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Artigo A INVENCAO DE UM OLHAR: | JEAN DE LERY E OS TUPINAMBAS Wilton C.L. Silva’ Resumo Abstract AA partir do tclato de viagem de Jean de Starting from the report of travel of Léry 20 Brasil, estabelecemos uma Jean de Léry to Brazil we established a abordagem hist6rico-cultural para en- historicalcultural approach for us (0 fatizarmos formas de pereepgio e des- emphasize the perception forins and crigio da diversidade da natureza bra- description of the diversity of the bra- sileira, Nosso enfoque permitiu a ca rilian nature. Our focus allowed the racterizagio de diferenciadas percep- characterization of having differenti= ‘goes de mundo ¢ formas de vineulo do ‘led world perceptions and forms of narrador com o seu tempo, & natureza & the narrator entail with your time, the 05 objetos que os cercam, entre signifi- nature and the objects that surround cativos contrastes © sutis nuangas. A them, berween significant contrasts and narrativa de Jean de Léry, Viagem & subtles nuances. The narrative of Jean Terra do Brasil (1578), permite identi- of Léry, Viagen & Terra do Brasil ficar 05 elementos constitutivos de uma (1578), it allows to identify the con- visio de mundo em que se fundem os stituent elements of a world vision in teferenciais renascentistas, 08 ideais that are founded the renaissances ‘ealvinistas e um raro relativismo cultu- references, the calvinist ideals and a ral, que estrutura um discurso baseado rare cultural reativism, that structares a * Mestre em Sociologia (UNICAMP), Doutor em Historia (UNESP ~ Assis), onde defendeu tese sobre a natureza brasileira na nartativa de viajantes (Léry, Antonil € Burton), professor da UNIMEP (Campus de Lins, SP). E-mail: profes sor@pepostal.com HISTORIA SOCIAL wo Toa | 200072002 n A INVENGAO DE Um OLR: JEAN LERY £05 TUPIMAMBAS ‘no jogo de semelhangas ¢ que aponta speech based on the game of likeness para uma yerticalidade da anilise, and that appears for a vertical level of hierarquizando culturas, religides © he analysis, hierarchical cultures, elementos da natureza, religions and elements of the nature, Palavras-chave: Narwreza; Literatura Keywords: Nature; Literature of de Viagem; Vigiamtes; Jean de Lévy, Travel; Travelers; Jean de Ly, Colo- Brasil Colonial nial Brazil “Déem gragas 20 Senhor pela sus benignidade, & pelas imaravithas para com os filhos dos homens! Oferegam sacifk de louver, ¢relatem us suas obras com regarijo! Os que descem ‘20 mar em navies, os que fazem cométcio nas grandes &guas,es- ses vem as obras do Senhor, @ a8 suas maravilhas no abismo,” ‘Samos, 106:21-24) 1. A viagem e a literatura no século XVI Embora a problemética da viagem seja comum a todas as épocas da hist6ria da cultura, durante a transigdo entre a Idade Média e a Idade Moder- nna ocorre uma nftida ruptura. Essa ruptura se processaria, tanto pela incorpo- ago & idéia de errincia medieval dos referenciais de busca de riquezas © lucros, quanto pela afirmagiio de uma nova relagdo entre 0 europeu e os ha- bitantes do restante do mundo, com a estruturagdo de uma visio subjetiva e etnocéntrica (hierarquizando 0 destinador e 0 destinatério na relagio de en- contro civilizatério) que sera indelével nos séculos seguintes. O conceito de “literatura de viagen complexo e divide opinides, pois se trata de uma classificagio recente, que busca ineorporar de forma aut6noma um universo literério (e também carto- exifico e iconografico) constituido por um corpus de textos, cujas balizes cronol6gicas se situam entre o século XV e o XIX e cuja natureza é interdi ciplinar, englobando a antropologia, a geografia e a histéria, Tal corpus é integrado por obras escritas por participantes ou testemu- ", chama a atengao (Dias, 1997), & nihas presenciais dos acontecimentos narrados, que se identificam por temas WILTONC. L. SILVA B caracterfsticos: a descrigdo da alteridade geogrfica e humana que a experién- cia ultramarina proporcionoy, a revelagao pela escrita de uma paisagem exd- tica (oriental ¢ tropical) e da imagem do Outro, de uma humanidade dife- rente, com culturas, erengas, governos e costumes proprios. ‘As navegagGes ultramarinas européias revelam uma curiosidade sobre co mundo que, na verdade, representa uma ruptura das estruturas medievais. Nao 56 se revelam inovagdes tecnolégicas, transformagées econdmi- cas ¢ mudangas politicas, mas também ume nova cultura: as solidariedades Jocais da organizagio social autocentrada e © imagindrio fabuloso € mitico ‘medieval cedem espagos para uma visio antropocéntrica e cosmopolita que vai, lentamente, transformar a curiosidade diletante em busca do conheci- mento, o empirico em experimental e os dogmas em teorias ¢ hipsteses. (0 processo de construgfio do mundo, no entanto, constitui-se em dois niveis, material e o simbélico sendo este diltimo o mundo da paluvra que, por definigao, & 0 vasto continente dos literatos. Falar sobre € tomar real, € o dis- ‘curso dos viajantes é um esforgo de dar realidade e inteligibilidade, ao que se Vé através de uma espessa camada de representagSes, em que versbes $80 st- perpostas a fats, evidenciando como “as culturas se olham ¢ olham as outras, como estabelecem igualdades e desigualdades, como imaginam semelhangas € diferengas, como conformam © mesmo e 0 outro.” (Belluzz0 1996, p. 10). ‘Ao longo da transigao entre 0 medievo ¢ a modernidade, o carter ex- cepcional dos relatos de viagens medievais por terra é substitufdo pelo earé- ter sistemiético que eles assumem durante a idade modema quando a instin- ‘cia maritima domina a semantizagio da narragdo em que se percebe uma produgdo muito expressiva de didrios de bordo e de roteiros de viagem mis- turados a narrativas onde estilos se meselam, fundindo constanterente, did rio, roteizo € narrativa. ‘Uma questio fundamental é a percepgo de que, nessa fusio, a instén- cia nasrativa vai se autonomizando em relago a0 teor pragmatico dos textos, dando corpo a uma produgio sistemética que corresponde tanto aos apelos "4 A INVENGAO DE UM OLHAR: JEAN LERY E05 TUPINAMBAS de ordem politico-diplomética (como as cartas), como & demanda de um consumo mais “popular” (como acontece com os relatos de naufrégios) Mas, percebe-se também, uma ligagdo direta enire esse tipo de literatura e a doutrina da “observaglo imediata, da presenca testemunhal ¢ da ‘experién- ia, que € made das cousas"”, com a absorgdo crescente de um espirito criti- co laicizante, que se afasta da doutrina da imitagio para seguir a especifici- dade das diferengas e da reflexdo sobre elas, (Seixo 1996, pp, 122-123)! Estas narrativas de viagens, ao fazerem a ponte entre um mundo vi- venciado ¢ outro no conhecido, ao darem familiaridade ao que ndo & fa- miliar, a0 se apropriarem do que € dominio do outro, ganham uma dimensio fabulosa, dimensio que promove a rica ¢ efi do © 0 idealizado. s relatos de viajantes passam a circular intensamente pelo Velho intersegao entre o vivencia- Mundo, com 0 surgimento de sociedades ¢ instituigdes destinadss & sua po- pulatizagio, embora, como literatura, tenha tido penetragdo em todas as ca- ‘madas sociais, tanto na sociedade cortesa, como entre setores intermediérios classes populares, “A revelago pela eserita de uma paisagem humana, geogrtica e cultural ex6tica, nfo codificada literariamente, & wansmitida nama Jinguagem simples, que no se dirigia a0 piblico letrado e sim 20 leitor comum, avido de noticias sobre as novas terras descobertas. E por esta via que estes textos sobre a vivéncin do quotidiano no ¢ além- ‘mar (sic) sio integrados no sistema literério, tradugdes privilegindas do saber, representagio e sentido do mundo de entio.” (Dias 1997), "Chama @ atengio a forma como a influéneta elissica greco-romana, pilar do Re- nascimento Cultural, se faz presente em obras tio dispares em finalidades e estilos como nos escrito de viajantes, nos trabalhos dos cromistas ot em obras como as de Rabelais ¢ Montaigne, o que demonstraria uma complexidade multi-sistemica do periodo. (Scixo 1996, p.123, nota 1) chama a atengto, em nota de rodapé, para essa idéia, a nogd0 de polissistema, que seria “fundamental nos estudos eultuais para o entendimento homogéneo de dados de proveniéncia diseiplinar diversa, de ‘modo 2 setem considerados com certo rigor ea furtaremsc aos perigos da dispar dade de materiais e de interpretaglo analégica.” ‘Warton C. L. SILVA 5 Tal literatura, ao menos inicialmente, incorpora o fantéstico de forma bastante proeminente, tanto nos relatos das terras do Oriente, como nos relatos das terras americanas, “com seus campos fertilfssimos, um elima de perene primavera, a Fonte da Juventude, a Arvore do Bem e.do Mal ¢ 0 grande rio dividido em quatro bragos, ore a terra indspita, despovoada ou pior, habitada por seres disformes ou monstruosos”. (Leite 1996, p. 34) [Em um primeiro momento, essa forma de literatura ajuda, inclusive, & “tecer a curiosa feia em torno da qual as utopias tragam as suas imagens & idéias de um mundo melhor, forma natural de protesto contra um mundo em transformagao”, mas ao longo do tempo, “no cessa de se desenvolver, atra- vessa 0 seiscentos ¢ 0 setecentos, chega 20 oitocentos” com um novo perfil, ‘onde os relatos de aventureiros ¢ comerciantes cedem lugar a “viagens pro- ongadas, abedecendo a crit jos sisteméticos ¢ fins determinados (...) feitas por sibios de diversas nagies, & procura de elementos ou dados para as suas pesquisas particulares e especializadas.” (Sodré 1960, p. 317). século XVI, que marca o inicio dessas viagens, é um século embe- vecido numa atmosfera onfriea, em que a viagem & sempre parte de um so- nnho ligado ao movimento, & fuga, jé que 0 cotidiano transcorria de forma profundamente estatica € opres iva. A imaginagao com muita forga torna-se uma forma de deslocamento, na qual 0 espago onirico, © edénico ¢ as noticias contradit6rias constituem e mantém o movimento, Muitas vezes, nas andlises historiogréficas, os relatos dos cronistas dos viajantes sto reduzidos @ uma relagdo mecanicista entre 0s discursos ¢ os ccontextos em que esses documentos hist6ricos foram produzidos, existindo uma clara simplificagio, através de modelos fechados ¢ incapazes de dar conta das particularidades discursivas e da multiplicidade das praticas cultu- rais*, Ou através de uma niio-historicizagio, tais relatos so identificados 2 0 conceito de realidad polissistémica, assim como as contribuigées das anilises feitas pela histéria das mentalidades, © mais recentemente, pela chamada Nova Histéria Cultural sio modelos possiveis de afirmarem outras interprotagGes, vatoti zando a polifonia do discurso historiogrético, 16 A INVENGAO DE Um OLHAR: JEAN L&RY E 08 TUPINAMBAS ‘como o resultado de qualidades pessoais particulares, 0 que permite desven- dar de forma tinica a complexa realidade brasileira, reduzindo-os a docu- mentos deseritivos, texto quando ¢ historicizado, deve ser percebido como paste de um processo discursivo, um disciplinamento em que idéias sio lapidadas, hie~ rarquizadas, ordenadas © domesticades, constituindo-se como projegio da forma de leitura inserida em umm processo discursive espectfico Aquele que escreve busca realgar pontos centrifugos dentro do seu proprio texto, fazendo uma domesticagao dos sentidos ¢ a sua instrumentali- zagio. O texto que € retrabalhado por seguidas edigdes, por sua vez, adicio- nado constantemente de preficios ¢ notas, reforga a possibilidade de sua incompletude e maleabilidade infinita, podendo ser acrescido de novos enun- ciados, indefinidamente. (Orlandi 1990, pp. 102-104). relato de viagem nao traz em si somente uma deserigto de lugares exéticos ou costumes estranhos, mas a fustio entre dois mundos, em que a linguagem e 0 espago se mesclam na constituigo de um novo alicerce sim- bolico, espaco no qual © pensamento humano possa produzir uma ordenagao enire os seres, uma classificag diferengas, uma apropriagao total.” 0 olhar europeu, ao longo dos séculos, estrutura-se objetivamente, na observagiio e relato das especificidades das terras longinquas, inventariando € inventando, tornando o distante, o exstico € o diferente em algo passivel de que possibilite, através de similinudes ser imaginado e decifrado em seu sentido e utilidade.* *°0 iinventério do mundo vivo, por exemplo, que acompanha as exploragses e os descobrimentos geogréficos, se amplia desmedidamente: no pode enumerar como ‘em nossos dias cerea de 35.000 seres vertebrados e 570.000 invertebrados (entre (0s quais 500.000 espécies de insetos), mas & capaz.de ultrapassar de longe 0 cata logo de Aristételes que nfo compreende mais do que 500 tipos de animais, (De- leunay 1960, p. 160). * Sendo comum as relagGes entre as realidades © naturezas européia © americana ériarem muitas mitificagdes e enganos. “Parece provével que Colombo se tenha Witton. L. Siva 7 A proliferagdo de relatos de viagens respondia a uma curiosidade do hhomem europeu sobre 0 outro, o que ocorria devido a substituigao definitiva da narrativa fantistica por outra que enfatizava cada vex mais a precisio descritiva, havendo um aprimoramento discursive, vinculando 0 visto © vivido a uma légica de objetividade e empirismo. Essa transigio do fantéstico para o descritivo, deixa transparecer ndo 86 a busca de um sentido discursivo, mas também a zelagdo do narrador com 9 seu tempo, o que caracteriza diferentes percepedes do mundo e limitagdes nificados do que a vista pode captar, criando ‘ou deserevendo, recortando objetos do contexto, ou eompondo novos con- textos.” (Theodoro 1996, p. 76) Esse aprimoramento discursivo vai sendo lapidado & medida que vai se difundindo na imprensa européia, que transforma muitos desses relatos em obras de ampla circulagdo para os padries da época, 0 que demonstra existéncia de uma reserva de vidos leitores interessados cada vez mais nas as do olhar, ou seja, “ novidades trazidas pelos navegadores, detentores de uma curiosidade a respeito dessa diferenciada construcdo l6gi deinado dominar, neste passo, pelo mesmo engano que entio, ¢ ainda mais tarde, hi de levar muitos europeus a procurar ver no Novo Mundo algumas das espécies vegetais ou animais que jé Ihes seriam familiares, (..) Nem por iss0 & menos exato dizer que a convengio literiria dos motivos edénicos, onde a narrativa bfblica se deixara contaminar de reminiseéneias classicas (mito da [dade do Ouro, do Tardim das Hespérides...) ¢ também ca geografia fantastica le todas as épocas, veio a afe- tar decisivamente aquelas descrigdes.”(Holancla 1977, p.16) 54 imprensa, a chegada & Europa dos manuscritos orientais, 0 aparecimento de ‘uma literatura que nfo era mais feita pela voz ou pela representagao nem comar dada por elas, a primazia dada a interpretagdo dos textos religiosos sobre a tradi¢do ¢ 0 magistério da Igreja ~ tudo isso testemunha, sem que se possam apartar os efeitos e as causas, o lugar fundamental assumido, no Ocidente, pela Escrta, Do- rayante, a linguagem tem por natureza primeira ser escrita. Os sons da voz Formam apenas sua tradugdo transitria e preciia. O que Deus depositou ao mundo sto palavras eseritas; quando Adio impds os primeiros nomes aos animais, nio fez mais que Ter essas visfveis e silenciosas; a Lei foi confiada a Tébuas, nfo a mems- B A IXVENGAO DE UM OLHAR: JEAN LERY B08 TUPINAMBAS discurso sobre 2 América vai se estruturar em trés momentos dis- tintos, através de trés eixos dinimicos ¢ inter-telacionados: no primeiro, ocorre a interpretagio imediata e ut6pica dos fatos, “a realidade que se quer ver"; no segundo, a realidade se impde € questiona o afirmado ~ criando crises de paradigmna — ¢ no terceiro, hé um processo de reelaboragio para afirmar-se um paradigma que, simultaneamente, dé espago & visio ut6pica € absorva a desordem criada pela ruptura imposta pela realidade. (Mendoza 1995, p. 410). (0s diferentes relatos, que se encontram sob o rétulo de “literatura de viagens”, constituir-se-iam para o paiblico que os recebeu, como hist6ricos € também como erdnii para entretenimento, duplo aspecto que explica sua promogdo ¢ aprovagio pelos editores e leitores. (0 ritmo monétono do cotidiano, atravessado pela regularidade e repe- tigdo desperta o desejo do imprevisivel, cria a esperanca do extraordinstio € do admiravel. O leitor evoca, segundo Giucci Giucci 1992, pp. 87-88), 0 desejo de participar da ilusdo dos contrérios, transferindo a expectativa pes- soal do viajante para seus préprios desejos de aventura, rompendo, desta forma, a mediocridade de sua prépria sociedade, apagando sua realidade imediata, tornando exeqiifvel o inalcangével buscando compensar frustragtes cotidianas. O relato de viagem surge, entio, como uma libertagiio em que a fantasia de ser um outro diferente amplia horizontes, minimiza dotes e reno- ‘va expectativas, enquanto permite visualizar uma alteridade espetacular des- cortinada pelo seu desterro ficcional 0 imaginsrio do século XVI estabelece uma forma de conhecimento em que @ idéia de ordem ¢ regra ainda nfo esté estruturada como um referencial obrigat6rio — ao contrétio, hi “um conhecimento misturado e sem Tegra, onde todas as coisas do mundo se podiam aproximar ao acaso das cexperigncias, das tradigGes ou das credulidades” (Foucault 1985, p.66). ria dos homens; © a verdadeira Palavra, é num livro que a devemos encontrar.” (Foucault 1985, pp. 54-55) WLTONC. L. SILVA 9 Os intensos movimentos de aproximagio e afastamento entre a reali- dade europsia e a americana se constituiriam, portanto, em um esforgo de reconhecimento ¢ apropriagio, que permitiria um manuseio da nova realida- de e do novo espago, além de uma justificativa de ago. 2. Os viajantes A andlise de textos literarios sempre toca na interpretagio subjetiva do leitor, e dessa forma permite que © mesmo texto seja apreendide das mais di- versas formas®, ocorrendo uma multiplicidade de visdes, que poderd ser perce- bida em qualquer obra, tanto na andlise das narrativas dos viajantes pelo Brasil colonial como, por exemplo, no caso de A Metanorfase, sobre a qual: (a0) Gustay Janouch, um amigo de Kafka, leu-a como uma parabola religiosa e ética; Bertold Brecht julgou-a como obra do ‘Ginico escritor realmente holchevista; 0 critico iningaro Gydrgy Lukées considerou-a produto tipico de um burgués decadente; Borges leu-a como narrativa que reconta © paradoxo de Zeno: a critica francesa Marthe Robert viu, na obra um exemplo da clareza da lingua aleméi; Vladimir Nabokov considerou-a (em parte) uma alegoria da Angst adolescente.” (Mangue! 1997, p. 113) ( relato de Jean de Léry, originalmente intitulado Histoire d'un voyage {fait en la terre du Brésil, aparece na Franga em 1578, descrevendo 0 que ele © 0 esforgo de andlise muitas vezes produz uma distorgo da famosa frase de Buffon: “O estilo € 0 homem”, notada com muita clareza em alguns enfoques “psicanaliticas” nas artes, que “levou a suposigdes de que as formas inflamadas das pinturas de El Greco S8o provas de astigmatism, as longas frases dos roman- ces de Proust provas de asma, a retGriea das pegas de piano de Liat provas de san- ue cignno, ¢ os fngulos retos da arquitetura de Mies van der Role provas de suti totalitrismo.” Ou no Spice dessa tendéneia, quando a especialiste em literatura Caroline Spurgeon, ufilizando-se das imagens usadas por Shakespeare concluit {que 0 poeta era: “um homem de fisico bem constiuldo e eompacto, provavelmente de tipo franzino, extraordinariamente bem coordenado, de corpo gil e Iépido, vista répida e agugada (.,) provavelmente de pele boa e corada, rubor que na ju- ventude ia € vinha com facilidade (.) muito sensivel a sujeira e « maus odores(..) Eenlil,delicado, honesto, corajoso e verdadeiro.”” (McMullen 1994, p. 218) 80 A INVENCAO DE UM OLHAR: JEAN LERY & 05 TUPINAMBAS teria presenciado em expedic@o i malograda Franga Antartica, © texto € ex- ‘remamente representativo, quer como exemplo de relato erudito do Renasei- mento francés (que se utiliza muitas vezes de modelos da Antigtidade Classica para estabelecer uma valorizagao positiva dos homens do Novo Mundo), quer pela forma, jé que € uma das primeiras narrativas no processo de invengao do Brasil no século XVI, (e que tem sido levado adiante nos sécutos seguintes, quer pelo surgimento de outros relatos, quer pelas releituras dos ja existentes).” Esse missionétio, nascido de origem humilde em Il Margelle, na Borgonba, no ano da graga de 1534, tinha como oficio a confecgao de sapatos ¢, precocemente, se converteu a0 calvinismo, 0 que Ihe valew perseguig6es, um rapido exilio em Genebra e a posterior incorporagao & missio de colonizagtio da Franga Antértica, Durante dez meses, ele e seus iguais, viverao no Forte Coligny sob as ordens ¢ a proteg#o de Villegagnon, ¢ apés a ruptura entre os dois grupos, viveré ainda, entre novembro de 1557 € janeiro de 1558, na hospitalidade tupinambé, da quat s6 sairé para uma dramética volta a Genebra. Ap6s venturas e desventuras, como a participagio e a sobreviven na resisténcia da cidade de Sancerre, cercada quase um ano pelos catélicos durante as guerras de religido ¢ seu cortejo de horrores, ele esereverd dois, livros: 0 primeiro, sobre 0 do cerco & cidade, em que defende a £6 ealvinista € justifica seu papel como negociador no episédio, 0 segundo, sobre sua viagem 2 terra do Brasil. 7 Vejamos o perfil do missionério feito por Sodeé (Sodré 1960, p.322): “Jean de Léry nasceu em 1534, De origem humilde, simples sapateiro, ascendew com gran de esforeo no campo do conhecimento. Veio a0 Brasil em 1557, colaborar com Villegagnon, repressando no ano seguinte, Seu livro apareceu em 1578, em Ia Ro- chelle, J4 em 1580, em Genebra, aparecia a segunda edigio; a terceira & de 1585, a quara de 1594, a quinta de 1599, a sexta de 1600. A edigao Lemere, de 1878, preparada por Gaffarel, foi calcada na segunda. (..) A tradugio indicada merece toda confianga, Contém © eoldquio na lingua brasiica € notas tupinolégicas de Plinio Ayrosa, Léty faleceu em 1611. Seu livro tem valor etnogrifico, histérico até musical.” WILTONC. L. SILVA a1 “Publige en 1578 & Genave, et la méme année sous la fausse adresse de La Rochelle, Histoire d'un voyage fait en la terre du Brésil constitue la somme dune vie et, parle regard nostalgique qu'elle porte sur les enfances de Thumanité, une oeuvre unique dans Ja itérature européenne de la Renaissance. Dans limmédiat elle réplique aux assertions calommnieuses répandues par André Thevet, le catholique cosmographe des rois de France, sur le compte des “Genevoi Brésil, qui auraient été cause de la perte de la colonie. 1) sagit done pour Léry de rétablir une vérité et de laver de tout soupgon la iméimoire des ois martyrs immolés au Nouveau Monde pour 1a défense de la foi calviniste. Une fois de plus, par conséquent, Yautobiographic est inséparable de Fapologi¢ militant, et le récit de vie étroitement solidaire de la défense et illustration de Ia Cause coutragée, Mais ce qui, chez tout autre, aurait donné Tiew & un exposé dogmatique sans grice ou 8 un pamphlet acide, comme il en fut beaucoup publié 2 Tépoque, devient, par la vertu d'un style “nai” et, plus encore, dune passion communicative pour le Brésit et ses habitants “natures”, le premier essai éanthropologie digne de ce nom publié en France.” (Lestringant 1994B)* relato € aumentado progressivamente, ao longo de seis edigdes sucessivas; € distribuido em algumas edigSes em latim por toda toda a Europa, enguanto seu autor exeree a profissio de pastor, até morrer contaminado pela peste em 1613. ® Publicado em 1578 em Genebra, ¢ no mesmo ano debaixo do falso enderego de La Rochelle, a Hisioire d'un voyage fat en la terre du Brésl consttui a soma de uma vida e, pelo olhar nostalgico que langa sobre as infaincias da humanidade, um tr balho sem igual na literatura européia do Renascimento, De imediato faz uma r plica direta as afirmagées difamadoras derramadas por André Thevet, 0 cosmégra- fo cat6lico dos reis de Franga, que culpa os reformados genebrinos pela perda da coldnia no Brasil. Esti a cargo de Léry restabelecer a verdad ¢ lavar de toda a suspeita a meméria dos trés martires imolados no Novo Mundo para a defesa da f calvinista, Mais uma vez a autobiografia & insepardvel do discurso militante, € 2 narragio do vivido se toma interdependente da defesa da causa ultrajada, Mas aquilo que teria conduzido a uma exposigio dogmatica sem graga ou para un fo~ Theto cido por qualquer um, como muitos dos publicados na époce, 0 relato se toma, pel virtude de um esilo “ingnuo” e por cause de uma paindo comunicativa para o Brasil ¢ seus habitentes ‘naturais', 0 primeiro ensaio de antropologi mere- cedor deste nome publicado na Franga.” (Lestringant 1994B) (Tradugio do autor.) 82 A INVENGAO DE Um OLAR: JEAN LERY B05 TUPINAMBAS O texto de Léry, tantas vezes comparado a Montaigne, “se recomenda pela imparcialidade com que descreve a vida e os costumes dos tupinambis, pela agudeza de sua observagio e, ainda, pelo sabor de seu estilo”, (Apre- sentagao de Sérgio Milliet, in Léry 1972, p. XV), Afirmando diferentes identidades, em diferentes lugares € momentos, © discurso de Léry é 0 discurso fragmentado do colonizador, do erente e do perseguido, em que as identidades se movimentam constantemente, se tocam, se chocam, se completam. discurso mergutha nas aguas do poder, do poder de explicar uma (outra) cultura e ao mesmo tempo silenciar certos sentidos, ou melhor, nao deixar, assim, que se afirmem outras formagdes discursivas. ‘Orlandi (1990) estuda os prefiicios e as notas das seguidas edigdes de alguns viajantes que entraram em contato com o indio brasileiro no século XVI, inclusive 0 relato de Léty, & identifi Foucault chama de “comentério”, ou seja, uma “repetico mascarada” que nesses exeertos aquilo que reafirma o texto, ¢ que ocupam nao o lugar de um discurso sobre 0 discurso,, mas de um discurso paralelo.” viajante do século XVI, inevitavelmente ter seu discurso impreg- nado pelos referencias renascentistas em que se nota um esforgo pela esiru- turagio de uma “Hist6ria Natural”, colecionando imagens e estabelecendo enire elas relagbes de semelhanga e contigiiidade, em que as imagens sio fundamentadas por analogias ¢ aproximagdes, “em cuja linguagem simbdlica predomina o exerefcio substitutivo das metéforas”. (Belluzzo 1996, p. 17). Essa linguagem simbética reflete um embate entre impulsos de cons- trugiio simbélica (0 indefinido campo do desconhecido, os sfmbolos e mitos, 08 contos maravithosos e as fbulas) e a experimentagdo (da qual a constru- gio geogréfica é um exemplo soberbo, pelo destaque dado & observagio ° A edicdo utilizada por nés (Lery 1972) contém as notas de Gaffarel, o Coléquio na Tingua brasilica e notes tupinoldgicas, notas e comentirios de Plinio Ayrosa, além impecévet tradugdo do texto por Sergio Millie, assim como de ilustragbes da ed 0 original e de outras subseqtientes, WILTON C. L. SILVA, 8 direta ¢ a0 eflculo que possibilitam ao navegador aprender 0 desenho do mundo, depurado do fantistico. Nesse embate entre o simbélico e a experimentacio, é frequente 0 as- sombro com 0 qual 0s observadores do Novo Mundo, ainda desconhecido, mencionam as “coisas da natureza” € sentem-se atraidos pelos animais & ‘vegetagio estranha e exética, além das populagies aqui encontradas. 3. Aiko Rery-ust. Eiké “Toitoupinambaor O texto de Léry nio se vincula ao cardter etnocéntrico costumeiro dos relatos de viagem, no qual o olhar europeu busca identifiear o indigena como um homem incompleto ou como uma inverséo da sua cultura, sendo, na verdade, totalmente ausente 0 mecanismo de identificag#o do novo com 0 velo mitigado, tanto pelo seu elevado grau de relativismo e tolerancia, como pela visto positiva que ele atribui a uma série de caracteristicas desse outro, europeu chega ao Novo Mundo trazendo o repertério de imagens, lividida entre simbolos e t€cnicas que vdo conftontar-se com uma realidade © imaginado ¢ 0 real No texto de Léry, por exemplo, podemos destacar a forma como ele descreve 0 pau-brasil, chamado de arabutan, ibirapita ov como pau-de-tinta, através da aproximagio ¢ do afastamento com o que € familiar: “Devo comegar pela descricio de uma das arvores mais notéveis © apreciadas entre nds por causa da tinta que dela se exira: o pau brasil ‘que deu nome @ essa regido. Essas drvores que 0s selvagens chamam ide arabutan engalha como carvaiho das nossas florestas ¢ algumas ha tio grossas que trés homens niio bastam para abracar-Ihe 0 tronco (..) ‘Voltando ao pau-brasil, drei que tem folhas semelhaates as do buxo, cembora de um verde mais claro e nfo da frutos. Quanto ao modo de ccarregar 0 navio com essa mercadoria, direi que tanto por causa da dureza, e conseqilente dificuldade em derrubé-la, como por nfo 4% By sou Ostra Grande, Sejas Tubinambé, (Rery-usd” foi a forma como Jean de LLéry se identifica em seu coldquio com os tupinambss). 84 A INVENGAO DE UM OLHAR: JEAN LERY F 08 TUPINAMBAS cexistinem cavalos, asnos nem outros animais de tio pars transporté-la 6 ola arrastada por meio de muitos homens; e se os estrangeiros que por ai viajam niio fossem ajudados pelos selvagens nfo poderiam nem sequer em um ano carregar um nayio de tamanko médio.” (Léry 1972, pp. 123-124). relato, portanto, afirma ¢ redimensiona a tradigdo de origem, suas razbes, valores € objetivos, criando uma fusio entre presente € passado, mundo novo ¢ tradigo, 0 “eu”, 0 “outro” e seus contextos de referéncia, contato entre o europeu e os natives americanos, no século XVI, forga 0 conquistador-colonizador a criar regras de observagio que sejam capazes de traduzir as novas relagdes que se formam a partir dessa nova realidade, sendo a prépria elaboragao de graméticas indigenas uma forma de, a partir da. comunicagao lingifstica, consolidar lagos, quer de entendimento, quer de dominagao. As imagens que foram eriadas sobre os primitivos habitantes do Brasil eram permeadas por diferentes significados, oscilando entre o bom selvagem a maldade bestial, imagens reforgadas pela iconografia (Leite 1996, pp.36- 38; Belluzz0 1996, p. 12) pelas narrativas de viagem. De todos os hébitos e costumes dos povos do Novo Mundo, 0 canibalismo € aquele que causou maior espanto, enredando uma série de discusses filossfico-religiosas sobre as caracteristicas desses homens que ora se assemalhavam a descendentes de Adio ¢ Eva que ainda viviam em uma Idade do Ouro perdida, de beleza fisica e nudez, longevidade e satde, sem propriedade privada ou governo, ora a pouco mais do que bestas- feras, que merece 1996, p. 35). A antropofagia, portanto, ocupa partes significativas em diversos relatos de viajantes que vieram ao Brasil no século XVI, e esse insdlito costume € facilmente convertido na marca da diferenga, e & tal marca que permite a apreensdo da distancia, e, ao mesmo tempo, converte-se no “comum” dos “outros”, naquilo que todos miiltiplos outros tém em comum, am, inclusive, a escravizagio e o exterminio. (Leite Winton CL. SILVA, 85 Fasse costume assustador aparecersi com insisténcia e destaque na verda- deira histéria dos selvagens nus ¢ ferozes devoradores de homens, de Hans Staden, de 1556, que feito prisioneito pelos canibais durante 7 anos, narra durante varios capitulos os pormenores da preparagao da ceriménia em que vai ser devorado, no relato de viagem ja citado de Pero Lopes de Souza, de 1530, assim como nas descrigées de André Thévet, de 1557, sobre 0 canibalismo dos tupinambés ¢ que se tomnou um dos eixos do sensacionalismo da diferenga estes textos dos meados daquele século, ¢ inevitavelmente no prdprio texto de Jean de Léry, de 1578 (sobretudo pela relago, entre os dois autores franceses, {que se estabelece por aproximagao e distanciamento entre a antropofa; ea eucaristia)."! © olhar de Léry volta-se para a conjungio de fatores quantitativos, como o tamanho e a variedade, e qualitativos, como a anatomia, a textura e a cor das peles ou o gosto da came para forjar uma descri¢ao. Essa exposigio 1” Segundo Miccea Eliade (1989:33-34) “sobretudo entre 0s mais anigos cultivado- tes de tubérculos (no de cereais), as tradigdes relativas & origer da actual conéi- ‘cio humana revestem-se de ua expresso dramitica. Segundo os seus mites, 0 hhomem é 0 que € hoje - moral, sexuado e condenado ao trabalho - em eonsequeén~ cin de um assasstnio primevo: in illo tempore, um ser divino, muitas vezes um rapazinho ou um Homem, deixou-se imolar para que as érvores frutiferas ¢ 0s tu béreulos pudessem erescer a partir do seu corpo. Esse primeiro assassinio trans formou radicalmente a mancira de ser da existéncia humana. A imolagdo do Ser Divino inaugurou a necessidade da alimentagio c & fetalidade da morte e, assim, a sexulidade, o énico meio de assegurar a continuidade da vida. © autor considera que € nesse estégio da cultura que se encontra © canibaliso ritual, em suma, © comportamento espiritualmente condicionado do Bom Selva gem. A grande preocupagio do canibal parece ser de ordem metafisica ~ no deve esquecer o que se passou fn illo tempore. Evidencia assim, ¢ os documentos deixameno entrever, 0 sentimento religioso da antropotagia, a responsabilidade assumida, Néo € portanto, um comportamento ‘natural’ do homem primitive (aliés, nfo se situa aos nfveis mais primitivos da cultura), mas um comportamento Cultural, bascado numa visio religiose da vida. Para que o mundo vegetal possa ‘continuar, o homem deve matar e ser morto. Por outro Indo, ao comer partes do corpo do inimigo, ele adquire a sua coragem, valentia e forga.” (Eliade 1989, p.33-34). 86 A INVENGAO DE UM OLHAR: JEAN LERY E08 TUPINAMBAS circunstanciada, no entanto, reflete constantemente a matriz européia, tanto pela aproximagao quanto pelo afastamento. © animal americano € algo semelhante a0 europeu, mas 20 mesmo tempo, € completamente diferente, pois se inexiste aqui qualquer espécie “em tudo e por tudo semelhante” as que existem Ié, € possfvel, no entanto, estabelecer relagdes de proximidade, como parentesco, como na “vaca-asno” (a anta), 0 “javali do pats” (@ qu leitto e cabeca ¢ orelhas de lebte, a cotia. © olhar de Léry também possui uma especificidade curiosa, quase fa- zendo uma ponte entre o conhecimento renascentista ~ no diletantismo com ala), ou esse animal que tem corpo de que o saber justificava a si mesmo como um fim e na ambigao universalista ‘como a das hist6rias naturais que abarcavam mitologia, botanica, herSldica, entre outros temas que pudessem envolver 0 objeto do conhecimento ~ € 0 racionalismo moderno, pela valorizago do experimentalismo e pelo aspecto utilitirio do conhecimento, em que nao basta a0 europeu vislumbrar a natu- reza americana, deve ser capaz de percebé-la como itil. ‘Também chama @ atengo 0 vinculo da deserigao com a ponto obrigatério de contato a partir do qual qualquer aproximagio & possi vel, partindo da domesticagio das palavras dilufdas na deserigaio da natureza ¢ criando-se um discurso autorizado sobre ela, € um direcionamento no di- reito da fala, Em relagio & sexualidade, Foucault revela uma interesse te percepgzio a0 negar 0 discurso repressivo, substituindo tal hip6tese pelo “dispositive da sexualidade”, ou seja, pela identificaco no da construgao de uma repressio sexual, mas ao contrério, pela multiplicagéo dos discursos sobre 0 sexo no préprio campo do exercicio do poder, permitindo a “produgio do sexo” (Foucault 1980), Tal idéia poderia ser seminal quando langada no campo dos discursos sobre a natureza, a fim de perceber-se uma homogencidade de discursos capaz de articular-se dentro de uma heterogencidade de visdes —a planta, por WILTON C. L. SILVA 87 exemplo, passa a ser coisificada e descrita, ao mesmo tempo em que se torna apreensivel por diferentes saberes (0 vocabulétio, a nomenclatura cientifica, ‘© uso pratico, suas origens ¢ conseqiéncias, entre outros), Descrever 0 novo passa a ser identificar através do velho, 0 que traz a percepelo de uma incOmoda simultaneidade, que pela aproximagio se inclui € pelo afastamento se exclu A descrigio da preguiga'? é emblemética como exemplo do jogo de aproximagio, enquanto a do tamandud, mostra 0 outro momento, © afastar mento: maior, chamado hay pelos selvagens € do tamanho de um e%o- ’4gua grande e sua cara de bugio se assemelha a um rosto humano; temo ventre pendurado como o da porca prenhe, o pelo paro-escuro como a Ia do cameiro preto, a cauda eurtssima, as permas cabeludas como a do urso € as unhes muito longas. Embora seja muito feroz, no ato, facilmente se amansa.”(Léty 1972, p. 102). 0 outro animal a que me refiro e ao qual os selvagens chamam coati € do porte de uma lebre grande, tem pelo curto, reluzente ¢ rmosqueado, orethas pequenas, eretas, pontudas; a eahega é pouca volumosa ¢ o focinho, que comega nos olhos tem mais de um pé de comprimento; recondo como um bastdo afina de repente conservando a mesma grossura desde cima até perio da boca, a qual & tao pequena que nela cabe apenas a ponta do dedo minimo. Nao me parece que exista algo mais extravagante ou monstruoso do que esse focinho semelhante a um canudo de gaita de foles. Quando apanhedo, conserva os quatro pés juntos, caindo sempre para um ou para outro lado ou se esparramando no chao, de sorte que ningugm pode manté- lo de pé; s6 se slimenta de formigas. (..) Por ser tio estranho, em comparago com os animais da Europa, mais de uma vez pedi s um tal Joio Garden, perto desenhista da nossa comitiva, que mo desenhasse Juntamente com outros animais desconhecidos na Europa; infelizmente ele nunca me atendeu.” (Léry 1972, p. 103) A preguiga suscitou curiasas descrig&es, com visiveis exageros em vétios relatos dos viajantes, quer pela extrema lentidao que the é atribuida (dois dias para subir dois dias para descer de uma Srvore: ex.) ou pela aparéncia quase humana de seu rosto, 88 A INVENGAO DE UM OLHAR: JEAN LERY E 08 TUPINAMBAS, A diversidade da fauna e suas diserepaincias com os modelos europeus € tamanha que 0 narrador percebe a insuficiéncia das palavras na criago de Tepresentagoes fidedignas, por serem poueas ow imprdprias, sentindo a ne- cessidade de fortalecer sua narrativa com as imagens de um ilustrador, que, infelizmente, nao o atendeu, Léry se pauta pelos verbos ativos ~ pratiquei, vi, ouvi, observe — que se complementam, permitindo a apreenstio vivencial da diversidade de for- mas, de fauna e de flora, de clima e de gentes."” No capitulo XIII do livro, dedicado & flora, 20 do “arabutan”, 0 pau-brasil, que deu nome a essa regio, e que criava um claro contraste com o texto de Thevet, em sua Cosmografia. Léry afirma que @ Arvore “engalha como 0 carvalho das nossas florestas e algumas hé tio grossas que trés homens nao bastam para abragar-Ihe o tronco (...) direi que tem, folhas semelhantes &s do buxo embora de um verde mais claro, ¢ nto é4 frutos”, enquanto 0 cosmégrafo observa “Nao posso deixar passar o erro de um individuo que a propésito do Brasil afirmou com uma deseri- ser essa drvore nem grande nem reta, mas que se assemelha & uma espécie de carvalho... Sua descrigao tanto corresponde a drvore brasileira quanto A de uma macicira”. (citado por Gaffarel em Léry 1972, p.123)."* " “Quanto a inquietude provocada pela imaginagio em tomo da separagiio entre 0 homem ¢ 0 animal, Thevet nfo s6 dedica um capitulo para expliear nto serem as, criaturas da Franga Antética peludas; cré em monstros de aparéncia humana, s4- ‘iros, ninfas, ¢ 08 compara sos disfarces do espirito maligno para iludir 0s ho- mens. J, que confia nas suas observagbes, nfo tera visto monstros mariahos nas travessias ou animais com fisionomia humana. Admite-os na imaginacio, no so- ho, constando nas ilustragdes de seu livro homens e animais agoitados pelo de- imnio”. (Belluzz0 1997, p. 332). Nesse trecho Gaffarel vé no texto de Thever um atague & Léry, 0 que parece ser uma impossbilidade uma vez que as obras do primeiro (Singulartés de la Fran ce Antarctique, publicada em 1556 ou 1558, e Cosmographie Universelle, em 1575) antecedeu a do segundo (de 1578 a primeira edigfo, © uma segunda, ampli- ada, de 1580), Anteriormente, quando Gaffare faz pequens biogratia de Thevet, reafirma que nas obras do franciscano (Singularités e Cosmographie) este “no Wit C.L. Siva 89 Os diferentes olhares questionam-se ¢ colocam no centro de uma dis puta o cere da drvore, como se houvesse um que fosse despido de qualquer subjetividade, em uma disputa em que estaria centrada na questo: quem € 0 detentor da objetividade? A descrigéo da bananeira ¢ de seu fruto demonstra um minucioso: esforgo de enumeragiio de suas caracteristicas, como sc quisesse que o seu leitor fosse capaz de quase materializé-la diante de si, imaginar sua resisténcia & lamina de uma espada, perceber a forma, a cor, 0 sabor ¢ a disposi¢&o de seus frutos, relacionar tais frutos com a historia européia, € ‘com outra planta conhecida e classificada no Velho Mundo, embora ainda preserve a sua especificidade: “A pacoére é um arbusto que tem gerat de dez a doze pés de altura; 0 tronco, embora as vezes da grossura de uma coxa de homem € to mole que com uma espada bem afiada pode ser cortado de um s6 golpe. O fruto, a que os selvagens chamam pacd, tem mais de meio pé de comprimento e se assemelha a0 pepino, sendo como este amarelo, quando maduro. Crescem de vinte a vinte ¢ cinco unidos em um 86 acho e 0s nossos americanos colhem tantas pencas quantas pode carregar nas mos para as suas casas. A frata é boa; quando chega & rmaturidade tira-se-Ihe a casca como 0 figo fresco © sendo gomosa como este parece que se saboreia um figo. (..) Conta a histéria. que Catto de volta de Cartago para Roma, trouxe figos de espantosa ‘brandeza mas como 0s antigos no mencionam esses a que tne refiro, E provivel que no fossem tio grandes. Quanto a forma, as folhas da pacoveira se assemelham as do lapatium aquaticum, sio poréim t80 grandes que tém em geral scis pés de comprimento por mais de dois de largura e ereio que nem na Europa, nem na Asia, nem na Africa se encontram folhas maiores. (...) E verdade que as folhas de pacoveira nfo sio espessas na proporgao do tamanho; a0 contrério, so delgadas f sempre eretas, ¢ quando 0 vento é um pouco mais violente, como ‘eontece freqilentemente na América, 56 0 talo central oferece resistncia; as partes laterais despedagam-se por tal forma que, vistas de longe, parecem as folhas grandes penas de avestruz revestindo 0 arbusto.”(Léry 1972, pp, 129-130), ‘cessa de invectivar a Histria da viagem ao Brasil, de Léry.” (Léry 1972, p. 2, nota 19) 90 A INVENCAO DE UM OLHAR: JEAN LERY E OS TUPINAMBAS Tal descrigaio € um exemplo do exercicio de percepgio e linguagem desenvolvide pelo natrador 20 longo de todo 0 relato, em que as aproximagies ¢ os afastamentos sdo uma constante, € em que busca a partir de uma apropriagio sensorial criar uma ligagdo entre coisas tao iguais ¢ to diferentes, entre 0 tio desejado e tio inacessivel. “Nao existem na América quadripedes, aves, peixes ou outros ‘animais completamente idénticos aos da Europa; néo vi tampouco drvores, ervas ou frutas que nto divergissem dus nossas, a excegao da beldroega, do manjericio ¢ do feto que vive em varios lugares, como pude observar nas excursdes que fiz pelas matas e campos do pais Por isso, quando a imagem desse novo mundo, que Deus me permitiu ver, se apresenta a meus olhos, quando revejo assim a bondade do ar, ‘@ abundancia de animais, a variedade de aves, a formosura das érvores das plantas, 2 exceléncia das frutas © em geral as riquezas que cembelezam essa terra do Brasil, logo me acade a exclamagio do profeta no salmo 104": *O seigneur Dieu, que tes oeuvres divers Sont merveilleux par le monde univers: 6 que tw as tout fait par grande sagesse! Bre, le tere est pleine de ta largesse.’ “ (Lery 1972, p. 135), Essa mesma natureza que permitiu a aproximagio, o reconheci- mento a partir da ligag3o com a Europa, tanto pela similitude quanto pela descontinuidade entre os quadripedes, aves, peixes ou outros animais com- pletamente diferentes ¢ as érvores, etvas ou frutas que divergiam dos conhe- los na Europa; acaba, aos olhos do viajante, esgotando seus aspectos apro- ximativos, similares. Este é 0 momento em que nao € mais possfvel manter 0 jogo conso- lante do reconhecimento. E partir dessa exaustio da descrigiio daquilo que pode ligar 0 europeu a0 indio, 2 natureza, que inicia-se 0 corte, o afasta- ‘mento através da contraposigdo daquilo que afasta os doi cultura, " © Senhor, quio multiformes sito as tuas obras! Todas elas as fizeste com sabedo- via; a terra esta cheia das tuasriquezas. (Salmos, 104:24) WILTON C. L. SILVA, OL A natureza é enfocada com minuciosa deserig%o nos capitulos IX ¢ XITT, mas nos seguintes, dando continvidade ao compromiisso do relato com @ aventura, inicia-se 0 movimento da percepgao da diferenga a partir da de- talhada exposigao sobre os costumes indfgenas na guerra, na antropofagia, no casamento € poligamia, na criagdo dos filhos, na abservagiio de normas e suas sangdes, nas relagdes de amizade e regras de hospitalidade, na doenga, morte ¢ funerais, assim como na religiso, ‘Se @ natureza apresenta “a bondadé do ar, a abundancia de animais, a variedade de aves, a formosura das érvores € das plantas, a exceléncia das frutas ¢ em geral as riquezas que embelezam essa terra do Brasil”, a cultura, ‘05 costumes indigenas, como a antropofagia, demonstram a impossibitidade de que 0 conhecimento do outro me conduza ao meu reconhecimento nele, “Saber, mesmo na_ordem hisrica, mo. significa “reencontar” & sobretido aio sinifica“eencontarnos’, A histiia str “feta lida cm que ela reintroduzr o descontinuo em nosso prsprio set. Fla dividirdnostos senimentos; dramtiara nossosinsitos, muliplicaré nosso corpo € 0 opori asi mesmo. (.) E que o saber nao & feito para comproender cle fito para corr” Foucault 1979, p27, gifo nos) As incisdes vio sendo feitas em cortes profundos, para que cicatrizes indeléveis atraiam os olhares ¢ povoer a meméria, Esse corte, no entanto, ainda permitiré a manutengio da ligagio pala- vyra-imagem, buscando-se uma tinica significagio que Ihes seja comum. A. natureza toma-se, assim, objeto de conhecimento ¢ possibilidade de um auto-reconhecimento, © othar do viajante desloca-se como que em busca de aprendizagem pela necessidade de reconheci pperda, a natureza como objeto externo ¢ como descontinuidade entre Améri- cca e Europa, ¢ nesse movimento reduz, a novidade 20 conhecido. No texto de Léry articulam-se a relagdo entre curopeu e o indio de uma forma relativista, sendo que em diversos momentos os habitos e nento; as palavras refletem a apreensiio e a costumes dos selvagens so considerades melhores do que os europeus, 92 A INVENGAO DE UM OLHAR: Jean Lény £ 05 TuPnVAMBAS enbora, por outro lado, @ dicotomia cristio-infiel estabelega uma clara hierarquia, com predominio inquestionével do primeira sobre o segundo, 20 mesmo tempo em que certas aproximagses também se processem entre as identidades catdticos e canibais. A exploragio econdmica, por sua vez, nas relagdes possiveis entre 0 homem ¢ a natureza (homem-natureza), séo pautadas pelo utilitarismo, pela instrumentalizagao dos recursos naturais enquanto valores de uso (0s valores de troca tm uma presenga insfpida), a natureza € decifrada enquanto fonte de infinitos meios. No discurso de colonizagio, sediado dentro do campo do relativismo ‘cultural no texto de Léty, predomina a narrativa literdria, que se desdobra em aventura, enquanto ma catequese os dogmas teolégicos reafirmados cconstantemente formam 0 cenétio para o enquadramento analitico do indio & do catdlico, e na deserigiio do mundo natural para a exploragdo econdmica, afirme-se uma visio proto-cientitica (empitica € racionalista, mas onde o método ainda esta ausente) "O espayo da experiéncia parece identificar-se com 0 dominio do olhar atento, da vigilancia empitica aberta apenas a evidencia dos contetides vistveis, O olho toma-se o depositirio e a fonte da clareza, tem o poder de trazer a luz uma verdade que ele s6 recebe & medida ‘que the dew & luz”. (Foucault 1977, p, XII) Todo 0 conhecimento da realidade e da natureza americana desdobra- se na figura do préximo-distante, 0 qual organiza uma forma de percepgio que se origina ainda de maltiplos pontos: a experiéncia, o texto biblico, a autoridade dos antigos e 0 discurso teol6gico. Esses pontos vio criando uma imagem dentro de um caleidoscépio, ‘como se a imagem fosse o reflexo de estilhagos que se completam, de raspas € restos desses discursos que se esfacelam, tocam e repelem conforme o nar- rador os atticuls em sua subjetividade. A natureza permite ao homem europeu a sua vinculago com a Améri- ca, conectando-se a ela pelo interior de sua linguagem, que se agita entre a WILTON. L. SILVA 93 apreenstio objetiva das earacterfsticas intrfnsecas ao mundo natural ¢ subjeti- vvas do narrador ¢ sua forma de apreenso, unindo “a universalidade da lin- guagem & forma precéria e insubstitufvel do individuo” Em 4s Palavras e as Coisas, Foucault coloca uma grande questio sobre ‘essa imbricagdo entre a subjetividade e a objetividade, discutindo até que ponts © humanismo repousa num campo epistemolégico cujo principio € visual, “(.) linguagem se faz filologia e se desvanece esse discurso cléssico conde o ser e @ representagao encontravam seu lugar-comum, entio, no ‘movimento profundo de uma tal mutagio arqueolégica 0 homem aparece com sua posigio ambigua de objeto para um saber e de sujeito que conhece: soberano_submisso, espectador_olhado...” (Frayze- Pereira 1995, pp. 154-156, grifo nosso) A amplidgo dos espagos na América, ndo explorados e desconhecidos, permite entio uma nova visibilidade da natureza, criando-se “espagos de uma visibilidade construfda” que tornam evidentes certos aspectos da propria Europa, originando uma problematizagiio em que se € obrigado a fazer com que © ver e o falar atinjam seus limites proprios, de tal forma que os dois, cestejam no Limite comum que os relaciona um ao outro, separando-os. Pensar € questionar, responder € fazer com que visdo ¢ fala se toquem nas condigdes em que se constroem sentidos € propésitos. No esforgo de reflexio de um sapateiro, em uma terra distante, se entrevé a construgio de um labitinto, onde em cada corredor somos desafia- dos a vislumbrar certas causas e seus efeitos, a diversidade das criaturas, os acasos, 0s diferentes discursos, algumas sabedori que sao impossiveis de serem enumerados. s € outros segredos ocultos 4. Conclusio No livro de Jean de Léry podemos perceber um discurso com énfase descritiva e realista, estruturado em ordem cronolégica, semelhante a um iro, enriquecido com observagées etnolégicas e um coléquio em tupi- guaran 94 A INVENGAO DE Un OLIIAR: JEAN LERY E 08 TUPINAMBAS Este discurso 6 tomado pela semethanga, em que se afirma a dimensio da altura, em que @ vis (hierarquiza o sagrado € 0 profano, 0 catélico € 0 calvinista, 0 europeu e 0 indio ete.). A partir de diferentes niveis, perpendiculares ao plano do horizonte, jo se (oma vertical © estratifica o que € visto também fard uma ligagio entre naturezas situadas em diferentes continentes, como se as palavras formassem linhas que ligassem os dois hemisférios, No discurso unidimensional de Léry percebe-se a fusio entre a admi- ragdo pela natureza, 0 desejo de doutrinacdo de seus contemporaneos, a prio- rizagio do visual, a busca da descrigio completa e pormenorizada, além da busca de preservagao da mem@ria, A natureza € ao mesmo tempo nova, inexistindo espécies em tudo € por tudo semelhante aos existentes na Europa, mas detém tragos do que jé & conhecido, ea fauna e a flora passam a ter dimensdes, formas, cores, aromas € sabores em muito semelhantes aos do Velho Mund. Essas descrigdes dos seres e coisas percorrem uma limiteda srea do litoral do Rio de Janeiro, buscando aproximar através de jogos de conveni- tentias, aemulatios, analogias e simpatias, a natureza brasileira e a européia, Essa aproximagdio, em que inexistem os modelos de classificagao sis- temiética afirmados pela revolucao cientifica dos séculos seguintes, impede o desenvolvimento de uma anélise horizontal, que dé conta de referenciais mais amplos (de profundidade ou comprimento), pois a natureza & ainda um espeticulo, mais do que um problema ou um campo de questionamento. Nesse enfoque da natureza como espetdculo é& que se veer afirmadas a subordinagdo do intelecto aos sentidos, em que o vivenciado pela voracidade dos desejos busca orientar-se entre sons, cores, sabores, aromas e texturas. O inventétio da natureza, fundado na narrativa do vivido e da memé- ria, 6 completamente sensitivo, € plantas, animais e indios so materializados de forma ampliada e modelada, como se cada um deles fosse uma represen- taco tomada do natural, mas lapidada ao gosto europeu. WILTON C. L. SILVA 95 Enguanto os {ndios, aqueles homens mus, selvagens ¢ livres, exercem, tanto pelos seus costumes ¢ valores quanto pelas suas formas ou pelos cend- rios em que se movimentam, intensa atragio e repulsa, levam o missionério a desenvolver uma ontologia da realidade, um questionamento do sentido, condigdes e propésitos das formas de pensamento do mundo no qual ele vive, em uma busca de compreender 0 outro ¢ a si mesmo. (0 passado, na meméria, se projeta no presente @ o aujor, que era ator, na narrativa de cariter confessional utiliza-se dos acontecimentos como instru- rmentos de interrogag&o da realidade, se tomnando ao mesmo tempo uma testemu- nha consciente do que passou ¢ um eritico Iicido des projetos atuais ¢ futuros. ‘Assim Léry afirma niveis: é sempre melhor ser reformado do que ca- télico e quase sempre € preferivel ser europe: do que indio, porque € melhor ser indio do que ser catélico. A hierarquizagio dentro do jogo de simpatias e diferengas também se manifestard na minuciosa exposigdo da lingua, quando @ fala dos nativos seta esquematizada em um sistema de sinais apropriados para notagio, 0 qual prepara a aproximagio e 0 afastamento desses sons com os dos idiomas conhecidos, ¢ aquele mundo novo formado por um conjunto de sons articu- lados ganha significag representagées materiais) e termos (as significagdes) A visio se encanta com a fala, ¢ aquilo que é visto € também falado. A fala no entanto no dispde de uma nomenclatura com termos técni- cos, quer no que diz respeito A morfologia ¢ organografia, quer no que se refere & classificagdo ou identidade especifica, utilizando-se do linguajar do vulgo, com analogias grosseiras e vocabulitio figurado, ¢ no caso das novas cespécies encontradas no Novo Mundo, a adogao de voeabulirios locais (com freqiiéncia deformados). A domesticagio das palavras, desses homens presos entre 0 estado edéni- (0, se transforma em um conjunto de vocdbulos (as coe a perticio inevitivel, dissolve @ natureza em um diseurso autorizado sobre ela, onde o direito da fala legitima inclusdes e exclusdes, sons e siléncios. 96 A INVENCAO DE UM OLHAR: JEAN LERY £ 0S TUPINAMBAS A natureza se transforma em sons nativos, mas que escondem tragos ja conhecidos, ¢ o olhar de Léry qualifica ¢ quantifica o Novo Mundo, estabe- lecendo uma ligagao entre antipodas: o homem e Deus, a América ¢ a Euro- pa, © indio € © homem branco, © portugués € o francés, os margaids ¢ 08 tupinambis, 0 infiel e o cristdo, o eatdlica e o protestante, as dessemelhangas eas semelhancas. A uitilizagao do esquema de um coléquio para a apreensio da lingua indigena demonstra sua perspectiva instrumental, e embora possamos arti- cular criticas & etnologia de Léry, pela forma como descreve a cultura tupi- namba segundo os critérios interpretative, homogeneizador e normativo ‘europeus, e pela forma como constréi uma lingua artificial, estruturada a partir de concepgdes literdrias, & inegével a forma como ele rompeu com as limitages de sua época para o entendimento da cultura indigena e para a relativizag2o do outro, Léry faz, com o Coléquio, um comentério, um deciframento da lin- guagem enquanto palavras, conjunto de vocabulos, buscando nelas as mar- cas indeléveis que permitiram a apreensio de uma ordem. Essa ordem permitiria a divisio da humanidade em dois grupos, os ovos sem escrits, desprovidos de memiéria historica e de salvagao teoldgica, © aqueles que podem acumular o passado e encontrar a verdadeira f8 © texto do missionsrio francés liga ao mesmo tempo o conhecimento Fenascentista, o racionalismo e a teologia calvinista, afirmando o conheci- mento como um fim em si mesmo ¢ a ambicGo universalista, valorizando 0 experimentalismo € © aspecto utilitdrio do conhecimento, ao mesmo tempo em que une aquilo que Foucault chamou de eruditio com 0 divinatio, ow Seja, a mistura das palavras dos antigos e das Escrituras com as marcas visi veis que Deus depositou sobre a superficie da Terra A crOnica de viagem de Léry, inclusive, no seu viés etnogréfico, 6 um desdobramento ine vel da integracdo dos temas naturais e mosais (sobre a Gtica € 08 costumes alheios) jé presentes nos cléssicos romanos (Luctécio, WILTON. L. NA 37 em De Rerum Natura, Piinio em Historia Naturalis e Seneca em Naturales Quaestiones, por exemplo) (Capel 1995, pp.260-261), ¢ fazendo parte de uma antiga tradigio recuperada pelo Renascimento, ¢ ampliada pelos referenciais do naturalismo do experimentalismo. ; F interessante perceber em Léry a maneira pela qual a experiéncia pessoal € mediada pelo texto sagrado, criando uma ponte de ligago entre 0 “conforme esté escrito” ¢ 0 “como eu vi", preocupagio flagrante em seu texto essa de conecté-lo, de fazé-lo convergir ao texto sagrado. Assim, 0 ideal calvinista € relacionado & cultura tupinambé, formendo uma rica reflexio sobre 0 encontro de dois mundos ¢ um retrato. minucioso dos aspectos da cultura indigena (inclusive um vocabutério tupi). principi “Mas se esses que tudo aludo no derem crédito aquilo que, do cconhecimento de mais de quinhentas pessoas ainda vivas, foi praticado no coragio deste reino de Franga, como haverio de crer isso que s6 pode ser visto cerca de duas mil léguas de distancia e que comporta tanlas coisas incriveis, jamais ainda referidas nos antigos, © que 86 a experincia pode entender 2" (Léry 1972, p.19) “B se alguém alegar ter eu ao refutar aqui zo st. Thévet"® cometido fguais erros © se me condenarem por usar da primeira pessoa 90 deserever os costumes dos selvagens, responderei que se wate de ‘coisas cientifieas, de experiéncias, de coisas que talvez ninguém tenha ‘© Thevet, André. Monge franciscano, cosmégrafo ¢ cronista francs, que depois de percorter 0 Oriente veio ao Brasil eom Villegaignon e, de volta’ Franca, publi- ‘ou, em 1557, um relato de sua viagem ao Brasil (Les Singularités de la France “Antarctique) sobre @ flora @ a fauna brasileras e sobre os incidentes que envol- veram o grupo de Léry e @ aventurero francés, “O relato € longo € um tanto descosido,freqientemente sobrecarregado do interpolagoes e digress6es erudi- tas. Mas € 0 primeira a conter uma deserigto minuciosa da flora e da fauna brasi- lease sobretudo dos habitantes do pais, 0s indiostupinambés, aliados dos france- ses. (.) Thovet acusou Léry de plagio, provavelmentetinha ra7H0r muitos techos da obra do segundo parecem glosar as observagSes do primero, mas com maior talento narrativo e deseritivo, além de uma enunciagao pessoal que confere ao texto cemogio ¢ veracidade. Com relagio sos indios tupinannbés, 0 que particvlariza a descrigao de Léry sio seus comentéros, oveladores de uma notivel abertura para a alteridade e a diferenga.” (Perrone-Moises 1996, pp. 86-87) 98 A INVENGAO DE UM OLHAR: JEAN LERY E08 TUPINAMBAS ainda tratado, no com referéncia mio 6 a América em geral mas ainda ao lugar em que residi durante quase um ano, sob 0 trépico de Capricémio entre 05 selvagens Tupinambés.” (Léry 1972, p. 20) “Como no ventre de alguns desses peixes acharam-se filhotes, que assamos com leitio, creio que os golfinhios geram fetos como as poreas © no os reproduzem por meio de oves como quase todos 03 Outros peixes. Eniretanto se alguém duvidar do que afirmo, louvando-se antes nos livros do que naqueles que viram a experiéncia, no o refutarei ‘mas tampouco deixarei de acreditar no que vi,” (Léry 1972, p.37) “Em verdade poderfamos razoavelmente discutir tudo iss0 tal como se faz nas academias, 0 que é muito louvavel como exercicio para & inteligéncia mas no pode ser considerado como supremo objetivo como querem os ateus. Quanto a mim, em relagio a esse assunto, sé acredito realmente no que dizem as Santas Eserituras; procedem elas de quem toda a verdade conhece ¢ & portanto a suprema e indiscutive! auloridade.” (Léry 1972, p.202) Orlandi (1990) busca esclarecer a distingdo entre 0 discurso histérico, em que hé a elaboragdo humana da relagdo com o tempo ¢ a meméria ¢ discurso da Hist6ria no qual hé uma agdo instituinte, um desdobramento entre 0 vivido ¢ 0 relatado, sendo o segundo um subproduto do primeio, Essa distinggo aponta para uma outra temporalidade que transcende as citcunstancias, onde a Hist6ria seria organizada niio pelo tempo real, mas através da amplitude simbélica desses “objetos de memoria”. Nessa construgdo discursiva, constituida por esse jogo entre historia, cigncia, religito e politica, o significado histérico do encontro entre 0 europeu eo Novo Mundo aparece justamente onde no esté explicitado pelo relaio, mas em suas lacunas, pelas quais podemos perceber outros discursos gue levam a diferentes efeitos de sentido. Qual o sentido do relato quando descreve o indio, seus habitos ¢ costu- ‘mes, a natureza com seus miltiplos aspectos e usos possiveis? Est inserido no processo de construgao de um significado, em que as relagdes de poder mani- festam-se no jogo de forgas entre o discurso de colonizagio (europeu-fndio), de ccatequese (missionério-infiel) e de exploragio econémica ¢homen siatureza) Witton C. L. SILVA 9 0s discursos possuem uma complexidade que se desdobra como relato ctnogrtico, narrtiva Titeréria, diseurso politico ¢ afirmaco dogmética, em tum fancionamento simbiético em que cada discurso traz em si a sua relagso «com 0s demais, contribuindo igualmente para os seus efeitos de sentido Essa diversidade de tons ¢ semitons nos ritmos diseursivos nilo cria una algazarra, ras antes forma uma cantiga com sutis sobreposigbes 20 Jongo dos maltiplos processos de produgio de sentidos, formando um canto coral articulado, Estabelece-se assim, através da afirmagao do autor enquanto produtor ¢ objeto do texto, 0 estatuto de verdade, em que subjeividade e objetividade se mesclam no discurso daquele que, usando uma feliz expresso de Dias (1997), 6 “autor, narrador, actor, experimentador e objecto da experiéncia” [Essa mescla entre a subjetividade do autor ¢ a objetividade do vivenciado permite um “contrato de leitura” que liga emissor © receptor através da utilizagio da primeira pessoa, de verbos do campo semntico da visdo e da apreensio sensorial, assim como dos tempos verbais como © pretétito perfeito e 0 presente do indicatvo ¢ uma profusio de advérbios. Esse “contrato de leitura” ainda € vélido? O texto de Lé por exemplo, 6 capaz de arrastar a imaginagio de um letor do final do séeulo XX? ‘Acreditamos plenamente que sim. Nao s6 porque o século XX viu o surgimento ou consolidagio da etnologia enquanto ramo da ciéncia, mas também pela forma como se tornaram fendmenos da inddistria cultural os produtos relacionados com viagens a lugares exéticos, ao contato com a natureza, &s aventuras e priticas de esportes radicais. 'A literatura de viagem, entre tantos de seus volumes, como o de um homem do século XVI, esttanhamente, € capa, de fascinar e estabelecer ‘inculos com os homens do século XX, ligando a ampliago dos mundos pelas descobertas ¢ pelas suas marrativas ao mundo da vertigem da velocidade e dos estimulos visuals. 100 A TINVENGAO DE UM OLHAR: JEAN LERY E08 TUPINAMBAS A permanéncia do interesse sobre o relato de Léry demonstra que o texto literdtio tem-se mantido atraente na contemporaneidade, tem sua aces- sibilidade garantida pela propria capacidade de apresentar certas caracterist ‘cas entre aquelas definidas como fundamentais & literatura do novo século, or Italo Calvino (1988): rapidez, leveza, visibilidade, multiplicidade, exati- 20 ¢ consisténcia,” Bibliografia Ana Paula P. “Didsio de navegagio de Pero Lopes de Sousa: A representagio do real e os filtros da representagao”. 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"TA interessante idéia de confrontar um texto do século XVI com os eritérios de Italo Calvino foi de Simoes 1999, que utiliza-se da “Carta de Pero Vaz de Cami- nha a EL-Rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil", de maneira extremamente inovadora, Warton CL. Sitva LESTRINGANT, Frank, “Franga Antartica: Os Hughenotcs no Brasil”, documento do avervo virtual do Pro- _jeto Vera Cruz 500, 8.4. Disponivel em hupivww.veracruz500.org.bricar twearta25.him, —Visitado. em 11/07/1999, LESTRINGANT, Frank. “Préface Lery ow le rire de Mndien,” IN LERY., Jean de Histoire d’un voyage faict en la terre du Bresil (1578), Paris, Libraitie Générale Frangaise, 19948, Documento do acervo virtual da France Universite en line = Association pour la Diffusion Intemationale dela Recherche Universitaire. Disponfvel em heapyfimac.u-paris2fi/fueVlery htm, sitado em 08/07/1999. MANCELOS, Joao. “Dar Novos Mundos 20 Mundo”: a retérica dos Descobrimentos Portugueses ¢ do Programa Espacial—Norte- americano”. 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