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TEORIAS DA HISTÓRIA

Prof. Me. Giselle Rodrigues


gisellepalacio@yahoo.com.br 1
UNIDADE II

O TEMPO E A MEMÓRIA NA
PRODUÇÃO HISTÓRICA
Objetivos de Aprendizagem

Discutir o conceito e
representação do tempo,
abordando sua importância na
escrita da História.

Compreender a problemática do
tempo nos diferentes paradigmas
do conhecimento.

Definir o conceito de memória,


bem como seu emprego na
pesquisa histórica.
Plano de Estudo
Nesta unidade, você estudará os tópicos seguintes:

A importância e a definição de tempo histórico.

A representação simbólica e coercitiva do tempo: o


relógio e o calendário.

A noção de tempo nos diferentes paradigmas.

Definição de memória.

Relação entre história e memória.


Introdução

• Nesta unidade, apresentaremos, em um


primeiro momento, o tempo, com o propósito
de definir o seu conceito e mostrar sua
importância na produção histórica.

• Discutiremos também os entendimentos


diferenciados que os homens e a disciplina
tiveram, ao longo das épocas, acerca dessa
problemática.
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• Em um segundo momento, discutiremos o conceito
de memória e seu emprego na historiografia, já que
segundo o jornalista Adauto Novaes (1992, p.9)

“tempo é memória, é experiência vivida. Esquecer o


passado é negar toda efetiva experiência de vida; é
negar o futuro e abolir a possibilidade do novo a cada
instante”.

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• Ao estudar esses conteúdos, você, acadêmico(a), notará que
o tempo e a memória são instrumentos valiosíssimos na escrita
da História.

• O tempo, não apenas porque delimita temporalmente o


período em que a pesquisa será desenvolvida, mas porque
expressa traços do pensamento, das ações e experiências
humanas em uma determinada época, indispensáveis ao
trabalho do historiador.

• A memória porque constitui uma importante fonte de


pesquisa, na medida em que retoma o passado mediante as
lembranças.
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A IMPORTÂNCIA E A DEFINIÇÃO DE
TEMPO HISTÓRICO

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• Para poder explicar o passado, o historiador,
fundamentalmente, leva em consideração a noção de tempo.

• O tempo está intimamente ligado à escrita da História, tendo


em vista que expressa as realizações humanas produzidas
diariamente em uma determinada época.

• Porém, definir esse conceito não é tão fácil, pois mesmo


sabendo que existe – como nas transformações que ocorrem
em nossas vidas com o passar dos anos – não conseguimos
degustá-lo e visualizá-lo, muito menos tocá-lo ou ouvi-lo
(ELIAS, 1998).

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• Para o sociólogo alemão Nobert Elias, na obra Sobre o
tempo (1998), o tempo não é uma construção natural e nem
inata ao indivíduo.

• Pelo contrário, resulta de um longo processo de


aprendizagem construído socialmente pela humanidade desde
seus primórdios que tinha como finalidade:

• Orientar as comunidades humanas em suas atividades


sociais a partir dos fenômenos periódicos que ocorriam na
natureza e que expressavam transformações, tais como:
nascer e pôr do sol, mudanças da lua, transformação da noite
e dia e estações do ano.
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A REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA E
COERCITIVA DO TEMPO: O RELÓGIO
E O CALENDÁRIO

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• Nas sociedades modernas, o relógio e o calendário
representam os grandes símbolos adotados pelos
homens para contar e representar o tempo.

• O relógio marca o passar dos segundos, dos minutos,


das horas e dos dias.

• O calendário, o passar das semanas, dos meses e dos


anos.

• Ambos se inspiram na observação dos eventos


recorrentes da natureza.
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• Nesse sentido, o relógio e calendário exercem nas
sociedades humanas a mesma função que os
fenômenos naturais: orientação em uma sucessão de
processos sociais e físicos.
• Contudo, em um contexto marcado pela
modernidade, o calendário e, principalmente, o relógio
buscaram se distanciar dos fenômenos da natureza
que os inspiraram, pois as transformações científicas
dos séculos XVI, XVII e XVIII – baseadas na
racionalidade, nas leis da física e da matemática –
motivaram um estudo mais complexo e detalhado
sobre o tempo.
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• Não podemos perder de vista que, nesse período
histórico, a sociedade caminhava para um processo
de desenvolvimento industrial e capitalista.
• Desse modo, era extremamente concebível que as
concepções de tempo baseadas em elementos da
natureza, que ainda perduravam, fossem desfeitas
em favor de um tempo cronometrado e voltado à
produção de mercadorias.
• Nesta perspectiva, buscou-se um tempo que
aplicasse uma disciplina do trabalho e exercesse
sobre o ser humano o poder coercitivo, advindo da
sociedade capitalista. 14
A NOÇÃO DE TEMPO NOS
DIFERENTES PARADIGMAS

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• No decorrer da história, os homens
apresentaram noções diferenciadas sobre o
tempo.

• Do mesmo modo, os modelos explicativos,


também conhecidos como teorias, mostraram
entendimentos diferenciados sobre essa
questão.
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O tempo nos diferentes períodos
históricos

• Na antiguidade, o tempo era encarado como


eterno. Nesse sentido, o tempo existia segundo
um movimento circular, o qual passava por
estágios sucessivos que se repetiam com
constância, como no ciclo da vida.
• Esse pensamento aparece em Aristóteles,
pois ao discutir a física dos corpos, esse
filósofo acreditava que o tempo era um
contínuo que não poderia ser desvencilhado da
história (ZANIRATO, 1999).
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• Essa visão aristotélica de tempo circular e
eterno foi superada com o surgimento de novas
concepções embasadas nos escritos bíblicos.

• Tais concepções, que se denominam de


judaico-cristãs, viam o tempo de maneira
singular, linear e progressivo, uma vez que
havia data exata para começar (criação divina)
e data certa para acabar (juízo final)
(ZANIRATO, 1999).
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• A partir do Renascimento, essa noção de tempo
finalista religioso, que sinalizava a criação e o fim dos
tempos, foi sendo superada.
• Porém, os princípios de linearidade, de finalidade e
de progressividade persistiram, pois o tempo
continuou a ser encarado de maneira evolutiva e
segundo uma linha reta que apresentava começo e
fim.
• A diferença é que a ideia de progresso não seria
dado mais por Deus, mas pelo homem.

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• O paradigma positivista, surgido no século XIX, é um
forte expoente dessa crença de que a racionalidade e
cientificidade, advindas do homem, superam a
providência divina na problemática do tempo.

• Nele, o tempo, para os positivistas, era visto de


maneira sucessiva, cumulativa, finalista e irreversível
e tinha como proposta livrar o homem da barbárie e
conduzi-lo à civilização.

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• Do mesmo modo que o paradigma judaico-cristão e
positivista, o paradigma marxista entende o tempo
como sucessivo, cumulativo, progressivo, linear e
irreversível.

• Contudo, não tem como objetivo conduzir a


sociedade para o juízo final e nem, tampouco, à
civilização.

• Seu maior objetivo, senão único, é transformar a


sociedade capitalista em uma sociedade igualitária,
mediante a luta de classes. 21
• Com o surgimento de uma nova maneira de se
compreender os eventos humanos, paralela ao
positivismo e ao marxismo, o tempo histórico passou
a ser visto de uma forma diferente.
• Essa nova maneira, denominada de Nova História,
surgida nas primeiras décadas do século XX, deixou
de lado os princípios da progressividade e da
irreversibilidade em favor da simultaneidade
(ZANIRATO, 1999).
• A Nova História, assim, substituiu o tempo linear,
visto em único sentido, por um tempo múltiplo e
plural, visto em diferentes sintonias.
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O tempo múltiplo
• Por ter substituído o tempo linear por um tempo
múltiplo e plural, a Nova História inovou a noção de
tempo na produção histórica.

• E esta inovação se deu a partir das ideias


inovadoras desenvolvidas pelo historiador Fernand
Braudel.

• Para Braudel (1990), a explicação acerca dos


acontecimentos humanos se desenvolve em uma
tripla duração de tempo: curta duração, média
duração e longa duração. 23
Curta Duração
• A curta duração é o tempo do acontecimento, das datas, para
as quais se busca apenas a narração dramática e ruidosa, sem
atentar-se ao estudo das suas motivações e significações.

• Para Braudel (1990), esse tempo é ilusório, porque é


passageiro, por isso é próprio dos jornalistas e cronistas.

• A curta duração é própria dos historiadores positivistas, os


quais reuniam-se de fatos que mantinham alguma significância
entre si.

• Acreditava-se que a narração desses fatos organizados


cronologicamente, de maneira linear, esclarecia o passado.
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• Contudo, em estudiosos como Alfredo Bosi (1992), as datas
são apenas pontos de orientação, como as pontas de icebergs
que, quando entendidas de maneira isolada, nada
significavam. Para compreendê-las, é preciso mergulhar nas
profundezas de sua atividade processual. Assim:

• “A data é, nessa perspectiva, um número-índice, o elo mais ostensivo de


uma cadeia dotada de sentido. 1492: Colombo chega às ilhas do Caribe, o
que significa um momento alto da expansão da cultura europeia e do
catolicismo, de que o Novo Mundo seria continuador. 1792: Tiradentes é
enforcado após uma abortada conspiração anticolonial; hora cruel, sem
dúvida, mas prenunciadora de uma nova nacionalidade, o Brasil, que trinta
anos mais tarde se destacaria de Portugal por obra de um príncipe, Pedro,
neto daquela mesma dona Maria que ordenara o sacrifício dos
inconfidentes. 1822: faz sentido como o que veio depois de 1792. O antes é
a semente, o germe, a raiz do depois” (BOSI, 1992, p.21). 25
Média Duração
• Emprestando a analogia de Alfredo Bosi
(1992), é possível refletirmos que a média
duração, também chamada de conjuntura,
permite ao historiador mergulhar um pouquinho
nesse oceano em que se edifica a ponta do
iceberg, pois essa ponta:

“oferece à nossa escolha uma dezena de anos,


um quarto de século e, em última instância, o
meio século” (BRAUDEL,1990, p.12).
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Longa Duração
• A longa duração são as estruturas sobre as quais é possível
notar as mudanças e permanências nos grupos sociais.
“Para nós, historiadores, uma estrutura é, indubitavelmente,
um agrupamento, uma arquitetura; mais ainda, uma realidade
que o tempo demora imenso a desgastar e a transportar.
Certas estruturas são dotadas de uma vida tão longa que se
convertem em elementos estáveis de uma infinidade de
gerações: obstruem a história, entorpecem-na e, portanto,
determinam o seu decorrer. Outras, pelo contrário,
desintegram-se mais rapidamente. Mas todas elas constituem,
ao mesmo tempo, apoios e obstáculos, apresentam-se como
limites (envolventes, no sentido matemático) dos quais o
homem e as suas experiências não se podem emancipar”
(BRAUDEL,1990, p.14). 27
DEFINIÇÃO DE MEMÓRIA

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• Na formulação das explicações sobre os
acontecimentos humanos no tempo, a memória,
enquanto fonte de pesquisa, desempenha uma
importante função.

• Mas, antes de abordarmos essa questão, é


fundamental definirmos o conceito de memória.

• Nas definições sintéticas do dicionário notar-se-á


que a memória é a capacidade de recordar e lembrar-
se do passado. Pode ainda atrelar-se ao registro de
dados, como no caso da informática. 29
• Para o historiador Le Goff, na obra História e
Memória (1992, p.419), a memória representa o
conjunto de funções psíquicas, as quais permitem ao
homem conservar informações.

• Para Moreira (2011, p.1) a memória “no sentido


primeiro da expressão, é a presença do passado”,
pois ela é “uma construção psíquica e intelectual que
acarreta de fato uma representação seletiva do
passado, que nunca é somente aquela do indivíduo,
mas de um indivíduo inserido em um contexto
familiar, social, nacional”. 30
• Nas definições apresentadas, verificamos que a
memória é uma construção psíquica que permite aos
homens reter informações sobre o passado.

• Porém, esse passado não é relembrado de maneira


total, mas de maneira parcial, tendo em vista que
cada indivíduo revela uma lembrança particular, uma
interpretação única sobre o passado.

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• Nesse sentido, a memória é uma construção individual porque
expressa a imagem que cada pessoa atribui ao passado. Mas, não
deixa de ser uma construção coletiva, já que a soma das diversas
imagens individuais expressam a representação dos significados que
o grupo atribui aos acontecimentos.

• Nas duas modalidades de memória, individual e coletiva, observar-


se-á o papel exercido pela realidade – social, econômica, política e
cultural do indivíduo e de seu grupo – na transformação e
manipulação da memória.

• Essas manipulações podem ocasionar a deturpação da memória,


sua modificação e até mesmo o esquecimento (LE GOFF, 1992).

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RELAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E
MEMÓRIA

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• O emprego da Memória na produção
historiográfica passou a ocorrer com a
chamada “revolução documental” iniciada pelos
Annales, a qual permitiu aos historiadores
utilizarem uma imensa variedade de
documentos em suas pesquisas.

• Mas ao empregar a memória na produção


histórica, o historiador precisa ter claro que a
memória e a História são coisas diferentes.
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História
• A História, apesar de ser uma ciência
subjetiva, não se contenta com explicações
superficiais e infundadas.

• Apresenta um compromisso com a verdade


histórica.

• Por isso, utiliza métodos de investigação afim


de problematizar o objeto estudado (AMÂNCIO
et al., 2010). 35
Memória
• Já a Memória não apresenta compromisso
com a verdade, pois expressa lembranças
individuais e coletivas que variam no decorrer
do tempo segundo as experiências vividas,
sejam boas ou ruins (AMÂNCIO et al., 2010).

• Levando em consideração a vulnerabilidade


da memória, o historiador deve olhar para
essas fontes de maneira crítica, ou seja, “deve
esclarecer a memória e ajudá-la a retificar os
seus erros” (LE GOFF, 1992, p.29). 36
Mas de que maneira é possível
esclarecer as memórias?

• Confrontando-as com outros documentos.

• A análise de outros tipos de fontes permite


verificar se as informações contidas nas
memórias procedem.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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• Nesta segunda unidade, definimos os conceitos de
tempo e de memória, bem como demonstramos a
importância que exercem na escrita da História.

• Em relação ao tempo, vimos que definir seu conceito


não é tarefa muito fácil, pois apesar de senti-lo, não
conseguimos vê-lo, tocá-lo e degustá-lo.

• Também estudamos que a marcação do tempo é uma


convenção construída socialmente e resulta de um
processo de aprendizagem, promovido pelos homens
para se orientar.
39
• Em relação à memória, notamos que
representa uma importante fonte de pesquisa
para o historiador, mas esse precisa manter
alguns cuidados para trabalhá-la, pois as
lembranças revelam imperfeições.

• Nas próximas unidades, trataremos


diretamente das teorias da História,
começando pelo Positivismo.
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Referências
• AMÂNCIO, Silvia Maria; IPÓLITO, Verônica Karina; PRIORI,
Angelo. Memória individual, memória coletiva. In: PRIORI,
Angelo. Introdução aos estudos históricos. Maringá: Eduem,
2010. p.45-53.
• BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais. 6 ed.
Lisboa: Editorial Presença, 1990.
• BOSI, Alfredo. O tempo e os tempos. In: NOVAES, Adauto
(Org.). Tempo e História. São Paulo: Cia das Letras, 1992.
p.19-32.
• ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1998.
• LE GOFF, Jacques. História e memória. 5 ed. Campinas:
Editora da Unicamp, 1992.
41
• MOREIRA, Raimundo Nonato Pereira. História e memória:
algumas observações. Práxis: Revista eletrônica de História e
Educação.–ano II, n. 2, 2011 . Disponível em:
<http://www.fja.edu.br/proj_acad/praxis/praxis_02/documentos/
ensaio_2.pdf>. Acesso em: 16 abr.2014.
• NOVAES, Adauto. Sobre tempo e História. In: NOVAES,
Adauto (Org.). Tempo e História. São Paulo: Cia das Letras,
1992. p. 9-17.
• Zanirato, Silvia Helena. Concepções contemporâneas do
tempo histórico. Caderno de metodologia e Técnica de
pesquisa. Maringá. v.9, p.89-97, 1999.

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TEORIAS DA HISTÓRIA

Prof. Me. Giselle Rodrigues


gisellepalacio@yahoo.com.br 43

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