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“Era um dia frio e luminoso de abril, e os relógios davam 13 horas.” Assim começa um dos
romances mais citados do século 20. A frase omite o ano da ação, mas isso seria redundante, pois
ele dá nome à obra: 1984. Só a menção ao título desencadeia uma avalanche de associações
mentais: comunismo, polícia política, nazifascimo, tortura… O livro ganhou fama por tratar de
forma ficcional de uma das grandes mazelas contemporâneas, o totalitarismo.
Escrito pelo jornalista, ensaísta e romancista britânico George Orwell e publicado em 1949, o texto
nasceu destinado à polêmica. Foi traduzido em 65 países, virou minissérie, filmes, inspirou
quadrinhos, mangás e até uma ópera. Mas – ah!, estava demorando – ganhou renovados holofotes
em 1999, quando a produtora holandesa Endemol batizou seu reality show (formato que chegou à
TV nos anos 1970), de Big Brother, o mais sinistro personagem, ou melhor, entidade do livro. O
pai da ideia, John de Mol, nega de pés juntos a inspiração, mas há outras associações possíveis
além do nome do programa. A origem do título 1984 é controversa. Orwell supostamente queria
“O Último Homem da Europa”, mas seu editor Frederick Warburg insistiu que trocasse por algo
mais comercial. O texto foi concluído em 1948 e o nome traz os dois dígitos finais invertidos. Era
uma forma de dizer que a distopia descrita não era uma ameaça distante.
No enredo que tem Londres como cenário (na fictícia Oceânia) -, tudo gira em torno do Grande
Irmão. “Quarenta e cinco anos, de bigodão preto e feições rudemente agradáveis”, o Big Brother é
o líder máximo. Assumiu o poder depois de uma guerra de escala global (análoga à Segunda
Guerra, porém com mais explosões atômicas), que eliminou as nações e criou três grandes estados
transcontinentais totalitários. A Oceânia reúne a ex-Inglaterra, as ex-Américas, ex-Austrália e
Nova Zelândia e parte da África. É um mundo sombrio e opressivo. Cartazes espalhados pelas ruas
mostram a figura bisonha da autoridade suprema e o slogan: “O Grande Irmão está de olho em
você”. E está mesmo, literalmente, graças às “teletelas”. Espalhadas nos lugares públicos e nos
recantos mais íntimos dos lares, elas são uma espécie de televisor capaz de monitorar, gravar e
espionar a população, como um espelho duplo. A intimidade era tão devassada ali quanto na casa
do Projac que sediou a última edição do Big Brother Brasil.
Raros escritores tiveram o privilégio de virar adjetivo. George Orwell (um pseudônimo) foi um
deles. Seu nome de batismo, na Igreja Anglicana, é Eric Arthur Blair. Se Marcel Proust deu origem
a “proustiano”, por causa das ricas descrições memorialistas, o termo “orwelliano” virou sinônimo
dos vívidos e sinistros porões do totalitarismo. Não que, como romancista, ele seja comparável a
James Joyce, Franz Kafka ou Proust. Os críticos costumam ser mais positivos sobre seus ensaios.
Ainda assim não são unânimes. O grande legado de Orwell é mesmo sua lucidez política.
Nascido na Índia, em 1903, filho de um funcionário colonial inglês, ele nunca levou vida fácil.
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Saiba mais sobre o livro 1984, de George Orwell https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/sai...
Cursou uma escola da elite (Eton). Em vez de seguir o caminho seguro (matricular-se numa
universidade chique como Oxford), entrou para a Polícia Imperial da Índia. Lá conheceu de perto
a truculência do Império Britânico no esforço de controlar os nativos. Orwell tinha tudo para ser
promovido, mas, escandalizado, largou a farda e foi levar uma vida boêmia em Paris e Londres.
Nessa época, beirou a mendicância. Em 1936, viajou para a Espanha para lutar contra o
franquismo, na Guerra Civil. Foi ferido no pescoço e dali em diante só conseguiria falar em tom
baixo. Dizia ser um socialista democrático. Já um amigo, o escritor Malcolm Muggeridge, o
definiu como “um sujeito que é fácil de a gente amar, mas difícil de ter por perto”. Uma de suas
marcas pessoais era um rígido senso de justiça e de busca da verdade. Alguns o admiravam por
isso. Outros o viam como um grande chato. O certo é que essa característica o ajudou a se
desencantar das utopias políticas, inclusive a soviética, impiedosamente atacada também em A
Revolução dos Bichos (1945). “A aceitação de qualquer disciplina política parece ser incompatível
com a integridade literária”, afirmou, inconformado com a subserviência dos intelectuais aos
regimes de direita ou de esquerda.
Poucos descreveram tão bem a tortura política. Nas páginas de 1984, O’Brien, um figurão do
Partido, usa um método especialmente cruel: o flagelo com ratos. “Eles saltarão sobre seu rosto e
começarão a devorá-lo. Às vezes atacam primeiro os olhos. Às vezes abrem caminho pelas
bochechas e devoram a língua”, diz a Winston.
Dedo-duro
Num episódio controverso, Orwell entregou ao serviço secreto britânico, em 1949, uma lista de
130 simpatizantes do comunismo, entre eles J.B. Priestley e Charles Chaplin. O autor foi
procurado quando estava hospitalizado, tratando-se de uma tuberculose. Ele morreu no ano
seguinte.
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“Temos curiosidade de saber como o outro dorme, come, toma banho. O Big Brother propicia uma
resposta a esse anseio”, diz Cosette. O fenômeno do reality show, que talvez tivesse escandalizado
o escritor, é mundial. No Brasil, faz sucesso há dez anos. “O reality show é um laboratório do qual
a audiência também faz parte”, afirma Cosette Castro, referindo-se ao poder dos telespectadores
de decidir o destino dos participantes dos programas. O Big Brother da ficção foi superado pelo
Grande Irmão da realidade.
Teletelas
“Viveremos uma era em que a liberdade de pensamento será de início um pecado mortal e mais
tarde uma abstração sem sentido”, disse Orwell. As teletelas do livro são ferramentas de controle.
Estão em todo canto. Transmitem mensagens e monitoram ao mesmo tempo.
Novafala
No mundo de 1984, a língua ganha novos termos, e palavras antigas, novas acepções. A semântica
é distorcida para criar um estado de torpor e confusão. Isso está expresso no lema do Partido
único: “Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força”.
Grande Irmão
Ditador e líder do Partido. É dever da população amá-lo, embora nunca tenha sido visto em
pessoa. Foi inspirado em Josef Stalin e representa o perigo do totalitarismo, junto com a teletela.
Nas ruas, cartazes mostram seu rosto e dizem “O Grande Irmão está de olho em você”.
Saiba mais
A Obra
1984
George Orwell Companhia das Letras, 2009, 416 págs., R$ 41
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