Acredita-se que a história da capoeira se originou no período em que o
Brasil era colônia de Portugal. A presença dos escravos no Brasil se estabelece enquanto um período penoso de nossa história: a escravidão. A escravização de africanos surgiu nesse país aproximadamente no século XVI e ocasionou consequências na essência da sociedade brasileira que na ainda perduram na contemporaneidade, como a discriminação racial. Neste período, os escravos eram submetidos ao trabalho nos engenhos de açúcar e nas minas, também a desempenhar serviços desconfortáveis, árduos e arriscados. Além disso, recebiam um acolhimento miserável e no momento em que manifestavam insatisfação sofriam punições físicas por meio dos colonizadores brasileiros (SANTOS; BARROS, 1999). Durante o passar do tempo os escravos passaram a compreender a necessidade de desenvolver formas de se defender e resistir as punições sofridas, visto que eram frequentemente alvos de condutas violentas. Conjectura-se que como herança cultural os escravos carregavam consigo as práticas e tradições africanos primitivos, entre os quais suas convicções e costumes, a gastronomia, dialetos e sobretudo suas danças que mais tarde favoreceram para gerar a multiplicidade cultural brasileira. No momento em que era possível, um grande número de escravos agrupava-se em terrenos de mato baixo para produzir movimentos de suas danças perante o som de instrumentos musicais, movimentos estes que representavam um tipo de dança de combate (SANTOS; BARROS, 1999; CAPOEIRA, 2006) desempenhadas com o intuito de desenvolver meios de defesa pessoal. Dentro deste cenário de escravidão, separados brutalmente de suas famílias e conglomerados com outros povos, sem a possibilidade de se comunicar, através de movimentos corporais e gestos acharam uma maneira de expressar toda a sua revolta alguns desses gestos reproduziam brigas de animais, as marradas, coices, saltos e bodes (AREIAS, 1983, pp.15) e nos movimentos e gestos acharam a única maneira de expressar a indignação por tal brutalidade, uma revolta incontestável, que não justificava somente pelo fato de ter a cor de pele diferente.
Os negros após um dia intenso de trabalho, estropiados pelo cansaço
e castigo, eram recolhidos às senzalas, davam lhes lavagem como ração e novamente e novamente eram trancafiados, à espera de amanhã igual ao dia anterior. Com o decorrer do tempo e a intensidade com que eram oprimidos e castigados pelos senhores de engenho, ressurgiu entre eles o sentido de liberdade, iniciando-se a luta pela sua conquista (AREIAS, 1983, pp. 13).
Considera-se que com base nessa condição os negros criaram e
aperfeiçoaram um tipo de ritual de luta para autodefesa, denominada Capoeira, uma arte marcial que dispõe somente de recursos corporais, que se apresentava como um método de enfrentar as violências em que eram sujeitados. De acordo com Santos e Barros (1999, pp. 1) capoeiras eram regiões semi-desmatadas em que os escravos praticavam seus golpes, desta forma, presume-se que o nome desta luta manifesta ligação com as referidas regiões (BIDAS, 2014). Consoante a Capoeira, (2006) é possível encontrar outras ideias acerca das origens da Capoeira no decurso da escravidão. Uma delas sustenta que a Capoeira se tratava de uma forma de luta que se disfarçando como tipo de dança para conseguir livrar-se da perseguição do capataz da época. Ainda na opinião do autor, na ocasião em que era necessário alertar que os senhores do engenho chegavam por perto, os capoeiristas executavam determinados toques e ritmos com o berimbal afim de mudar a espécie de jogo de luta para dança. Porém, considera-se ser pouco plausível essa ideia, em razão de que as danças africanas foram reprimidas do mesmo modo. Após inúmeras tentativas dos escravos no sentido de conquistarem a liberdade, com revoltas, ações coletivas e individuais, com o passar do tempo às formas de luta foram se aprimorando e assim foi incorporando novas fugas, com essas fugas em massas eram formado os quilombos, sendo o mais importante da história do Brasil o Quilombo dos Palmares e foi a partir dessas fugas que a capoeira conseguiu cada vez mais tomar forças, onde o maior objetivo, o grande ideal era vencer as barreiras da senzala e derrubar os “capitães do mato” e com isso consequentemente conquistar a tão esperada liberdade. Posteriormente a abolição da escravatura em 1888, muitos escravos que possuíam a destreza da capoeira, começaram a surgir nas grandes cidades sem trabalho. Assim, faziam algumas demonstrações desta arte marcial em praças públicas como meio de subsistência. Os negros então acharam na capoeira uma forma de renda, formavam suas rodas de capoeira em praças públicas e vadiavam excitados essa arte, essa dança que encantava os turistas que ali passava e assim ela se tornou uma forma de renda para os negros.
[...] num contexto onde os negros formavam suas rodas e vadiavam
freneticamente no jogo da capoeira, cenas que atraiam os turistas e geravam renda aos negros, pão, farinha e cachaça (AREIAS, 1996, p. 29).
Santos e Barros, (1999) salientam que no meio destes, alguns
empregavam a capoeira para cometer roubos e saques, situação que passou a marginalizar tal expressão cultural. No período de 1890 a capoeira passou a ser marcada como uma prática fora da lei pelo Código Penal da República, que em seu artigo 402 exprimia:
Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza
corporal, conhecidos pela denominação capoeiragem; andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, promovendo tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal: Pena: De prisão celular de dois meses a seis meses. (BARBIERI, 1993, pp.118, apud SANTOS; BARROS, 1999, pp. 1).
No entanto ainda que com esse refreamento, a capoeira prosseguiu
sendo difundida pelo país, contudo foi nos estados de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro no qual constatavam-se a maior propagação entre a imprensa local e as pessoas (SANTOS, BARROS, 1999). Segundo Santos e Barros, (1999) a capoeira continuou a ser ensinada para gerações posteriores, independentemente da proibição regulamentada. Em 1932 com o nacionalista Getúlio Vargas no poder do governo e com o objetivo de obter o maior apoio popular possível, implantou no seu governo então uma declaração em que a capoeira era desvinculada de qualquer ato marginal e que poderia ser praticada livremente. E é nesse cenário de crise econômica e uma insustentabilidade política que os africanos viveram que passaram a encontrar na capoeira uma afirmação fundamental de sua identidade, destruiu e reconstruiu valores, a partir de tensas relações sociais, além dos aspectos linguísticos, étnicos e de nação, isso tudo demonstra o quanto à cultura da capoeira pode ser transformador. Hoje em dia essa expressão física é vista como um patrimônio cultural brasileiro, do qual a prática proporciona múltiplas vantagens físicas, emocionais e social. Souza e Oliveira, (2001) salientam:
A capoeira é uma temática que pode ser concebida no ambiente
escolar pelos seus aspectos variados, que favorecem, a luta, a dança e a arte, o folclore, o esporte, a educação, o lazer e o jogo. Esta deve ser ensinada de maneira globalizada, possibilitando que o aluno se identifique com as óticas que mais lhe convém (SOUZA; OLIVEIRA, 2001, pp. 44).
A vista destes argumentos, é possível conceber que a capoeira
atualmente é vista enquanto meio significativo de propagação da cultura de movimento, uma vez que esta prática está estabelecida enquanto conteúdo da disciplina de Educação Física escolar. Diante disso, a Capoeira é considerada como uma prática que evita as atividades convencionais, tornando-se necessária para se trabalhar na escola, pois conforme preconiza a lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, o ensino sobre História e Cultura Afro Brasileira passa a ser obrigatório nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, (BRASIL, 2003). Com a referida lei, ficou evidente a necessidade do profissional de Educação física se aperfeiçoar e se aprimorar mais nesse contexto, pois a capoeira atende todas essas exigências e muito mais, ela pode se tornar uma forma de intervenção no cotidiano dos alunos e uma forte ferramenta para socialização e inclusão da cultura afro brasileira. Em conformidade com Silva, (2002) a destreza da capoeira oferece numerosas vantagens que compreendem a cultura corporal, uma vez que ademais de ser útil para a saúde e para o conhecimento da realidade sócio histórica brasileira, ainda aumenta a autoestima e oportuniza um condicionamento corporal estável. Nos grupos de Capoeira são viabilizados princípios como da socialização, que melhoram o convívio social. A historicidade da capoeira permanece, no entanto, seus princípios originais tornam a ser debatidos e aplicados de forma teórica e prática nas escolas, com o intuito de resgatar e resguardar a importância cultural desta manifestação, como parte importante de nossa história, mostrando aos alunos e a sociedade em geral, toda uma filosofia centrada no equilíbrio físico, mental e afetivo, combatendo a violência e preconizando a paz e harmonia entre os vários segmentos da sociedade. Santos, (1990) considera que a partir de sua origem, a capoeira tem permeado diferentes etapas, passando-se a ser determinada enquanto dança, luta ou jogo, continuamente atendendo a objetivos precisos no ambiente escolar.
2. Necessidade da Capoeira na escola
Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais, as danças, esportes,
lutas, jogos e ginásticas são considerados como áreas de conhecimento e valores culturais que devem ser prezados e reconhecidos no ambiente escolar (BRASIL, 1997). Quanto mais cedo estas esferas são ensinadas e praticadas, progressivamente começam a se desenvolver a capacidade de pensar criticamente, habilidades para a resolução de problemas e tomada de decisão. Ainda consoante aos PCN´s, (1997), visto que a capoeira é integrada por um vasto patrimônio cultural, que certamente necessita ser respeitado, aprimorado, e reconhecido no ambiente escolar, principalmente nas aulas de Educação física, tornando-se praticável favorecer a fim de que os alunos adotem um comportamento menos preconceituoso e discriminatório perante as múltiplas manifestações e expressões de grupos étnicos e sociais que fazem parte do âmbito educacional. Atividades e modalidades como a capoeira quando desenvolvidas na escola, não só ajudam a melhorar o condicionamento físico e saúde dos alunos, mas também os ajudam a realizar atividade física, ao mesmo tempo compreender a importância e o impacto positivo ao longo da vida. Além disso, proporcionam conhecimento e transferíveis habilidades, como trabalho em equipe, respeito, consciência corporal e nível social, bem como promover a compreensão geral das "regras do jogo", que os estudantes podem tirar proveito imediato também para seu cotidiano. A capoeira no aspecto escolar tem como perspectivas diferentes sentidos, por exemplo a de recreação, de luta, de esporte, atividade física, cultura popular, educação, jogo, dança e entre outros, ademais ela deve ser desenvolvida de maneira abrangente, a fim de que o aluno consiga perceber o aspecto que melhor o corresponde. A prática da capoeira enquanto jogo-luta no ambiente escolar promove uma ampla aprendizagem, que compreendem princípios, comportamentos e ações, especialmente autonomia, colaboração, respeito às diferenças, exercício da cidadania no meio social onde encontra-se. No tocante ao aspecto físico, isto é, procedimental, expõem-se que a capoeira se apresenta como um meio vantajoso para desenvolvimento da estabilidade, a lateralidade, a coordenação motora, movimento ritmado, a questão espaço-tempo, entre outros. (SANTOS e PALHARES, 2010). Lançanova, (2007) ressalta que a potencialidade pedagógica das lutas é um instrumento de valor demasiado em poder do educador, por sua dinâmica corporal exclusiva, sua condição histórica e o acervo cultural que traz dos seus povos de origem. A Capoeira combina o desenvolvimento físico e a busca de benefícios mentais, através de treinamento especial. É também uma atividade educacional voltada para desenvolver personalidade, habilidade e proeza física, bem como um sistema de autodefesa efetivo e prático. A Capoeira pode ser caracterizada como um exercício físico, uma disciplina educacional, uma atividade social, um esporte completo, um método de defesa pessoal, um jogo instrutivo, uma dança e uma atividade psicomotora. Um fator relevante acerca de praticar a capoeira na escola é a de que a roda de capoeira é capaz de difundir conhecimentos que poderão ser desenvolvidos em demais conjunturas, no interior ou exterior da escola, isto é, no sentido da vida cotidiana do aluno, por exemplo, conforme apontam Souza e Oliveira, (2001) aplica-se na capoeira um golpe conhecido como “rasteira”, o praticante que sofre esse golpe na roda de capoeira, compreende que “sofrer uma rasteira”, não está ligado com a finalidade de humilhação, porém com o intuito de aprendizagem, além de que, o autor também compara a capoeira como conteúdo multidisciplinar, que deve ser proposto em diferentes disciplinas, geografia, história, não atendo-se somente nas aulas de Educação Física. A escola, ao desenvolver os alunos em sua integralidade deve então promover um aprendizado eficaz, a fim de favorecer a introdução de um número cada vez maior deles na sociedade e na cultura cujo constituem-se como parte. Segundo Campos (in Gil; Mathias, 2005), a capoeira é uma excelente atividade física para ajudar na formação integral do aluno. Ela atua de maneira direta e indireta sobre todos os aspectos cognitivos, afetivos e motor. Tendo em vista de que a conjuntura escolar visa a aquisição de valores como respeito, afeto, sensibilidade, amor ao próximo, sem discriminação de cor, credo, sexo ou classe social. A escola, enquanto ambiente multicultural, precisa considerar seu dever político e social, com o intuito de incentivar a aprendizagem de sujeitos políticos e críticos dos seus contextos nas realidades em que se estabelecem. Iório e Darido, (2005) sugerem a capoeira na qualidade de ação pedagógica que visa possibilitar uma reflexão sobre todos os envolvidos no ambiente escolar onde se aprende a conviver com as diversas maneiras de agir, pensar e se relacionar, contribui na promoção da igualdade, pretende desenvolver a autonomia, quebra de paradigmas e mitos gerados pela sociedade que em muitos momentos reforça imagens e atitudes discriminatórias. As atividades relacionadas ao movimento corporal e exercício físico tem um valor educacional muito importante, tanto para as possibilidades de exploração que propicia e para as relações lógicas que o sujeito estabelece nas interações com os objetos, o meio ambiente, os outros e consigo mesmo. O espaço escolar é o ambiente onde a capoeira pode proporcionar aos alunos experiências que serão essenciais para seu desenvolvimento. A prática da Capoeira na escola vai muito além do que formar atletas, propende uma formação social, rica de valores culturais, percebe-se assim a importância que a Capoeira assume no âmbito escolar, uma vez que ela proporciona aos educandos a capacidade de desenvolver habilidades motoras fundamentais e especializadas de maneira integral. A Capoeira uma atividade física completa, pois ativa de maneira direta e indireta sobre os aspectos cognitivos, afetivo motor. Sendo encaradas como lúdica e instrucional, articula atividades de desenvolvimento artístico e social levando a criança estabelecer relações a partir dela própria, fato que torna a Capoeira multidirecional (SANTOS, 1985, p.30).
Com a lei n°10.639/03, de 9 de janeiro de 2003, que institui o ensino de
assuntos a história da África nos currículos escolares, a Capoeira pode ganhar muita força para ser reconhecida como conteúdo, pois segundo Natividade, (2006) desenvolve não somente o aspecto motor, mas também o cognitivo e o afetivo social. A Capoeira é também divulgadora da cultura popular, assim é possível afirmar que ela é um grande impulso educativo, pois é uma prática que transmite a cultura do povo brasileiro, funcionando assim como recurso para a dinamização de todo um trabalho que se queira realizar respectiva na educação consciente. A capoeira estabelecida na escola em sua expressão cultural, dispõem de uma ampla importância social, porquanto manifesta uma linha tão significativa com relação às outras que já são manifestadas, constituindo-se desta maneira como novidade e obsoleta simultaneamente, visto que uma cultura tão longínqua que já percorreu diferentes décadas, até o presente momento encontra-se ativa. A funcionalidade da capoeira dentro da escola é muito mais abrangente que outras modalidades específicas de luta, pois ela apresenta um sentido de ação coletiva, isto é, compreende princípios e concepções sociais, sejam eles étnicos, raciais, de posição social, implicando para que seu praticante faça uma reflexão criteriosa a respeito de seu contexto e realidade. Campos, (2009) considera que as escolas que empregam a capoeira como conteúdo pedagógico, podem se considerarem em um sistema educacional privilegiado, visto que a capoeira consegue associar elementos essenciais na formação de um sujeito crítico e reflexivo.