

Isto porque podemos partir do Carl Schimitt para dizer que dentre os
“critérios do político” encontramos um dos principais que é “a diferenciação do
amigo e do inimigo”, o que desemboca na “guerra como manifestação de
inimizade”, guerra esta que não é necessariamente, e quase nunca é, bélica.
(2009, pp. 27-29) Em outras palavras o político é definido pelo conflito. Este
critério nos ajuda, pelo menos a partir do Schimitt, separar o político do
ideológico. Pois tudo que é social somente seria político, como diz o senso
comum, se tudo fosse feito como (re)afirmação de um conflito, nos fazendo,
então, precisar o ideológico exatamente como as manifestações intersubjetivas
com as mais variadas intenções que não a do conflito. Se consideramos essa
dimensão conflituosa como base, critério, do político, encontramos a senda para
incutir uma reflexão do político também como uma reflexão psicanalítica.

Esta abordagem é relevante tanto para a reflexão psicanalítica quanto


para a reflexão política visto que uma incursão entre ambos os campos aumenta
significativamente a aplicabilidade de ambos. De um ponto de vista na política a
psicanálise encontra um campo maior de produção humana para continuar
explicando os diversos males e adoecimentos da psique, alcançando também
com isso uma proficuidade maior em seus diagnósticos e tratamentos. De outro

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ponto de vista o político se martilha quando reconhece as dimensões
conflituosas não apenas externas mas, inter e intrapsíquicas do campo comum a
amigos e inimigos.

Na primeira parte do trabalho, abordaremos limites pedagógicos


possíveis para localizar a psicanálise e política como partilhantes de um mesmo
campo. Na segunda parte, focaremos em ir para além desses limites
pedagógicos entendendo ancorados na primeira parte que embora infinitos na
produção tanto psicanálise quanto política sempre se encontrarão. Na terceira
parte, teceremos a noção de conflito como “nó costurante” de ambos os
campos.

Para atingir esses objetivos, a metodologia empregada foi uma


pesquisa bibliográfica partindo de uma interpretação Freud-lacaniana da
psicanálise para, então, aprofundar-se em conceitos políticos que precisam a
presença do conteúdo psicanalítico na política em artigos e livros de autores da
Ciência Política.

1. Balizando definições
Pensar política e ideologia se limitando-se a questões de sexo, gênero,
etnia e raça seria de uma simplificação broquel. Entretanto entender isto não é o
mesmo que negar que hoje em dia a maioria das questões políticas giram em
torno desses dois eixos: a identidade sexual e a identidade cultural. Já é a partir
daqui que precisa-se salientar que os caminhos do político e do objeto de estudo
da psicanálise se encontram, se é que um dia já estiveram separados, porque,
embora seja comum acreditar que sim, os psicanalistas não devem estar
privados da atuação política e do posicionamento. Isto porque enquanto
pesquisador seu discurso universitário e discurso de mestre tendem a perpassar
pelos embates políticos atuais que transladam sobre demandas psíquicas, e
também porque enquanto no lugar de objeto transferencial, ou seja, na clínica, o
psicanalista precisa estar preparado para ser interlocutor do discurso histérico
que o interpela também a partir e sobre as mesmas questões políticas.

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A psicanálise também é uma teoria social. Embora questionável apenas
com Freud, isto é algo irretocável a partir do Lacan. Se com Freud há um “mal-
estar” na civilização, e por metonímia nas formações atuais de inconscientes,
este processo coletivo desemboca na frase do Lacan de que o “inconsciente é
política”. (LACAN, 1966-1967) E isto quer dizer não que há sinônimos aqui, isto
quer dizer, que há um “Discurso do Outro” que nos fala, e que enquanto parte
desse Discurso for político o inconsciente, que é sinônimo deste discurso,
metonimicamente, é a própria política. É possível dizer que tanto a formação de
psicanalista quanto a formação de agente político passa pelo mesmo tipo de
experiência com o Real. Os impossíveis da vida, à grosso modo, que nos dão,
enquanto animais, necessidades, que nos dão desejos ao inaugurar o
Inconsciente, e desejos estes que se tornam ainda demandas no advento do
laço social

Ainda que aproximar os campos assim não fosse possível o alcance


político da obra do Freud não poderia ser ignorado. Freud não somente marcou
o século passado como infundiu mudanças em quase todas as áreas de
produção de conhecimento humano. Compreender o que o pai da psicanálise
fez é compreender o desnudamento do ser humano enquanto conflito, conflito
este que reside à priori e estruturalmente no indivíduo, entre o que é o “eu” e o
que o “outro” ainda no “eu”, mas que inturgesce enquanto também conflito do eu
e seus outros com o outro propriamente dito.

Se tivéssemos que trazer Hobbes, Locke e Rousseau para a conversa


quanto à noção de contrato social, para Sigmund este seria apenas fonte de
angústias. A renúncia de nossas pulsões, aqui sinônimas aos desejos, teria
como resultado óbvio a constatação de que a sociedade fracassou em
proporcionar a felicidade que se espera dela. Freud desconstrói a idealização do
contrato social, e por isso ele não é um ideólogo como colocam alguns, mas
para além disso um pensador político, posto que demonstra a gênese dos
arranjos sociais. Freud é cético quanto a tais arranjos, o que se fosse para forçar
nos obrigaria a classifica-lo como um liberal tradicional. O pai da psicanálise
feriu-nos narcisicamente exatamente na dimensão moral, com ele o Estado é

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uma necessidade somente enquanto as necessidades são criações
desnecessárias, de forma que está mais para um mito, ou ainda mais, uma
mentira. Direitos seriam uma mentira maior ainda, uma mentira gigante, e tanto
quanto gigante, necessária.

2. Significando o conflito para dar um


novo passo
A metafísica está no furo do político. O inconsciente é política. Estas
frases lacanianas consolidam a espreita de um novo passo quando se reflete
psicanálise de forma política, e o inverso também é verdade.

O parlamento da Pólis grega possui uma origem que nos ajuda a


reflexionar este contexto. Associa-se os discursos políticos como uma inversão
dos discursos de guerra. Coadunando com a definição de Schimitt só há uma
antonomínia entre guerra e política enquanto jogo semântico, pois, todas as
características da guerra estão presentes no conflito político, enquanto todos os
conflitos bélicos são antes políticos. Se o parlamento, invenção da Pólis grega, é
o inverso da resolução dos conflitos que a guerra busca, como se explicaria a
origem do próprio parlamento que vem das rodas de guerra quando os soldados
se colocavam em círculos antes do embate direto, e então, de acordo com as
circunstâncias, os soldados estrategistas iam para o centro do círculo
argumentar?

O que, de fato, ocorre é uma alteração dos fatores, sendo assim, como
diz a matemática, o produto não é alterado. No discurso bélico a palavra vem
antes do confronto, no discurso político a guerra está na palavra, e para além da
inversão está antes e depois, como intelecção e ação, respectivamente.

Dessa forma encontramos uma sincronia entre política e psicanálise,


posto que o conflito se faz caber na palavra e no entorno dela. Assim como os
conflitos sociais se colocam em palavras, que são os discursos, os conflitos

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internos, as pulsões, o desequilíbrio das estruturas e das instâncias psíquicas se
sintomatizam pelas palavras. Os conflitos estão e são tratados na relação
transferencial, entre dois interlocutores, que só se conectam pela linguagem.

Então, se há resistência na política entre, por exemplo, estruturas mais


poderosas e ditatoriais, existe resistência de forma análoga entre as estruturas
do Sujeito que possuem suas vozes e suas capacidades de se impor. Se há
ausência de partes nos embates políticos é porque, para citar Lacan, as
estruturas do Sujeito se “esfumaçam”. Se há censura, o proibido de dizer,
porque já foi dito ou subentendido antes do “combate físico” na política, há
também inúmeras censuras nas dimensões interiores do Sujeito, como, por
exemplo, as censuras oníricas e as censura das falas pensadas.

Partir dessas construções fazem a própria tentativa de balizar a


psicanálise e política num campo comum uma tentativa nada mais do que
pedagógica, afinal, nenhum dos campos encontram balizas reais. Todavia, pela
natureza de ambos os campos que é tão íntima — e esta talvez seja a única
baliza — é possível afirmar que embora desconhecidos os limites de onde a
politica pode chegar é fato que lá também haverá conteúdo psicanalítico se
houver alguém que analise.

3. Individuação está para autocrítica


assim como o agir político está para a crítica
social
Antonio se empresta de um termo lacaniano — individuação — para
marcar algo caucionado pela psicanálise: Existe um paradoxo na estrutura
humana tanto na perspectiva quanto individual que é a individualidade que se
torna “prejudicial” à vida mental dos indivíduos ao mesmo tempo que os
sofrimentos subjetivos são de responsabilidade única do indivíduo e que se essa
individualidade não é tratada enquanto tal, no seu caráter único, é aí então que o
indivíduo adoece. A psicanálise não se diz individualista, mas precisa girar em

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torno “de um halo de individualismo”. Se a teoria não evidencia o valor do
indivíduo, a prática, a clínica, precisam fazer isto.

Os desejos que são individuais se projetam para fora, para a Pólis, o que
eram confrontos internos são ao mesmo tempo confrontos de todos contra
todos. A política, entremente, é o confronto para realizar desejos, que é a
definição de ideologia. Contudo, se a ideologia costura os recortes da realidade
que lhe apetece, a realidade costura os recortes político-ideológicos que lhe
apetece também. Assim há sempre uma cisão, um recorte ainda maior, um corte
estruturante, um Real, entre a realidade e as intenções políticas. Esta
impossibilidade é o furo pelo qual existe coletivamente o que Freud alcunho
como mal-estar da civilização. Este mal-estar não é visto como qualquer mal-
estar que deve ser combatido, porque ainda que fosse possível desfazê-lo,
estaríamos desfazendo-o nos desfazendo juntos, pois, da mesma forma que a
“guerra de pulsões” é o que torna o Sujeito desejante e apto ao “conflito da vida”,
só há política, laço social e até mesmo sociedade se houver um caráter de
conflito basilar que os estruturam. Assim como sintomas são peremptórios em
qualquer sujeito o mal-estar é um destino cabal para qualquer sociedade.

Segundo Safatle (2011) nada pode separar o eu de suas formas


imaginárias que são internalizadas pela vida social. O eu é como uma cebola
que ao descascada só se encontra mais identificações descascáveis. Assim a
política é também uma grande cebola e nada pode separá-la de suas formas
imaginárias que são externalizadas pelos sujeitos. Se ideologias nascem e
morrem, suas causas sempre voltam e se revestem de atualidade, todavia, o
mecanismo é eterno, pelo menos, eterno desde que houve uma civilização.

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Conclusão
A teoria e prática terapêutica acarreadas por Freud e Lacan nunca
extinguirão seus campos de produção. A lógica de sentido e significação que
constituem as organizações políticas estão estritamente ligadas ao processo de
individuação. A psicanálise, desta feita, busca provocar os indivíduos a
elaborarem uma nova forma de se enxergar e de enxergar a dialética
constituinte dos laços sociais, passando a compreender melhor as hierarquias
que existem entre subjetivo e objetivo.

Para Figueira (1978) a psicanálise é um sistema simbólico capaz de


fornecer, durante o sofrimento subjetivo, uma que lhe é própria, propondo uma
propedêutica terapêutica que buscar sanar as dificuldades dos indivíduos. Neste
caso os indivíduos entendendo a estruturação do conflitos em suas dimensões
interiores e na sua vida social podem aderir aos mecanismos interpretativos
servidos da psicanálise e, então, se tornarem agentes políticos de uma saúde
coletiva.

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Referências bibliográficas
ANTONIO, Maria. O “Sujeito Desejante”: discussão antropológica acerca
do processo psicanalítico lacaniano e sua concepção de Pessoa. Caxambu:
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Universidade Federal de
São Carlos – UFSCAR, 2009.

BIRMAN, Joel. O Mal-estar na modernidade e a psicanálise: a psicanálise


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FREUD, Sigmund. Análise Terminável e Interminável (1937) In: Edição
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Imago, 1996

FREUD, Sigmund. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. v I. À


guisa de introdução ao Narcisismo. (1914). Rio de Janeiro: Imago, 2004.

FIGUEIRA, Sérvulo. Notas Introdutórias ao Estudo das Terapêuticas I:


Lévi-Strauss e Peter Berger. In: FIGUEIRA, Sérvulo (org). Sociedade e Doença
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FINK, Bruce. O Sujeito Lacaniano: entre a linguagem e o gozo. Rio de


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LACAN, Jacques. O seminário, Livro 17: O avesso da psicanálise (1969 -
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SCHIMITT, Carl. O Conceito do Político/ Teoria do Partisan. Belo


Horizonte: Del Rey Editora, 2009.

QUINET, Antonio. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranóia e


melancolia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

Vídeos

DUNKER, Christian. Psicanálise e política | Parte 1 | Christian Dunker


| Falando nIsso 138. [Online]. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=8Tm4GzV4of0>. Acesso em: 10/19

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