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ISSN Nº 2526-8031 Vol. 3, n. 2, Mai-Ago.

2019

RELAÇÕES IDENTITÁRIAS O ALUNO INDÍGENA NA UNIVERSIDADE

Identary relations the indigenous student at the university

Relaciones identarias el estudiante indígena de la universidad

WELLEN CRYSTINNE SOUSA1


LEILA ADRIANA BAPTAGLIN2

RESUMO
O presente artigo investiga em que situações o aluno indígena faz uso da língua
portuguesa ou indígena e como estas influenciam na sua identidade como índio em um
contexto acadêmico. Além de compreender como o contato linguístico influência na
identidade do aluno indígena em um contexto acadêmico. Fundamentados nas teorias de
HALL (1999), CANCLINI (2003), CAVALCANTI (2007). A metodologia é de caráter
qualitativo. O estudo apontou a influencia e o domínio da língua portuguesa em relação a
língua materna, quanto às línguas indígenas e sua respectiva cultura notamos situações de
medo e conflito da perda da identidade e da cultura indígena, mostrou a maneira de como
as línguas em contato e o hibridismo cultural em que os sujeitos analisados se encontram
influenciam na construção de suas identidades.

PALAVRAS-CHAVE: Identidade; Índio; Não índio; Universidade.

ABSTRACT

1 Graduando em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal de Roraima. E-mail:


wellencryst@gmail.com.
2 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria- UFSM. Mestre em Educação e Mestre em
Patrimônio Cultural ambos pela UFSM. Especialista em Gestão Educacional-UFSM (2007-2008). Graduada em
Desenho e Plásticas- Bacharelado pela Universidade Federal de Santa Maria (2006), Graduada em Desenho e
Plásticas-Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria. Professora/pesquisadora do Curso de Artes
Visuais/Licenciatura da Universidade Federal de Roraima. E-mail: leila.baptaglin@ufrr.br.

Aturá Revista Pan-Amazônica de Comunicação, Palmas, v. 3, n. 2, p. 86-96, Mai-Ago. 2019


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This article investigates in which situations the indigenous student makes use of the
Portuguese or indigenous language and how these influences his identity as an Indian in
an academic context. In addition to understanding how the linguistic contact influences
the identity of the indigenous student in an academic context. Based on the theories of
HALL (1999), CANCLINI (2003), CAVALCANTI (2007). The methodology is qualitative. The
study pointed to the influence and dominance of the Portuguese language in relation to
the mother tongue. Regarding the indigenous languages and their respective culture, we
noted situations of fear and conflict of the loss of indigenous identity and culture, showing
how languages in contact and the cultural hybridism in which the analyzed subjects find
themselves influence in the construction of their identities.

KEYWORDS: Identity; Indian; Not Indian; University

RESUMEN
Este artículo investiga situaciones en las que el estudiante indígena hace uso de la lengua
portuguesa, indígenas y cómo influye en su identidad india en un contexto académico.
Además de comprender cómo el contacto lingüístico influye en la identidad del alumno
indígena en un contexto académico. Basado en las teorías de HALL (1999), CANCLINI
(2003), CAVALCANTI (2007). La metodología es cualitativa. El estudio señaló la influencia y
el dominio de la lengua portuguesa en relación con la lengua materna. En cuanto a las
lenguas indígenas y sus respectivas culturas, observamos situaciones de miedo y conflicto
de la pérdida de identidad y cultura indígenas, mostrando cómo las lenguas en contacto y
el hibridismo cultural en que los sujetos analizados se encuentran influencian en la
construcción de sus identidades.

PALABRAS CLAVE: Identidad; Indio; No Indio; Universidad.

Recebido em: 12.01.2019. Aceito em: 19.03.2019. Publicado em: 01.05.2019.

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Introdução A partir deste questionamento,


Falar sobre identidade é um tema têm-se como objetivo geral compreender
que nos remete as mais diversas áreas de como o contato linguístico influência na
estudo que vai desde a Filosofia, identidade do aluno indígena em um
Antropologia, psicanálise, linguística até contexto acadêmico, e objetivos
linguística aplicada, estes exemplos, são específicos investigar fenômenos
apenas algumas das áreas que tem se decorrentes das relações identitárias do
preocupado com as questões que aluno indígena e suas línguas em
envolvem identidade e que buscam contatos. Observar de que forma o uso
através de estudos, investigar e das línguas influencia na construção de
compreender como a mesma se constrói. sua identidade; demonstrar em que
A identidade é algo concebido por situações o aluno indígena faz uso da
vários teóricos como híbrida, no sentido língua indígena ou portuguesa.
de que a mesma não se constrói Considerando que as comunidades
isoladamente e sim numa mistura em indígenas passam por uma fase sócio
contato com o outro. Hall (1999) fala que cultural e linguística que coloca em jogo
a identidade dentro da sociedade suas identidades, tendo que lidar com a
moderna está em constante mudança, o diversidade em que a sociedade moderna
que faz com que o sujeito também sofra esta inserida é relevante observar os
essa transformação, e forme esse “mix” fatores históricos culturais e os de usos
que constrói sua identidade. da linguagem que contribuem na
Boa Vista é a capital do estado de construção da identidade desse aluno
Roraima, situada na região Norte do indígena dentro da representação social
Brasil, um território que possui grande que é a universidade, e que o mesmo está
parte de terras indígenas e que faz inserido. De acordo com a autora
contato com a tríplice fronteira do país Jovchelovitch, o espaço dividido com o
entre Venezuela e Guyana, fazendo uma outro pode nos levar a questões de
troca cultural permanente do índio em conflitos quando refletimos sobre
contato com o não índio. Neste contexto, identidade e representação: “Os seres
este estudo busca observar as situações humanos podem interrogar a si mesmos
do aluno indígena que faz uso da língua e podem usar diferentes territórios para
portuguesa ou indígena e como estas refletir sobre suas identidades”.
influenciam na sua identidade como índio (JOVCHELOVITCH, 1995, p. 70.)
em um contexto acadêmico?

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Deste modo, a metodologia desse a linguagem como uma forma de


estudo é de caráter qualitativo e se atividade, um trabalho feito pelo homem
desenvolve a partir de leituras teóricas que está socialmente e culturalmente
sobre cultura, linguagem e identidade. O imerso no mundo e é através da
campo de pesquisa é uma universidade linguagem que o mesmo organiza,
pública onde se realizou observação interpreta e dar forma a sua experiência
participante, e aplicação de questionários. cotidiana.
Esta pesquisa se realiza a luz da teoria da De acordo com Woodward (2000)
linguística aplicada, tendo em vista que a a autora fala da linguagem e da
mesma trabalha com o desenvolvimento identidade como algo subjetivo que
do comportamento humano, suas envolve questionamentos sobre quem
relações, sua língua e organização social. somos nós, para a autora:
Nas seções seguintes como forma A subjetividade envolve nossos
sentimentos e pensamentos mais
de concretizar esta pesquisa serão pessoais. Entretanto, nós vivemos nossa
apresentados: a fundamentação teórica; subjetividade em um contexto social no
caminhos da pesquisa, análise e discussão qual a linguagem e a cultura dão
significado à experiência que temos de
dos resultados obtidos, considerações nós mesmos e no qual nós adotamos uma
finais e referências. identidade (WOODWARD 2000, p. 55).

A autora aponta a produção da


Linguagem e identidade
identidade como algo que envolve
Dentro da perspectiva dos estudos
nossos sentimentos e junto desses
culturais que envolvem questões de
sentimentos as questões de cultura e
identidade não podemos esquecer que a
linguagem que estão sendo vivenciados
linguagem é o veiculo de comunicação
por nós a todo instante dentro da nossa
que liga o sujeito ao meio em que ele
sociedade moderna.
esta inserido. Então, neste tópico
Enquanto o autor Silva (2000), traz
abordaremos o que alguns teóricos
questões que envolvem identidade e
apontam sobre questões de linguagem e
diferença na produção social em que
identidade.
estamos imersos. Para ele a identidade
No livro conversas com linguista
depende da diferença e vice-versa, sendo
organizado por Xavier e Cortez (2003),
assim uma inseparável da outra. Sobre a
por exemplo, alguns teóricos são
identidade como um ato linguístico, Silva
questionados sobre que é língua. Um
define que: “A identidade e a diferença
entrevistado diz sobre esse
estão sujeitas a certas propriedades que
questionamento Abaurre (2003), que ver

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caracterizam a linguagem em geral”


(2000, p.77). Caminhos da pesquisa
Para Silva é através da fala que Para este estudo escolhemos uma
estabelecemos a identidade e a diferença universidade pública situada na capital
da maneira como são, a cultura indígena Boa Vista estado de Roraima, escolhemos
possui aspectos que os “diferencia” do 05 (cinco) alunos para participar da
outro como por exemplo, sua língua, de pesquisa dentre eles 02 do sexo
acordo com Cavalcanti (2007) O Brasil masculino e 03 (três) do sexo feminino
abriga mais de 170 línguas nacionais com idade entre 35 e 52 anos.
indígenas esse fato mostra a diferença O presente trabalho percorreu
entre índios e não índios em contato num vários caminhos investigativos que
mesmo país, essa diferença marcada pela levaram até possíveis repostas da
identidade ou pela língua gera certos problemática proposta anteriormente
estereótipos quando questionados quem apresentada entre eles a observação
somos. participativa da sala de aula e um
Cavalcanti ainda cita mais adiante questionário de 8 (oito) perguntas.
que essa pluralidade de línguas inclui o Para a participação dos alunos
Brasil num quadro de bilinguismo ou nesta pesquisa, contamos com a
multilinguíssimo vejamos que quadro é participação voluntaria dos mesmos, e
esse: “Esse quadro cultural e para isso a pesquisadora recolheu as
sociolinguisticamente complexo inclui assinaturas no Termo de Consentimento
complexo inclui o bilinguismo e/ou Livre Esclarecido (TCLE). Utilizou-se
multilinguíssimo, por exemplo, em nomes fictícios para apresentar os
comunidade indígenas e afro- resultados obtidos, sendo que o interesse
descendentes” (CAVALCANTI, 2007, p. da pesquisa são as respostas, mantendo
50). assim a privacidade dos alunos
O Brasil dentro do nosso entrevistados.
panorama linguístico e cultural coloca as
A pesquisa é de natureza
minorias linguísticas dentro de uma
qualitativa, que de acordo com Lakatos e
situação de obrigatoriedade de aprender
Marconi (2011), constitui-se de uma
e falar a língua portuguesa para se
sistemática de coleta de dados que
comunicarem.
também pode ser chamada de pesquisa
É o que veremos a seguir no
de campo que visa: exploração, descrição,
percurso metodológico e na análise dos
compreensão, identificação e
dados desta pesquisa.
generalização do ambiente pesquisado,

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observação qualitativa direta, anotações como uma marcação simbólica e cultural


das observações uso de diário de campo, pela qual se identificam e se comunicam,
aplicação de questionários. de acordo com Woodward (2000) O
individuo assume posições de identidade
A teoria da linguística aplicada (LA)
e se identificam com elas.
é a escolhida para este estudo, por
A terceira pergunta era: Como a
entender que a mesma trabalha com o
língua portuguesa te ajuda em suas
desenvolvimento humano, suas relações,
atividades pessoais, e sociais? Os 05
sua organização social e sua forma de
(cinco) entrevistados responderam que a
utilizar língua(gem). A LA numa
língua portuguesa era necessária para a
perspectiva transdisciplinar se relaciona
comunicação diária com as outras
com as mais variadas áreas do
pessoas e observamos a situação de
conhecimento dentre elas os estudos
hibridismo em que os sujeitos estão
culturais.
imersos vejamos a resposta dada pela
A seguir serão apresentados os
aluna Jacira “... Me ajuda no sentido de
dados e as análises que foram coletadas e
me comunicar com outras pessoas de
interpretadas durante a pesquisa.
outra etnia, ou com os não-indígenas,
porque através da língua portuguesa que
Resultados e análises
nos comunicamos.” o que corrobora com
É notório que o ambiente urbano
Coser (2005) citando Bakthin “hibridação
contribui de forma relevante para a
vem a ser a mistura ou encontro de duas
construção da identidade do aluno
linguagens sociais diversas” (COSER,
indígena. Nesta pesquisa, foram
2005, p. 173).
escolhidos 5 (cinco) alunos que aceitaram
Notamos também a questão da
participar do estudo.
representação social, que de acordo com
A primeira pergunta feita pela
Minayo (1995) se manifesta através de
pesquisadora foi: Onde você aprendeu a
palavras, que devem ser observadas a
falar a língua portuguesa? Os 05 (cinco)
partir da compreensão dos
entrevistados responderam que na escola,
comportamentos sociais através da
a segunda pergunta foi: Você sabe falar a
“linguagem tomada como forma de
língua da sua etnia? Se não por que não
conhecimento e de interação social.”
aprendeu? Todos os entrevistados
(MINAYO, 1995, p.108).
responderam que falam a língua de sua
A quarta pergunta proposta foi: A
etnia com fluência, o que marca e
universidade lhe proporciona o contato
representa suas identidades, percebemos
direto com outras línguas? Para você,
nesta situação a língua sendo usada

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enquanto indígena, quais os pontos sua vida dentro da comunidade? De que


positivos e/ou negativos desse contato maneira? A aluna Carmén responde: “De
diário com a universidade? 04 alunos maneira nenhuma. Para mim estou sendo
responderam que o contato positivo era a fortalecida tanto na minha cultura,
busca por novos conhecimentos. O aluno quanto no meu ensino aprendizagem.”
Antônio respondeu como aspecto O aluno Antônio respondeu: “Sem
negativo: “... Adquirir outras culturas e dúvidas, porque parece que somos
hábitos que não são indígenas muitas obrigados a acompanhar o crescimento
vezes tem aos poucos apagado os do desenvolvimento... São fatores fortes
costumes e muitas outras riquezas que de um jeito ou de outro somos
são tradições milenar.” É perceptível na influenciados.”
fala de Antônio o medo da perda da Para o aluno João: “A língua
identidade indígena ao estar em contato português como é mais usada tem o
com outras culturas o que o coloca em domínio da língua Wapixana/Makuxi que
conflito e que corrobora com Hall (1999) está perdendo o uso na comunicação
ao falar sobre o sujeito pós-moderno entre os jovens. Enquanto a mim não há
reconhecendo-o como não tendo uma necessidade”.
identidade fixa permanente e que por Percebemos a preocupação do
muitas vezes é uma identidade entrevistado na perda das línguas
contraditória. Hall ainda enfatiza que: indígenas sobre o domínio da língua
O sujeito assume identidades diferentes portuguesa a língua é um dos elementos
em diferentes momentos, identidades que
não são unificadas ao redor de um eu
característicos e componentes de uma
coerente. Dentro de nós há identidades identidade, a partir deste discurso é
contraditórias, empurrando em diferentes perceptível as diferenças presentes entre
direções, de tal modo que nossas
identificações estão sendo continuamente a universidade e sua comunidade, nota-se
descoladas (HALL 1999, p.13). a presença do espaço como
representação social. O que Woodward
As colocações de Antônio também
aponta: “diferentes contextos sociais
corroboram com a percepção de Freitas
fazem com que nos envolvamos em
(2007), de que as identidades podem ser
diferentes significados sociais”
conflitantes colocando o sujeito ora pra
(WOODWARD, 2000, p. 30).
assumir uma identidade, ora pra assumir
São esses diferentes significados
outra. E também faz uma reflexão sobre a
que contribuem com o hibridismo
identidade híbrida que constitui o sujeito.
indenitário, influenciando na
A quinta pergunta dizia o seguinte:
Você acha que esse contato influencia na

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representação da identidade do aluno poucos adquirir e se defender e


indígena. sobreviver.”
Cavalcanti (2007) também Percebemos a situação do
corrobora e enfatiza que existe uma hibridismo em que o sujeito está imerso
tendência em conceituar a língua como na sociedade neste caso na universidade,
algo imóvel sendo algo fechado e vejamos a citação de Coser (2005):
somente de um povo: Todas as sociedades são complexas e
Há uma tendência a querer definir a hibridas. O hibridismo não está
língua como algo estático, circunscrito, convenientemente circunscrito às
como uma espécie de referência fechada margens, aos guetos de imigrantes, aos
para o povo, um marcador de identidade, barrios, aos espaços alternativos, ou
de modo que possam distinguir-se dos apenas aos dias atuais. Híbridos somos
demais (CAVALCANTI 2007, p. 57). todos nós, são todas as culturas e todas as
histórias (COSER 2005, p.186).
A entrevistada Ana respondeu:
A sétima pergunta solicitou:
“Não, porque estamos em fase de
Represente duas palavras que lhe
construção identitária.” Reconhecendo-se
remetem a sua comunidade e duas que
como alguém que passa por várias
lhe remetem a universidade? Antônio
identidades, Hall (1999) nos diz sobre
respondeu que lhe lembrava da
situações que nos identificamos:
comunidade: retribuição e legado, mais
Á medida em que os sistemas de
significação e representação cultural se uma vez a forte presença da identidade
multiplicam, somos confrontados por uma como indígena sendo representada, a
multiplicidade concertante e cambiante
de identidades possíveis, com cada uma
palavra legado utilizada por Antônio nos
das quais poderíamos nos identificar – ao remete a algo que é fixado/deixado e que
menos temporariamente (HALL 1999, pode neste caso representar suas
p.13).
expressões culturais tais como:
A sexta pergunta foi: Você acha religiosidade, os rituais, as festas, o
que esse contato influência na sua artesanato etc.
formação enquanto índio? Por quê? 02 O que corrobora com o teórico
(dois) alunos disseram que não, 02 (dois) CANCLINI (2003) retirado do texto
que sim, 01 (um) um pouco. culturas hibrida “Uma identificação
Antônio respondeu: “Sim, profunda com o mundo indígena e
influencia como índio temos que mestiço o esforço para lhe dar um lugar
transmitir os conhecimentos de não dentro da cultura nacional.” (CANCLINI
indígenas e é necessário termos as 2003, p.210) a universidade representa
informações mesmo sendo minorias aos compromisso, o entrevistado não

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respondeu qual seria outra palavra que sendo que mora na comunidade indígena
lhe remetia a universidade. mas que perante a lei são iguais”.
Ana disse que união e Jacira respondeu: “Palavra índio é
compromisso lhe lembravam da muito forte porque nós indígenas temos
comunidade e conhecimento e a nossa identidade diferente do não-
compromisso lhe remetiam a indígena temos costumes e tradições”
universidade. Mais uma vez presença do hibridismo
Neide respondeu que família e identitário que marca a diferença entre
escola indígena lhe remetiam a ser índio e não ser índio COSER nos diz:
comunidade também demonstrando “A reflexão sobre a própria identidade
traços de sua identidade e cultura e que híbrida num universo de classes sociais
leitura e colegas de turmas lhe lembram a separadas por raças e cor” (COSER, 2005
universidade. p.166).
Carmén e João não responderam,
ficaram em silencio e deixaram em Considerações finais
branco. A construção identitária do aluno
A última pergunta propôs: Pra você indígena dentro do contexto em que foi
o que é ser índio? Antônio respondeu: observada neste estudo possibilitou uma
“Ser igual a todos tendo os mesmos abordagem mais minuciosa de como o
direitos, ter liberdade de não se aluno indígena representa sua identidade
preocupar com as coisas. Não ter no ambiente acadêmico, e demonstrou
ambição ser amigo da natureza e das em quais situações eles fazem uso das
pessoas respeitar as pessoas”. línguas de um lado percebemos a grande
Para Carmén ser índio é: “É uma influencia e o domínio da língua
pessoa normal, mas diferente na sua portuguesa que foi aprendida na escola e
cultura, no modo de viver e nos seus é a utilizada nas situações da vida
costumes.” cotidiana dos sujeitos de pesquisa,
João disse: “A questão não é ser principalmente no ambiente universitário
índio e pertencer um - (a pesquisadora em que eles fazem parte.
não conseguiu entender a letra) uma Além do português ser utilizado na
etnia (grifo meu) como, exemplo macuxi”. comunicação com outros grupos
De acordo com Ana: “Ser índio no indígenas pertencentes ou não a outras
meu ponto de vista hoje é qualquer etnias, deixando um pouco de lado as
pessoa, como qualquer outra pessoa suas línguas maternas, em relação às
línguas indígenas e a cultura percebemos

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situações de medo quanto a perda da étnicos diferentes, onde linguistas,


identidade e da cultura indígena, linguistas aplicados, sociólogos,
compreendemos também a maneira de antropólogos e demais outras áreas de
como as línguas em contato e o estudo podem se aprofundar e trazerem
hibridismo cultural em que os sujeitos retorno à sociedade, além de ampliar
analisados se encontram influencia na novos estudos.
construção de suas identidades.
Neste estudo em que trabalhamos Referências
com relações identitárias do aluno
indígena dentro do ambiente acadêmico, CÉSAR, A. L. & CAVALCANTI, M. C. Do
analisando nossos dados coletados singular ao multifacetado: o conceito de
notamos as situações conflituosas e de língua como caleidoscópio. In: M. C.
identidades múltiplas, híbridas e Cavalcanti & Bortoni – Ricardo (orgs.).
complexas que rotineiramente são Transculturalidade, linguagem e
enfrentadas pelo aluno indígena na educação. Campinas, SP: Mercado das
universidade, principalmente quando Letras, 2007.
questionado sobre sua identidade em
contato com o outro. CANCLINI, Néstor García. A encenação do
Para complementar nosso popular. In.: Culturas híbridas. Trad. Ana
pensamento compartilhamos com Regina Lessa e Heloisa Pezza Cintrão. São
Figueiredo e Noronha (2010) quando Paulo: Edusp, 2003 p. 205 – 254.
afirmam que “as identidades, complexas e
múltiplas, nascem em oposição a outras COSER, Stelamaris. Híbrido, Hibridismo e
identidades”. (FIGUEIREDO e NORONHA Hibridização. In.: FIGUEIREDO, Eurídice.
2010 p. 202). Ou seja, é na diferença do (Org.) Conceitos de Literatura e cultura.
que o outro é que as identidades se Niterói: Eduff, 2005. p. 163-188.
relacionam e se formam, e foi isto que
podemos constatar ao compreender nos FIGUEIREDO, E.; NORONHA, J. M. G.
resultados obtidos, e concluir esta Identidade nacional e identidade cultural.
pesquisa. Conceitos de literatura e cultura, Niterói,
Por fim, destaca-se a importância RJ: EdUFF, Juiz de Fora 2010.
de que novos estudos sejam
desenvolvidos nesta temática, pois ainda FREITAS, D. B. A. P. A construção do
há muito o que se pesquisar sobre este sujeito nas narrativas orais. In CLIO.
campo das relações sociais entre grupos Revista de Pesquisa Histórica. N. 25-2,

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2007. Recife: Ed. Universitária da UFPE.


2008.

HALL, S. A identidade cultural na pós-


modernidade. Trad. T. T. da Silva, G. L.
Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

LAKATOS, E. M. Metodologia cientifica /


Eva Maria Lakatos, Marina de Andrade
Marconi. Ed. 6 - São Paulo: Atlas, 2011

MINAYO, M. C. de S. O conceito de
representações sociais dentro da
sociologia clássica. In: S. Jovchelovitch &
P. Guareschi (orgs.). Textos em
representações sociais. Petrópolis: Vozes,
1995.

SILVA, T. T. A produção social da


identidade e da diferença. In: T.T. da Silva
(Org.). Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis: Vozes, 2000.

WOODWARD, K. Identidade e diferença:


uma discussão teórica e conceitual. In:
T.T. da Silva (Org.). Identidade e diferença:
a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis: Vozes, 2000.

XAVIER, A. C. CORTEZ, S. (orgs). Conversas


com linguistas: virtudes e controvérsias
da linguística. São Paulo: Parábola
Editorial, 2003.

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