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A o r e d i g i r Ler Freud, p r i v i l e g i e i i g u a l m e n -
Q u e t e x t o s dc r a eu
t e u m a a b o r d a g e m clínica t a n t o n a m i n h a pró-
deveria escolher? I
pria leitura d eFreud como nos diversos es-
P a r a c a d a o b r a , e x i s t e m m u i t a s traduções clarecimentos. A c h o importante ter sempre
disponíveis e m língua f r a n c e s a e m d i v e r s a s e m m e n t e q u e a psicanálise não é s i m p l e s m e n -
edições, c o m d a t a s d i f e r e n t e s , p o r t r a d u t o r e s t e u m a t e o r i a e u m método d e p e s q u i s a d o
d i f e r e n t e s . Além d i s s o , a s CEuvres Completes psiquismo humano, mas é sobretudo u m a
estão e m f a s e d e publicação p e l a s P r e s s e s a b o r d a g e m clínica e técnica q u e a i n d a h o j e
U n i v e r s i t a i r e s d e F r a n c e , e até a g o r a só f o i p e r m i t e a inúmeros p a c i e n t e s r e s o l v e r c o n f l i -
lançada p o u c o m a i s d a m e t a d e . P a r a f a z e r e s s a t o s i n c o n s c i e n t e s q u e não c o n s e g u i r i a m r e s o l -
difícil e s c o l h a , a p o i e i - m e n a experiência a d - ver por outros meios.
q u i r i d a c o m o seminário, l e v a n d o e m c o n t a a
constatação d e q u e o s p a r t i c i p a n t e s u t i l i z a v a m Cronologia dos conceitos freudianos
preferencialmente o slivros d ebolso e as edi-
ções e m b r o c h u r a , p o r razões económicas, m a s A o f i n a l d e c a d a capítulo, m e n c i o n e i o s
também p o r q u e e l a s têm u m a l i n g u a g e m m a i s p r i n c i p a i s conceitos q u e a p a r e c e m n a o b r a es-
acessível. tudada, na m e d i d a e m que F r e u d lhes atribui
12 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z
UM S E M I N Á R I O DE LEITURA C R O N O L Ó G I C A DA O B R A DE FREUD
AGRADECIMENTOS
Jean-Michel Quinodoz
L e r F r e u d 21
0 Continuação
DESCOBERTA DA OBRA
A s páginas i n d i c a d a s r e m e t e m a o t e x t o p u b l i c a d o e m S . F r e u d e J . B r e u e r ( 1 8 9 5 d ) , Études
sur Vhystérie, t r a d . A . B e r m a n , P a r i s , P U F , 1 9 5 6 .
O M E C A N I S M O PSÍQUICO E s s a c a u s a e s c a p a a o s i m p l e s e x a m e clínico e o
DOS FENÓMENOS HISTÉRICOS próprio d o e n t e já não s e r e c o r d a d e s s e a c o n t e -
por J. Breuer e S. Freud c i m e n t o . A a j u d a d a h i p n o s e c o s t u m a ser n e -
cessária p a r a d e s p e r t a r n o p a c i e n t e a s l e m b r a n -
O capítulo introdutório r e t o m a o t e x t o d e ças d a época e m q u e o s i n t o m a f e z s u a p r i m e i -
"Comunicação p r e l i m i n a r " , já p u b l i c a d a e m r a s aparição: " E só depois disso que se consegue
1893, n a q u a l os a u t o r e s d e s c r e v e r a m as etapas estabelecer da forma mais nítida e mais convincente
s u c e s s i v a s d e s u a s c o n d u t a s clínicas e q u e f a z a relação em questão" ( p . 1 ) . N a m a i o r i a d a s v e -
p a r t e d e s u a s p r i m e i r a s hipóteses. E m g e r a l , z e s , a c o n t e c i m e n t o s o c o r r i d o s n a infância é q u e
d e c l a r a m e l e s , é u m a observação f o r t u i t a q u e p r o v o c a r a m p o s t e r i o r m e n t e manifestações p a -
p e r m i t e descobrir acausa o u , m a i s precisamen- tológicas m a i s o u m e n o s g r a v e s .
te, o i n c i d e n t e q u e p r o v o c o u p e l a p r i m e i r a v e z
E s s a s observações m o s t r a m q u e e x i s t e u m a
o s i n t o m a histérico e m u m p a s s a d o longínquo.
a n a l o g i a e n t r e a h i s t e r i a e a n e u r o s e traumática,
22 Jean-Michel Q u i n o d o z
PÓS-FREUDIANOS
wBÊÊÊÊÊÊBBSmBBSBÊÊBÊ
C o m o A n n a O. c o m p l e t o u s u a c u r a ?
Breuer concluiu seu relato c o m u m a nota mais otimista, declarando q u e a paciente ainda precisou d e u m b o m
t e m p o antes d e recuperar inteiramente seu equilíbrio mental, mas que, desde então, "gozou de plena saúde" (p.
30), o q u e não é b e m verdade, s e g u n d o pesquisas recentes. Freud, por sua vez, d e u várias versões sobre o fim
d a análise d e A n n a O. Muito t e m p o depois, ele declarou q u e a cura fora interrompida porque Breuer não
suportou a transferência a m o r o s a d e sua paciente e fugiu, conforme escreveu mais tarde: "Apavorado, como
qualquer médico não-psicanalista teria ficado em um caso como esse, ele fugiu, abandonando sua paciente a
um colega" [caria a Stefan Zweig d e 2 d e j u n h o d e 1932]. E m sua biografia de Freud, Jones (1953-1957) retoma
u m a dessas versões: no último dia d o tratamento, s e g u n d o ele, Breuer teria sido c h a m a d o à cabeceira d e A n n a
O. o n d e a encontrou e m plena crise histérica, simulando o parto d e u m a criança q u e dizia ter tido c o m ele.
Breuer teria fugido e viajado no dia seguinte c o m sua esposa para Veneza, o n d e conceberiam u m a filha.
Pesquisas históricas posteriores estabeleceram que, na realidade, a versão amplamente difundida por J o n e s foi
u m a construção posterior por parte de Freud e q u e não corresponde aos fatos. Assim, Hirschmúller (1978)
mostrou q u e Breuer continuou tratando d e sua paciente depois d e concluir a cura catártica. O q u e houve, d e
fato, foi q u e certas manifestações d a d o e n ç a d e A n n a O. persistiram; além disso, ela sofria d e dores nevrálgicas
d o nervo trigêmeo q u e foram tratadas à base d e morfina, o q u e causou u m a dependência. Em julho d e 1882, ele
Continua 0
24 Jean-Michel Q u i n o d o z
PÓS-FREUDIANOS • Continuação
pressão das minhas mãos. No momento em que a surge em cada traumatismo sexual" ( p . 1 0 6 ) . E m
pressão parar, você verá alguma coisa à sua frente u m a n o t a acrescentada e m 1924, F r e u d r e v e l a
ou passará uma ideia por sua cabeça que é preciso q u e não s e t r a t a v a d o "tio" d a m e n i n a , m a s d e
captar, é ela que vamos perseguir. E então, você viu s e u próprio p a i ( p . 1 0 6 , n . 1 ) .
ou pensou?"' ( p . 8 6 ) . E s s e t r a t a m e n t o c o n f i r m o u
a hipótese d e q u e a lembrança d e u m i n c i d e n t e
" S r t a . E l i s a b e t h v o n R." ( F r e u d ) : P r i m e i r a
esquecido, mas fielmente conservado n a m e -
análise completa de u m caso de histeria
mória, está n a o r i g e m d o e f e i t o patogênico d o s
s i n t o m a s histéricos. T r a t a - s e d e u m c o n f l i t o O quarto caso descrito por F r e u d é o d e
psíquico, q u a s e s e m p r e d e n a t u r e z a s e x u a l , c u j o u m a moça d e o r i g e m húngara, d e 2 4 a n o s ,
e f e i t o patogênico s e d e v e a q u e u m a i d e i a i n - Elisabeth v o n R. - cujo verdadeiro n o m e era
compatível é "reprimida do consciente e exclui a I l o n a W e i s s -, q u e ele t r a t o u d o o u t o n o d e 1892
elaboração associativa" ( p . 9 1 ) . N e s s e c a s o , o s s i n - a j u l h o d e 1 8 9 3 . A moça s o f r i a há d o i s a n o s d e
tomas foram eliminados no m o m e n t o e m que d o r e s v i o l e n t a s n a s p e r n a s e d e distúrbios i n e x -
F r e u d descobriu que M i s s L u c y R. se apaixo- plicáveis d a m a r c h a , distúrbios q u e t i n h a m
n a r a s e c r e t a m e n t e p o r s e u patrão e e m q u e e l a aparecido pela p r i m e i r a v e z q u a n d o ela c u i d a -
a d m i t i u t e r r e p r i m i d o e s s e a m o r p o r q u e não v a de seu p a i doente. P o u c o antes d a m o r t e de
t i n h a esperança. s e u p a i , s u a irmã f i c o u d o e n t e e também m o r -
r e u , e essas d u a s perdas t i v e r a m u m p a p e l
determinante n acausa d asintomatologia. O
"Katharina" (Freud)a Relato d e u m a t r a t a m e n t o s e d e s e n v o l v e u e m três f a s e s , s e g u n -
breve terapia psicanalítica d o F r e u d . A p r i m e i r a fase f o i d o m i n a d a pela
i m p o s s i b i l i d a d e d e estabelecer c o m essa pa-
N e s s e r e l a t o , F r e u d f a z u m a demonstração
c i e n t e u m a relação e n t r e s e u s s i n t o m a s e a c a u -
curta ebrilhante sobre opapel dos t r a u m a t i s m o s
s a d e s e n c a d e a n t e . E l a s e m o s t r o u refratária à
s e x u a i s n a o r i g e m d o s s i n t o m a s histéricos. E s s e
h i p n o s e e F r e u d s e c o n t e n t o u e m mantê-la d e i -
tratamento desenvolve-se e m f o r m a de u m a en-
tada, c o m os olhos fechados, m a s c o m os m o v i -
trevista d e a l g u m a s h o r a s entre F r e u d e essa
m e n t o s livres. A despeito das tentativas d e
moça d e 1 8 a n o s , a q u e m e l e c o n c e d e u u m a c o n -
F r e u d , não s e p r o d u z i a o e f e i t o terapêutico e s -
sulta i m p r o v i s a d a d u r a n t e u m passeio e m suas
férias n a m o n t a n h a , e m a g o s t o d e 1 8 9 3 . K a t h a r i - p e r a d o . Então e l e r e c o r r e u a o p r o c e d i m e n t o p o r
na era filha d adona d a estalagem e, sabendo pressão d a mão s o b r e a cabeça, p e d i n d o - l h e q u e
q u e F r e u d e r a médico, p e r g u n t o u - l h e s e p o d e - falasse o q u e l h e viesse à m e n t e . O p r i m e i r o
r i a ajudá-la a r e s o l v e r s i n t o m a s d e sufocação p e n s a m e n t o d e E l i s a b e t h v o n R . f o i a lembrança
a c o m p a n h a d o s d a visão d e u m r o s t o a s s u s t a - de u m rapaz p o r q u e m se a p a i x o n o u q u a n d o
d o r . E m s e u s diálogos, r e p r o d u z i d o s f i e l m e n t e seu pai estava doente. D e v i d o à gravidade d o
p o r F r e u d , Katharina l e m b r o u que seus sinto- estado de seu pai, ela renunciara d e f i n i t i v a m e n -
m a s t i n h a m começado d o i s a n o s a n t e s , q u a n d o t e a e s s e a m o r . E l a s e l e m b r o u também q u e n o
p r e s e n c i o u u m a relação s e x u a l e n t r e s e u " t i o " e m o m e n t o e m que apareceu o conflito interno,
sua p r i m a Franziska, oque adeixara profunda- s u r g i u a d o r nas pernas - m e c a n i s m o caracte-
m e n t e c h o c a d a . E s s a lembrança r e c o r d o u a rístico d a conversão histérica, s e g u n d o F r e u d .
K a t h a r i n a q u e e s s e " t i o " já t e n t a r a s e d u z i - l a vá- O despertar desse fracasso a m o r o s o l e v o u a q u e
rias vezes, q u a n d o ela t i n h a 14 anos. F r e u d ob- a própria p a c i e n t e d e s c o b r i s s e o m o t i v o d e s u a
s e r v a q u e , após o r e l a t o d o s f a t o s , a moça s e s e n - p r i m e i r a conversão: "A doente surpreendeu-me
te a l i v i a d a , pois, s e g u n d o suas palavras, a histe- primeiro ao dizer que agora sabia por que razão as
r i a f o i "em grande medida ab-reagida" ( p . 1 0 4 ) . dores partiam sempre de um determinado ponto da
F r e u d v i u n i s s o a confirmação d e s u a t e s e : "A coxa direita e eram sempre mais violentas ali. Era
angústia que Katharina sente nesse acesso é uma an- justamente o lugar onde todas as manhãs seu pai
gústia histérica, isto é, a repetição da angústia que repousava sua perna muito inchada quando ela tro-
26 Jean-Michel Q u i n o d o z
PÓS-FREUDIANOS
"A h i s t e r i a c e m a n o s d e p o i s "
C o m o os psicanalistas v ê e m a histeria atualmente? Ela desapareceu? Ainda s a b e m o s c o m o diagnosticá-la
hoje? Essas perguntas foram feitas por E. Nersessian (New York) aos participantes de u m a m e s a r e d o n d a
intitulada "A histeria c e m anos depois" durante o Congresso Internacional de Psicanálise realizado e m San
Francisco, e m 1995. S e g u n d o o relato d e J.-M. Tous (1996), os debates deram u m a ideia geral das principais
posições contemporâneas, q u e resumimos brevemente aqui.
Hoje, a maioria d o s psicanalistas c o n c o r d a e m q u e a histeria repousa e m u m a m p l o leque d e patologias q u e
vai d a neurose à psicose, p a s s a n d o pelos estados borderline e narcisísticos graves. C o n t u d o , d o p o n t o d e
vista d a a b o r d a g e m terapêutica, há d u a s tendências principais q u e se d e s t a c a m , u m a representada por
psicanalistas franceses e outra por psicanalistas ligados à escola inglesa.
Para Janine Chasseguet-Smirgel (Paris), é essencial que o psicanalista não perca de vista a dimensão sexual d a
histeria e q u e não se limite a pensar que ela se fundamenta unicamente e m u m a patologia arcaica pré-genital.
Evidentemente, a autora reconhece que o psicanalista muitas vezes se confunde diante da profusão d e fenóme-
nos clínicos que enfrenta c o m esse tipo de pacientes que evocam u m a grande variedade de patologias primitivas.
Mas, segundo ela, não se trata d e minimizar o papel que tem a interpretação dos conflitos edipianos e d a culpabi-
lidade e m face dos ataques destrutivos e m relação à mãe. Quando se focaliza a atenção apenas nos aspectos
arcaicos, há u m risco muito grande de diluir a histeria c o m o entidade clínica estreitamente ligada à identidade
sexual e no nível edipiano. J. Chasseguet-Smirgel diz ainda que não é a única a manifestar esse tipo d e preocupa-
ção, pois outros psicanalistas d a escola francesa, c o m o A. Green e J. Laplanche, manifestam o m e s m o temor.
Entretanto, ela considera que a histeria pertence ao "reino das mães", na medida e m que o útero e a gravidez estão
altamente implicados, seja na fantasia ou na realidade. Por essa razão, ela insiste no fator biológico na histeria: ele
não deve ser subestimado, pois se trata de u m a patologia psíquica que tem c o m o cenário o corpo. A o reafirmar o
papel desempenhado pela dimensão corporal, J. Chasseguet-Smirgel se demarca de outros psicanalistas, q u e
privilegiam a linguagem em detrimento d o corpo.
Eric Brenman (Londres), representante d a escola inglesa, expõe u m a posição teórica e clínica muito diferente.
Ele sustenta a ideia de que, já e m suas primeiras relações d e objeto, a criança pequena cria defesas contra as
angústias q u e determinarão a maneira c o m o irá geri-las na idade adulta. S e m dúvida, E. Brenman reconhece
q u e a sexualidade d e s e m p e n h a u m papel capital na histeria, mas, para ele, o que predomina e m u m paciente
histérico é a luta incessante q u e trava contra angústias primitivas. Ele descreve c o m o esses pacientes a g e m na
transferência para a realidade psíquica d o psicanalista e c o m o p r o c e d e m e m face das angústias arcaicas, q u e
são sentidas c o m o angústias catastróficas e c o m o perigos inexistentes. Geralmente, observam-se neles clivagens
determinantes de estados psíquicos q u e d e c o m p õ e m t o d o s os níveis d e sua vida psíquica. Por exemplo, os
pacientes histéricos procuram relações c o m objetos ideais, mas se d e c e p c i o n a m tão logo entram e m contato
c o m eles e, por isso, transitam permanentemente d e u m extremo a outro. Para E. Brenman, a histeria se deve,
antes d e tudo, a distúrbios psicóticos graves. Contudo, e m c e m anos, a psicanálise evoluiu na c a p a c i d a d e d e
conter as angústias psicóticas e d e elaborá-las, d e m o d o q u e hoje esses pacientes dispõem de melhores meios
para superar suas angústias e enfrentar as vicissitudes d a existência.
uma pedra que tem horror do vermelho. Ele absorve todas as outras cores do prisma e guarda-as para ele.
Rejeita o vermelho, eéo que nos permite ver" (p. 925). Do m e s m o m o d o q u e o rubi, a histeria "cintila", diz J .
Schaeffer: "Haverá uma melhor ilustração do que o histérico nos permite ver: seu horror pelo vermelho, pela
sexualidade, pela exibição de seu traumatismo? (...) Subterfúgio do ego que consiste em pôr adiante, em
mostrar o que é mais ameaçador e mais ameaçado, o que é estranho, detestado, o que faz mal, e agredir com
o que agride. Será que existe então, como para o rubi, algo precioso a guardar tão bem escondido?" (p. 925).
PÓS-FREUDIANOS
B I O G R A F I A S E Hl 5TÓRIA
Continua £
96 Jean-Michel Q u i n o d o z
DESCOBERTA DA OBRA
O r e l a t o d e F r e u d contém d u a s p a r t e s : u m a F r e u d e n c o n t r a n a s anotações f e i t a s p e l o p a i
c u r t a introdução, q u e reúne a s observações f e i - a confirmação d o i n t e r e s s e p a r t i c u l a r m e n t e i n -
tas p e l o p a i d o " p e q u e n o H a n s " q u a n d o ele t e n s o d e s s e m e n i n o p o r s e u próprio c o r p o , e
t i n h a e n t r e 3 e 5 a n o s , período q u e p r e c e d e u o s o b r e t u d o p o r s e u pênis q u e e l e c h a m a d e s e u
aparecimento da fobia; e u m a segunda parte, "faz-xixi". E s s e órgão é o b j e t o d e u m a c u r i o s i -
que relata o d e s e n v o l v i m e n t o da cura, segui- d a d e i l i m i t a d a e c o n s t i t u i p a r a ele u m a fonte
d o d e comentários d e F r e u d . d e p r a z e r e d e angústia. P o r i s s o , não p a r a d e
Transcritas fielmente por seu pai, as pala- f a z e r p e r g u n t a s às p e s s o a s d e s e u convívio:
v r a s d i t a s p e l o m e n i n o s o b r e questões s e x u a i s "Papai, você também tem um faz-xixi?", i n d a g a
d e m o n s t r a r a m q u e a cabeça d o " P e q u e n o ao pai, que responde afirmativamente.M a s as
H a n s " e s t a v a t o m a d a d e preocupação p e l o s r e s p o s t a s q u e r e c e b e às v e z e s são ambíguas, s o -
e n i g m a s d a sexualidade sob todas a s suas b r e t u d o q u a n d o s e t r a t a d e questões r e l a c i o n a -
f o r m a s . Além d i s s o , o q u e s e o b s e r v o u n e s s a d a s à s u a mãe e às m e n i n a s . U m d i a , e n q u a n t o
criança p o d i a s e r g e n e r a l i z a d o a t o d a s a s c r i a n - o b s e r v a s u a mãe s e d e s p i n d o , e l a l h e p e r g u n -
ças d e s d e s e u s p r i m e i r o s a n o s , e não s e t r a t a - t a : "O que você está olhando desse jeito?" - "Eu só
v a d e u m c a s o patológico. F i n a l m e n t e , e s s a s quero ver se você também tem um faz-xixi" - "En-
observações f e i t a s e m H a n s v i n h a m f u n d a - tão, r e s p o n d e a mãe, isso quer dizer que você não
m e n t a r hipóteses q u e F r e u d f o r m u l a r a e m Três sabia?" ( 1 9 0 9 b , p . 9 6 [8]). E m s u a r e s p o s t a a m -
ensaios sobre a teoria da sexualidade s o b r e a e x i s - bígua, será q u e a mãe d e H a n s q u i s d i z e r s i m -
tência d e u m a s e x u a l i d a d e i n f a n t i l , hipóteses p l e s m e n t e q u e e l a t i n h a u m orifício p a r a u r i -
que tinha deduzido essencialmente apartir de n a r , o u d e u a e n t e n d e r q u e também t i n h a u m
lembranças s u r g i d a s d u r a n t e a análise d e p a - pênis? P a r a F r e u d , é a s e g u n d a p o s s i b i l i d a d e
cientes adultos. q u e t e m m a i s importância a o s o l h o s d o m e n i -
L e r F r e u d 139
PÓS-FREUDIANOS
Continua Q
L e r F r e u d 143
£ Continuação
causalidade psíquica pela filogênese, c o m o sustenta, entre outros, D. Braunschweig (1991), ainda q u e não se
d i s p o n h a d e conhecimentos suficientes no q u e se refere às bases biológicas sobre as quais se efetua u m a
transmissão filogenética. Estou certo d e q u e Bion abriu u m c a m i n h o na psicanálise ao introduzir a n o ç ã o d e
"preconcepção", q u e ele entende c o m o u m a capacidade inata d e ter experiências psicológicas. A p r e c o n c e p ç ã o
ainda "não experimentada" espera unir-se a u m a "realização", a partir d a qual se torna u m a " c o n c e p ç ã o " .
H á a l g u m a s d é c a d a s , contata-se u m interesse c r e s c e n t e p e l o s t r a b a l h o s psicanalíticos p ó s - f r e u d i a n o s
a c e r c a d e u m a s p e c t o particular d a t r a n s m i s s ã o , a t r a n s m i s s ã o t r a n s g e r a c i o n a l , f e n ó m e n o o b s e r v a d o c o m
f r e q u ê n c i a e m clínica. Essa t r a n s m i s s ã o se d e s e n v o l v e através d e p r o c e s s o s psíquicos d e identificação
i n c o n s c i e n t e , p a s s a n d o s u c e s s i v a m e n t e d e u m a g e r a ç ã o a outra, e t o m a n d o c a m i n h o s diferentes d a q u e -
les p o s t u l a d o s na f o r m a d e t r a n s m i s s ã o filogenética.
De resto, a c h o q u e seria desejável q u e os psicanalistas se i n s p i r a s s e m i g u a l m e n t e e m f e n ó m e n o s d e
t r a n s m i s s ã o d a pulsão q u e se verifica n o s animais, c o m o Freud s u g e r e e m 1939 e m Moisés e o monoteísmo.
D e s s e p o n t o d e vista, estou c o n v e n c i d o d e q u e os psicanalistas c o n t e m p o r â n e o s tirariam proveito d e u m
m e l h o r c o n h e c i m e n t o d a s d e s c o b e r t a s recentes d a e t n o l o g i a q u e n ã o d o m i n a m suficientemente, e q u e
e s s e s n o v o s d a d o s c o n t r i b u i r i a m para a p r o x i m a r disciplinas c o m p l e m e n t a r e s q u e t ê m c o m o objetivo c o -
m u m c o n h e c e r melhor a natureza h u m a n a (R. S c h a e p p i , 2 0 0 2 ) .
• "REPRESSÃO" (1915d)
As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1915d), "Le refoulement", t r a d . J . Laplanche
e J.-B. Pontalis, in Metapsychologie, Paris, Gallimard, 1968 , p. 45-63 [as páginas indicadas entre colchetes
remetem ás OCF.P, XIII, p. 187-201].
O q u e é u m afeto?
Q u a n d o se procura definir o q u e é u m afeto, logo se t o p a c o m problemas complexos, pois esse é u m t e r m o q u e
a s s u m e significados muito diversos e m psicanálise. O afeto é u m a noção presente d e s d e o início e m Freud, e
ele a utiliza e m duas acepções principais: e m sentido amplo, o afeto designa u m estado emocional e m geral, d e
qualidade e intensidade variáveis, enquanto e m sentido estreito o afeto constitui a expressão quantitativa d a
pulsão, e m u m a teoria q u e leva e m conta a intensidade d a energia pulsional. É e m Estudos sobre a histeria
(1895d) q u e o afeto adquire u m a importância central, na m e d i d a e m q u e Freud atribui a origem d o s sintomas a
Continua Q
160 Jean-Michel Q u i n o d o z
u m "afeto imobilizado" q u e não p ô d e ser descarregado. A finalidade d a ação terapêutica é a descarga dessa
e m o ç ã o c o m a volta d e u m acontecimento traumático esquecido, descarga q u e constitui a ab-reação. Desde
então, Freud atribui dois destinos diferentes à representação e ao afeto, e destacará a d i m e n s ã o e c o n ó m i c a d o
afeto referindo-se a "quantum d e afeto" e m Artigos sobre metapsicologia e m 1915.
Posteriormente, a n o ç ã o d e afeto terá u m a extensão mais a m p l a , p a s s a n d o a e n g l o b a r u m a g r a n d e varie-
d a d e d e afetos, c o m o a a n g ú s t i a , o luto, o s e n t i m e n t o d e c u l p a , o a m o r e o ó d i o , e t c , s o b r e t u d o a partir d e
Inibições, sintomas e ansiedade (1926d). A p e n a s a l g u n s d e s s e s efeitos serão o b j e t o d e e s t u d o s mais
d e t a l h a d o s p o r parte d e F r e u d , q u e estabelecerá u m a estreita relação entre eles e o d e s e n v o l v i m e n t o d o
ego, s e n d o q u e p a r a ele o e g o é v e r d a d e i r a m e n t e o lugar d o afeto. C o n t u d o , se a n o ç ã o d e afeto adquiriu
u m a a c e p ç ã o q u e ultrapassa a m p l a m e n t e a perspectiva energética c o m p r e e n d i d a n a e x p r e s s ã o " q u a n t u m
d e afeto", ela a i n d a está l o n g e d e ser explicitada n a teoria psicanalítica atual.
PÓS-FREUDIANOS
Continua Q
170 Jean-Michel Q u i n o d o z
PÓS-FREUDIANOS • Continuação
Continua Q
L e r F r e u d 171
0 Continuação
£ BIOGRAFIAS E HISTÓRIA
Um m a n u s c r i t o inédito d e s c o b e r t o e m 1983
Esse ensaio o c u p a u m a posição especial, pois foi descoberto casualmente e m 1983 por I. Grubrich-Simitis nos
d o c u m e n t o s confiados por Ferenczi a M. Balint, a c o m p a n h a d o d a carta d e Freud d e 28 d e julho d e 1915 e m q u e
ele pedia s u a opinião. Trata-se d o e s b o ç o d o d é c i m o s e g u n d o ensaio d e Artigos sobre metapsicoíogia, do
próprio p u n h o d e Freud, o único q u e escapou d o s sete ensaios não publicados d a o b r a q u e ele projetara. Dos
12 ensaios q u e deviam c o m p o r esse livro, Freud só lançou os cinco primeiros e m 1915 e 1917, s o b a forma de
artigos d e revista. M a s s u a correspondência revela q u e ele havia escrito os outros sete e supunha-se q u e os
tivesse destruído. Foi por isso q u e a descoberta d e "Visão de conjunto das neuroses de transferência" causou
surpresa
Nesse ensaio, q u e t e s t e m u n h a s u a estreita c o l a b o r a ç ã o c o m Ferenczi, Freud d á c o n t i n u i d a d e a o t e m a d a
filogênese e s b o ç a d a e m Totem e tabu (1912-1913a), t e m a q u e d e s d e então p e r p a s s a r á t o d a s u a obra.
S e g u n d o ele, a v i d a p s í q u i c a d o h o m e m d e hoje traz m a r c a s indeléveis d e u m a h e r a n ç a arcaica, e aquilo
q u e se c o n s i d e r a c o m o as fantasias originárias d a realidade psíquica n ã o é s e n ã o a m a r c a d e i x a d a por
a c o n t e c i m e n t o s t r a u m á t i c o s reais, q u e r e m o n t a m a é p o c a s pré-históricas c o m o a era glacial.
DESCOBERTA DA OBRA
As páginas indicadas r e m e t e m a o texto publicado e m S. Freud (1985a [1915]), "Vue d ' e n s e m b l e sur les
névroses d e transfert, U m essai m é t a p s y c h o l o g i q u e " , edição bilíngue d e u m manuscrito e n c o n t r a d o e edita-
d o por I. Grubrich-Simitis, trad. R Lacoste, s e g u i d o d e " C o m m e n t a i r e s " d e I. Grubrich-Simitis e R Lacoste,
Paris, Gallimard-NRF, 1986 [as páginas indicadas entre colchetes remetem ás OCF.R XIII, p. 279-300].
Do m a s o q u i s m o perverso ao m a s o q u i s m o primário ou
erógeno, protetor d o indivíduo contra a autodestruição
BIOGRAFIAS E H STORIA
DESCOBERTA DA OBRA
Continua Q
L e r F r e u d 237
4) Continuação
feminino, evidentemente somos tentados a entender 'masoquismo da mulher', mas, no âmbito da teoria da
bissexualidade, o masoquismo feminino é uma possibilidade imanente a todo ser humano" (1967, p. 232).
De m a n e i r a geral, encontra-se ao l o n g o d e t o d a o b r a d e Freud u m a a m b i g u i d a d e q u a n t o à natureza d a
f e m i n i l i d a d e , d e s d e a o p o s i ç ã o ativo/passivo e m a s c u l i n o / f e m i n i n o m e n c i o n a d a e m Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade (1905d), até e m seus escritos tardios, e m q u e ele persiste e m ligar explicitamente, d e
u m lado, atividade e m a s c u l i n i d a d e , e, d e outro, passividade e m a s o q u i s m o feminino. C o n t u d o , e m A/ovas
conferências introdutórias sobre psicanálise (1933a), essa o p o s i ç ã o entre os dois sexos é a t e n u a d a .
C R O N O L O G I A DO:S C O N C E I T O S F R E U D I A N O S
• "A P E R D A D A R E A L I D A D E N A N E U R O S E E N A P S I C O S E " ( 1 9 2 4 e )
• "A N E G A T I V A " ( 1 9 2 5 h )
F r e u d d e f i n i u a negação c o m o u m p r o c e d i - A função d e j u l g a m e n t o t e m o u t r a s d u a s c a -
m e n t o utilizadopelo paciente quanto surge, d u - racterísticas. A p r i m e i r a é s e p r o n u n c i a r s o b r e
r a n t e a análise, u m p e n s a m e n t o , u m d e s e j o o u u m a p r o p r i e d a d e q u e é, o u não é, a q u i l o q u e
u m s e n t i m e n t o q u e e l e n e g a q u e l h e pertença: se p o d e e x p r e s s a r e m l i n g u a g e m p u l s i o n a l p o r :
"Compreendemos que é a devolução, por projeção, isso e u q u e r o c o m e r o u c u s p i r , o u i s s o d e v e es-
de uma ideia incidente que acaba de emergir". P o r t a r e m m i m o u f o r a d e m i m , o q u e provém d o
e x e m p l o : "'Você pergunta quem pode ser essa pes- "ego de prazer original". A s e g u n d a decisão a s e r
soa no sonho. Minha mãe não é.' Nós retificamos: t o m a d a p e l o j u l g a m e n t o d i z r e s p e i t o à existên-
portanto é sua mãe" ( p . 1 3 5 [167]). A negação é cia r e a l de u m a coisa r e p r e s e n t a d a , o q u e p r o -
também u m m e i o p a r a q u e u m conteúdo r e - vém d a p r o v a d e r e a l i d a d e . E s s a s d u a s funções
p r i m i d o - u m desejo, u m sentimento o u u m estão e s t r e i t a m e n t e l i g a d a s : "O não-real, o sim-
p e n s a m e n t o - p o s s a a b r i r c a m i n h o até a c o n s - plesmente representado, o subjetivo, está apenas den-
ciência, a s s i n a l a F r e u d , m a s c o m a condição d e tro; o outro, o real, também está presente f o r a " ( p .
s e f a z e r negar. A q u i é necessária u m a o b s e r v a - 1 3 7 [169]). D a d o q u e , o r i g i n a l m e n t e , a s p e r c e p -
ção d e o r d e m terminológica, p o i s , e m língua ções são t o d a s o r i u n d a s d e percepções a n t e r i o -
alemã, o t e r m o Verneinung d e s i g n a a o m e s m o r e s , a existência d a representação já é u m a g a -
t e m p o a negação n o s e n t i d o lógico o u linguís- rantia da realidade d o representado, isto por-
t i c o d o t e r m o e a negação n o s e n t i d o psicológi- q u e : "A finalidade primeira e imediata da prova de
c o , i s t o é, a r e c u s a d e u m a afirmação já f e i t a ( A . realidade não é, portanto, encontrar na percepção
B o u r g u i g n o n , P . C o t e t , J. L a p l a n c h e e F . R o b e r t , real um objeto correspondente ao representado, mas
1898, p. 122). reencontrá-lo, convencer-se de que ele ainda está
F r e u d o b s e r v a q u e a negação é u m a m a n e i - presente" ( p . 1 3 8 [169-70]). O j u l g a m e n t o c o n s -
ra de t o m a r c o n h e c i m e n t o d o inconsciente, m a s t i t u i p a r a F r e u d a ação i n t e l e c t u a l q u e v a i d e c i -
i s s o não s i g n i f i c a a i n d a q u e s e a c e i t e o r e p r i m i - d i r a e s c o l h a d a ação m o t r i z , i s t o é, o f a t o r
d o . E a s s i m q u e s e p o d e d i s t i n g u i r a função d e t e r m i n a n t e q u e "leva a passagem do pensar ao
intelectual d o julgamento d o processo afetivo. agir" ( p . 1 3 8 [170]). F i n a l m e n t e , e l e r e l a c i o n a a
Q u a n d o o paciente n e g a qualquer coisa n o jul- p o l a r i d a d e "inclusão no ego - expulsão para fora
g a m e n t o , n o f u n d o ele q u e r dizer: é isso q u e e u do ego" a o c o n f l i t o e n t r e pulsão d e v i d a e pulsão
g o s t a r i a d e r e p r i m i r , d e m o d o q u e d i z e r não s e d e m o r t e : "A afirmação - como substituto da uni-
t o r n a u m s i n a l d e demarcação d o q u e é r e p r i - ficação - pertence ao Eros, enquanto a negação -
m i d o , "um certificado de origem comparável ao sucessora da expulsão - pertence à pulsão de des-
'made in Germany'" ( p . 1 3 6 [168]). Só é possível truição. O prazer generalizado da negação, o ne-
o p e r a r a função d o j u l g a m e n t o m e d i a n t e a c r i a - gativismo de tantos psicóticos, possivelmente deva
ção d o "símbolo de negação" q u e p e r m i t e a o p e n - ser compreendido como indicador da separação das
s a m e n t o u m p r i m e i r o g r a u d e independência pulsões pela retirada dos componentes libidinais"
e m relação às consequências d a repressão. ( p . 1 3 9 [170]).
L e r F r e u d 269
goso para a vida mental da criança, mas nos adultos l i s t a s m u l h e r e s , e também d o s h o m e n s : "A se
criaria uma psicose" ( p . 1 2 7 [196]). levar em conta uma sondagem analítica isolada,
nessa nova situação podem se produzir sensações
corporais que devem ser consideradas como um
A inveja d o p ê n i s na m e n i n a despertar prematuro do aparelho genital feminino"
( p . 1 3 0 [199]).
A i n v e j a d o pênis t e m d i v e r s a s consequên-
c i a s psíquicas p a r a a m e n i n a . R e v e l a u m s e n -
t i m e n t o d e i n f e r i o r i d a d e que ela sente c o m o Complexo de Édipo diferente
u m a "ferida narcísica" e c o m o u m a "punição no menino e na menina
pessoal", c h e g a n d o a c o m p a r t i l h a r e m relação
a e l a própria o d e s p r e z o d o h o m e m p e l a m u - F r e u d c h e g o u a u m a série d e conclusões.
l h e r . A i n v e j a d o pênis r e v e l a i g u a l m e n t e a P r i m e i r a m e n t e , e l e vê u m a oposição f u n d a -
ciúme p a r t i c u l a r d a m u l h e r e s e a s s o c i a à f a n - m e n t a l entre os dois sexos n o q u e se refere ao
t a s i a masturbatória d a criança e s p a n c a d a c o m p l e x o d e Édipo e a o c o m p l e x o d e c a s t r a -
( F r e u d , 1 9 1 9 e ) . U m a o u t r a consequência p a r a ção: n o m e n i n o , o c o m p l e x o d e Édipo é s e g u i -
a m e n i n a é "o relaxamento da relação terna com a d o d a ameaça d e castração q u e d e p o i s o f a z d e -
mãe enquanto objeto" ( p . 1 2 8 [198]), mãe q u e s a p a r e c e r , e n q u a n t o n a m e n i n a é a castração
frequentemente é responsabilizada pela falta q u e p r e c e d e o c o m p l e x o d e Édipo e t o r n a p o s -
d o pênis. F i n a l m e n t e , o f a t o r m a i s d e t e r m i - sível s u a aparição e m u m s e g u n d o m o m e n t o :
n a n t e , s e g u n d o F r e u d , está l i g a d o à importân- " E n q u a n t o o c o m p l e x o de Édipo desaparece sob
c i a q u e a s s u m e a masturbação c l i t o r i a n a c o m o o efeito do c o m p l e x o de castração, o d a m e n i -
a t i v i d a d e m a s c u l i n a , p o i s e s t a c r i a obstáculo n a se t o r n a possível e é i n t r o d u z i d o p e l o c o m -
ao d e s e n v o l v i m e n t o da m u l h e r . Pouco depois p l e x o de castração" ( p . 1 3 0 [200]). I s s o s i g n i f i c a
d a f a s e d e i n v e j a d o pênis l i g a d a à f a s e fálica, que, para Freud, o desenvolvimento sexual do
a m e n i n a começa a s e r e v o l t a r c o n t r a o o n a - h o m e m e d a m u l h e r r e s u l t a d a diferença
n i s m o clitoriano, e é a revolta contra o fato de anatómica e n t r e o s s e x o s e d a s consequências
não s e r u m m e n i n o q u e a c o n d u z à f e m i n i l i - psicológicas q u e e n v o l v e m a questão d a c a s t r a -
ção: e l a c o r r e s p o n d e à diferença e n t r e "a castra-
d a d e : "É assim que o reconhecimento de uma di-
ção realizada" - i s t o é, r e a l - n a m e n i n a e "a sim-
ferença anatómica entre os sexos afasta a menina
ples ameaça de castração" - i s t o é, f a n t a s i a d a - n o
da masculinidade e do onanismo masculino e a co-
m e n i n o ( p . 1 3 0 [200]). M a i s u m a v e z , s e a f a l t a
loca em outros caminhos que levam ao desenvolvi-
d o pênis c o n s t i t u i u m a s p e c t o i m p o r t a n t e d o
mento da feminilidade" ( p . 1 3 0 [199]). É s o m e n -
desenvolvimento d apsicossexualidade tanto
t e então q u e o c o m p l e x o d e Édipo e n t r a e m
d a m e n i n a c o m o d o m e n i n o , F r e u d não s e dá
j o g o n a m e n i n a . E m v i r t u d e d a "(...) equação
conta d eoutro aspecto igualmente i m p o r t a n -
simbólica: pênis = filho" , a m e n i n a r e n u n c i a à
1
t e , i s t o é, q u e e x i s t e m e l e m e n t o s específicos l i -
i n v e j a d o pênis "para substituí-lo pelo desejo de
g a d o s à f e m i n i l i d a d e , a o s órgãos f e m i n i n o s e
um filho e, com esse desígnio, ela toma o pai como
às f a n t a s i a s l i g a d a s a i s s o .
objeto de amor. A mãe se torna objeto de seu ciú-
me; a menina vira mulher" ( p . 1 3 0 [199]). A q u i Finalmente, segundo Freud, o decurso d o
F r e u d i n t r o d u z u m a d a s únicas menções e x - c o m p l e x o d e Édipo d i f e r e n o m e n i n o e n a m e -
plícitas e m s u a o b r a s o b r e a possível existên- n i n a . N o p r i m e i r o , o c o m p l e x o d e Édipo não é
c i a d e sensações e s p e c i f i c a m e n t e f e m i n i n a s , s i m p l e s m e n t e r e p r i m i d o , "ele vai pelos ares lite-
observação q u e s e d e v e , s e m dúvida, à c o n - ralmente sob o choque da ameaça de castração" ( p .
testação s u s c i t a d a p o r s u a s posições "falocên- 1 3 1 [200]) e s e u s o b j e t o s p a r e n t a i s f o r m a m o
tricas", e m particular por parte das psicana- superego. N o que diz respeito ao complexo de
Édipo d a m e n i n a , e l e só s e r i a a b a n d o n a d o m u i -
• "FETICHISMO" (19Í7e)
• "A D I V I S Ã O D O E G O N O P R O C E S S O D E D E F E S A " ( 1 9 4 0 e [ 1 9 3 8 ] )
F r e u d r e t o m a a q u i a ideia de que, desde a ço de uma ferida no ego, ferida que nunca mais será
infância, o e g o p o d e s e r c o n f r o n t a d o c o m e x i - curada, mas aumentará com o tempo. As duas
gências contraditórias e , então r e s p o n d e a o reações ao conflito, reações opostas, se mantêm como
c o n f l i t o m e d i a n t e d u a s reações o p o s t a s : d e u m núcleo de uma clivagem no ego" ( p . 2 8 4 ) . U m a
l a d o , e l e r e c u s a a r e a l i d a d e e não s e p e r m i t e t a l perturbação d o e g o é e s t r a n h a , a c r e s c e n t a
p r o i b i r e m n a d a d e s u a s pulsões; d e o u t r o l a d o , F r e u d , p o i s s e e s p e r a q u e e l e exerça u m a f u n -
reconhece simultaneamente o perigo prove- ção sintética. F r e u d c o n c l u i c o m o c a s o d e u m
n i e n t e d a r e a l i d a d e a s s u m e a angústia s o b f o r - m e n i n o de 3 o u 4 anos que c o n f i r m a seus p o n -
m a d e s i n t o m a . M a s e s s a solução m u i t o hábil tos de vista sobre a clivagem d o ego e o papel
t e m s e u preço: a c l i v a g e m d o e g o irá a u m e n - d o f e t i c h e c o m o s u b s t i t u t o f a n t a s i a d o d o pê-
t a n d o c o m o s a n o s : "O êxito foi atingido ao pre- nis da mulher.
BIOGRAFIAS E HISTORIA
Continua 0