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14 DE NOVEMBRO DE 2019
Como fomentar novos modelos de negócio no setor elétrico sem ameaçar a indústria tradicional?
Como migrar ativos analógicos de ciclo de vida longo para ativos digitais com o menor ciclo de vida?
Como mudar o mindset das empresas de energia, do regulador e do consumidor de energia? Como
utilizar dados privilegiados para criar produtos/serviços sem ferir a concorrência de mercado ou
violar a ética e a privacidade dos clientes? Como remunerar investimentos em segurança cibernética?
Como inserir novas tecnologias sem colocar em risco o suprimento elétrico? Essas são algumas das
perguntas que desa am o setor de energia elétrica no século XXI.
Por mais de 100 anos, as elétricas venderam um único serviço. Porém, com o avanço da tecnologia e a
digitalização da economia, o consumidor de energia tem mais informação e se tornou mais exigente.
Aos poucos, deixou de ser um agente passivo que só paga conta de luz para ser o protagonista desse
processo de transformação do setor elétrico, buscando como principais benefícios a melhoria
contínua do serviço prestado pelas empresas de energia, a transparência das informações e o
aumento signi cativo de opções.
Segundo o presidente da consultoria internacional PSR, Luiz Barroso, a transformação digital do
setor elétrico impactará, em especial, os segmentos de distribuição e transmissão de energia. “Sem
dúvidas as novas tecnologias impactarão mais o segmento de distribuição, cujo modelo de negócios
deverá ser revisto com a entrada de novos atores e mudanças de padrão de consumo. A transmissão
também será bastante impactada, pois a digitalização e a geração distribuída poderão evitar a
necessidade de novos investimentos em reforços de transmissão”, disse.
Hoje, grande parte dos investimentos em tecnologia que as concessionárias estão realizando estão
voltados a melhoria de processos administrativos internos, aumento da segurança operacional,
redução de custos, aumento da qualidade dos serviços, automação da rede, gestão de ativos críticos,
relacionamento com o cliente, gestão comercial; são soluções que permitem, por exemplo, o
restabelecimento automático do fornecimento de energia ou o despacho de equipes de manutenção
para o campo de forma otimizada, reduzindo drasticamente o tempo de interrupção dos serviços.
O diretor de operações do instituto de tecnologia e inovação Lactec, Lauro Elias Neto, destacou que
há uma tendência de descentralização da produção de energia, com a consequente criação de um
mercado de sistemas de armazenamento de energia. No entanto, para realizar a gestão desses
equipamentos, serão necessárias tecnologias que entreguem a informação em tempo real para o
consumidor e às concessionárias, seja para o simples monitoramento, seja para a tomada de decisão
de quando vai consumir ou injetar energia na rede.
Barroso contou que nos Estados Unidos, por exemplo, algumas regiões já exigem a avaliação do uso
da geração distribuída local como alternativa à construção de reforços na rede de transmissão para
aliviar um ponto de congestão de carga.
As companhias precisam se adaptar para competir nesse novo mundo digital, criando modelos de
negócios que permitam gerar novas receitas, paralelamente, maximizando o valor dos negócios
tradicionais pelo maior tempo possível. Noventa porcento dos investimentos da EDP Energias do
Brasil nos próximos cinco anos, por exemplo, estão concentrados em redes de distribuição e
transmissão de energia elétrica. Para Miguel Setas, presidente da companhia, é inevitável que as
novas tecnologias vão substituir as tradicionais, embora ambas conviverão juntas por muitas décadas
ainda.
“Nossa estratégia tem dois focos: garantir que o negócio tradicional de distribuição tenha a melhor
rentabilidade possível (e por isso estamos investindo em redes inteligentes, e ciência operacional,
melhora na qualidade do serviço) e, na outra ponta, estamos investindo em inovação, para colocar a
EDP em uma posição competitiva, para que sejamos um ator relevante nesse novo mercado”, disse o
executivo da elétrica portuguesa, que controla duas distribuidoras em São Paulo e Espírito Santo, e
ainda tem participação na Celesc (SC).
Bittencourt lembrou de algumas inovações que não avançaram por problemas na regulação ou por
falta de interesse das concessionárias nesses produtos, como a conta pré-paga ou a tarifa branca. Por
isso, a mudança de mindset das empresas e do regulador é outro fator importante.
As comercializadoras, por estarem um ambiente mais desregulado e competitivo, são as que têm
mais apetite por inovação, seja para entregar produtos customizados aos clientes, seja para se
prepararem para o preço horário em 2021. Para Bittencourt, a sinalização dinâmica de preço pode
bene ciar muito o consumidor se ele souber lidar com essa complexidade. Os agregadores de
energia, como comercializador varejista, podem trazer modicidade tarifária na prática. Mas tudo isso
só será viável com tecnologia e um desenho de mercado que incentive e remunere adequadamente
os investimentos.
Segundo o especialista, o 5 G vai exigir uma colocação de 10x o número de antenas que hoje existe
para 4 G. Vai ser como ter uma antena em cada poste. Além disso, será necessário instalar
equipamentos eletrônicos próximos as antenas. E para propagar a velocidade do 5 G será preciso
instalar bra ótica. Todos esses sistemas precisarão de energia elétrica, com medidores eletrônicos e
sistemas de comunicação acompanhando tudo em tempo real.
“Essas infraestruturas não foram pensadas para telecomunicação, foram pensadas para energia
elétrica. Cada vez que você amplia a necessidade para serviços diferentes do que foi construído, é um
problema que precisa ser pensado e não estou vendo muito trabalho sendo desenvolvido para
resolver isso”, alertou Wajsman. Ele acredita que o 5 G vai demorar dois anos para começar a se
tornar realidade no Brasil.
O Futuro Já Chegou
Quem já recebeu um aviso de falta de energia por mensagem de celular? Ligou a TV e recebeu um
alerta de tempestade? Ou recebeu um atendimento digital que até parecia um atendente humano?
Essas são algumas das evoluções que já presenciamos e facilitam a vida das pessoas graças a
tecnologia. Ferramentas de analytics permitem fazer previsão de demanda, identi car previamente
necessidades de manutenção na rede e até auxiliar nas estratégias comerciais. Drones são usados por
transmissoras para realizar monitoramento e manutenção preventivas nas redes elétricas. A
realidade virtual e realidade aumentada também estão sendo testadas para realizar manutenções e
treinamentos de equipes à distância.
Para ele, na medida em que as barreiras do mercado livre forem reduzidas, novas empresas terão a
possibilidade de entrar no mercado de energia, oferecendo serviços inovadores e modelos de
negócios diferenciados. No entanto, o setor elétrico é um mercado de capital intensivo, portanto, os
grandes grupos continuarão fundamentais para dar escala a essas novas soluções.
Investimentos em tecnologia melhora a qualidade do
serviço de distribuição de energia.
Glauco Freitas, da ABB.
De acordo com Glauco Freitas, VP de Marketing e Vendas para o Negócio de Power Grids da ABB, os
benefícios para o consumidor são diversos. “Quando as empresas passam a investir em sistemas
avançados de gestão de sistemas de distribuição, automaticamente a empresa passa a melhorar
todos os seus índices que afetam a distribuição de energia, que impactam diretamente os seus
consumidores. Então, todos os serviços de qualidade de energia, de corte e religamento, mudança de
endereço, de atendimento mediante um problema no sistema elétrico, tempo de resposta, histórico
de conversa, melhoram muito o serviço.”
“Dado a complexidade dessas tecnologias, muitas empresas estão procurando parceiros que
entregam esses serviços”, disse Ablas. “Em todos os grandes grupos de energia, a gente está vendo
esse movimento de transformação organizacional em maior ou menor intensidade”, completou.
O Papel do Regulador
O governo e a regulação terão um papel fundamental para o avanço da digitalização do setor elétrico,
podendo acelerar ou frear o processo de modernização. Um dos grandes desa os das elétricas,
segundo Barroso, da PSR, será migrar bases de ativos analógicas para ativos digitais com o menor
ciclo de vida. Essa migração deve ser feita dentro de uma lógica que reconheça o valor dessa
substituição, com a justa alocação de custos aos que serão bene ciados com essa transformação.
“Suponha, por exemplo, que uma transmissora quer digitalizar uma subestação e/ou colocar sensores
nas linhas que permitam ajustar os limites de uxo com a temperatura. A regulação deve ser capaz de
avaliar os benefícios destas medidas (redução de falhas/congestionamentos) e autorizar um aumento
da remuneração se a relação benefício/custo justi car”, explicou Barroso.
Setas, da EDP, concorda que as novas tecnologias precisarão de algum enquadramento regulatório
que proporcione um ambiente favorável para a sua implementação. Também será necessário políticas
públicas voltadas à inovação tecnológica e incentivos para que a indústria 4.0 ganhe escala e reduza o
custo unitário dos equipamentos. “No caso dos medidores inteligentes, por exemplo, ter a
possibilidade de prazos de amortização mais curtos para que os investidores possam ver o seu
investimento devidamente remunerado”, exempli cou o executivo.
Freitas explicou que apesar de se conhecer todos os benefícios que os processos de digitalização
podem trazer para as concessionárias de energia, hoje, qualquer tipo de investimento nessa área
precisa ser aprovado pelo regulador e muitas vezes não são aprovados na amplitude dos projetos
para que sejam remunerados.
“Se isso não vem do regulador, torna-se uma barreira importante. Seria interessante se houvesse
projetos de investimento público em infraestrutura de redes de comunicação que não somente
englobem os serviços de distribuição, geração e transmissão de energia, mas que sejam redes de
infraestrutura de telecomunicação que possam atender todos os serviços, como bombeiros, polícia,
câmeras de vigilância, cobertura de comunicações para todos os órgãos públicos, etc. Isso poderia ser
uma parceria com o poder público. São coisas desse tipo que se vê em países como os Estados Unidos,
por exemplo”, disse o porta-voz da ABB.
Segurança Cibernética
Ao mesmo tempo que a rede ca mais e ciente com a tecnologia, por outro lado, ca mais exposta a
ciberataques. Quando falamos em investimento em digitalização para a melhora operacional, isso
signi ca ter subestações sem nenhuma equipe no local, sendo todos os acessos, controles e
con gurações feitos remotamente, através de conexão externa. Então, só o fato de todas as
subestações precisarem estabelecer um canal de comunicação externo já traz uma exposição ao
ataque. Além disso, quando se fala em automação do sistema elétrico e de vários equipamentos na
rede, tanto de distribuição quanto de transmissão, trata-se de uma rede de comunicação exposta e
que pode abrir a possibilidade para ataque de hackers.
O que pode ser feito em relação a isso? Freitas, da ABB, explicou que as concessionárias não estão
investindo o quanto deveriam em segurança cibernética por vários fatores, entre eles: baixa
incidência de ataques no Brasil e, principalmente, porque nenhuma concessionária é remunerada
para fazer um investimento em cibersegurança.
“Hoje, entendemos que é eminente a necessidade e que é preciso haver uma ação do órgão regulador,
que deve passar a solicitar e remunerar este tipo de investimento. As concessionárias também devem
solicitar isso nas suas especi cações ou começarem a fazer projetos de assessment para descobrir
qual é o seu nível de exposição a ataques cibernéticos. Dessa forma, será possível dar início a uma
onda de investimentos e implementação nesse tipo de projeto”, disse o especialista.