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0045studo dirigido: economia

política
1.    Discorra sobre o que é mercadoria e os dois fatores que a
constituem

.,;A mercadoria é uma coisa que satisfaz as necessidades humanas; não


importa se diretamente, como meio de subsistência, objeto de consumo,
ou indiretamente, como meio de produção. A variedade dos padrões da
medida das mercadorias decorre da natureza diversa dos objetos a medir
e também de convenção.

A utilidade de uma coisa faz dela um valor-de-uso, um bem. O valor-de-


troca revela-se, de início, na relação quantitativa entre valores-de-uso de
espécies diferentes, na proporção em que se trocam, relação essa que
muda constantemente no tempo e no espaço.

O valor natural de qualquer coisa consiste em sua capacidade de prover


as necessidades ou de servir às comodidades da vida humana (John
Locke, Some Considerations on the Consequences of the Lowering of
Interest, 169, em Works, ed. Londres, 1777, v. II, p. 28.) Na sociedade
burguesa reina a ficção jurídica de que todo ser humano, como
comprador, tem um conhecimento enciclopédico das mercadorias.

Tomemos duas mercadorias, trigo e ferro. Qualquer que seja a proporção


em que se troquem, é possível sempre expressá-la com igualdade em
dada quantidade de trigo se iguala a alguma quantidade de ferro, por
exemplo, 1 quarta de trigo = n quintas de ferro. As duas coisas são,
portanto, iguais a uma terceira, que, por sua vez, delas difere. Cada uma
das duas, como valor-de-troca, é reduzível, necessariamente, a essa
terceira. Ou como diz o velho Barbon:

“Um tipo de mercadoria é tão bom quanto outro, se é igual o valor-de-


troca. Não há diferença ou distinção de igual valor-de-troca.”

Como valores-de-uso, as mercadorias são, antes de tudo, de qualidade


diferente; como valores-de-troca, só podem diferir na quantidade, não
contendo, portanto, nenhum átomo de valor-de-uso.

Se prescindirmos do valor-de-uso da mercadoria, só lhe resta ainda uma


propriedade, a de ser produto do trabalho. Na própria relação de permuta
das mercadorias, seu valor-de-troca revela-se, de todo, independente de
seu valor-de-uso. Pondo-se de lado o valor-de-uso definido. O que
evidencia comum na relação de permuta ou no valor-de-troca é, portanto,
o valor das mercadorias.

Um valor-de-uso ou um bem possui, portanto, valor, porque nele está


corporificado, materializado, trabalho abstrato. Como medir a grandeza
do seu valor? Por meio da quantidade da “substância criadora de valor”
nele contida, o trabalho. A quantidade de trabalho, por sua vez, mede-se
pelo tempo de sua duração, e o tempo de trabalho, por frações do tempo,
como hora, dia, etc.

O valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho


gasta durante sua produção. Toda força de trabalho da sociedade vale,
aqui, por força de trabalho única. O que determina a grandeza do valor,
portanto, é a quantidade de trabalho socialmente necessária ou tempo
de trabalho socialmente necessário para a produção de um valor-de-uso.

A grandeza do valor muda com qualquer variação na produtividade.


Generalizando: quanto maior a produtividade do trabalho, tanto menor o
tempo de trabalho requerido para produzir uma mercadoria. A grandeza
do valor de uma mercadoria varia na razão direta da quantidade e na
inversa da produtividade do trabalho que nela se aplica. Nenhuma coisa
pode ser valor se não é objeto útil; se não é útil, tampouco o será o
trabalho nela contido, o qual não conta como trabalho e, por isso, não
cria nenhum valor.

A mercadoria apareceu-nos, inicialmente, como duas coisas: valor-de-uso


e valor-de-troca. Mais tarde, verificou-se que o trabalho também possui
duplo caráter: quando se expressa como valor, não possui mais as
mesmas características que lhe pertencem como gerador de valores-de-
uso. Só se contrapõe como mercadorias produtos de trabalhos privados e
autônomos, independentes entre si. O valor-de-uso de cada mercadoria
representa determinada atividade subordinada a um fim, isto é, um
trabalho útil particular.

O homem, ao produzir, só pode atuar como a própria natureza, ou seja,


mudando as formas de matéria. E mais. Nesse trabalho de
transformação, é constantemente ajudado pelas forças naturais. O
trabalho não é, por conseguinte, a única fonte dos valores-de-uso que
produz, da riqueza material. Conforme diz William Petty, o trabalho é o
pai, mas a mãe é a terra.

As diferentes proporções em que as diversas espécies de trabalho se


reduzem a trabalho simples, como sua unidade de medida, são fixadas
por um processo social que se desenrola sem dele terem consciência os
produtores, parecendo-lhes, por isso, estabelecidas pelo costume.

Se o trabalho contido na mercadoria, do ponto de vista do valor-de-uso,


só interessa qualitativamente, do ponto de vista da grandeza do valor só
interessa quantitativamente. Uma quantidade maior de valor-de-uso cria,
de per sim, maior riqueza material. Produtividade é sempre produtividade
de trabalho concreto. O trabalho útil torne-se, por isso, uma fonte mais
ou menos abundante de produtos, na razão direta da elevação ou queda
de sua produtividade.

Todo trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana de trabalho, no


sentido fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou
abstrato, cria o valor das mercadorias. Todo trabalho, por outro lado, é
dispêndio de uma força humana de trabalho, sob forma especial, para um
determinado fim, e, nessa qualidade de trabalho útil e concreto, produz
valores-de-uso.
As mercadorias só são mercadorias por sua duplicidade: serem ao
mesmo tempo objetos úteis e veículos de valor, aquela forma natural e a
de valor.

Todo mundo sabe que as mercadorias possuem forma comum de valor, é


a forma dinheiro do valor. A mais simples relação de valor é,
evidentemente, a que se estabelece entre uma mercadoria e qualquer
outra mercadoria de espécie diferente.

Finalmente, a forma mercadoria é a mais geral e mais elementar da


produção burguesa, razão por que surgiu nos primórdios, embora não
assumisse a maneira dominante e característica de hoje em dia (leia-se a
época da publicação da obra). Pela mesma razão, parece ainda
relativamente fácil penetrar em seus atributos fetichistas. Nas formas
mais desenvolvidas se desvanece essa aparência de simplicidade. De
onde provieram as ilusões dos mercantilistas? Segundo eles, o ouro e a
prata, na função do dinheiro, não representavam uma relação social de
produção, mas eram objetos naturais com peculiares propriedades
sociais. E a economia moderna que, sobranceira, sorri desdenhosa para
aquelas ilusões, não manifesta evidente fetichismo quando trata do
capital? Há quanto tempo desapareceu a quimera fisiocrática de a renda
da terra originar-se do solo e não da sociedade?

Sem maior avanço nesta análise, limitamo-nos a ilustrar com mais alguns
elementos o fetichismo da mercadoria. Se as mercadorias pudessem
falar, diriam: “Nosso valor-de-uso pode interessar aos homens. Não é
nosso atributo material. O que nos pertence como nosso atributo
material é nosso valor. Isto é o que demonstra nosso intercâmbio como
coisas mercantis. Só com valores-de-troca estabelecemos relações umas
com as outras.” O economista, o intérprete da alma da mercadoria, assim
fala:

“Valor” (valor-de-troca) “é a propriedade das coisas, riqueza” (valor-de-


uso) “do homem. Valor, nesse sentido, implica necessariamente troca,
riqueza não.”.

“Riqueza” (valor-de-uso) “é atributo do homem; valor, atributo das


mercadorias”. “Um homem ou uma comunidade é rico, uma pérola ou um
diamante é valioso.”.

2. Descreva o processo de produção de mais-valia.

A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O comprador da


força de trabalho a consome, fazendo o vendedor dela trabalhar. O que o
capitalista determina ao trabalhador produzir é, portanto, um valor-de-
uso particular, um artigo especificado.

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a


natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação,
impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza.
Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu
domínio o jogo das forças naturais. Uma aranha executa operações
semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao
construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor
abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la
em realidade. A razão é ao mesmo tempo astuta e poderosa.

“A astúcia consiste, sobretudo, na atividade mediadora, que, fazendo as


coisas atuarem umas sobre as outras é a desgastarem reciprocamente,
sem interferir diretamente nesse processo, leva a cabo apenas os
próprios fins da razão”. (Hegel, Enzyklopädie, Erster Tell, Die Logik,
Berlim, 1840, p. 382.)

Todas as coisas que o trabalho apenas separa de sua conexão imediata


com seu meio natural constituem objetos de trabalho. Se o objeto de
trabalho é, por assim dizer, filtrado através de trabalho anterior,
chamamo-lo de matéria-prima. Toda matéria-prima é objeto de trabalho,
mas nem todo objeto de trabalho é matéria-prima. O objeto de trabalho
só é matéria-prima depois de ter experimentado modificação efetuada
pelo trabalho. A terra, seu celeiro primitivo, é também seu arsenal
primitivo de meios de trabalho.

Consideramos meios de trabalho, em sentido lato, as condições


materiais, seja como for, necessárias à realização do processo de
trabalho. Observando todo o processo do ponto de vista do resultado, do
produto, evidencia-se que meio e objeto de trabalho são meios de
produção e o trabalho é trabalho produtivo. Essa concentração de
trabalho, derivada do processo de trabalho, não é de modo nenhum
adequada ao processo de produção capitalista.

Um valor-de-uso pode ser considerado matéria-prima, meio de trabalho


ou produto, dependendo inteiramente da sua função no processo de
trabalho, da posição que nele se ocupa, variando com essa posição a
natureza do valor-de-uso. O trabalho gasta seus elementos materiais, seu
objeto e seus meios; consome-os; é um processo de consumo. Trata-se
de consumo produtivo, que se distingue do consumo individual.

O processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos simples e


abstratos, é atividade dirigida com o fim de criar valores-de-uso, de
apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição
necessária do intercâmbio material entre homem e a natureza; é
condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de
qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas
sociais.

O produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o


trabalhador. O capitalista compra a força de trabalho e incorpora o
trabalho, fermento vivo, aos elementos mortos constitutivos do produto,
os quais também lhe pertencem. “Ao vender seu trabalho por
determinada quantidade de meios de subsistência, renuncia o proletário
a qualquer direito de participar no produto. O produto pertence
exclusivamente ao capitalista que forneceu a matéria-prima e os meios
de subsistência do trabalhador. É uma consequência rigorosa da lei da
apropriação, cujo princípio fundamental era, ao contrário, o direito de
propriedade exclusiva de cada ao produto de seu trabalho.”
(Cherbuliez, Richesse ou pauvreté, édit. Paris, 1841, p. 54.).
O produto, de propriedade do capitalista, é um valor-de-uso. Ele não
fabrica sapatos por paixão aos sapatos. Quer produzir uma mercadoria
de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessárias
para produzi-la. Além de um valor-de-uso, quer produzir mercadoria; além
de valor-de-uso, e não só valor, mas também valor excedente (mais-
valia).

Caso isso não ocorra, fica nosso capitalista perplexo. O valor do produto
é igual ao do adiantado. O valor adiantado não cresce, não produz
excedente (mais-valia); o dinheiro não se transforma em capital. O
trabalho, para criar valor, tem de ser despendido em forma útil. Na
realidade, o vendedor da força de trabalho, como o de qualquer outra
mercadoria, realiza seu valor-de-troca e aliena seu valor-de-uso. Não
pode receber em sem transferir o outro.

Consuma-se finalmente o truque: o dinheiro se transforma em capital.

A transformação de seu dinheiro em capital sucede na esfera da


circulação e não sucede nela. Por intermédio da circulação, por depender
da compra da força de trabalho no mercado. Fora da circulação, por esta
servir apenas para se chegar à produção da mais-valia, que ocorre na
esfera da produção. E assim, “tudo o que acontece é o melhor que pode
acontecer no melhor dos mundos possíveis”.

Comparando o processo de produzir valor com o de produzir mais-valia,


veremos que o segundo só difere do primeiro por se prolongar além de
certo ponto. O processo de produzir valor simplesmente dura até o ponto
em que o valor da força de trabalho pago pelo capital é substituído por
um equivalente. Ultrapassando esse ponto, o processo de produzir valor
torna-se processo de produzir mais-valia (valor excedente).

Em últimas e poucas palavras, o método de calcular a taxa da mais-valia


é o seguinte: tomamos o valor global do produto e dele deduzimos o valor
do capital constante, valor que nele apenas reaparece. O valor
remanescente é o único valor realmente gerado no processo de produção
da mercadoria. Dada a mais-valia, extraímo-la desse último gerado, para
achar o capital variável. Procedemos ao contrário se é dado este último e
procuramos saber a mais-valia. Sendo ambos dados, temos apenas de
realizar a operação final, calcular a relação entre a mais-valia e o capital
variável.

3.    Um dos momentos mais importantes do “O Capital” consiste na


análise do processo de acumulação primitiva do sistema capitalista.
Desenvolva argumentação sobre este processo e busque relação com a
obra da Maria Inês Sugai sobre a formação social e a localização das
classes sociais da região da Grande Florianópolis.

Vimos como o dinheiro se transforma em capital, como se produz mais-


valia com capital, e mais capital com mais-valia. Mas a acumulação do
capital pressupõe a mais-valia, a mais-valia a produção capitalista, e
esta, a existência de grandes quantidades de capital e de força de
trabalho nas mãos dos produtores de mercadoria. Todo esse movimento
tem, assim, a aparência de um círculo vicioso, do qual só podemos
escapar admitindo uma acumulação primitiva, anterior à acumulação
primitiva, anterior à acumulação capitalista; uma acumulação que não
decorre do modo capitalista de produção, mas é seu ponto de partida: o
esfalfamento das massas que se veem obrigadas a vender a última coisa
que lhe restou, a força de trabalho.

A tal acumulação anunciada por Marx é, no meu ver, a acumulação da


mais-valia restada do câmbio dos valores-de-troca dos produtos gerados
pela acumulação da força de trabalho comprada do proletariado pelos
capitalistas. Em outras palavras: lucro oriundo da venda das mercadorias
que não foi o patrão, mas sim o empregado quem produziu.

O processo que produz o assalariado e o capitalista tem suas raízes na


sujeição do trabalhador. O progresso consistiu numa metamorfose dessa
sujeição, na transformação da exploração feudal em exploração
capitalista.

Marcam época, na história da acumulação primitiva, todas as


transformações que servem de alavanca à classe capitalista em
formação, sobretudo aqueles deslocamentos de massas humanas, súbita
e violentamente privadas de seus meios de subsistência e lançadas no
mercado de trabalho como levas de proprietários destituídas de direitos.

“Quando confrontamos os velhos inventários dos senhores, verificamos


que desaparecem inúmeras casas e pequenas lavouras, de modo que a
terra alimenta muito menos gente, muitas cidades decaíram, embora
floresçam  algumas novas. (...) Poderia falar de cidades e de aldeias
transformadas em pastos e onde se encontram mansões senhoriais”.
Com essa passagem de Harrison, extraída de O Capital, eu introduzo a
comparação com o texto de Maria Inês Sugai sobre o processo de
estruturação urbana de Florianópolis.

Ela inicia apresentando o primeiro mote, o processo de urbanização e


separação espacial das classes sociais. A passagem de Sugai que
exemplifica perfeitamente a visão de Harrison está dentro do tópico que
se propõe a explicar o porquê da localização das camadas populares
serem assim hoje. Na segunda metade do século XIX, os segmentos mais
despossuídos da população eram pessoas “(...) quase sempre novas na
cidade, soldados, suas famílias, suas companheiras e filhos ” (Cabral,
1979: 201). Neste período começaram a proliferar novas formas de abrigo
para alojar esta população mais pobre de Desterro: os cortiços. O
crescimento dessa camada social mais pobre acarretou o aparecimento
de bairros populares e o processo de separação espacial entre as
classes sociais dentro da área urbana de Desterro.

O sistema capitalista exigia a subordinação servil da massa popular e a


conversão de seu instrumental de trabalho em capital. “O pobre está
prostrado em toda a parte”, exclamou a rainha Elizabeth após uma
viagem através da Inglaterra. O problema da habitação popular urbana
começa a existir no Brasil na segunda metade do século XIX com a
penetração do capitalismo. Naquela época começou a surgir aqui (...) o
“homem livre”. Este é, antes de qualquer coisa, um despejado. Despejado
de sua terra, de sua oficina, de seus meios de trabalho, de seus meios de
vida (...).  A principal forma de abrigo que a sociedade brasileira vai
desenvolver para alojar essas multidões é o cortiço. O cortiço é a
“solução” de mercado, é a moradia alugada, é um produto de iniciativa
privada. Em seus diversos tipos, foi a primeira forma física de habitação
oferecida pelo “homem livre” brasileiro da mesma forma que o aluguel foi
a primeira forma econômica. (Flávio Villaça, O que todo cidadão precisa
saber sobre Habitação. São Paulo: Global, 1986, p.35.).
Os cortiços localizavam-se evidentemente nos piores locais da cidade: os
mais sujos, tortuosos, “cheirando a limo, lixo e estrume” (Oswaldo
Cabral).

“Os arrendatários proíbem ao que morava na área arrendada manter em


suas habitações qualquer ser vivo além dele, sob o pretexto de que, se
esse morador tivesse gado ou aves, iria cevá-los com alimento furtado do
celeiro. Os arrendatários dizem que os moradores têm de ser pobres para
trabalhar ativamente. A verdade, entretanto, é que os arrendatários
usurpam, por esse modo, todos os direitos que os trabalhadores têm às
terras comuns”. ( A Political enquiry into the consequences of enclosing
waste lands, Londres, 1785, p. 75.).
A propriedade comunal (isto é, as terras comuns), absolutamente diversa
da propriedade do Estado era uma velha insatisfação germânica que
perdurou sob o véu feudal. O progresso do século XVIII consiste em ter
tornado a própria lei o veículo do roubo das terras pertencentes ao povo.
O século XVIII não reconhecia, porém, ainda, na mesma extensão que o
século XIX, a identidade entre riqueza nacional e riqueza do povo. Daí as
polêmicas mais violentas na literatura econômica daquela época sobre
“o cercamento das terras comuns”. Trazendo para a realidade da Ilha,
Sugai vai dizer que “Canasvieiras, que, até 1920, era de uso comunal foi
apossada nesta época por Nico Pereira, passando depois por diversos
donos, de fora da região, que procuravam desenvolver ali atividades
agrícolas, mas que cercavam cada mais o seu para uso pela população
local, até ser adquirida a mais de 20 anos por Celso Ramos, cujos
familiares mantém a área totalmente cercada e criam algum gado”.

As chácaras foram sendo implantadas na direção norte da Ilha,


acompanhando os caminhos abertos no século anterior e que ligavam a
Vila do Desterro (na orla sul) às duas fortificações situadas no norte da
península.  Estas áreas ao norte da península, onde se concentrava a
maioria das chácaras, por seus atributos e pela proximidade da área
central, começaram a transformar-se em residências fixas,
estabelecendo características de bairro residencial da população de
mais alta renda.

Voltando a Marx, ele diz que no século XIX perdeu-se naturalmente a


lembrança da conexão que existia entre agricultura e terra comunal.
Exemplo aqui em Florianópolis foi que “a partir da década de 20 já
começava a surgir algum interesse pelas terras situadas nas localidades
no norte da Ilha, principalmente pela apropriação das terras comunais ali
existentes. As terras de uso comum, prática trazida pelo povoamento
açoriano, constituiu-se num atividade singular ocorrida apenas no litoral
catarinense e, com maior frequência, na Ilha da Santa Catarina. Segundo
Nazareno Campos, o uso das terras comunais pelo pequeno produtor
rural foi intensa na Ilha até a década de 1940, quando começou a sofrer,
de uma forma cada vez mais acelerada, processo de apropriação, tanto
por parte dos setores privados da sociedade como por parte de Estado”
(Maria Inês Sugai). “O último grande processo de expropriação dos
camponeses é finalmente a chamada limpeza das propriedades, a qual
consiste em varrer destas os seres humanos” (Karl Marx).

Não é tão distante quanto parece, esse fenômeno citado por Marx. A
própria Maria Inês diz que “no interesse de concretizar seu processo de
afastamento da população mais pobre que habitava os cortiços e das
atividades comerciais menos “nobres”, as camadas sociais de mais alta
renda efetuaram e deslocamento de seus sobrados para as primeiras
quadras a oeste do Largo, como relata Cabral, mas é preciso esclarecer
que a alteração ocorreu no eixo de ocupação dos setores populacionais
mais abastados”. O resultado histórico disso foi o preconceito como
barreira física que impede o pobre de circular sem constrangimentos por
uma área abastada da Ilha.

“Estes fatos evidenciam que os interesses nas áreas ao redor da Ilha,


desde o fim do século XIX até as primeiras décadas do século XX,
vinculavam-se, fundamentalmente, à sua apropriação para exploração
agrária, considerando, portanto, o valor de uso da terra. A partir da
década de 40 e, principalmente, da década de 50, o interesse por aquelas
terras – obtidas tanto pelas apropriações ilícitas das terras como pela
compra da terra de pequenos produtores, objetivava o seu valor de troca.
Constituía-se a terra na mercadoria básica do mercado imobiliário que
começava a nascer, especialmente no norte da Ilha, impulsionado pela
crescente utilização das praias como áreas de banho e lazer” (Sugai).
Incrivelmente encaixado, o trecho a seguir de Marx amarra o laço do
pensamento: “ roubam ao povo uma liberdade atrás da outra [eu posso
citar a terra, o ir-e-vir, a dignidade]. (...) E a opressão cresce diariamente.
Expulsar e dispensar gente é um princípio inabalável dos proprietários,
que o consideram uma necessidade (...)”.

Os que foram expulsos de suas terras não podiam ser absorvidos com a
mesma rapidez com que se tornavam disponíveis. Muitos se
transformaram em mendigos, ladrões, vagabundos, em parte por
inclinação, mas maioria dos casos, por força das circunstâncias.

Para a marcha ordinária das coisas, basta deixar o trabalhador entregue


às “leis naturais da produção”. A burguesia nascente precisava e
empregava a força do Estado, para “regular” o salário, isto é, comprimi-lo
dentro dos limites convenientes a produção da mais-valia. Temos, para
Marx, um fator fundamental da chamada acumulação primitiva. Só para
se ter uma ideia, proibiu-se, sob pena de prisão, pagar salários acima dos
legais.

Foi inevitável que Marx entendesse que era o capitalista o primeiro a


tocar em toda a riqueza da sociedade, embora nenhuma lei lhe tenha
concedido esse direito. A tributação excessiva não era um incidente, era
um princípio. O sistema protecionista era um meio artificial de fabricar
fabricantes, de expropriar trabalhadores independentes, de capitalizar
meios de produção e meios de subsistência, de encurtar a transição do
velho modo de produção para o moderno. Esse modo de produção supõe
parcelamento da terra e dispersão dos demais meios de produção.
Exclui, além da concentração desses meios, a cooperação, a divisão do
trabalho dentro do mesmo processo de produção, o domínio e o controle
da natureza.

O monopólio do capital passa a entravar o modo de produção que


floresceu com ele e sob ele.

4.    A totalidade, as múltiplas determinações e o materialismo


histórico dialético são algumas das importantes categorias marxistas
trabalhadas em sala. Discorra sobre os métodos e de que maneira elas
contribuem para a formulação de um método científico.

Qualquer objeto que o homem possa perceber ou criar é parte de um


todo. Em cada ação empreendida, o ser humano se defronta,
inevitavelmente, com problemas interligados. Por isso, para encaminhar
uma solução para os problemas, o ser humano precisa ter certa visão de
conjunto deles: é a partir da visão do conjunto que a gente pode avaliar a
dimensão de cada elemento do quadro. Foi o que Hegel sublinhou quando
escreveu: “A verdade é o todo". Se não enxergarmos o todo, podemos
atribuir um valor exagerado a uma verdade limitada (transformando-a em
mentira), prejudicando a nossa compreensão de uma verdade.

A totalidade é mais do que a soma das partes que a constituem. Há


totalidades mais abrangentes e totalidades menos abrangentes: as
menos abrangentes, é claro, fazem parte das outras. De certo modo,
contudo, mesmo no dia-a-dia, nós estamos sempre, implicitamente,
totalizando; estamos sempre trabalhando com totalidades de maior ou
menor abrangência.

Para trabalhar dialeticamente com o conceito de totalidade é muito


importante sabermos qual é o nível de totalização exigido pelo conjunto
de problemas com que estamos nos defrontando e é muito importante,
também, nunca esquecermos que a totalidade é apenas um momento de
um processo de totalização (que nunca alcança uma etapa definitiva e
acabada). Afinal, a dialética - maneira de pensar elaborada em função da
necessidade de reconhecermos a constante emergência do novo na
realidade humana - negar-se-ia a si mesma, caso cristalizasse ou
coagulasse suas sínteses, recusando-se a revê-las, mesmo em face de
situações modificadas.

A sociedade, articulada por meio de uma formação social concreta,


encontrar-se-ia em constante movimento. Portanto, qualquer formação
social seria sempre transitória e histórica. Esse conceito de “sociedade”
é uma apreensão da realidade proporcionada pelo método dialético
materialista histórico. A compreensão das sociedades de classes, por
exemplo, não poderia ocorrer, portanto, abstraindo-se a gênese da
sociedade, o modo como ela é produzida e a forma como ela opera em
função da sua própria gênese. A sociedade conformar-se-ia em um todo
complexo e interdependente, fundado por múltiplas determinações. Um
determinado nível do desenvolvimento das forças produtivas
corresponderia a um desenvolvimento da produção, do comércio e do
consumo. Um determinado nível do desenvolvimento da produção, do
comércio e do consumo corresponderia a um desenvolvimento das
formas de organização social – organização da família, das classes
sociais etc. Um determinado nível de desenvolvimento das formas de
organização social corresponderia a um Estado. Um determinado
desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção
corresponderia a certas expressões ideológico-culturais (Marx; Engels,
1952, p. 414-424).

Ao estudarmos um determinado país do ponto de vista da sua economia


política, começamos por analisar a sua população, a divisão desta em
classes, a cidade, o campo, o mar, os diferentes ramos da produção, a
exportação e a importação, a produção e o consumo anuais, os preços
das mercadorias, etc.

Parece correto começar pelo real e o concreto, pelo que se supõe


efetivo; por exemplo, na economia, partir da população, que constitui a
base e o sujeito do ato social da produção no seu conjunto. Contudo, a
um exame mais atento, tal revela-se falso. A população é uma abstração
quando, por exemplo, deixamos de lado as classes de que se compõe.
Por sua vez, estas classes serão uma palavra oca se ignorarmos os
elementos em que se baseiam, por exemplo, o trabalho assalariado, o
capital, etc. Estes últimos supõem a troca, a divisao do trabalho, os
preços, etc. O capital, por exemplo, não é nada sem o trabalho
assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem os preços, etc.

Por conseguinte, se começássemos simplesmente pela população,


teríamos uma visão caótica do conjunto. Por uma análise cada vez mais
precisa chegaríamos a representações cada vez mais simples; do
concreto inicialmente representado passaríamos a abstrações
progressivamente mais sutis até alcançarmos as determinações mais
simples. Aqui chegados, teríamos que empreender a viagem de regresso
até encontrarmos de novo a população - desta vez não teríamos uma
idéia caótica de todo, mas uma rica totalidade com múltiplas
determinações e relações.

Tal foi historicamente, a primeira via adotada pela economia política ao


surgir. Os economistas do século XVII, por exemplo, partem sempre do
todo vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados, etc. No
entanto, acabam sempre por descobrir, mediante a análise, certo número
de relações gerais abstratas determinantes, tais como a divisão do
trabalho, o dinheiro, o valor, entre outros. Uma vez fixados e mais ou
menos elaborados estes fatores começam a surgir os sistemas
econômicos que, partindo de noções simples - trabalho, divisão do
trabalho, necessidade, valor-de-troca – se elevam até ao Estado, à troca
entre nações, ao mercado universal. Eis, manifestamente, o método
científico correto.

Referências bibliográficas
O Capital , Karl Marx.
Processo de estruturação urbana de Florianópolis , Maria Inês Sugai
Crítica a Filosofia do Direito de Hegel , Karl Marx
http://www.marxists.org/portugues/marx/1859/contcriteconpoli/introducao
.htm

* Gisele Witte, Acadêmica de Direito da UFSC, Estagiária no Tribunal de


Justiça de Santa Catarina, Gabinete Des. João Batista Góes Ulysséa,
Segunda Câmara de Direito Comercial, Organizadora do VI Congresso de
Direito da UFSC

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